Post on 10-Nov-2018
1
ARTE E INTERAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DA CULTURA INDÍGENA DO POVO GUARANI M-BYA
NASCIMENTO, Ana Lucia1.
PEREIRA, João José de Félix. (orientador)2
RESUMO
Este artigo é resultado de uma pesquisa-ação, desenvolvida como parte integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, Paraná. Assim, o artigo foi desenvolvido a partir do tema: o conhecimento na disciplina de arte. Portanto seguiu-se alguns subsídios teóricos do ensino de arte e, sobretudo no ensino e valorização da cultura indígena no contexto escolar. A cultura indígena, muitas vezes é trabalhada brevemente, ou nem é explorada como conteúdo. As causas para esta problemática são variadas, como falta de material que explore o assunto, desvalorização caracterizada por um trabalho superficial em datas comemorativas e até preconceito. Neste contexto, a pesquisa-ação centrou-se em objetivos voltados para a linguagem, não só como forma de comunicação, mas também de constituição do ser humano. Assim, no projeto de intervenção, no caderno pedagógico e na implementação foram pensadas e desenvolvidas ações voltadas para a linguagem corporal do Guarani-Mbya por meio de atividades ministradas no ensino da arte em alunos do 7° ano, no Colégio Estadual Profa. Tereza da Silva Ramos do município de Matinhos, Paraná. Optou-se pelo Guarani-Mbya, porque têm comunidades Guarani próximas, que vivem no litoral paranaense, somando-se ao interesse base deste projeto, que teve início quando tive a experiência com os guarani da Aldeia Indígena Ocoy no município de São Miguel do Iguaçu, ao atuar como coordenadora da Educação Escolar Indígena no NRE/ Foz do Iguaçu, Paraná. Dessa forma, o posicionamento adotado na seqüência de atividades e no Grupo de Trabalho em Rede – GTR, 2011, foi além da tentativa de se valorizar a cultura indígena Guarani-Mbya, mas também de trabalhar através da arte, da linguagem corporal como meio de interação social, envolvendo relações entre corpo e movimento, movimento e cultura, cultura e expressão, expressão e educação. Palavras-chave: arte, cultura indígena, guarani-Mbya, corpo e movimento MINHA CAMINHADA COMO PROFESSORA
Lecionando como professora de arte, sempre percebi a grande dificuldade
que se tem em relação aos conhecimentos sobre a cultura indígena no contexto
escolar, a qual é trabalhada brevemente ou nem é explorada como um conteúdo. As
1 Professora da rede Estadual de Ensino do Paraná. PDE, 2010. Formada na Faculdade Paulista de Arte da Academia Paulista de Música, São Paulo-SP em 1978. 2 Professor Orientador, Mestre em “Comunicação e Semiótica” – PUC/SP. Doutor em “Ciências da
Religião” – Metodista/SP.
2
causas para esta dificuldade são variadas, como falta de material que explore o
assunto, desvalorização caracterizada por um trabalho superficial em datas
comemorativas e até preconceito.
Porém, a importância e necessidade de se trabalhar com a cultura indígena
no contexto escolar foi destacada através da Lei 11. 645 em março de 2008, que
estabeleceu às diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-
Brasileira e Indígena”.
Nesse sentido, o direcionamento inicial para a questão da valorização da
cultura indígena vem acontecendo, demonstrando que além das mudanças
curriculares, necessita-se também de transformações nos livros didáticos, pois
muitos ainda apresentam uma visão eurocêntrica, que perpetua estereótipos e
preconceitos diante da cultura indígena.
Considerando essas questões superficiais do ensino e valorização da
cultura indígena, o trabalho desenvolvido objetivou conhecer algumas práticas da
cultura corporal Guarani, criando oportunidades de atividades em que os alunos as
conhecessem como importantes formas de expressão através do ponto de vista
artístico e cultural.
Também, buscou-se de uma maneira mais específica aprofundar os
conhecimentos sobre a linguagem corporal dos Guarani-Mbya, atendo-se à
linguagem não só como um meio de comunicação, expressão e interação, mas
também como elemento de constituição do ser humano, e como um dos
fundamentos da cultura. Juntamente, contextualizar a história e a cultura dos povos
Guarani-Mbya no estado do Paraná, partindo dos conhecimentos prévios dos alunos
quanto a cultura indígena, e por fim, desenvolver práticas de ensino de Arte voltadas
para a linguagem corporal dos Guarani-Mbya, trabalhando a Arte, a pintura corporal,
o movimento, a interação social, entre outras questões peculiares desse povo,
importantes para o desenvolvimento crítico e estético-cultural dos educandos.
Assim, para uma melhor apresentação de como foi desenvolvido todo o
trabalho com os alunos do 7° ano, no Colégio Estadual Profa. Tereza da Silva
Ramos do município de Matinhos, Paraná, no ano de 2011, desde o projeto de
intervenção até os resultados da implementação, nesse artigo inicialmente tem-se a
justificativa, as razões da pesquisa, explicações sobre a pesquisa-ação através de
subsídios teóricos, em seguida, são exploradas as ações da implementações e as
3
considerações finais.
O ENSINO DA ARTE NO BRASIL
O ensino da Arte no Brasil, muitas vezes é marcado por uma visão formal,
fundamentado em valores, que há muito tempo, centram-se no conhecimento
analítico/descritivo/linear. Esta visão deveria ceder lugar para o conhecimento
sintético/sistêmico/corporal/intuitivo.
De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação Básica (DCE)
(2008), o enfoque dado ao ensino de Arte, funda-se nos nexos históricos entre arte e
sociedade. Nesse sentido, são abordadas as concepções arte como ideologia, arte
como forma de conhecimento e arte como trabalho criador, tendo como referência o
fato de serem as três principais concepções de arte no campo das teorias críticas,
as quais tem no trabalho sua categoria importante.
Essa questão em se abordar o trabalho, é importante destacar que o ser
humano transformou o mundo construindo simultaneamente a história, a sociedade
e a si próprio através do processo do trabalho, que constituiu o universo simbólico
composto pela linguagem, pela filosofia, pelas ciências e pela arte. Somando-se
tudo isso, tem-se algo que é exclusivamente humano: a cultura.
Um dos primeiros sentidos dados ao termo cultura foi o de cultivo, de
crescimento, de cuidado com colheitas e animais e, por extensão, de cuidado com o
crescimento das faculdades humanas. Mais tarde, o sentido deste conceito foi se
ampliando, associado à arte, à família, à vida pessoal, à religião, às instituições e
práticas de significados e valores. Enfim, há muitas definições para a cultura, mas
todas muito próximas. Resumindo, observa-se que o sentido do conceito de cultura
é associado à características humanas que são aprendidas no convívio com a
sociedade. Onde a comunicação é fundamental para o desenvolvimento e
preservação desta, dizendo respeito à humanidade como um todo e ao mesmo
tempo a cada um dos povos, nações, sociedades e grupos humanos.
No centro das discussões atuais sobre as questões culturais, encontra-se
inevitavelmente à luz a multiplicidade de culturas encontradas hoje no interior de um
dado país e que, obviamente, se refletem nas escolas, lançando enormes desafios
para suas pedagogias. Contraditoriamente, essa multiplicidade convive, com fortes
4
tendências de homogeneização cultural. Ainda que se venham tornando mais
visíveis as manifestações e as expressões culturais de grupos que há pouco tempo
permaneciam “invisíveis”, como é o caso dos indígenas, ainda se observam
propostas curriculares onde predominam formas culturais produzidas e veiculadas
prioritariamente pelos setores mais favorecidos da população (SCHADEN, 1974, p.
19).
O posicionamento que se pretende seguir com esse projeto vai além da
tentativa de se valorizar a cultura indígena Guarani-Mbya, mas trabalhar através da
arte, da linguagem corporal como meio de interação social, envolvendo relações
entre corpo e movimento, movimento e cultura, cultura e expressão, expressão e
educação.
Uma vez que, em meio a diferentes dimensões artísticas, tem-se a
diversidade dos alunos, das escolas e de contextos, que levam a se refletir sobre a
necessidade de um posicionamento que considere, sobretudo a diversidade, dentro
dos processos de construção de conhecimento, para se combater preconceitos e
colocar lado a lado, o direito à igualdade e o direito à diferença.
É importante salientar que muitos teóricos da educação, ao longo do século
XX, buscaram entender as sutis relações entre aprendizagem e interação social,
interação esta que ocorre por meio da linguagem, ou seja, de um dos fundamentos
da cultura.
Nesse sentido, faz-se necessário refletir sobre atividades que colaborem e
estimulem o processo de ensino e aprendizagem da Arte, para que haja uma maior
valorização da cultura indígena Guarani-Mbya, por meio da linguagem corporal e
interação social.
Assim, considerando-se que nas sociedades indígenas o corpo é
amplamente utilizado para fins expressivos. A pesquisa-ação partiu da seguinte
problemática? Como criar oportunidades de ensino que estimulem a apreciação
artística e cultural, através da linguagem corporal do Guarani?
Por fim, salienta-se que não basta que a cultura indígena e a própria Arte,
estejam inseridas nos currículos escolares. É necessário saber como são
concebidas e ensinadas no contexto de cada região. É necessário, também, estar
consciente do significado da Arte e da Cultura para o indivíduo e a coletividade, e
saber se os educandos possuem as condições adequadas para a fruição e/ou
prática da expressão artística, sem as amarras de um conceito de Arte tradicionalista
5
e conservadora, fundamentado em parâmetros descontextualizados de suas
realidades.
VALORIZAÇÃO DA MULTIPLICIDADE DE CULTURAS
Muito tem se falado sobre a função da escola em trabalhar com a
diversidade, atendo-se a sua função social de transmitir o conhecimento acumulado
na humanidade. Neste contexto, o trabalho foi desenvolvido com alunos de 7° ano
do ensino fundamental, centrando-se na valorização da multiplicidade de culturas e
em especial a indígena, juntamente a importância da linguagem não só como forma
de comunicação mas também de constituição do ser humano.
Optei pelo Guarani-Mbya, porque há comunidades Guarani próximas, que
vivem no litoral paranaense. Neste sentido, os alunos já conhecem um pouco do
artesanato, pois presenciam em Matinhos, nas épocas de temporada e maior
movimento de turistas estes indígenas vendendo o seu artesanato.
Com relação a escolha por 7° ano, é porque são extremamente
interessados, mais maduros perante os educandos de 6° ano, quais na maioria das
vezes, enfrentam desafios de adaptação com a turma nesta etapa da vida escolar,
como uma fase de mudanças: novo colégio, muitos professores, trocas de
disciplinas, etc. Assim, no 7° ano já passaram por esse período de adaptações, e
são bem receptivos.
Ainda é importante destacar que as concepções de ensino da Arte que
deram base para esta pesquisa, seguem as orientações das Diretrizes Curriculares
da Educação Básica (2008), que alertam sobre a necessidade de os educandos
adquirirem conhecimento sobre a diversidade de pensamento e criação artística,
para expandir sua capacidade de criação e pensamento crítico.
PESQUISA-AÇÃO
A pesquisa-ação é uma modalidade de pesquisa da pesquisa qualitativa.
que como ela, analisa resultados que podem ser descritos e percebidos através da
associação com pesquisas anteriores, e autores consagrados dentro de determinada
6
área ou temática. Enfim, procura compreender dados através de um olhar
subjetivos, fazendo relações que não são passiveis de quantificação, nem de
resultados objetivos e numéricos.
Para uma melhor explicação e visando aprofundar-se sobre o conceito de
pesquisa-ação, cabe utilizar a citação a seguir:
[...] ao falar de pesquisa-ação, falamos de uma pesquisa que não se sustenta na epistemologia positivista, que pressupõe a integração dialética entre o sujeito e sua existência; entre fatos e valores; entre pensamento e ação; e entre pesquisador e pesquisado. Porém, a pesquisa-ação vai historicamente retornar ao palco das pesquisas em educação, agora incorporando a dialética da realidade social e os fundamentos de uma racionalidade crítica [...](FRANCO, 2005, p. 488).
Observa-se que a pesquisa-ação pressupõe a articulação entre a teoria e a
prática, onde ambas se complementam, servindo a prática como um meio de auto-
reflexão na área da educação.
Pode-se afirmar, que além das questões acima, essa modalidade de
pesquisa parte de algumas fazes/ações, como as que foram desenvolvidas e
aplicadas no processo contínuo que resultou esse artigo. Ou seja, a partir da
realidade social dos educandos, buscou-se intervir, implementando práticas de
ensino de arte visando a transformação de comportamento, rumo a criticidade e
sensibilidade por meio da valorização e melhor compreensão da linguagem corporal
e da cultura indígena do povo Guarani M-bya.
Logo, o pesquisador e o pesquisado trabalham juntamente, para atingir um
fim coletivamente desejado, que evolui num contexto dinâmico.
O RESULTADO DA PESQUISA-AÇÃO DENTRO DO PROCESSO DE ENSINO E
APRENDIZAGEM
A intervenção se realizou através da implementação do caderno
pedagógico, como instrumento e ferramenta de auxílio nas ações e atividades. Este
foi elaborado, especificamente para se trabalhar com alunos de 7° ano, entretanto
pode ser aplicado em outros anos escolares, adaptando-se conforme as
7
necessidades de cada turma. Além de ser elaborado para auxiliar a implementação,
ateve-se em deixar este material à disposição da rede educacional estadual para
todos os estabelecimentos de ensino, e para discussão no Grupo de Trabalho em
Rede – GTR, 2012. Enfim, para utilização de professores de Arte, entre outros
interessados em abordar a cultura indígena no contexto escolar.
Assim que iniciou-se a implementação na escola, percebeu-se como toda a
escola e inclusive os alunos apresentavam-se preconceituosos em relação aos
povos indígenas. Com isso foi necessário fazer um trabalho complementar de
conscientização para amenizar essa situação. Logo, os educandos tumultuavam as
explicações, porque demonstravam um conhecimento superficial perante a cultura
indígena, embora conhecerem o artesanato e observarem a presença de indígenas
na alta temporada de verão.
Dessa forma, as informações superficiais foram tomando forma, e a
curiosidade abriu espaço para o conhecimento e a conscientização. Eles entendiam
que os povos indígenas eram únicos em toda a extensão do território brasileiro, com
mesmos costumes, chamando as casas de ocas, que viviam da caça e da pesca,
que usavam tanga, muitas penas e que eram muito sujos.
Assim, nos momentos de maior movimentação devido a diferença e
estranhamento que os temas causavam, precisava-se intervir, e calmamente
explicava que os guarani eram extremamente educados, que falavam baixinho, que
sabiam ouvir as pessoas e respeitavam os mais velhos. E nas discussões paralelas
as atividades propostas, buscou-se explicar que no Brasil existem vários povos
indígenas, etnias diferentes, costumes diferentes, falando línguas diferentes. Aos
poucos se mudou a opinião errada e a concepção que os alunos tinham com relação
aos povos indígenas.
Após uma breve explanação de quem são e de onde vem as comunidades
Guarani-Mbya, que vivem nas proximidades do Litoral paranaense, foram
proporcionadas atividades (conforme o caderno pedagógico) com vídeos e
dinâmicas de linguagem corporal, buscando entre estas linguagens, também as não
verbais. Mostrando assim, como o corpo também serve como meio de linguagem e
expressão.
De acordo com Moura (2005), as práticas corporais nas comunidades
Guarani M-bya envolvem além das pinturas, ritmos e harmonia, tanto na educação
nas escolas infantis, como em rituais como o batismo ou a iniciação masculina. Com
8
relação a iniciação ancestral vivida pelas crianças Guarani Mbya, o referido autor
explica que as questões do corpo na “pessoa Guarani” voltam-se para um “corpo
sonoro”, como ser que é som, “palavra-alma”. O som, ritmo, a harmonia de cantos e
danças (rituais) são o que materializam as relações orgânicas entre uma
determinada cosmologia e uma determinada sociologia.
Neste contexto, nas atividades intituladas: “O corpo e suas linguagens”;
“Motivação” tiveram como temática “linguagem corporal e cultura indígena”; os
alunos assistiram aos slides explicativos sobre a importância do corpo na
comunicação e expressão. Juntamente às informações sobre a linguagem corporal
dentro do povo guarani – Mbya. Na sequência foram convidados a participar de uma
dinâmica corporal, com música e ritmos indígenas de fundo. Ambas atividades,
envolviam contatos com o corpo, evitando-se a fala.
Esta etapa foi muito importante, pois já estavam familiarizados com alguns
conhecimentos pertinentes à cultura Guarani-Mbya, devido a apresentação do
projeto e ao texto trabalhados anteriormente à atividade descrita no parágrafo
anterior. Assim, a atividade exigiu e despertou interesse, com muita concentração, e
a medida que os ritmos iam sendo apresentados, observou-se a influência da
linguagem corporal na interação social e respeito entre o grupo, como também
sensibilidade e respeito durante a dinâmica.
A linguagem corporal dos Guarani-Mbya além de ser importante na
construção de suas identidades e formação, é também uma arte carregada de
símbolos e significados, ora pelas pinturas no corpo, ora pelo movimento ou ritmos
proporcionados pelo corpo. Portanto, a arte indígena é um sistema de signos
compartilhado pelo grupo dentro de determinada etnia, que através das expressões
estéticas representam sua identidade étnica e cultural, porque a arte significa e não
apenas representa (LEVI – STRAUSS, 2002).
Explorar atividades que levassem os educandos a conhecerem tais práticas,
praticando e valorizando, foi um meio de que o ensino da arte influenciasse no
desenvolvimento do sujeito frente a uma sociedade que possui a multiplicidade de
culturas construídas historicamente e que vivem em constante transformação.
As práticas que deram continuidade à implementação complementaram a
questão da linguagem corporal para a cultura indígena, com reflexões pertinentes a
música e a arte Guarani-Mbya. Assim, primeiramente voltou-se para explicações
pertinentes à música, com a atividade: “A música indígena, o xamanismo: o
9
xondaro”, onde os alunos receberam um texto impresso sobre a música indígena
guarani- Mbya, sobre xanamismo entre outras questões importantes da cultura deste
povo. Após a leitura e discussão, assistiram o vídeo de alguns rituais sagrados,
como o xondoro. Assim, depois que fizeram a visualização e os comentários
associando o texto com o vídeo, criaram cartazes em duplas, expondo o que mais
lhes interessou na música e cultura indígena, escrevendo e ilustrando a respeito.
Destaca-se que o xondaro, chamou muito a atenção dos educandos, por ser
uma dança que se relaciona à defesa, fazendo parte do cotidiano das aldeias.
Segundo o indígena Timóteo Popygua, o xondaro é praticado para "desviar, para
dançar, para ter equilíbrio e para ter saúde". É, ao mesmo tempo, uma dança e uma
luta, que forma os guerreiros para cuidar da aldeia. Através dos cânticos rituais, é
possível ir ao encontro dos ancestrais criadores, e junto a eles atuar pela
manutenção da vida na terra. O canto, a dança e a execução dos instrumentos
musicais são ações oferecidas pelos ancestrais míticos como condição para a
sobrevivência na e da Terra e como via de reencontro com eles.
Após conhecerem sobre a linguagem corporal e sua importância na cultura
indígena Guarani-Mbya, os alunos receberam um ultimo texto explicativo referente a
como e onde encontrar traços artísticos e expressivos na cultura indígena. Depois
realizaram atividades em grupos, a partir de temas relacionados aos elementos da
arte indígena, e a partir daí, cada grupo elaborou a sua escolha um trabalho para
apresentar em sala, e na semana cultural da escola, como pode se verificar nos
anexos deste artigo, as fotos referentes à exposição dos trabalhos.
Além das atividades propostas, a implementação na escola, teve uma
participação especial de uma indígena guarani da aldeia Ocoy, na qual trabalhei
como coordenadora da educação escolar indígena, e também mantenho um elo. A
guarani Delmira Peres Martines, estudante de pedagogia, trabalha na “Escola
Estadual Indígena Teko Ñemoingo”, fez uma palestra aos alunos.
A presença dela foi importante, pois os alunos surpreenderam-se ao vê-la
bem vestida, salto alto e cheirosa. Assim, testemunharam o que foi explorado ao
longo das atividades, percebendo portanto, que o indígena de hoje é muito diferente
do indígena dos livros, e principalmente daqueles que viviam na época do
descobrimento do Brasil.
Enfim, os educandos compreenderam que como as outras sociedades,
comunidades evoluíram, os indígenas também não são os mesmos que os da época
10
do descobrimento. Apesar da evolução, não deixaram de ser indígena, de possuir
suas tradições e costumes, mesmo vivendo diferente no mundo contemporâneo.
A guarani Delmira Peres Martines, conversou bastante com os alunos, deixou
todos a vontade para perguntarem o que bem entendessem e o resultado, foi que
saíram vários questionamentos, que imediatamente foram respondidos. Como por
exemplo: Onde eles trabalham? Qual a população da aldeia? Se os indígenas têm
empregada doméstica? Se tomam banho de chuveiro? Todos falam guarani? Quais
os brinquedos que as crianças guarani brincam? Há energia elétrica? Como é o
casamento na aldeia? Com quantos anos se casam? Quantas esposas podem ter?
O homem não indígena pode entrar e morar lá? Porque eles gostam de pintar o
corpo e para que pintam? entre outros questionamentos. Pra finalizar pediram para
ela cantar uma música em guarani.
Os resultados ao fim da pesquisa-ação somada à palestra, foram evidentes,
pois visivelmente o preconceito foi amenizado, pois puderam ver e conversar com
uma indígena guarani.
Outro ponto positivo foi quando mostrou-se o vídeo do grupo “Brô Mc`s Rap
Indígena Guarani” aos alunos. Nesse vídeo mostra a aldeia, seu cotidiano e o Rap,
música muito apreciada entre os estudantes e também entre os jovens guarani. Que
eles não são diferentes de ninguém, mesmo vivendo em aldeias.
A seguir, para finalizar os resultados alcançados nesta pesquisa-ação, tem-se
alguns depoimentos de professores da rede estadual de ensino do Paraná, que
participaram do Grupo de Trabalho em Rede-GTR, onde todas as atividades
integrantes do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, foram postadas
para reflexões a partir do contexto escolar e a realidade educacional do estado.
CONTRIBUIÇÕES DO GTR – GRUPO DE TRABALHOS EM REDE
Durante todo o GTR (2011), os professores participaram, opinaram e
contribuíram numa infinidade de assuntos associados à História e Cultura Indígena e
a importância que a promulgação da Lei n°11.645 vem alcançando na realidade das
escolas brasileiras. Pois preza-se por uma educação para a diversidade, para a
inclusão, porém ainda há preconceito e falta de maiores investimentos em prol
dessa causa.
Entre alguns depoimentos importantes, tem-se:
11
A lei 11.645 que estabelece a inclusão no Currículo escolar do Ensino da Cultura Afro-brasileira e Indígena é de extrema importância, pois, através de um trabalho bem realizado sobre o assunto, será desmistificada a ideia de que a cultura europeia é superior à aquela que encontraram quando os mesmos aqui chegaram. O Ensino da cultua Afro-brasileira e Indígena não pode ser resumido em datas comemorativas, como aliás, nenhum trabalho realizado em Arte deve ser dessa forma, mas sim, envolver o aluno na busca por conhecimento reconhecendo nesses povos aspectos culturais tão presentes nos dias de hoje. Esse trabalho pode ser feito através de estudos bibliográficos, pesquisas sobre o modo de vida Guarani: Danças, Música, Rituais, objetos enfim, assim o aluno amplia seu conhecimento sobre esse povo, entendendo que cada sociedade ou comunidade possui características específicas e por essa razão as diferenças culturais devem ser respeitadas (Depoimento 1)
Percebeu-se que os professores estão comprometidos com a inclusão da
História e Cultura Afro-brasileira e Indígena no currículo, e complementam como na
citação acima, ser fundamental esse conhecimento para os alunos, porém deve ser
algo bem realizado, programado e planejado.
Principalmente porque a temática exige um grande cuidado na abordagem,
diante das questões sociais e de preconceito que ainda há nas escolas e na
sociedade. Trabalhos a partir de projetos e equipes multidisciplinares são
necessários, e em várias escolas, já há preparações em prol de atividades que
envolvam conhecimento e conscientização.
Nesta linha de pensamento, os professores concordaram, como no
depoimento: “É importante ressaltar sim o ensino que estimule a valorização, e
principalmente o respeito a cultura e todos os elementos que a compõem”
(Depoimento 2).
Cabe também observar o outro depoimento, onde tem-se uma sugestão
pertinente, em como trabalhar e associar a cultura guarani com o estímulo à arte:
Quero criar oportunidades de ensino estimulando a área da arte e da cultura Guarani, buscando conhecer suas pinturas e fontes de extração, como também conhecer seus cantos, sua cerâmica e artesanato, além da dança e dos movimentos significados por ela, isso iria favorecer de maneira considerável o conhecimento da cultura guarani, como também a sua apreciação e o seu respeito. Acredito que o aluno poderá se abrir ao conhecimento e a prática da cultura indígena, favorecendo assim o seu aprendizado. Visando uma maior abertura de conhecimentos específicos como o trabalho relacionado a linguagem corporal, creio que as informações passadas, como o ato do respeito, a hierarquia existente, as funções de cada membro da tribo, sua religiosidade, como também os movimentos corporais que indicam cada ato, cada formação de grupo, suas
12
diferenças, isso são informações que enriquecem e propiciam um melhor aprendizado, como também seria um método adequado e natural de se ensinar o que se pretende (Depoimento 3).
Dessa forma, o trabalho com a cultura indígena não somente na disciplina de
arte, como nas outras disciplinas apresenta-se como uma ótima oportunidade de
envolver os educandos em práticas de socialização cultural.
Segundo Castro e Neira (2009) as características do atual momento histórico
no qual a sociedade brasileira vem buscando aprofundar a participação democrática
de todos os grupos que a compõem, apontam para o entendimento de que a escola
pode ser uma instituição determinante desse processo por meio de um ensino que
aborde, valorize e respeite a diversidade cultural.
Os objetivos almejados ao início do projeto de intervenção foram alcançados
no decorrer da implementação, onde as práticas de ensino de arte centradas na
linguagem corporal do Guarani-Mbya foram estimulando o conhecimento,
despertando o interesse dos educandos e principalmente amenizando os
preconceitos e visões perante os povos indígenas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa-ação não foi analítica perante a prática de ensino da arte e o
estímulo da valorização da cultura indígena, resultou num trabalho que foi mais
além, pois sutilmente voltou-se um olhar para a arte através da linguagem corporal
do povo Guarani, atendo-se em várias questões importantes para o contexto escolar,
como a aprendizagem, a interação social, a conscientização e valorização da cultura
indígena.
Compreende-se que a cultura indígena foi por muitos anos relegada a planos
insignificantes de conhecimento. As raízes do povo brasileiro foram renegadas.
Logo, assumir o compromisso de se estimular a valorização das culturas indígenas,
em atividades que ultrapassem as barreiras da escola, é um desafio, pois muitos são
os obstáculos, como material escasso, preconceito, adaptação curricular que
acontece lentamente, entre outros.
Um ponto importante a se observar ao fim de todo esse percurso concluído, é
13
o fato de que essa temática só atingirá resultados significativos, envolvendo toda a
comunidade escolar e na promoção de uma discussão interdisciplinar. O que
implicaria em uma conscientização da importância da cultura indígena para todos e
de forma mais profunda, coisa a que muitos professores se negam.
Quanto a questão do preconceito, sempre existirá enquanto não se conhecer
o outro. Pois o que não se conhece, geralmente causa estranhamento.
É fundamental que os profissionais das escolas busquem desenvolver
projetos que estimulem o pensamento e a sensibilidade sobre a peculiaridade e
diferença nas culturas: indígenas, afro, entre outras. No caso da cultura indígena
especificamente, é possível fazer isso de diversas maneiras, seja estabelecendo
relações ao abordar conteúdos específicos de cada disciplina por meio da
contribuição que determinada cultura indígena trás em seu modo de viver, fazer,
pensar, estar, ser. Também é possível trabalhar de modo interdisciplinar, mobilizando
a escola como um todo, ao trabalhar por exemplo a memória, através da
particularidade histórica, tanto no contexto global como local.
Enfim, há diferentes maneiras de trabalhar com essa temática tão importante,
neste artigo, mostrou-se uma dessas maneiras através do ensino da arte, onde os
objetivos foram alcançados, mas não se pode esquecer que ao se comprometer com
um trabalho assim, exige-se muita pesquisa, planejamento e comprometimento, para
que não fique algo fragmentado nem superficial.
Somente com práticas de ensino bem elaboradas e com um olhar artístico e
estimulador, pode-se envolver os alunos da atualidade, concretizando o ensino, a
aprendizagem, a valorização da cultura indígena e a interação social.
REFERÊNCIAS
BONAMINGO, Zélia Maria. A Economia dos Mbya-Guaranis: trocas entre homens
e entre deuses e homens na ilha da Cotinga, em Paranaguá – PR. Curitiba: Imprensa Oficial, 2009. BRASIL. Presidência da República: subchefia de assuntos jurídicos. Lei 11.645 de 10 de março de 2008. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11645.htm>., acessado em 21/02/2010.
14
Brô Mc`s Rap Indígena. Portal Rap Nacional. Disponível em: < http://www.rapnacional.com.br/2010/index.php/noticias/bro-mc%c2%b4s-1%c2%ba-grupo-de-rap-indigena/>. Acesso em: 21/09/11. CASTRO, Denise Monteiro de.; NEIRA, Marcos Garcia. Cultura corporal e educação escolar indígena: um estudo de caso. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.34,
p.234-254, jun.2009 - ISSN: 1676-2584. Disponível em: < http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/34/art16_34.pdf>. Acesso em: 10/06/12. CURITIBA. Governo do Estado do Paraná. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares de Artes para a Educação Básica. Curitiba, Paraná, 2008.
FRANCO, Maria Amélia S. Pedagogia da pesquiça-ação. Educação e Pesquisa,
São Paulo, v. 31, n. 3, p. 483-502, set./dez. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/v31n3/a11v31n3.pdf>. Acesso em: 10/03/12. FREIRE, J. R. B. et al. Educação escolar indígena em Terra Brasilis: tempo de
novo descobrimento. Rio de Janeiro: Ibase, 2004. p. 57 a 79. LADEIRA, Maria Inês. Guarani M’bya. Disponível em: < Http://pib.socioambiental.org/pt/povo/guarani-mbya>. Acesso em 20/02/2011. LEVY-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Campinas: Papirus, 2002.
MOURA, E. R. A iniciação ancestral da criança guarani Mbyá. Dissertação de
Mestrado apresentada à Faculdade de Educação da USP. São Paulo: FEUSP, 2005. MOREIRA, A. F. B. Currículo, diferença cultural e diálogo. Educação & Sociedade, vol.23, n.79, ago. 2002, p. 15-38. NEIRA, M. G. e NUNES, M. L. F. Pedagogia da cultura corporal: crítica e
alternativas. São Paulo: Phorte, 2006.
RODRIGUES, Aryon D. Relações internas na família lingüística Tupi Guarani. Revista Antropologia 27/28. p. 33-53, 1984-85.
SCHADEN, E. Aspectos fundamentais da cultura guarani. 3. ed. São Paulo:
Editora Pedagógica e Universitária: Editora da Universidade de São Paulo, 1974.
16
Figura 1 – Faixa decorativa confeccionada por alunos
Figura 2 – colar guarani confeccionado com sementes de pau brasil, (acervo pessoal).
17
Figura 3 – Cachimbo guarani (acervo pessoal).
Figura 4 – Exposição do acervo pessoal da professora.
18
Figura 5 – Palestra da guarani Delmira Peres Martines para os alunos do C.E. Tereza da Silva Ramos- Matinhos-PR
Figura 6 – Palestra da guarani Delmira Peres Martines para os alunos do C.E. Tereza da Silva Ramos- Matinhos-PR
19
Figura 7 – Desenho confeccionado por aluno a partir de uma foto postada no Facebook.
Figura 8 – Foto usada para demonstração de pintura/linguagem corporal Fonte: Facebook, 2011.