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ASPECTOS DA PAISAGEM: ENTRE A IMIGRAÇÃO ITALIANA E ALEMÃ NO RIO GRANDE DO SUL
CREMONESE, PEDRO E. (1); LIMA, RAQUEL R. (2)
1. FAU-PUCRS. Aluno de bacharelado
pedrocremonese@live.com
2. FAU-PUCRS. Departamento de Teoria e História raquel.lima@pucrs.br
RESUMO
No Rio Grande do Sul, o século XIX foi marcado pela chegada de uma enorme população imigrante principalmente da Itália e da Alemanha, que trouxe consigo seus conhecimentos e cultura, trazendo novos cenários, mais europeus, para este estado ao sul do continente americano. Com a diferença de tempo entre as duas principais imigrações européias no século XIX para o Rio Grande do Sul, houve, portanto, uma diferenciação de regiões para cada etnia. Com isto, várias cidades se desenvolveram com essas culturas, cultivando vários aspectos paisagísticos de seu país de origem e lhes agregando valores vernaculares na adaptação de seus conhecimentos trazidos à realidade da América a ser desbravada. Hoje, para quem convive com tais realidades, é clara a diferenciação de uma residência urbana ou rural ou até mesmo dos vilarejos à distância, entre origem alemã ou italiana do referido povo. Isto acontece devido a estéticas, planejamento urbano, e até métodos construtivos que diferenciavam estes povos, além do próprio local onde se assentaram, entre planícies, serras e planaltos. O artigo tem como objetivo central a comparação entre as duas arquiteturas de colonização italiana e alemã por meio de comparações e assimilações, baseadas em bibliografias de estudos sobre arquitetura vernacular no Rio Grande do Sul posteriores, feitos em outras regiões, e outras bibliografias. Tais aspectos serão expostos, com base nas pesquisas feitas 2014 e com foco principal na região Centro Serra do Rio Grande do Sul, onde houve pouca produção científica nesse sentido, em muitos lugares inclusive foram pioneiramente estudados para estes estudos; sendo assim, serão citados estudos feitos a exemplo da cidade de Arroio do Tigre e o vilarejo de Tamanduá, no interior de Segredo, como exemplos da paisagem cultural da etnia alemã, e as cidades de Segredo e Sobradinho a exemplo da etnia italiana.
Palavras-chave: imigração italiana, imigração alemã, Rio Grande do Sul, arquitetura vernacular, paisagem cultural.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
ASPECTOS DA PAISAGEM: ENTRE A IMIGRAÇÃO ITALIANA E ALEMÃ NO RIO GRANDE DO SUL
Contextualizando as imigrações
No contexto do século XIX, o território gaúcho encontrava-se escasso de população e
constantemente ameaçado de invasões territoriais, como consequência disto. O governo
imperial, então, aproveitando-se das condições de pobreza das populações europeias deste
tempo, oferece terras a estas populações, a primeira em 1824, com a emigração alemã.
Sendo o Rio Grande do Sul um estado com relevo variado, estes primeiros imigrantes
estabeleceram-se em regiões semelhantes ás suas na Alemanha, como as planícies do norte
que acidentam-se em montanhas até culminar nos alpes do sul, na fronteira com a Suíça.
Logo, o Rio Grande do Sul teve suas planícies perto da capital e em direção à região central
do estado inicialmente povoadas pela população alemã, e algumas comunidades no início do
relevo acidentado da Serra Gaúcha (nordeste do estado). As populações mais antigas são da
região de São Leopoldo, próxima da capital gaúcha, de onde partiram os imigrantes e
descendentes para o restante do estado. Cidades como Venâncio Aires, Santa Cruz do Sul,
São Sebastião do Caí, Candelária, Agudo e Novo Hamburgo são claros exemplos de
comunidades alemãs estabelecidas nas planícies gaúchas. Enquanto Nova Hartz, Nova
Petrópolis e Santa Maria do Herval são exemplos de cidades em relevos acidentados
próximos ou na própria Serra Gaúcha. Os famosos casos de Gramado e Canela são
exemplos de cidades mais novas, já do início do século XX e com população mais mista, em
contato com a italiana.
A imigração italiana ocorreu de outra forma. Com a maioria dos imigrantes vindos do norte da
Itália, região próxima aos alpes e com as terras planas próximas a capital gaúcha já ocupadas
pelos alemães, as comunidades se estabeleceram em quatro subdivisões da colônia italiana.
Três nos acidentados morros da serra gaúcha, e a Quarta Colônia italiana (pouco conhecida
devido ao principal foco acadêmico e turístico para esta etnia ser focado para a Serra
Nordeste), esta localizando-se nas proximidades da cidade de Santa Maria, onde o terreno é
mais plano, com várias cidades localizadas nas serras próximas, e outras para onde os
imigrantes e descendentes também migraram posteriormente. O presente artigo evocará
comparações e relatará sobre as comunidades imigrantes no Rio Grande do Sul em geral,
mas com enfoque na região centro-serra, por ser uma região rica em arquitetura das
comunidades imigrantes de ambas as etnias, ora em contato, ora separadas. Muito do que foi
documentado na região durante os anos de pesquisa foram construções e comunidades
inéditas para o meio acadêmico, a título de catalogação.
Figura 1: casos de cidades mais antigas das imigrações: Acima, Antônio Prado, com sua igreja
neobarroca e o casario em madeira, e Caxias do Sul na direita, exemplos da colonização italiana.
Abaixo, as cidades alemãs de Santa Cruz do Sul à esquerda, com a catedral católica, e São Leopoldo,
ao fundo com a igreja luterana. Fonte: Thread Memória - Rio Grande do Sul, skyscrappercity.com
A região centro-serra
Após o estabelecimento das primeiras comunidades, ainda havia muita terra não desbravada
no interior gaúcho. Os chamados “fundões” da serra central tornaram-se atrativos
posteriormente, principalmente pela oferta de madeira e terras na região, desta vez não do
governo, já republicano do final do século XIX - não houve evidencia da chegada dos
imigrantes para a região antes de 1888, visto que a casa mais antiga documentada data-se de
1900 e é feita de pedra. Logo, presume-se que fora construída outra provisória de madeira
anteriormente, porém sem datas claramente ditas.
Segundo alguns relatos, foi constatado que a venda das terras da região já não era um
negócio pertencente ao estado, mas sim a “empresas”, famílias de luso-brasileiros vindos
antes da imigração ou algumas famílias alemãs, a exemplo da família Scheit, que
provavelmente comprou a terra antes do real povoamento.
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Figura 2: Edificações religiosas. Acima, a igreja da comunidade italiana de Ivorá, na Quarta Colônia, e
ao lado de Itaúba, no centro serra. Abaixo, a igreja luterana de Sinimbu, na região do Rio Pardinho e a
capela primitiva de Pitingal, ambas regiões de colonização alemã.
Fonte: acervo Pedro Cremonese
As evidências de comunidades prósperas
As evidências mostram que se estabelecem então na região do Campestre com os casarões
datados de 1900 os primeiros imigrantes italianos, e logo após os primeiros alemães na atual
Linha Rocinha com sua capela em alvenaria de 1903. O símbolo de cada povoamento era sua
igreja, e através do tamanho, tipo e data em que foram construídas, pode-se ter uma idéia
sobre as condições de vida e recursos que cada comunidade detinha. Em seguida a estas
primeiras comunidades, os italianos seguem para Arroio Bonito (pequena igreja em alvenaria
de 1909 rica em afrescos e altar neogótico) e também para Sobradinho e Segredo sendo suas
cidades ainda com muitas construções em madeira, inclusive igrejas, enquanto os alemães
em Arroio do Tigre em 1915 já construíram a atual igreja católica matriz em alvenaria e estilo
neogótico. As comunidades italianas de Sobradinho e Segredo construíram suas matrizes
atuais em alvenaria somente em 1936 e 1932, respectivamente, enquanto que a exemplo de
Serrinha Velha, hoje apenas uma comunidade do interior do município, tem sua igreja de
alvenaria da década de 1920.
Todas estas comunidades concorreram entre as mais próximas para quais seriam sedes dos
atuais municípios nos momentos de emancipação, pois até então todas pertenciam a
Soledade. Segredo concorria com Gramado, Serrinha Velha e Tamanduá; e Sobradinho com
Arroio Bonito. A primeira cidade a se emancipar foi Sobradinho, em 1927, mais tarde Arroio do
Tigre em 1963 e tardiamente Segredo em 1988, já bem mais consolidada entre as suas atuais
comunidades dependentes que as demais nas suas respectivas épocas.
Análises da paisagem e da cidade
Evidentemente, na Europa é clara a diferença de uma cidade italiana e uma cidade alemã. No
Brasil, as cidades de cada etnia acompanham suas culturas de origem. A Igreja foi o centro
das comunidades italianas no sul do Brasil por muito tempo, tendo ainda valiosa importância
nas cidades interioranas. As comunidades da quarta colônia como Vale Vêneto e Ivorá são
exemplos claros deste planejamento urbano, que também se repetiu no Centro Serra gaúcho,
como em Segredo, Sobradinho, Arroio Bonito, e Campestre. O planejamento urbano dessas
comunidades italianas consistiam em definir o local da igreja católica matriz, normalmente
localizada na área mais alta da cidade em declive. Segundo as pesquisas realizadas, os
relatos e a bibliografia de Júlio Posenato, as primeiras igrejas eram, de modo geral, de
madeira com campanário separado. Depois, quando a comunidade adquiria mais recursos,
construía-se em alvenaria, e esta sim seria uma igreja com trabalhos e requinte ao máximo
que as condições que o povo podia oferecer, ainda que provavelmente vernacular; somente
posterior a isto se construía o campanário em alvenaria, por isto, em comunidades cujo
desenvolvimento estagnou-se, ainda há igrejas de alvenaria com campanário de madeira ao
lado, enquanto são escassos os casos de uma igreja de madeira com campanário de
alvenaria.
As construções italianas reservaram características singulares, sendo tido como um dos
melhores exemplos de arquitetura espontânea no Brasil. Trata-se de casos diversos, entre os
quais podemos citar características comuns, como o uso do porão como fabricação de vinho
ou para o abrigo de animais no inverno(a fim de que o calor subisse através da sublimação
para esquentar o restante da casa), o piso principal ser não o térreo, semi-enterrado, mas sim
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o superior, como os quartos e sala(s), e o sótão ser reservado para as crianças mais novas e
filhos homens e as escadas estarem localizadas não dentro, mas fora da casa Dentre os
casos característicos, temos as casas de pedra como os “rusticos” italianos, conservando
ainda mais suas características de origem, como as esquadrias com vergas de madeira,
escadarias externas, que era com se sabia fazer. Não necessariamente as casas de pedra
tinham telhados íngremes como as casas de madeira. Nesse caso, criado no Brasil, não
adaptado, devido a abundância de matéria prima; esse tipo de residência manteve sempre
uma inclinação íngreme de telhado, relata-se que para não haver acúmulo de neve, enquanto
que se pode sugerir que consideravam as casas de pedra mais resistentes a esse acúmulo.
Também, o telhado serviria de sótão, e, portanto, mais um espaço útil da casa.
Figura 3: Exemplos de casas rurais. Na esquerda, a casa da família italiana Rubert; à direita, a casa da
família alemã Kipper. Fonte: Acervo Pedro Cremonese.
Para ambas as etnias, ocorre o conhecido caso da cozinha separada do restante da
residência, principalmente nas construções rurais, porém os italianos levam hoje o maior
crédito pelo número de casos. Assim sendo, as casas antigas italianas em geral podem
apresentar-se como uma casa “dupla”, de volume maior e outro menor. O maior destaque
para a arquitetura italiana se dá pela criatividade dos imigrantes com a madeira e a pedra,
desenvolvendo aqui cidades feitas quase totalmente com construções de até grande porte em
madeira, como escolas, clubes e igrejas. No exterior, fachadas com lambrequins e trabalhos
na parede da casa também chamam atenção. A horta e o restante das construções
conformam-se após a casa, e o jardim com paisagismo simples, normalmente decorado com
roseiras. A casa alemã toma um contraste de não necessariamente tentar “esconder” as
funções lavorais e a horta, enquanto que a lida com flores também é muito reconhecida pelos
coloridos jardins, chegando em casos variados: ou jardins impecáveis e com muitas flores, ou
até mesmo com a horta tomando a frente da casa, característica notada em várias
comunidades alemãs, seja em casas antigas ou mais novas.
Figura 4: Acima, exemplos do posicionamento da igreja em cidades italianas, à esquerda em Serrinha
Velha, à direita, em Sobradinho, onde houve desenvolvimento urbano da cidade abaixo da Igreja
Matriz. Abaixo, ambas as fotos exemplificam Arroio do Tigre, na esquerda, a cidade vista da Igreja
Católica, à direita, vista do campo atrás da Igreja Luterana, no outro lado da cidade.
Fonte: Acervo Pedro Cremonese
As comunidades alemãs tendiam também a privilegiar suas comunidades religiosas, porém
com a dualidade da cristandade alemã entre as comunidades católicas e luteranas,
observa-se o destaque na maioria dos horizontes urbanos sendo cortados pelas torres de não
uma, porém duas igrejas em destaque, as respectivas comunidades de cada religião,
geralmente, construindo suas igrejas em estilo neogótico. No caso de Arroio do Tigre há ainda
o destaque para o pequeno vale onde se encontra a cidade, a qual tem uma igreja em cada
ponto alto do vale, com um campo e um pequeno rio cortando a cidade ao meio até hoje,
dando a parecer vista de cima que é uma cidade católica e outra luterana separadas pelo
fundo do vale. Porém de perto se observa que hoje o principal centro urbano com comércio,
hospital e colégio se localiza no lado católico. Caso semelhante ocorreu na famosa cidade de
Gramado (ressaltando ser a cidade na serra gaúcha, não a pequena comunidade
centro-serrana já citada), onde a Igreja Católica toma o protagonismo da rua principal, mas a
igreja luterana está num local de destaque devido ao morro onde se encontra. O afastamento
das comunidades cristãs ocorre frequentemente nas cidades germânicas do Rio Grande do
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Sul, também a exemplo de Sinimbu e Santa Cruz do Sul, onde o centro cívico fica concentrado
em torno da igreja católica.
Este já é um aspecto característico das comunidades teuto-brasileiras, visto que, mesmo após
o Império e o desmembramento da Igreja Católica com o estado, a Igreja ainda detinha
benefícios sobre as cidades, e não somente por supremacia, pois se não fosse por essa
instituição, as pobres comunidades imigrantes não teriam crescido culturalmente com suas
escolas em Seminários Católicos, sem falar nas questões civis como os registros de
casamento e nascimento, e da saúde, como os hospitais de caridade e de comunidades que
também eram mantidos pela igreja. Em resumo, é evidente que cabia ao estado geralmente a
mínima importância sobre policiamento e ofícios, porém cabia à Igreja as demais funções
sociais básicas da sociedade na grande maioria das comunidades imigrantes.
Figura 5: As setas indicando as igrejas de Arroio do Tigre nos altos do vale onde fica a cidade. Em
laranja, a igreja católica com o centro mais consolidado e em vermelho a igreja luterana. Fonte: Google
Earth.
Voltando ao caso de Arroio do Tigre, vemos na igreja católica matriz muito bem conservada
com altares neogóticos e belos vitrais, chamando atenção para a Via Crucis bilíngue, como o
português de grafia antiga e o alemão narrando as estações da crucificação de Cristo. A Igreja
Luterana também conserva seus aspectos originais, porém, como igreja protestante, com
decoração mais minimalista. A igreja tem vitrais em losangos nas laterais, e relatos informam
que foi construída com ajuda financeira da Alemanha.
As construções alemãs trazem consigo, já nesse período tardio e nessa região de enfoque,
não a conformação do estilo enxaimel como ocorrera nas comunidades mais antigas como em
Agudo, Dois Irmãos ou Nova Petrópolis e o famoso caso do novo estilo enxaimel brasileiro,
porém genuinamente alemão das comunidades germânicas se Santa Catarina: por outro lado,
conformam as formas características alemãs como o telhados em formas características,
como em gambrel e com o ecletismo alemão que ja dominava a capital gaúcha. Nos tempos
em que a modernidade era algo almejado por muitos, trazer estas características das grandes
cidades para o interior era sinônimo de estar à par com seu tempo. As cidades italianas
preservaram suas características de construções quadradas com janelas retangulares e
telhados de quatro águas, como nas cidades italianas; porém “modernizavam-se” buscando o
art-déco aerodinâmico. Sobre o urbanismo alemão, constata-se pela apresentação do Prof.
Dr. Günter Weimer a diferença da conformação das aldeias na Alemanha. Especifica-se a
diferença entre o crescimento ao longo de uma estrada, mais característico da Vestfália e a
conformação arredondada, mais independente de uma via, caracterizando a região da
Pomerânia.
Nas cidades e vilarejos analisados, temos dois tipos: a formação de uma cidade independente
de via principal e outra conformando-se ao longo de uma estrada, possivelmente um ponto
estratégico de comércio ou de coleta da produção rural. Ocorre que a maioria das
comunidades realmente formaram-se ao longo de uma via, porém logo tomaram
independência para seu planejamento urbano. Os atuais vilarejos de Gramado e Serrinha
Velha seguem essa conformação, sendo de comunidades mistas ou de maioria italiana. A
cidade de Arroio do Tigre e a comunidade Progresso são de autoria alemã, porém conformam
suas construções mais antigas ao longo do eixo principal da própria cidade, não da rodovia
que interliga as cidades, e seguem um planejamento organizado.
Segredo tem um caso especial de planejamento urbano que deveria ser semelhante ao da
demais cidades, porém ocorreu de forma diferente. A cidade crescia em um lado contornando
o morro enquanto que a casa da família Mainardi, o mais importante comércio da cidade por
anos e que dera origem a ela estava no lado do declive. Almejando o paisagismo tradicional
de sua origem, a igreja matriz foi construída defronte a casa. A família não vendeu nenhum
terreno e a cidade acabou crescendo para o outro lado. Resultado: a cidade continuou
contornando o morro e para o lado oposto de onde deveria seguir, tendo sua igreja de costas,
porém com uma reforma feita pelo Padre João Pasa no sentido de trazer uma nova “frente”
para os cidadãos, foi adicionada uma cúpula e naves laterais no sentido em que a cidade
cresceu. A igreja “modernizou-se” com características italianas, porém o casarão foi demolido
em 2015.
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Um estudo de caso da arquitetura germânica: a casa Ensslin.
A família Ensslin, chegada a Arroio do Tigre se estabeleceu em terras próximas à cidade,
onde construíram a primeira casa de madeira e o primeiro comércio, também de madeira.
Com o passar dos anos, a família acumulou recursos o suficiente para construir a nova
"venda" (armazém) de alvenaria, inaugurada na data pintada na fachada, 1932. Nesta
construção, observa-se características marcantes como:
· Telhado em formato característico;
· Paredes em chapisco de cal;
· Ornamentos planos emoldurando aberturas(em reboco regular);
· Pinturas internas;
No período entre dois a quatro anos depois da finalização do armazém de alvenaria, a família
pôde dar início a construção da nova casa. Anexa ao armazém, segundo relatos da senhora
Erica Ensslin, a família optou por manter o mesmo pé direito do armazém demasiadamente
alto para uma residência, segundo ela, para que se mantivesse a forma e as construções não
tivessem alturas diferentes. A ligação entre as duas construções se dá através de uma parede
com porta que dá acesso não para um espaço interno, mas para o grande alpendre "corredor"
da parte posterior da casa, que liga as duas construções, seguindo até a cozinha, na
extremidade da casa mais longe do armazém; tal parede gera a impressão de, para o
observador que vê as construções da "esquina" de estradas onde a casa fica, parecer ser uma
construção só, fechada. A casa compreende-se por um corredor central com os cômodos
dispostos em torno, um deles com a escada para o sótão que não é conectado ao do
armazém. De modo que um dos cômodos da frente é uma sala, e os dois últimos são a sala de
jantar e a cozinha. O acesso principal se dá para o corredor, não a uma sala. Nesta casa se
observam ainda características originais muito bem conservadas como as pinturas em quatro
cômodos, os móveis (alguns em estilo art nouveau e modernistas). Em ambas as casas,
nenhuma abertura, seja janela ou porta, foi trocada.
Figura 6: fotos do conjunto Ensslin: O interior com pinturas, na direita; uma das fotos antigas da casa; e
abaixo uma foto atual. O primeiro armazém à esquerda e a residência na direita. Fonte: Acervo Pedro
Cremonese e da família Ensslin.
As pinturas:
De fato, é notável o refinamento das pinturas na propriedade Ensslin. Os motivos variam entre
texturas, ornamentos com base geométrica mais modernos, e ornamentos vegetais, mais
tradicionais. No armazém, observa-se cores marrom, bege e detalhes menores em azul. A
porta frontal da residência, na varanda, em seu acesso ao corredor mostra o cômodo com a
pintura mais bem trabalhada da casa, o próprio corredor. Onde os motivos com folhas verdes
e flores brancas na parte superior da pintura seguido por uma textura em tom mais claro
abaixo, e abaixo, um terceiro tipo de pintura "rodapé" alto, com formas quadradas como
molduras. Na sala de estar há o fundo bege com padrões com rosas e formas geométricas.
Segundo Erica Ensslin, neste cômodo a pintura foi feita com gabarito metálico, tal como no
quarto do casal, no outro lado do corredor, que então apresenta um padrão de pássaros e
florais.
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A construção:
Para a construção, em seus relatos dona Erica relata que " foi um pedreiro de Candelária(...).
Ele tinha seus ajudantes, mas ele que era o chefe, que administrava a construção e as
pinturas, tudo era com ele.". Apesar do aparente erudismo presente no traçado e no
ornamento da casa, permanece incerta a formação do construtor. Segundo relatos de dona
Erica, pondera-se se era "engenheiro¹" ou "prático".
Os tijolos vieram da localidade de Arroio Bonito. Naquele tempo, as várias vilas prosperavam
com pequenas indústrias, cooperativas e até hospitais, e mais tarde concorreriam para saber
quais virariam municípios e quais, com as facilidades do automóvel, ficariam dependentes
deles e parariam no tempo, como o que houve com a estagnação de pequenas potências
como Serrinha Velha e Tamanduá, em seus períodos de apogeu. Arroio Bonito, cuja capela
de alvenaria hoje existente data de 1906, é, segundo relatos, a primeira dessas localidades, e
na época de construção das casas da família Ensslin (1932 e 1934) já tinha sua olaria. Dona
Erica relata a rotina para trazer os tijolos, em duas viagens por dia a uma distância de dez
quilômetros.
"Os tijolos, eram duas viagens por dia: saia o carroceiro de madrugada, voltavam perto de
meio dia, descarregavam; e de tarde ia buscar outra viagem de tijolo, lá no Arroio Bonito, tinha
uma olaria lá. E de noite descarregavam ainda, porque, naquela época, trabalhavam era de
manhã até escurecer, não tinha horário assim '6 horas, pára'."
Trecho dos relatos de Erica Ensslin, 2016.
A madeira para pisos e telhados veio da linha Figueira, próxima à vila Tamanduá, outro polo
de colonização alemã onde seu tio, Alberto Ensslin, possuía um engenho que está
funcionando até hoje (sem o mecanismo original) com seu neto, Daniel Ensslin. E as
aberturas, no que se refere a portas e janelas não se sabe a origem, porém cogita-se que seja
das duas maiores cidades próximas, Arroio do Tigre e Sobradinho. O telhado, de zinco, foi
certamente comprado de alguma indústria da região de Porto Alegre.
Um estudo de caso da arquitetura italiana: a casa Mainardi.
A casa da família Mainardi foi construída na década de 1920 para residência e comercio de
Antônio Mainardi e família. Trata-se de uma construção que segue o maior padrão das casas
italianas: o porão de pedra e a construção de madeira acima, sempre em declive, com a
cozinha construída em volume separado, porém essa em questão mais moderna, da década
de 1940 e em alvenaria. A casa foi um grande referencial para a cidade, sendo forte ponto de
comércio e negócios. A família comprava e vendia fumo, enquanto também tinha um grande
armazém em um grande salão feito de largas tábuas de pinheiro araucária dentro do volume
da casa maior. Anexo a ele, havia cozinha, banheiro e saletas. Desses cômodos posteriores
ao salão do armazém e do próprio armazém acessava-se o restante da casa: no volume maior
em madeira, poucos cômodos destinados ao convívio da família, porém a construção menor
separada tinha quatro repartições entre saletas e cozinha. Os quartos ficavam no sótão, três
ao total e uma saleta em torno da escada, com as três águas-furtadas. O porão de pedra era
usado para fabricação de vinho, e no piso havia um pequeno poço d’água usado para
refrigeração das bebidas do armazém encima.
Figura 7: Aspectos sobre a casa Mainardi: na esquerda, a cidade de Segredo na década de 50,
desenvolvida para detrás e em torno da igreja. Na direita a casa vista da torre da igreja. Abaixo,
detalhes do trabalho em madeira. Fonte: Acervo Paróquia São Marcos e Pedro Cremonese.
Construção:
A casa foi feita basicamente de dois materiais: pedra e madeira. As pedras, facilmente
achadas na região, são cortadas em prisma retangular para o porão. A madeira por sua vez,
como na maioria das casas de sua época tem as vigas maiores que sustentam o piso e o
segundo pavimento cortadas em machado, falquejada. As tábuas de piso e das paredes
externas são grandes tabuões de pinheiro araucária, enquanto que as divisórias dos quartos
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são feitas de tábuas menores. A madeira foi retirada da região enquanto ainda estava sendo
desbravada.
Conclusões parciais sobre os modos de organização das sociedades
imigrantes.
De fato, estas comunidades alemãs são reconhecidas no interior do Rio Grande do Sul por
cultivarem uma erudição maior nas suas cidades e casas, sugere-se que provavelmente isso
tenha ocorrido em função da Alemanha não ter tamanha situação de pobreza como na Itália,
sendo a América uma oportunidade de vida nova, não como uma medida de desespero em
meio à miséria.
“Lúri i saria stádi in tel Giardin dal mondo, come che i ghe ciamava. Ma a iéra mia sua la tera,
cári! E li grandi ricassi, qüíi che lá i iera ríchi, ríchi, e cheáltri i iéra póveri, poveri.”
Pietro Radaelli, 1982
“Eles teriam ficado no jardim do mundo, como de fato lhe chamavam. Mas não era deles a
terra, caros! E os grandes ricaços, os que lá eram ricos, eram ricaços, e que fossem pobres,
eram miseráveis. ”
Relato e tradução interpretativa, extraídos da obra de Júlio Posenato, Arquitetura da imigração italiana
no Rio Grande do Sul, 1983.
Por toda a região de colonização italiana há os relatos sobre os tempos antigos com
dificuldades no novo mundo, não como uma queixa de adaptação, mas às condições
insalubres aos quais as famílias ficaram condicionadas seja na cidade, seja no campo. Na
cidade, como em São Paulo, poucos imigrantes tinham abrigo e eram explorados por um
regime de trabalho pós escravocrata sem alguma legislação que defendesse seus direitos
como trabalhadores, no campo, as propagandas sobre as terras disponíveis os faziam crer
sobre campos onde trabalhariam e ganhariam dinheiro. Em vez disso, ganhavam no máximo
as ferramentas (algumas mesmo sem saber usar) e eram enviados para o interior onde o seu
sonhado terreno era nada senão floresta de mata atlântica de araucária, em tamanha serra
íngreme como mesmo na região centro serra onde facilmente se encontra lugares com menos
de um metro e meio de terra acima da pedra vulcânica bruta.
Segundo relato feito por Atílio Miotto, residente de Vila Gramado, a rotina de inverno estava
concentrada no desbravamento da mata que havia ali, tempo que também era usado para a
construção das casas. Claro que havia muita coisa para fazer nas terras desbravadas, como
manutenção das culturas, como podas, porém em menor quantidade do que no restante do
ano. No verão, o trabalho era integral, e era algo extremamente valorizado nas sociedades
imigrantes: se tinhas terra e água, não cultivava apenas aquilo para subsistência e algo a mais
para vender excedentes, mas aproveitava ao máximo aquilo que a terra poderia fornecer,
então um imigrante sem nenhuma experiência em ramos diversos almejava ter, se tivesse
condições, variados ofícios na sua propriedade. Como no caso da propriedade Schneider, na
linha Turvo, Arroio do Tigre/Segredo: a família tinha, além das terras para o cultivo de várias
culturas, um moinho, onde também funcionava a marcenaria que fabricava carroças até início
da década passada, e a ferraria, para consertos em geral e também para as armações das
carroças fabricadas. Ou da casa Mainardi da Linha Guabiroba, com casa de comércio,
engenho de café, serraria e moinho. Então não necessariamente seguiam aquela profissão
que lhes fazia respeito na Europa, ou no seu local de origem no Brasil, mas também havia o
sentido de garantir-se no cenário econômico e experimentar mercados.
Nas comunidades italianas há esse costume de trazer ao alto, elevar a um patamar a igreja,
enquanto que nas cidades alemãs eleva-se o templo, mas a entrada está a menos degraus do
solo. Seria essa uma possível tradução ao feitio do povo alemão de ter contestado Roma e
criado uma nova igreja para si, a luterana? Esse sentimento do culto, planejado, cooperativo,
se vê nas comunidades alemãs até hoje. As ordens não são de cima para baixo, mas se
completam com mais diálogo, enquanto que os italianos foram fortes pioneiros industriais na
Serra Gaúcha, com um sentimento e admiração sobre o trabalho, “lavoro”, que persiste muito
até hoje, como se essa cooperação atuasse de outra forma, menos direta, por mais que
existissem, sim cooperativas nessas regiões Essa admiração e força fizeram com que as
comunidades italianas se desenvolvessem rapidamente. A cidade de Arroio do Tigre, alemã, é
considerada “o celeiro do centro serra” pelo desenvolvimento e produção que a agricultura
ressalta sobre a cidade, com suas cooperativas. A cidade de Sobradinho, mista de
colonização, mas predominantemente italiana, por sua vez, é marcada pelo comércio e
pequenas indústrias.
Casa da família Mainardi em Linha Guabiroba,
Arroio do Tigre. Localidade que já funcionou
com engenho de café, madeireira, casa de
comércio e moinho, além da agricultura.
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Referências
ECO, Umberto; Como se faz uma tese. São Paulo.1983.
MIOTTO, Vera L. Souza; Pesquisa sobre a história da comunidade Nossa Senhora da
Imaculada Conceição. Manuscritos. Vila Gramado. 2003.
POSENATO, Júlio – Arquitetura da Imigração Italiana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre.
Edições de 1983.
SILVA, Elvan – Matéria, idéia e forma: uma definição de arquitetura. Porto Alegre. 1994.
OLIVER, Paul. Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World. Cambridge: University
Press, 1997.
ROHDE, Geraldo. Arquitetura espontânea. IN: WEIMER, Günter (org.). A arquitetura no Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.
SILVA, Elvan. Matéria, idéia e forma. Uma definição de arquitetura. Porto Alegre: Editora da
Universidade/UFRGS, 1994.
VELLINGA, Marcel; OLIVER, Paul; BRIDGE, Alexander. Atlas of Vernacular Architecture of
the Word. Nova York: Routledge, 2007.
WEIMER, Günter. Arquitetura popular brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
WEIMER, Günter Origem e Evolução das Cidades Rio-grandenses. Porto Alegre: Livraria do
Arquiteto, 2004.
WEIMER, Günter. A arquitetura da imigração alemã: um estudo sobre a adaptação da
arquitetura centro-europeia ao meio rural do Rio Grande do Sul. 1983.
NOVAES, Sylvia Caiuby. Índios da América do Sul – Brasil – Habitações I. 1983.
VIÑUALES, Graciela María. Arquitectura vernácula iberoamericana. 2013.
Os relatos:
• Atílio Arnegildo Miotto
• Afonso Orlandi
• Elide Lasta Orlandi
• Lourdes Orlandi Seolin
• Gervásio Luiz Seolin
• Modesto Segatto
• Irma Mainardi Segatto
• Nilva Scherer Robert
• Iria Burin
• Mário Borin
• Arlindo Mainardi
• Erica Ensslin
Agradecimento muitos colaboradores na região centro-serra, dos municípios de Arroio do
Tigre, Sobradinho, Ibarama e Segredo, contribuindo para o desenvolvimento deste e de
outros documentos com fotografias antigas, autorização de visitas e documentação com fotos
e livres relatos, entre 2010 para o blog Janelas da Serra Central, e entre o segundo semestre
de 2014 e o segundo semestre de 2015 para a apresentação da pesquisa “O desenvolvimento
da arquitetura vernácula na região de Segredo - RS e Vila Gramado na primeira metade do
século XX” no Salão de Iniciação Cientifica da PUCRS (outubro de 2015) e o artigo
“Arquitetura vernácula na região de Segredo - RS e Vila Gramado na primeira metade do
século XX.” no 4º Seminário Ibero-americano Arquitetura e Documentação. Documentos que
agregaram para este novo artigo, e no ano de 2016 com BIC da PUC-RS, com foco maior na
região germânica do centro-serra para o Salão de Iniciação Científica que ocorrerá em
outubro.