BAHIA N - andi.org.br · oeste da Bahia. Na mesma semana em que A TARDE flagrou um de seus...

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5| ESPECIAL |SALVADOR, DOMINGO, 10/12/2006 ❚ EXPLORAÇÃO SEXUAL INFANTO-JUVENIL

EDITORIA DE ARTE A TARDE

Angical

Riachão das Neves

Barreiras

São Desidério

Catolândia

TOCANTIN

S PIAUÍ

BAHIA

BAHIA

Salvador

N

Luís Eduardo Magalhães

ONDE FICA FLAGRANTE ❚ Em conversas gravadas com funcionários do hotel Solar das Mangueiras, recepcionistasoferecem programas sexuais com garotas para hóspedes nos quartos do estabelecimento

Rota de exploraçãoinclui hotel de Barreiras

FOTOS: RICARDO MENDES

Real Saloon: casa noturna que fica na BR-242 anuncia a clientes chegada de 14 meninas do Tocantins

Ricardo Araújo Vital escondefoto de mulher seminua emcaderno que fica sob o balcãoda recepção do hotel ondeoferece programas sexuais

Fachada do hotel em Barreiras

RICARDO MENDESr i c a rd o m e n d e s @ g r u p o a t a rd e . c o m . b r

A situação de exploração sexual in-fanto-juvenil em Barreiras, a 858km de Salvador, é parte de um ciclocriminoso que começa com crian-ças e adolescentes nas ruas e baresda cidade e continua em casas deprostituição, pousadas e hotéis.

O caminho da exploração teminício nas rodovias federais. Deze-nas de adolescentes de cinco Esta-dos brasileiros convergem paraBarreiras, onde ganham a vida ten-do seus corpos comprados por va-lores que vão de R$ 10 a R$ 150.

Elas são do Distrito Federal,Goiás, Maranhão, Piauí e do To-cantins, além da Bahia. Chegam deônibus ou de carona, na boléia dec a m i n h õ e s.

Duas casas de prostituição quefuncionam na cidade têm alvarámunicipal e Cadastro Nacional dePessoa Jurídica na Receita Federal,documentos afixados junto aoscaixas. O crime de manter local pa-ra encontros sexuais é previsto noartigo 229 do Código Penal e fixapena de dois até cinco anos de re-clusão aos proprietários.

“Quando é feita blitz nesses lo-cais, as meninas apresentam do-cumentos falsos. A aparência de-las, inclusive, é de adolescentes”,afirma um advogado do municí-pio, que pediu para não ser iden-tificado e disse conhecer o funcio-namento das duas casas.

Na boate Real Saloon, na BR-242, uma pernambucana que seapresenta como Maria Helena etrabalha de garçonete no local in-formou que 14 “meninas” estavamchegando de Palmas (TO) a Barrei-ras, nos próximos dias, para fazer

programas sexuais em troca deR$ 80. “Para umas, a gente paga apassagem, outras chegam porconta própria”, disse.

O Bar Executivo é mais um doslocais de prostituição conhecidosna cidade. O estabelecimento échamado de Quebra Gaúcho, umareferência aos produtores ruraissulistas que vivem na região e têmdinheiro para pagar R$ 150 porprograma e R$ 10 por cerveja.

Em uma única noite, saíram deuma vez dez das 25 garotas que es-tavam no bar para participar deuma festa em fazenda no municí-pio. “É por isso que hoje está meiovazio aqui”, justificou o responsá-

vel pelo caixa. Quando os progra-mas não acontecem nos fundos,onde se pagam R$ 30 para usaruma suíte, é necessário deixarR$ 50 por jovem para tirá-las da ca-sa. O programa é feito em motéis ehotéis da cidade.

“Temos até denúncias de queacontecem leilões de virgens na re-gião, mas é difícil comprovar. A si-tuação se dá em locais fechados,com um grupo restrito de pessoas.Quem sabe não denuncia com me-do de represália”, afirma Ruy Pa-van, representante do escritóriodo Fundo das Nações Unidas parao Desenvolvimento da Infância eJuventude (Unicef) na Bahia.

HOTEL – Quem se hospedar nohotel Solar das Mangueiras e pedirum misto quente à cozinha doestabelecimento pode ser surpre-endido com oferta de sexo coma d o l e s c e n t e s.

Foi o que aconteceu no dia 8 denovembro e durante os quatro diasem que a reportagem de A TARDEficou hospedada no local.

No total, foram cinco ofertas deprogramas sexuais nas dependên-cias do hotel.

Os encontros são propostos pe-los funcionários do turno da ma-drugada. Quando o hóspede che-ga, quem é explorada sexualmenteestá aguardando na penumbra,

nos fundos ou na área de circula-ção. Elas são apresentadas pelo re-cepcionista Ricardo Araújo Vitalcomo moças de 18, 19 anos.

“Tem uma de 16 anos, eu fui nacasa dela saber, porque se ela en-trar aqui e a polícia pegar eu voupreso. Se o senhor for ficar maisdias aqui, eu vou atrás dela”, disse,no dia 9 de novembro.

Para atrair interessados nos en-contros sexuais, ele mostra foto deuma jovem de calcinha e sutiã. Se-gundo o recepcionista, ela teria 18anos. A imagem fica escondidadentro de um caderno sob o balcãoda recepção. Na última quarta-fei-ra de madrugada, em diálogo gra-

vado (ouça no A TARDE ON LINE,no canal Prêmio Tim Lopes),A TARDE reservou novo quarto.

Vital reconheceu quem seria ohóspede que estava falando quan-do foi mencionada a oferta que fezda adolescente em novembro.

“Ah, é o senhor, né? Estou lem-brado. Eu vou ver para o senhoraqui, porque desta idade –16 anos– eu não posso trazer, não. Mas eutenho coisa boa. Morena clara, ca-belo liso, preto, magrinha, boniti-nha, coisa boa. O senhor chegandoaqui, eu vou ajeitar”.

O programa custa R$ 150, maisR$ 20 do taxista. “Ele traz a meninapara o hotel e depois devolve para acasa dela”, afirmou ao telefone.Quando questionado quanto elereceberia pelo serviço de agencia-mento, Vital afirmou que não co-bra nada, mas sugeriu uma gorjeta.Outro recepcionista do turno damadrugada, que se identificou co-mo Alcir, também confirmou emconversa gravada que organiza en-contros sexuais no hotel.

“Geralmente as que vêm sãomaiores de 18 anos. A gente ligaquando precisa para quem já co-nhece”, explicou.

O artigo 244-A do Estatuto daCriança e do Adolescente prevêpenas que podem variar de 4 a 10anos de prisão, além de multa, paraquem “submeter criança ou ado-lescente à prostituição e explora-ção sexual”. Na legislação brasilei-ra, é considerada criança pessoade até 12 anos, e adolescente quemtem, no máximo, 18 anos. Inde-pendente da idade, a pessoa podeser enquadrada no artigo 228 doCódigo Penal por favorecimento àprostituição, com penas de 2 a 5anos de reclusão e multa.

”Acontece em qualquer hotel do mundo“, diz dono

ARQUIVO A TARDE

Leão Diniz e os documentos do Tribunal de Justiça e do Infoseg: processo de estelionato, ameaças e prisão preventiva revogada em 1992

Proprietários, gerentes eresponsáveis pelo local em quese verifique a submissão decriança ou adolescente àprostituição ou exploraçãosexual também estão sujeitos apenas de 4 a 10 anos de reclusão,multa e cassação do alvará defuncionamento, de acordo com oEstatuto da Criança e doAd o l e s c e n t e.

O Hotel Solar das Mangueiraspertence ao pernambucano LeãoDiniz de Souza Leão Neto.Segundo o Infoseg(www.infoseg.gov.br), sistema dogoverno federal que integrainformações de segurançapública, justiça e fiscalização, oempresário já teve um mandatode prisão preventiva decretado

contra ele pelo assassinato deManoel Dias Santana, emMuquém de São Francisco,município de Barra. O crimeseria por causa de disputa porterras. A prisão foi revogada em1992, porque ele se apresentouvoluntariamente à Justiça.

“Depois disto, não háqualquer outro andamento noprocesso em que é um dos réus”,conta o subescrivão João Leite,da Comarca de Barra. “Oex-agropecuarista, de 68 anos, éacusado também de estelionato,informa a base de dados daSecretaria Nacional de SegurançaPública.

Diniz estaria envolvido aindacom crime ambiental na RegiãoMetropolitana de Salvador, de

acordo com uma testemunhaouvida pela Polícia Civil no anop a s s a d o.

No dia 30 de agosto de 2005, oempresário teve os cadeados desua chácara em Lauro de Freitasserrados pelos funcionários doDepartamento de GestãoAmbiental da prefeitura e poragentes da Guarda Municipal.

Segundo Josuel Santos Silva,um dos caseiros da chácara,Diniz estaria fazendo oaterramento de cerca de 150metros quadrados de manguepara a construção de umatracadouro de barcos.

Personalidade polêmica, Dinizé conhecido e temido na regiãooeste da Bahia. Na mesmasemana em que A TARDE flagrou

um de seus funcionáriosoferecendo jovens paraprogramas sexuais, ele foiprocurado pela polícia deBarreiras no hotel de suapropriedade. O motivo foi aexpulsão de pessoas queocuparam o loteamento Parquedas Flores, de sua propriedade.

“Eu tinha o direito”, afirmaDi n i z .

No 1º Juizado EspecialCriminal de Nazaré e naExtensão do 2º Juizado EspecialCriminal do Largo do Tanque deSalvador, há queixas de ameaça.Os processos são os de números1128-2/2001 e 2611-5/2004.

A TARDE conversou com 21pessoas para traçar o perfil doempresário. Todas pediram para

não ser identificadas nareportagem. “Quem fazdenúncias não vive o suficientepara testemunhar”, afirmou umadas fontes.

Sobre os comentários,processos e denúncias a seurespeito, Diniz afirma que aacusação de homicídioprescreveu, que as queixas deagressão contra ele são de fundopolítico porque é irmão dodeputado federal João Neto (PP).Ele diz ainda desconhecer quefuncionários seus estejamagenciando encontros sexuais.“Vou demitir por justa causaquem estiver fazendo isso”. Aomesmo tempo afirma que “issoacontece em qualquer hotel dom u n d o.”

Faltam denúnciasformais paraevitar o crime

O advogado do Cedeca (Centrode Defesa da Criança e doAdolescente Yves de Roussan),em Salvador, Waldemar Oliveira,afirma que a situação flagradaem Barreiras é comum em todoo interior da Bahia. “Há umaomissão em relação a estescasos, porque eles têm oenvolvimento ou conhecimentode políticos, prefeitos,fazendeiros, comerciantes. Osexploradores, muitas vezes, têmpoder político e econômico e sãotemidos”, disse.

Meninas exploradassexualmente em Barreirastambém afirmam que sãoabordadas por homens em“carrões” e que “barões” queremfazer programas com elas (leiareportagem à página 4).

O coordenador regional daPolícia Civil , delegado ViniciusMor Brandão, explica que nãotem conhecimento de que opoder aquisitivo de exploradoresseja um obstáculo para quedenúncias sejam feitas. Eletambém diz desconhecer aexistência de uma rede deexploradores na região agindo deforma articulada e sistemática.

“O que sabemos é que hácasos de exploração aqui comoem outros lugares da Bahia, etodos eles nós apuramos quandodenunciados. Abrimos inquéritoe encaminhamos ao MinistérioPúblico”. Ainda segundoBrandão, o efetivo de policiais épequeno para a necessidade de“operações específicas decombate à exploração”. São 31homens para uma cidade de 133mil habitantes, de acordo comdados do IBGE. “A falta de provastestemunhais também dificulta otrabalho da polícia”.

❛“Tem coisa boa.É morena clara,cabelo liso,preto, magrinha,bonitinha. O senhorchegando aquieu vou ajeitarpor R$ 150 maiso táxi, que é R$ 20”

Ricardo de AraújoVital, recepcionista do HotelSolar das Mangueiras ❚

i Notícia integrada: Ouça arepercussão da reportagemem A TARDE Notícias, às 7horas, na A TARDE FM (103.9mhz). No A TARDE ON LINE, aentrevista completa com odono do hotel e trechos dasgravações com recepcionistasw w w. a t a r d e . c o m . b r