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00 julho de 2011 00julho de 2011
ARTE
Arte na ruaExposição na Estação Pinacoteca, em São Paulo, apresenta cem
trabalhos da arte contemporânea do Peru e faz um retrato dos
contextos políticos e sociais do país nos últimos 40 anosTexto FLÁVIA FONTES OLIVEIRA Fotos FABIANO ACCORSI
Acima, à esquerda, “Afiches
de Difusión de la Reforma
Agraria” (1962-1979), de
Jesús Ruiz Durand; e “Gloria
Evaporada” (1994-1995),
de Eduardo Vildanes: obras
de artistas peruanos exibidas
pela primeira vez no Brasil.
À esquerda, “Chinachola”
(1963), de Alfredo Márquez:
trabalhos de tom político
Pela primeira vez, a produção artística contempo-
rânea do Peru é apresentada de forma ampla no Brasil. Até o dia 31 de julho, a Estação Pinacoteca, em
São Paulo, exibe a mostra Arte al Paso, com cem trabalhos que cobrem o período de 1960 a 2011, entre
pinturas, esculturas, vídeos, fotografias e instalações de 36 artistas que integram a coleção de arte con-
temporânea do Museo de Arte de Lima – MALI.
“Esta exposição pretende oferecer um panorama dos últimos 40 anos na arte peruana a partir
das obras da coleção do museu e trata de tocar pontos chave que marcaram o cenário artístico desde
o fim dos anos 1960. Por isso, a mostra se articula em três seções: ‘Crítica Ante uma Institucionalidade
Faltante’, ‘A Paisagem Entre Linhas’ e ‘Violência e Memória’”, diz Tatiana Cuevas, curadora de arte con-
temporânea do MALI e da exposição, ao lado de Rodrigo Quijano. s
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A exposição apresenta os contextos que marcaram a arte peruana desde os anos
Acima, serigrafia de catálogo do projeto Arte al Paso, cole-
tivo de artistas peruanos que inspirou o nome da exposição
em São Paulo. Abaixo, Tatiana Cuevas, curadora do Museu
de Arte de Lima e da mostra. Na página ao lado, “Estetica
Center” (1998), de Christian Bendagán e obras de Juan Javier
Salazar, artista reconhecido no Peru e no exterior
Com estes três temas, Arte al Paso mostra como os artistas se apro-
priam da linguagem artística e olham para o país, para suas tradições cul-
turais e sociais e, evidentemente, refletem sobre as questões políticas mar-
cantes do Peru. “Estes recortes, de alguma maneira, recorrem às principais
problemáticas que marcaram o desenvolvimento da arte peruana do final
da década de 1960 até hoje”, avalia Tatiana.
Arte el Paso é um nome que casa com o entendimento da exposição. O
título foi criado pelo coletivo E.P.S. Huayco (formado por Francisco Mariotti,
Luy Maria, Rosario Noriega, Herbert Rodríguez, Juan Javier Salazar, Williams
Armando, Zevallos Mariela), ativo nos anos 1980 e hoje reconhecido como
uma das grandes manifestações artísticas do Peru. Al paso é o nome dado à
economia das ruas que se formou com a maciça migração do campo para a
cidade, a partir de meados do século passado, na qual era possível resolver
quase tudo do dia a dia, da comida ao conserto do sapato. O título da expo-
sição é uma ironia baseada nesta precariedade das bancas populares de rua
e resume um olha sobre as condições de criação e produção cultural no Peru
e sua repercussão nas artes visuais.
Na observação de Tatiana, a falta de uma institucionalidade e de um
sistema de galerias de arte realmente consistentes, fez com que os artistas
saíssem às ruas e perguntassem qual o benefício do trabalho artístico para
o país. Criaram arte para ser consumida “al paso”, na rua.
Contextos paralelos
O primeiro recorte da exposição remete à fragilidade das instituições
peruanas e apontam para o modo de como os artistas se sentem desampa-
rados ante os valores dessas mesmas instituições. A obra de Emilio Hernan-
dez Saavedra “El Museo de Arte Borrado” (1970), apresentada na seção “Críti-
ca Ante uma Institucionalidade Faltante”, resume este sentimento. Em uma
fotografia aérea da região onde fica o Museu de Arte de Lima, a instituição
aparece “borrada” de branco, como se não existisse. A intenção Saavedra foi
sinalizar o pouco espaço e formas de apoio às artes em seu país.
A segunda seção, “A Paisagem Entre Linhas”, traz algumas representa-
ções artísticas do que é o Peru hoje. Esta parte da exposição se inicia com a
obra de Flavia Gandolfo, que retrata uma série de mapas do país feitos por
crianças. Como ela, outros artistas tratam da questão urbana, a problemáti-
ca das cidades e a diversidade cultural. Por fim, “Violência e Memória” revive
o tema mais caro ao país (como para muitos países da América Latina), a
violência, urbana e rural, com seus protagonistas e seus ideais. s
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Acima, Alfredo Márquez e suas obra “Katay” (2002 -2003)
ao fundo. Abaixo, “Huaco TV” (2002), de Fernando Baga
Serviço:
Arte al Paso – Museo de Arte de Lima
Estação Pinacoteca: Largo General Osório, 66, Luz. São Paulo/SP. Tel. 11
3335-4990 • De terça a domingo, das 10h às 18h • Ingresso: R$ 6,00 e
R$ 3,00 (meia). Grátis aos sábados • Até 31 de julho.
Mesmo com suportes distintos nas obras expostas, há uma linha que
parece costurar a produção apresentada na exposição Arte al Paso, que é um
comprometimento com a vida peruana. De modo geral, Tatiana diz que se
trata de uma “uma arte para responder aos acontecimentos do país”.
Para Alfredo Márquez, um dos artistas da exposição que esteve presen-
te na abertura, “a arte peruana contemporânea fala de cidadania, do uso do
espaço público e da memória coletiva com consciência e com a necessidade
de dizer somos isso, apesar da morte, da dor, da ditadura, da guerra interna.
Há uma proposta afirmativa em todos os artistas e uma proposta de cons-
ciência de que somos coletividade.” Márquez apresenta em São Paulo a obra
Katatay (2002-2003), duas grandes impressões digitais, com uma menina e
um menino, que questionam o significado de ser atraso.
Arquiteto de formação, ele diz que durante muito tempo fez outros
trabalhos paralelos para poder se dedicar também às artes visuais. “Todos
os meus trabalhos são produtos de uma indignação da busca de um equilí-
brio, para mim e também para as pessoas com as quais me relaciono. O que
quero é que, quando vejam minha obra, percebam que a história pode ser
distinta, que não é como te apontam. Não é como a história oficial, mas é
arte. Então tenho de ser bom pintor, bom artista”, completa.
Apesar de ser a primeira exposição de grande porte com obras de artistas
peruanos no Brasil, vários deles já se firmaram com seus trabalhos no cenário
internacional e estiveram por aqui em diferentes ocasiões. É o caso de Sandra
Gamarra, por exemplo, hoje radicada na Espanha, que realizou exposições no
Brasil e participou da 29ª Bienal de São Paulo (2010). Em Arte al Paso ela apre-
senta, “Tienda Museo LiMac”, de 2002, um museu imaginário que remete ao
vazio das instituições para o qual ela criou um espaço e peças para figurarem
nele. Outros artistas que se destacam são Fernando Bryce, com trabalhos espa-
lhados em museus e galerias do mundo, como o MoMA, de Nova York; ou ainda
José Carlos Martinat, participante da 7ª Bienal do Mercosul (2009). Ao mesmo
tempo em que a arte peruana busca a valorização dentro de seu próprio país,
vem conquistando reconhecimento pelo mundo.
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