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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁSUnidade Universitária de Inhumas
Curso de Licenciatura em Letras – Português/Inglês
Aparecida Maria de LimaRenata dos Reis Marciano Lopes
Capitalismo X Socialismo na obraSão Bernardo de Graciliano Ramos
INHUMAS2009
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁSUnidade Universitária de Inhumas
Curso de Licenciatura em Letras – Português/Inglês
Aparecida Maria de LimaRenata dos Reis Marciano Lopes
Capitalismo X Socialismo na obraSão Bernardo de Graciliano Ramos
Trabalho apresentado à Universidade Estadual deGoiás, Unidade Universitária de Inhumas, comorequisito parcial para a conclusão do Curso deLicenciatura em Letras – Português/Inglês.Orientadora: Rita de Acácia Correa Nicolau
INHUMAS2009
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Aparecida Maria de LimaRenata dos Reis Marciano Lopes
Capitalismo X Socialismo na obraSão Bernardo de Graciliano Ramos
Trabalho apresentado à Universidade Estadual de Goiás, Unidade Universitária deInhumas, como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciada em Letras –
Português/Inglês, aprovada em ________ de dezembro de 2009, pela BancaExaminadora constituída pelos seguintes membros:
____________________________________________Profª. Ms. Rita de Acácia Correa Nicolau
Orientadora – UEG
____________________________________________Profª. Ms. Carla Conti de Freitas
Examinadora
____________________________________________Prof. Ms. Walney José da Silva
Examinador
INHUMAS2009
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Dedicamos este estudo a todos os nossosfamiliares e a todas as pessoas que, diretaou indiretamente, nos ajudaram a alcançaros nossos objetivos no decorrer da nossaformação.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por me dar a oportunidade de realizar este trabalho.À minha mãe Aparecida Braga pelo amor, pela dedicação e pela força que me deuem cada momento, inclusive quando pensei em desistir.Ao meu pai Valdemiro Braga pelo apoio prestado e por acreditar que eu pudessechegar até aqui.Ao meu esposo Sebastião pela compreensão quando precisei estar ausente.Aos meus filhos (Amanda Cecília e Kairo Lucas) e à minha neta (Jordana), que sãoo meu porto seguro, que me deram forças para não desistir dos meus ideais.Aos professores que colaboraram para a minha formação, em especial, à professoraRita de Acácia e ao professor Walney.A todas as pessoas que, direta ou indiretamente, colaboraram para o meu sucesso.
(Aparecida Maria de Lima)
Gostaria de agradecer a Deus por mais uma vitória alcançada.À minha mãe Delma que sempre esteve ao meu lado me dando forças paracontinuar esta jornada.Ao meu pai José Francisco pelo apoio, pela confiança e pela dedicação em mimdepositados.Aos meus irmãos, sobrinhos, avós, tios e primos pela compreensão durante osmomentos em que estive ausente.Aos amigos que estiveram presentes no decorrer da minha formação.Aos professores Rita de Acácia e Walney pelo apoio para a realização destetrabalho.
(Renata dos Reis Marciano Lopes)
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RESUMO
Este trabalho analisa a obra de Graciliano Ramos, São Bernardo. Inserida no
contexto da Revolução de 1930, a obra modernista contribui para um debate sobre a
identidade nacional, retratando a passagem de um Brasil rural para um Brasil
capitalista. O trabalho apresenta a vida e a obra de Graciliano Ramos; o enredo da
obra São Bernardo; e alguns elementos importantes da narrativa (narrador, tempo,
espaço, linguagem e personagens); e, como ponto principal, este trabalho contrasta
o Capitalismo e o Socialismo, representados por Paulo Honório e Madalena,
respectivamente.
Palavras-chave: Modernismo, Capitalismo, Socialismo
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ABSTRACT
This work analyzes Graciliano Ramos’ book, São Bernardo. Inserted in the context of
the Revolution of 1930, the modernist book contributes to a debate on the national
identity, showing the transition of a rural Brazil to a capitalist one. The work presents
the life and the works of Graciliano Ramos; the plot of the book São Bernardo; and
some important elements of the narrative (point of view, setting – time and place,
language and characters); and, as main point, this work contrasts Capitalism and
Socialism, represented by Paulo Honório and Madalena, respectively.
Keywords: Modernism, Capitalism, Socialism
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................08
1 O MODERNISMO BRASILEIRO E O MOVIMENTO DE 30 ................................09
2 TRAJETÓRIA DE GRACILIANO RAMOS ...........................................................16
2.1 GRACILIANO RAMOS – VIDA .....................................................................16
2.2 GRACILIANO RAMOS – OBRA ...................................................................18
3 SÃO BERNARDO (GRACILIANO RAMOS) ........................................................21
3.1 CONTEXTO HISTÓRICO E CULTURAL .....................................................21
3.2 O NARRADOR, O TEMPO E O ESPAÇO ...................................................23
3.3 O ENREDO (RESUMO) ...............................................................................26
3.4 A LINGUAGEM ............................................................................................29
3.5 PERSONAGENS .........................................................................................30
3.6 CAPITALISMO X SOCIALISMO NA OBRA SÃO BERNARDO ...................31
CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................36
REFERÊNCIAS ........................................................................................................38
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INTRODUÇÃO
Será analisada neste estudo a obra São Bernardo, de Graciliano Ramos,
contextualizada na geração dos romancistas brasileiros da década de 1930, da
região Nordeste. Segundo Lúcia Helena Vianna (1997), “São Bernardo significa em
termos de composição romanesca um enorme salto qualitativo”.
Os escritores de 1930 tratavam especialmente de temas relacionados à
terra, às dificuldades encontradas no trabalho rural, ao progresso dos centros
urbanos, ao surgimento do sistema capitalista, aos problemas do homem nordestino,
entre outros temas problemáticos de ordem político-social, como a quebra da Bolsa
de Valores de Nova Iorque, as revoluções e contra-revoluções, golpes e contra-
golpes, a ditadura de Getúlio Vargas.
O primeiro capítulo mostrará como se desenvolveu o Modernismo
brasileiro, abrangendo a primeira e a segunda fase do movimento. O romance
escolhido para análise se insere no ciclo dos romances regionalistas, que se
desenvolveram ao longo da década de 1930. Durante todo esse período, de 1922 a
1945, os intelectuais brasileiros passaram a reprimir os valores estéticos antigos e
substituí-los por um novo estilo. A temática abordada pelo Romance de 30 deixa
prevalecer a questão social, em que o homem é o personagem principal; quando
não, ele é substituído pelo espaço nordestino.
No segundo capítulo deste trabalho, será mostrada a trajetória de
Graciliano Ramos, abordando a sua vida e a sua obra.
O terceiro capítulo compreende a análise da obra São Bernardo,
mostrando o contexto histórico e cultural, o narrador, o tempo, o espaço, o enredo, a
linguagem e os personagens. Neste capítulo é mostrado, também, o conflito entre
Paulo Honório e Madalena, que representam, respectivamente, o Capitalismo e o
Socialismo.
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1 O MODERNISMO BRASILEIRO E O MOVIMENTO DE 30
O Modernismo Brasileiro foi o maior movimento cultural que aconteceu na
primeira metade do século XX, abrangendo principalmente a área das artes plásticas
e da literatura. Tal movimento preocupou-se essencialmente com a caracterização
da realidade nacional, visando substituir os valores estrangeiros e a arte
ultrapassada por valores autênticos e atuais. O progresso era notável, havia muitas
fábricas (principalmente em São Paulo, cidade mais desenvolvida da época) e
diversos aglomerados urbanos. A vida urbana proporcionou a expansão do comércio
e da indústria no Brasil. Os meios de comunicação e os meios de transporte também
avançavam consideravelmente.
O evento que marcou o início do Modernismo foi a Semana de Arte
Moderna, que aconteceu na capital paulista, no Teatro Municipal de São Paulo. O
período de realização da Semana de Arte Moderna foi de 13 a 18 de fevereiro de
1922. Os artistas apresentaram conferências, leram poemas, dançaram e cantaram.
O movimento foi liderado pelo Grupo dos Cinco, formado por Tarsila do Amaral
(pintora), Anita Malfatti (pintora), Mário de Andrade (escritor), Oswald de Andrade
(escritor) e Menotti Del Picchia (pintor e escritor). Dezenas de artistas e intelectuais
participaram do evento, entre eles: Manuel Bandeira, Graça Aranha, Guilherme de
Almeida, Di Cavalcanti, Sérgio Milliet, Heitor Villa-Lobos.
A Semana de Arte Moderna pretendia fazer com que a cultura brasileira
ficasse ciente das novas manifestações européias, as Correntes de Vanguarda (o
Expressionismo, o Futurismo, o Cubismo, o Dadaísmo, o Surrealismo), ao mesmo
tempo em que buscava mostrar a realidade brasileira, privilegiando a liberdade
criadora dos artistas, o que provocava em nossos pintores e escritores o sentimento
nacionalista e a valorização dos elementos genuinamente brasileiros, opondo-se às
idéias e influências estrangeiras. Nesse sentido, os escritores passaram a produzir
uma literatura com temas do Brasil, mostrando o homem e os problemas sociais do
nosso país.
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Os intelectuais brasileiros sentiam a necessidade de abandonar os
valores estéticos antigos, ainda muito apreciados em nosso país, para dar lugar a
um novo estilo, mais moderno. Os modernistas criticavam e rejeitavam o
Parnasianismo, movimento artístico que se caracterizava pela valorização da
estética e pela metrificação rigorosa. Era proposta uma renovação da linguagem e
da forma, para que a arte tradicional fosse substituída pela arte moderna. Os artistas
passaram a quebrar as regras culturais tradicionais, pois queriam uma renovação da
arte brasileira.
A Semana de Arte Moderna, na verdade, foi composta de uma explosão
de idéias inovadoras que repeliam a estética padronizada apreciada no século XIX,
procurando libertar o país do tradicionalismo. Os artistas brasileiros buscavam a
liberdade de expressão e uma identidade própria. Entretanto, houve um movimento
de incompreensão e insatisfação por parte da maioria das pessoas que foram
assistir ao evento, visto que a liberdade de expressão dos modernistas desviava-se
completamente dos padrões tradicionais europeus que influenciavam os artistas até
o momento.
Na Semana de Arte Moderna os artistas apresentaram vários trabalhos
(quadros, obras literárias, recitais, etc.) baseados em técnicas das Correntes de
Vanguarda misturados com temas tipicamente brasileiros. Essa nova manifestação
cultural revolucionou a época, pois apresentou idéias novas e conceitos novos, por
exemplo, a poesia escrita passou a ser declamada, os cantores passaram a ter o
acompanhamento de orquestras, os quadros passaram a ser exibidos em telas, etc.
As manifestações artísticas e literárias foram modernizadas em todos os sentidos,
causando grande polêmica por causa da quebra brusca de padrões e valores
tradicionais.
Os artistas de 1922 marcaram a sociedade brasileira de forma
significativa, sendo que as suas influências perduram até hoje. A intenção dos
modernistas era renovar o Brasil, colocando-o em seu verdadeiro caminho, livre dos
moldes importados que não se adequavam à sua realidade, eliminando os padrões
rígidos que impediam a criação livre e a descrição específica dos fatos históricos e
sociais brasileiros.
A primeira fase modernista, compreendida entre 1922 e 1930, foi a mais
inovadora do Movimento Modernista, pois pregava a necessidade de expressão da
identidade nacional e o abandono de todas as estruturas do passado. Foi uma fase
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que passou a recusar a imposição de valores e a dominação, tendo um forte sentido
denunciador da realidade brasileira. Segundo Mário de Andrade (1942), o caráter
desse período era de destruição, na medida em que renovava o pensamento e o
trabalho dos artistas brasileiros. Mas, de acordo com o escritor, que foi um dos
líderes do Movimento Modernista:
[...] esta destruição não apenas continha todos osgermes da atualidade, como era uma convulsãoprofundíssima da realidade brasileira. O que caracterizaesta realidade que o movimento modernista impôs é afusão de três princípios fundamentais: o direitopermanente à pesquisa estética; a atualização dainteligência artística brasileira; e a estabilização de umaconsciência criadora nacional.
Entretanto, o Modernismo foi mais construtor do que destruidor. Os
artistas que começaram a se impor a partir de 1922 não queriam destruir por
destruir, mas agiam pela necessidade de instauração de um pensamento novo, de
uma visão crítica perante aos acontecimentos da época.
Após a Semana de Arte Moderna, iniciou-se a primeira fase modernista,
que se estende de 1922 a 1930, caracterizada por uma verdadeira renovação de
linguagem, na busca de experimentação de uma nova realidade. Havia a busca pelo
moderno, pelo original, pela liberdade criadora e pela ruptura com o passado, ou
seja, o nacionalismo brasileiro (sentimento de valorização do Brasil) era visado.
Houve também uma volta das origens, abordando temas relacionados ao indígena
brasileiro e à língua popular, falada pelo povo, valorizando-os, o que permitia uma
revisão crítica do passado, das tradições culturais e dos elementos autenticamente
brasileiros.
Diversos foram os artistas que se destacaram durante a primeira fase do
Modernismo, por exemplo, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del
Picchia, Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida, Antônio de Alcântara Machado,
Cassiano Ricardo e Plínio Salgado.
A primeira fase do Modernismo foi rica em movimentos, manifestos e
revistas que tentavam fixar as idéias inovadoras dos artistas no cenário intelectual
brasileiro. Os artistas passaram a expor novos conteúdos e novas formas de
expressão, contradizendo os valores tradicionais. Todos eram contra a dominação e
imposição de idéias, por isso propunham novas maneiras para expressar a realidade
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brasileira, inclusive no âmbito da linguagem. O português que os escritores
utilizavam prendia-se ao português lusitano, fato que sufocava a expressão
verdadeiramente brasileira.
Nesse período aconteceram muitos fatos que se destacaram, como a
publicação da revista Klaxon, que servia de divulgação do Modernismo, buscando o
progresso da arte. Houve também o lançamento de quatro manifestos culturais: o
Manifesto da Poesia Pau-Brasil, o Verde-Amarelismo ou Escola da Anta, o Manifesto
Regionalista de 1926 e a Revista Antropofagia.
A economia do mundo nessa época foi marcada por crises, que
ocasionaram a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, no ano de 1929. No
Brasil, o período de domínio político das oligarquias ligadas aos grandes
proprietários rurais acabou. A respeito da década de 20, Nelson Werneck Sodré
(1969) afirma:
Nesse processo verificamos a seriação dasmanifestações político-militares iniciadas com osdisparos dos canhões de Copacabana, em 1922, eencerradas com o internamento da Coluna de Prestesna Bolívia. Tais manifestações inequivocamente declasse média, assinalavam o crescendo na disputa pelopoder. Nele verificamos, ainda, a seriação demanifestações de rebeldia artística a que seconvencionou chamar Movimento Modernista, tambémtipicamente de classe média.
Acontecimentos importantes marcaram o cenário político brasileiro depois
da Semana de Arte Moderna, principalmente dois: a vitória de Artur Bernardes para
assumir o cargo de presidente da República e a fundação do Partido Comunista
Brasileiro. As disputas políticas entre Artur Bernardes e Nilo Peçanha foram
acirradas. A classe média, descontente com a vitória de Artur Bernardes, tentou
impedir a sua posse.
Durante os primeiros anos do governo de Artur Bernardes, há
intervenções estaduais e a imprensa é censurada. Entretanto, essas medidas não
conseguem deter a marcha revolucionária da sociedade, que exige o fim da
corrupção, maior representatividade política, voto secreto e justiça. Nesse período,
acontece o movimento dos tenentes em São Paulo, que se unem a tropas vindas do
Rio Grande do Sul, lideradas por Luís Carlos Prestes.
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O período de 1922 a 1930 não se caracteriza apenas por definições de
idéias na área das artes plásticas e da literatura, mas também por definições de
partidos políticos. O Partido Comunista é criado em 1922 e depois de alguns anos
surge o Partido Democrático, em 1926.
Uma nova era da história brasileira surge com a Revolução de 1930,
época em que Getúlio Vargas, líder da Revolução, destituiu Washington Luis
tornando-se Presidente da República. De 1930 a 1945, o Movimento Modernista
passa por uma segunda fase, através da qual os artistas nacionais expunham as
transformações pelas quais o país passava, mostrando as suas opiniões diante da
nova realidade republicana brasileira.
A poesia nessa fase deu continuidade às experiências da primeira fase
modernista. Os poetas acolheram as estruturas livres da linguagem poética moderna
de 22, adotando a liberdade de expressão, o culto ao novo, o uso de versos livres e
o antiacademicismo. A linguagem foi aprimorada e os temas foram renovados,
passando a mostrar as influências do Catolicismo, da psicanálise freudiana, do
Marxismo. Artistas como Vinícius de Moraes, Jorge de Lima, Augusto Frederico
Schmidt, Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade destacaram-se durante
esse novo período. A poesia e a prosa também abordavam temas que incluíam
preocupações de ordem política, social, econômica, humana e espiritual, baseando-
se em acontecimentos reais.
Nesse período, a ficção é tida como principal difusora de novos estilos e
de novas idéias. A geração de 30 assumiu uma postura séria e crítica com relação
ao mundo, buscando traços peculiares da realidade brasileira. Nessa época,
surgiram vários nomes significativos do romance brasileiro. Os romancistas
buscavam mostrar o homem brasileiro em diversas regiões, tornando o
Regionalismo importante, visto que os autores utilizavam uma linguagem próxima da
fala brasileira. Tal período caracterizava-se pela denúncia social, tendo romancistas
preocupados em expor a verdadeira face brasileira, entre os quais podemos citar
José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Rachel de Queiroz e Érico
Veríssimo.
O Movimento de 30 foi marcado por algumas peculiaridades literárias,
políticas e temáticas. Enquanto a primeira fase modernista se caracterizou pelo
antropofagismo literário e pelo espírito de busca de uma alma nacional, o Movimento
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de 30 buscou apreender o homem brasileiro e os problemas da sociedade,
empregando as conquistas da Semana de Arte Moderna de 1922.
A geração de 1930 achava necessário denunciar a realidade brasileira,
pois o país começou a passar por sérias transformações a partir da Revolução de
1930. Um estilo de ficção mais amadurecido, mais moderno, marcado pela
verdadeira linguagem brasileira surgiu juntamente com os efeitos da crise da
economia mundial. Foi um período marcado pela crise cafeeira, pela rejeição das
oligarquias tradicionais, pelos choques ideológicos, pelo declínio do Nordeste, região
prejudicada pela seca. Os romancistas tomaram o Brasil como tema, enfocando
diretamente os fatos que aconteciam, permitindo, assim, um romance tipicamente
brasileiro.
Os escritores nordestinos foram os que mais se destacaram nesse
aspecto de denúncia da realidade brasileira, pois o Nordeste foi marcado pelo êxodo
rural, devido aos problemas da seca e ao Capitalismo que se instaurava na
sociedade brasileira. Nesse sentido, a linguagem regionalista ganha destaque na
literatura, mostrando as relações do homem com o meio natural e/ou social. Dessa
forma, os escritores nordestinos caracterizavam-se pelo Regionalismo, que
empregava nos textos literários expressões típicas de sua região, um linguajar bem
próximo da fala dos sertanejos.
O movimento da década de 1930, também conhecido como Romance de
30, recebeu várias nomenclaturas, por exemplo, Romance Nordestino, Ciclo de 30,
Ficção de 30, Regionalismo Modernista, Romance de Testemunho, Literatura das
Secas, Ciclo da Cana-de-açúcar e do Cacau.
Os romancistas não apareceram apenas no Nordeste. Surgiram
romancistas no Centro e no Sul, que, assim como os escritores nordestinos,
interessavam-se pela luta por uma nova realidade literária, impondo diferentes
maneiras de reflexão a respeito dos acontecimentos regionais do Brasil.
Alguns romances urbanos fazem parte desse período, porém,
predominava a temática rural, que relatava os problemas do campo e do homem do
sertanejo. Os romancistas abordavam temas como a seca, o êxodo rural e os
problemas que aconteciam por causa da revolução agrária e pela implantação do
Capitalismo. Houve uma renovação de linguagem e técnicas, como o emprego da
narrativa cronológica, a construção de personagens que simbolizavam classes
sociais da época e representação do mundo real através da ficção.
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O Romance de 30 relatava diretamente os elementos históricos e sociais
do Brasil, mostrando de forma verossímil os acontecimentos brasileiros. Os
romancistas dessa época criticavam a sociedade patriarcal e caracterizavam-se por
ter uma visão crítica das relações sociais, por empregar uma linguagem regionalista
que ressaltava o homem hostilizado pelo ambiente, pela cidade e pela terra, e por
mostrar o homem alienado, “devorado” pelos problemas do meio. Além das
características descritas, observamos que o Regionalismo Nordestino identifica fatos
reais, temas e personagens que descrevem sertão brasileiro, com seu povo, sua
linguagem, seus dramas e sua cultura.
Observa-se nos romancistas de 30 o empenho em mostrar que a
degradação do homem nordestino não acontecia apenas pelas condições naturais (a
seca), mas também pela estrutura agrária implantada pelas colônias.
A partir de1928, com a obra de José Américo de Almeida, A Bagaceira,
vários escritores passaram a produzir enredos que revelavam aspectos
problemáticos da realidade nordestina, como José Lins do Rego, Jorge Amado e
Rachel de Queiroz.
Graciliano Ramos, engajado nesse clima de denúncia e vivenciando essa
nova realidade, procurou descrever em seus romances todas as mudanças pelas
quais passava o Nordeste, apresentando linguagem clara, simples e sucinta,
explorando o meio ambiente e as riquezas culturais de cada região. O autor
descrevia a realidade de forma verossímil, sem sentimentalismo, buscando observar
a natureza humana partindo do individual para compreender o social. Em uma
reflexão a respeito de Graciliano Ramos, Humberto Milhomem (2006) afirma que:
O autor procura observar e dissecar a realidadehumana, partindo do individual para compreender osocial. Seu realismo é crítico. Seu herói é um serrevoltado que não aceita o mundo, as pessoas ou a simesmo. Seu estilo é seco, enxuto, preciso, rigoroso,econômico.
Graciliano representa com perfeição o Romance de 30, através dos seus
romances São Bernardo (obra escolhida para o desenvolvimento desse trabalho) e
Vidas Secas. Esse romancista apresenta a individualidade e o caráter humano nos
seus diferentes aspectos, empregando particularidades regionais, mostrando a
linguagem, o ambiente natural e as riquezas culturais da região nordestina.
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2 TRAJETÓRIA DE GRACILIANO RAMOS
Graciliano Ramos é considerado um dos maiores escritores brasileiros.
Sua obra é de fundamental importância para a história da literatura do Brasil. Neste
capítulo, será apresentada uma síntese da vida e da obra desse grande escritor
modernista.
2.1 GRACILIANO RAMOS – VIDA
O escritor Graciliano Ramos nasceu em Quebrângulo, uma cidade no
interior do estado de Alagoas, em 1892. Seus pais, Sebastião e Maria Amélia,
sertanejos de classe média, tiveram dezesseis filhos.
Em 1894, a família de Graciliano Ramos mudou-se para Buíque, cidade
do estado de Pernambuco. Em 1900, a família do escritor voltou para Alagoas,
mudando-se para Viçosa, onde o pai vivia como comerciante.
O escritor aprendeu as primeiras letras do alfabeto com seu pai.
Em 1904, Graciliano Ramos dirigiu um jornal literário infantil chamado
Dilúculo. Nesse jornal o escritor alagoano publicou o seu primeiro conto, O Pequeno
Mendigo.
Ainda em 1904, Graciliano foi para um internato em Maceió, onde ficou
seis anos e publicou alguns sonetos. Em 1910, saiu do internato e foi morar em
Palmeira dos Índios, onde trabalhou na loja de tecidos do pai, que saíra de Viçosa.
Nessa época, Graciliano lecionava Português à noite e apresentava grande
interesse por literatura. O escritor costumava escrever sobre o balcão da loja em que
trabalhava, usando papel de embrulho.
Em 1914, Graciliano foi para o Rio de Janeiro, onde morou durante um
ano e trabalhou como revisor dos jornais Correio da Manhã, A Tarde e O Século.
Publicou contos e crônicas na imprensa. Em 1915, o escritor recebeu um telegrama
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informando que duas de suas irmãs, um irmão e um sobrinho foram vítimas da peste
bubônica e faleceram. Por esse motivo, Graciliano voltou para Palmeira dos Índios.
Graciliano estabeleceu-se em Palmeira dos Índios, começou a trabalhar
com comércio, abrindo uma loja chamada Sincera e, nesse mesmo ano, 1915,
casou-se com Maria Augusta Barros, que faleceu durante o parto depois de cinco
anos, em 1920, deixando-o com quatro filhos. Nessa época, Graciliano escrevia
crônicas para os jornais O Índio (Palmeira dos Índios), Jornal de Alagoa (Maceió) e
Paraíba do Sul (Paraíba do Sul, Rio de Janeiro).
Em 1925, Graciliano começou a escrever o livro Caetés, uma história
ocorrida em uma cidade do interior, antiga aldeia dos índios Caetés. Publicado em
1933, Caetés foi o primeiro romance do escritor.
Em 1926, Graciliano tornou-se presidente da Junta Escolar de Palmeira
dos Índios. Em 1927, o escritor foi eleito prefeito de Palmeira dos Índios. Assumiu o
cargo de prefeito em 1928 e agiu em prol da melhoria do ensino, abrindo escolas em
três aldeias.
Ainda em 1928, Graciliano Ramos casou-se com Heloísa Medeiros, que
morava em Maceió. O casal teve quatro filhos. Nessa época, o escritor terminou de
escrever o livro Caetés.
Em 1930, Graciliano renunciou à prefeitura e foi para Maceió trabalhar
como diretor da Imprensa Oficial de Alagoas. Em 1931, demitiu-se da Imprensa
Oficial de Alagoas.
Graciliano voltou para Palmeira dos Índios em 1932. Nesse ano, o escritor
fundou uma escola, onde foram escritos primeiros capítulos de São Bernardo. A
produção foi interrompida, pois o escritor precisou fazer uma cirurgia em Maceió.
Essa fase de sua vida está contada no livro Insônia, publicado em 1947. Ao sair do
hospital, o autor retomou a produção de São Bernardo, livro que foi publicado 1934.
Em 1933, Graciliano voltou para Maceió e foi nomeado diretor da Instrução Pública
de Alagoas.
No início de 1936, o escritor começou a ser ameaçado pelo telefone. Em
março foi preso em sua própria casa, em Maceió, acusado por ser comunista, sendo
levado para Recife e depois para o Rio de Janeiro. Foi vítima de uma acusação
falsa, visto que só ingressou no Partido Comunista do Brasil (PCB) em 1945.
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Em 1937, Graciliano foi libertado e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde
escrevia para jornais. Nesse ano, o escritor recebeu o Prêmio de Literatura Infantil
do Ministério da Educação, com a obra intitulada A Terra dos Meninos Pelados.
Em 1938, Graciliano publicou a obra Vidas Secas. Em 1939, Graciliano foi
nomeado Inspetor Federal do Ensino Secundário. Em 1943, foi publicada a obra
Homenagem a Graciliano Ramos. Em 1944, foi publicado o livro Histórias de
Alexandre.
Em 1945, Graciliano ingressou no PCB. Nesse ano a obra Infância foi
publicada. Em 1951, o escritor foi eleito presidente da Associação Brasileira de
Escritores (ABDE).
Em 1952, Graciliano viajou para Paris com sua esposa, para participar do
evento comemorativo de 150 anos de nascimento de Vitor Hugo. Ao regressar,
Graciliano Ramos ficou muito doente. Ainda em 1952, o sexagésimo aniversário do
escritor foi comemorado na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, porém, Graciliano
não pôde participar, pois estava acamado. A sua filha Clara o representou na
solenidade.
Em janeiro de 1953, Graciliano foi internado, vindo a falecer dois meses
depois, em 20 de março, com câncer pulmonar. Algumas de suas obras foram
publicadas postumamente.
Em 1963, foi lançado o filme São Bernardo, de Leon Hirzman.
2.2 GRACILIANO RAMOS – OBRA
Graciliano Ramos é um dos escritores nordestinos da década de 1930
que mais se destacou, afirma Luft (1973). Entretanto, o reconhecimento da obra de
Graciliano só aconteceu postumamente. Sua obra literária refere-se à problemática
do Nordeste, abrangendo as dores, os sofrimentos, as lutas e as perseguições que
afligem as pessoas daquela região.
Em seus livros está presente a vida coletiva, a cultura, a economia e a
sociedade resultantes de sua experiência pessoal, conforme pode ser constatado
tanto em Infância e Memórias do Cárcere como nas obras regionalistas Caetés, São
Bernardo e Vidas Secas, para onde o romancista transferiu o sertão nordestino com
sua gente sofrida, seus cenários e seus tipos. A maneira como o escritor entende a
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vida e a arte está refletida em todas as obras. Observemos a afirmação de Antônio
Cândido (1992):
Para ler Graciliano Ramos, talvez convenha ao leitoraparelhar-se do espírito de jornada dispondo-se de umaexperiência que se desdobra em etapas e, principiadana narração de costumes, termina pela confissão dasmais vividas emoções pessoais. Com isto, percorre osertão, a mata, a fazenda, a vila, a cidade, a casa, aprisão, vendo fazendeiros e vaqueiros empregados efuncionários, políticos e vagabundos, pelos quais passao romancista, progredindo no sentido de integrar o queobserva ao seu modo peculiar de julgar e de sentir. Detal forma que, embora pouco afeito ao pitoresco e aodescritivo, e antes de mais preocupado em ser, porintermédio da sua obra como artista e como homem,termina por nos conduzir discretamente às esferasbastante várias de humanidade, sem se afastardemasiado de certos temas e modos de escrever.
Percebe-se que Graciliano Ramos possui uma preocupação peculiar em
demonstrar como são os lugares e as pessoas que conhece, passando para o leitor
o seu próprio ponto de vista a respeito de tudo o que descreve.
De acordo com Cristóvão (1986), os romances de Graciliano Ramos
situam-se em lugares que realmente existem: Caetés em Palmeira dos Índios; São
Bernardo em Viçosa; Angústia em Maceió e no Rio de Janeiro; Vidas Secas em
Buíque.
Na obra de Graciliano Ramos não há sentimentalismo. O autor é capaz
de dizer o essencial em poucas palavras. Antônio Cândido (1992) diz que “no âmago
de sua arte há um desejo intenso de testemunhar sobre o homem”.
Caetés, São Bernardo e Angústia ilustram o conhecimento do escritor
sobre a alma humana, com a finalidade de descobrir o que está mascarado pela
aparência, pelo superficial. São narrativas escritas em primeira pessoa, que se
prendem à análise do mundo interior, mas sem desprezar o contexto social e cultural
em que vive cada personagem.
Em São Bernardo, o narrador-personagem Paulo Honório revela um
desequilíbrio interno. Ele tem consciência de que foi o trabalho que o levou a agir da
maneira como agia: de forma determinada, dominante, tirana, levando a sua esposa,
Madalena, a cometer suicídio. Só quando começa a escrever a sua história é que
Paulo Honório toma consciência de que a sua derrota como ser humano aconteceu
20
por querer que todas as coisas e as pessoas fossem suas propriedades. Para Paulo
Honório, o mais importante não era o ser, e sim o ter.
Vidas Secas e Insônia são narrativas em terceira pessoa, onde Graciliano
mostra a realidade social sobre a análise psicológica dos personagens. No romance
regionalista Vidas Secas, Graciliano Ramos apresenta o drama social e geográfico
nordestino. Nesse tipo de romance o autor procura mostrar o homem vinculado ao
meio natural – o sertão.
Algumas narrativas de Graciliano Ramos, como Infância e Memórias do
Cárcere, contam a sua própria vida, são fatos relacionados à sua subjetividade.
Entretanto, como toda sua obra, saem do individual para alcançar o social e o
universal. Assim, Memórias do Cárcere não é o relato puro e simples do sofrimento e
humilhações do indivíduo Graciliano Ramos; é a análise da prepotência que marcou
a ditadura Vargas e que marca qualquer ditadura.
O próprio romancista diz que a sua infância e a sua vida estão contadas
em suas obras. Graciliano afirma que teve que interromper a produção de São
Bernardo no XIX capítulo por ter sido hospitalizado. O que ocorreu no hospital foi
descrito em dois contos (Paulo e O Relógio do Hospital) e no último capítulo de
Angústia.
Algumas das obras de Graciliano Ramos foram publicadas após a sua
morte, por exemplo, Viagem (1954), Contos e Novelas (1957), Histórias do Agreste
(1960), dentre outras.
21
3 SÃO BERNARDO (GRACILIANO RAMOS)
São Bernardo é um dos melhores romances produzidos na segunda fase
modernista. É uma narrativa simples, que conta a história de um homem ambicioso,
que passa de guia de cego a trabalhador rural e, mais tarde, a proprietário da
Fazenda São Bernardo.
Neste capítulo, será analisado o contexto histórico e cultural da obra São
Bernardo bem como alguns elementos que estruturam a obra em questão, como o
foco narrativo, o tempo, o espaço, o enredo, a linguagem e os personagens. Neste
capítulo será mostrado, também, o conflito entre o Capitalismo e o Socialismo, que
se encontra presente na obra, personificados através de Paulo Honório e Madalena,
respectivamente.
3.1 CONTEXTO HISTÓRICO E CULTURAL
A obra São Bernardo, de Graciliano Ramos, conta a história de Paulo
Honório, um fazendeiro de Viçosa, uma cidade do interior de Alagoas. O livro foi
publicado no ano de 1934, época em que o mundo sofria com as conseqüências da
quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque e com a aproximação da Segunda
Guerra Mundial. Nesse período, houve o surgimento do Fascismo e do Nazismo,
regimes totalitários e racistas que se alastravam pela Europa. Era também a época
em que o neurologista Sigmund Freud desenvolvia a psicanálise, teoria da
personalidade que contribuiu para a compreensão da moralidade, da ética e da
cultura humana.
São Bernardo é um livro que, segundo Lúcia Helena Vianna (1997), relata
um drama que se encontra profundamente enraizado nas questões sociais e
políticas pelas quais passava a sociedade brasileira nos anos 30. Nesse período, o
país passou por uma fase de censura, ditadura e repressão.
22
Após comandar a Revolução de 30, Getúlio Vargas começou a governar o
Brasil, permanecendo no poder até 1945. O governo de Getúlio Vargas era marcado
pelo desenvolvimento da indústria moderna. A indústria avançava desde o início do
século XIX, principalmente em São Paulo. A economia sustentada pela produção
cafeeira dava lugar às pequenas indústrias implantadas pelos imigrantes. No
Nordeste, os senhores de engenho entram em decadência. Os velhos engenhos são
transformados em usinas.
O interesse de Graciliano Ramos pelas questões políticas encontra-se
presente nas conversas dos personagens da obra São Bernardo. O advogado João
Nogueira, por exemplo, critica o comportamento aproveitador de muitos homens
públicos:
O que eu acho é que os deputados e os senadores sãoinúteis e comem demais. (João Nogueira, SãoBernardo, p. 77)
O período literário da década de 30, também conhecido como Neo-
Realismo, compreendia uma literatura extremamente preocupada com os temas
regionais, principalmente da região nordestina brasileira, tratando de forma crítica e
denunciadora as questões do homem e da terra. Foi uma fase comprometida com os
ideais políticos da época, marcada pela preocupação em expor de maneira crítica e
documental as desigualdades sociais, mostrando de forma clara e objetiva a
realidade do Brasil. Assim, a literatura mostrava, através dos romances da época, as
formas de trabalho do homem nordestino, a opressão dos trabalhadores, a
exploração do homem e da terra, o coronelismo, o cangaço, a seca e a miséria que
atingiam o sertão, entre outros temas que diziam respeito ao Nordeste e ao homem
sertanejo.
Em São Bernardo, a história de Paulo Honório mostra claramente o que
aconteceu com a economia agrária brasileira, que foi fortemente abalada por causa
da crise de 1929, provocando a decadência da cafeicultura, marcando o início da
industrialização no Brasil. Na obra São Bernardo, podemos notar que Paulo Honório
é um tipo de pessoa que traz consigo a força dos novos tempos, da era
industrializada. Paulo Honório vive o verdadeiro clima dos anos 30, é um sertanejo
que se insere no Capitalismo, consegue se estabelecer como grande proprietário e
23
ampliar a fazenda, melhorando as suas acomodações, comprando máquinas
modernas para cultivar o algodão, etc.
Paulo Honório não tinha nada. No entanto, o personagem conseguiu
tornar-se um proprietário poderoso e influente, movido por um forte desejo de
ascensão social, pela ambição e pela força de trabalho. Diz o protagonista em uma
avaliação pessoal:
Coloquei-me acima da minha classe, creio que meelevei bastante. [...] Fui guia de cego, vendedor de docee trabalhador alugado. Estou convencido de quenenhum desses ofícios me daria os recursos intelectuaisnecessários para engendrar esta narrativa. (PauloHonório, São Bernardo, p. 218)
Graciliano Ramos foi considerado o maior representante da prosa na
segunda fase do Modernismo brasileiro, período compreendido entre 1930 e 1945.
Em sua obra, o escritor criticava a sociedade da época, tentando compreender e
explicar os mecanismos que constituem o pensamento e o comportamento do ser
humano. Por esse motivo, o escritor descrevia o meio natural e o indivíduo como se
um fosse complemento do outro.
O estilo conciso, direto e seco de Graciliano Ramos, desprovido de
sentimentalismo, combinava perfeitamente com o ambiente em que se passavam as
ações de seus romances e com as personalidades de seus personagens. O
narrador-personagem de São Bernardo, Paulo Honório, é um fazendeiro bruto,
resultante da opressão do meio e da crise da época em que vive. O personagem dá
uma impressão de perda da própria humanidade, o que podemos comprovar através
do seu comportamento excessivamente autoritário diante dos empregados e dos
ciúmes doentios que sente de Madalena, sua esposa.
3.2 O NARRADOR, O TEMPO E O ESPAÇO
A obra São Bernardo é narrada em primeira pessoa pelo personagem
principal, Paulo Honório. Sendo assim, o foco narrativo compreende a perspectiva
do protagonista, o autor fictício da obra, que narra a sua própria história. Quando
começa a narrar a sua história, Paulo Honório está viúvo e solitário. Paulo Honório
24
articula toda a narração e, mesmo sem ter acesso à consciência dos outros
personagens, escreve as suas falas sob o seu ponto de vista. Segundo Coutinho
(2004):
Paulo Honório é um pseudo-autor, tentando numanarração incipiente e simplificada ao máximo, traçar obalanço de seu viver. É, pois, o caminho darepresentação artística ficcional que opta paraencaminhar-se à verdade.
No começo da obra São Bernardo, Paulo Honório afirma que pretendia
construir o livro por uma “divisão de trabalho”, delegando uma função especial a
cada personagem, o que acaba não funcionando, como podemos ver na passagem
transcrita a seguir:
Antes de iniciar este livro, imaginei construí-lo peladivisão do trabalho.Dirigi-me a alguns amigos, e quase todos consentiramde boa vontade em contribuir para o desenvolvimentodas letras nacionais. Padre Silvestre ficaria com a partemoral e as citações latinas; João Nogueira aceitou apontuação, a ortografia e a sintaxe; prometi aoArquimedes a composição tipográfica; para acomposição literária convidei Lúcio Gomes de AzevedoGondim, redator e diretor do Cruzeiro. Eu traçaria oplano, introduziria na história rudimentos de agriculturae pecuária, faria as despesas e poria o meu nome nacapa. (Paulo Honório, São Bernardo, p. 7)
A personalidade autoritária e arbitrária de Paulo Honório não lhe permitia
compartilhar nada, nem mesmo a narração da obra. O narrador mandava nos
demais personagens, com menosprezo. Na obra, Paulo Honório vê e trata as
pessoas como se fossem coisas, objetos. Por esse motivo, o protagonista se
desentende com os demais colaboradores, como podemos constatar na seguinte
citação:
Estive uma semana bastante animado, em conferênciascom os principais colaboradores, e já via os volumesexpostos, um milheiro vendido graças aos elogios que,agora com a morte do Costa Brito, eu meteria naesfomeada Gazeta, mediante lambujem. Mas ootimismo levou água na fervura, compreendi que nãonos entendíamos. (Paulo Honório, São Bernardo, p. 7)
25
Essa dificuldade em dividir o trabalho revela a sua arrogância, o seu
autoritarismo. Tudo o que acontece é centrado no caráter egoísta de Paulo Honório.
Dessa forma, Paulo Honório narra o livro sozinho, sumariamente, brevemente,
secamente, como a sua própria personalidade. Paulo Honório diz o que pensa com
realismo e convicção.
O foco narrativo em primeira pessoa mostra o nível de consciência de um
homem que absorveu a agressividade do sistema capitalista, competitivo. Paulo
Honório afirma:
Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão éque me deu qualidades tão ruins.E a desconfiança terrível que me aponta inimigos emtoda parte!A desconfiança é também conseqüência da profissão.(Paulo Honório, São Bernardo, p. 221)
Usando os métodos desumanos do Capitalismo selvagem, cujas
condições de trabalho dos empregados rurais eram as mais precárias possíveis, o
narrador tornou-se um homem rico e influente, depois que adquiriu a antiga fazenda
na qual trabalhara, a Fazenda São Bernardo.
A história da obra São Bernardo acontece no século XX, entre os anos de
1920 e 1930, embora não haja data precisa. Apesar de mostrar toda a vida de Paulo
Honório, a obra se concentra na elevação do protagonista a dono da Fazenda São
Bernardo, no seu enriquecimento, no seu casamento e na sua decadência após o
suicídio de sua esposa, Madalena.
O tempo predominante no romance é o tempo psicológico. A trama
acontece a partir de uma retrospectiva feita pelo narrador-personagem. Paulo
Honório relata toda a sua lembrança de vida. O protagonista escreve para
compreender o que aconteceu no decorrer de sua vida, conta como era a sua vida
enquanto não tinha nenhuma propriedade e como passou a ser a sua vida depois de
tornar-se rico, as suas relações com os demais personagens e o seu próprio declínio
após o suicídio de Madalena. Conforme Lúcia Helena Vianna (1997):
Paulo Honório se propõe a escrever um livro, mas nãosabe explicar a sua utilidade. Sente apenas que o fazpor imposição psicológica, numa busca de explicaçãopara o desmoronamento da vida e do casamento. [...]Na realidade, Paulo Honório busca nas diferenças queexistiam entre Madalena e ele o reconhecimento de sua
26
própria pessoa e uma definição, mais do que nuncatornada necessária, de seu ser no mundo.
O espaço da obra é rural, centrado na Fazenda São Bernardo, no sertão
de Alagoas. Graciliano Ramos não descreve o ambiente de forma excessivamente
detalhada, mas caracteriza a paisagem, a economia e a produção.
3.3 O ENREDO (RESUMO)
O romance São Bernardo é um relato de toda a vida de Paulo Honório.
Quando criança, o protagonista foi abandonado pelos pais. Não há nome de pai nem
mãe em sua certidão de nascimento. Quem o criou foi a Margarida, uma negra
vendedora de doces. Paulo Honório trabalhou desde muito jovem em fazendas,
inclusive na Fazenda São Bernardo (fazenda que deu título à obra), ganhando muito
pouco por horas e horas de serviço de enxada.
Aos dezoito anos Paulo Honório foi preso por ter esfaqueado um rival.
Ficou na cadeia por mais de três anos, período em que aprendeu a ler com Joaquim
sapateiro, que possuía uma pequena Bíblia. Quando saiu da prisão, Paulo Honório
só pensava em ganhar dinheiro, como ele mesmo afirma:
A princípio o capital se desviava de mim, e persegui-osem descanso, viajando pelo sertão, negociando comredes, gado, imagens, rosários, miudezas, ganhandoaqui, perdendo ali, marchando no fiado, assinandoletras, realizando operações embrulhadíssimas. Sofrisede e fome, dormi na areia dos rios secos, briguei comgente que fala aos berros e efetuei transações de armasengatilhadas. (Paulo Honório, São Bernardo, p. 17)
Como um verdadeiro capitalista, negociando, pegando dinheiro a juros,
ganhando e perdendo, passando sede e fome, brigando com pessoas e trabalhando,
Paulo Honório conseguiu juntar dinheiro e voltar para a sua terra, Viçosa, no estado
de Alagoas. O propósito do personagem era ser dono da Fazenda São Bernardo,
fazenda onde trabalhara quando jovem.
Para conseguir atingir a sua meta, o protagonista se aproximou do dono
da fazenda, Luís Padilha, filho de seu ex-patrão, o falecido Salustiano Padilha. Paulo
Honório agia como fosse amigo de Padilha. Entretanto, o protagonista dava
27
péssimos conselhos a respeito da condução da fazenda, emprestava dinheiro a
juros para Padilha, usando a sua má fé para levar Padilha à falência. Padilha era um
incompetente, viciado em bilhar e bebida. Após deixar Padilha cheio de dívidas,
Paulo Honório conseguiu fazê-lo vender a propriedade por um preço baixíssimo:
Para evitar arrependimento, levei Padilha para a cidade,vigiei-o durante a noite. No outro dia, cedo, ele meteu orabo na ratoeira e assinou a escritura. Deduzi a dívida,os juros, o preço da casa, e entreguei-lhe sete contos equinhentos e cinqüenta mil-réis. Não tive remorsos.(Paulo Honório, São Bernardo, p. 30)
Muito determinado em enriquecer, Paulo Honório conseguiu reestruturar a
Fazenda São Bernardo. O protagonista era um capitalista selvagem, que trabalhava
arduamente para conseguir se tornar um grande e reconhecido proprietário rural,
que batalhava para crescer, sem se importar com as outras pessoas, pois o mais
importante para ele era a aquisição, o poder. Em uma passagem da obra, o
personagem descreve o seu dia-a-dia:
[...] Trabalhava danadamente, dormindo pouco,levantando-me às quatro da manhã, passando dias aosol, à chuva, de facão, pistola e cartucheira, comendonas horas de descanso um pedaço de bacalhau assadoe um punhado de farinha. (Paulo Honório, SãoBernardo, p. 35)
Paulo Honório possuía vários aliados, os quais manipulava de acordo
com os seus interesses capitalistas. Casimiro Lopes, seu capanga, por exemplo,
assassinou o velho Mendonça, proprietário das terras vizinhas. Assim, Paulo
Honório invadiu as terras do falecido, aumentando os limites de suas propriedades.
O protagonista pegou empréstimos em bancos, comprou máquinas e investiu na
melhoria das terras. Além disso, o narrador-personagem possuía uma rede de
amigos por conveniência, e conseguia subir na vida com a ajuda dos mesmos. O
advogado João Nogueira o protegia e o ajudava a ganhar causas no fórum.
Conquistou também auxílio do jornalista Gondim, do Padre Silvestre e dos políticos
da região.
Após reconstruir a casa e iniciar a avicultura, a pomicultura e a plantação
de algodão, Paulo Honório resolveu se casar com Madalena, professora recém-
formada da vila, por solidão e pela necessidade de ter um herdeiro que desse
28
continuidade aos seus negócios. Ao conhecê-la e simpatizar-se com ela, agiu com a
mesma determinação que agira para conseguir a posse e o progresso das terras,
conseguindo, dessa forma, desposá-la.
Madalena mudou-se para a fazenda em companhia de sua tia D. Glória.
Madalena se desenvolve na obra como uma pessoa esclarecida e dotada de ideais
socialistas, duas qualidades que o fazendeiro não conseguia aceitar. Ela apiedava-
se dos empregados da fazenda e os ajudava. Era preocupada com o ensino e lutava
para a melhoria da escola que Paulo Honório havia construído só para agradar o
governador.
Desde o começo do relacionamento, o casal se desentendia muito,
principalmente por causa do caráter generoso e altruísta de Madalena e do gênio
violento e arrogante de Paulo Honório. O fazendeiro morria de ciúmes da mulher,
que acabou não resistindo aos maus tratos e cometeu suicídio. Com isso, Paulo
Honório começou a perder as outras pessoas que o cercavam. Isso fez com que a
sua gana de produção e ganho de dinheiro diminuísse.
Com a Revolução de 30, a Fazenda São Bernardo começou a decair. Os
negócios começaram a ficar estagnados e o fazendeiro não conseguia reagir. A
partir de então, Paulo Honório começou a sentir e vivenciar a sua própria derrota. A
imagem de Madalena começou a persegui-lo. Através dessa perseguição, o
protagonista compreendeu que havia se tornado um monstro. E só após a morte de
sua esposa foi que Paulo Honório teve consciência de que a amava.
Deformado pelo Capitalismo exacerbado, o que o afastou das pessoas e
das relações humanas, visto que as substituía por objetos de posse, de poder, de
domínio, Paulo Honório reconheceu a própria decadência interior.
Sem forças para se transformar e malquisto por todos que o rodeavam,
inclusive pelo filho de três anos, desconfiado de tudo e de todos, Paulo Honório
entregou-se à amarga solidão e ao isolamento. Foi então que começou a escrever
um romance, tentando, assim, buscar o sentido de sua vida, mostrando o complexo
decadente que representa:
Cinqüenta anos perdidos, cinqüenta anos gastos semobjetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. Oresultado é que endureci, calejei, e não é um arranhãoque penetra esta casca espessa e vem ferir cá dentro asensibilidade embotada. Cinqüenta anos! Quantashoras inúteis! Consumir-se uma pessoa a vida inteira
29
sem saber para quê! Comer e dormir como um porco!Levantar-se cedo todas as manhãs e sair correndo,procurando comida! E depois guardar comida para osfilhos, para os netos, para muitas gerações. Queestupidez! Que porcaria! Não é bom vir o diabo e levartudo?Sol, chuva, noites de insônia, cálculos, combinações,violências, perigos – e nem sequer me resta a ilusão deter realizado obra proveitosa. (Paulo Honório, SãoBernardo, p.216)
3.4 A LINGUAGEM
O romance São Bernardo é uma obra regionalista modernista que aborda
temas sociais, políticos e psicológicos. É uma narrativa em primeira pessoa, que
acompanha o processo mental do narrador, ou seja, o narrador conta os fatos sob o
seu ponto de vista. A linguagem é direta e simples, característica peculiar das obras
de Graciliano Ramos.
Os temas da obra são essencialmente representados por Paulo Honório,
um sujeito extremamente capitalista, e por sua esposa Madalena, uma mulher
socialista, que se preocupa com a igualdade de oportunidades para todos os
indivíduos e com os direitos da classe trabalhadora.
A linguagem da obra São Bernardo foi cuidadosamente escolhida por
Graciliano Ramos, que empregou o modo de falar da gente do interior do Nordeste,
a fim de que o texto alcançasse um caráter que se aproximasse ao máximo da
realidade lingüística nacional, especificamente da região nordestina.
O narrador-personagem conta a sua história através de um realismo
crítico, ou seja, concentra seus esforços na demonstração de que podemos ter um
conhecimento objetivo da realidade. Trata-se de um herói problemático, que não
aceita o mundo, nem as outras pessoas, nem a si mesmo. A obra São Bernardo
apresenta uma linguagem concisa, muito próxima da fala.
Lúcia Helena Vianna (1997) afirma que o romance São Bernardo é uma
obra que:
[...] supera a indiferença na escolha dos detalhes: todasas ações estão diretamente vinculadas à vida e aoprocesso de busca de identidade da consciência dePaulo Honório.
30
Dessa maneira, a linguagem do narrador-personagem acompanha uma
evolução psicológica, ou seja, é marcada pela subjetividade do narrador. A história é
organizada e contada sob o ponto de vista de Paulo Honório. O seu estilo é seco,
preciso e direto, sem uso de linguagem figurada, adjetivos e advérbios, como
podemos verificar na seguinte passagem:
[...] Essa gente quase nunca morre direito.Na pedreira perdi um. [...] Deixou viúva e órfãos miúdos.Sumiram-se: um dos meninos caiu no fogo, aslombrigas comeram o segundo, o último teve angina e amulher enforcou-se.Para diminuir a mortalidade e aumentar a produção,proibi a aguardente. (Paulo Honório, São Bernardo, p.17)
3.5 PERSONAGENS
Neste item, serão apresentados alguns personagens significativos para o
desenvolvimento da obra São Bernardo.
Paulo Honório – personagem principal da obra, que conta a sua própria
história. Tem cinqüenta anos e pesa 89 quilos. Trata as pessoas que o cercam com
desprezo e arrogância. Seu caráter seco e grosseiro é revelado nas suas atitudes e
na sua linguagem.
Madalena – professora recém-formada que se casa com Paulo Honório.
Tem mais ou menos trinta anos, é loira e tem os olhos azuis. Ao mesmo tempo em
que revela a fragilidade e a inferioridade da mulher diante de um mundo rural,
machista e capitalista, também evidencia a grandeza, a força interior. De acordo
com Lúcia Helena Vianna (1997), Madalena interessava-se em participar dos
negócios do marido, gostava de dar opiniões, discutir política, examinar a
contabilidade, interceder pelos colonos. Entretanto, Paulo Honório detestava as
intromissões de sua mulher.
Esses dois personagens, os principais da obra, se contradizem o tempo
todo. Paulo Honório simboliza o Capitalismo, é um patriarca violento, possessivo e
egoísta, homem que trabalhou e conseguiu tornar-se superior aos outros de seu
grupo social. Madalena é uma mulher bondosa e instruída, que não aceita ser objeto
31
de posse do marido. Essas diferenças provocam várias brigas e discussões entre o
casal. Somente após a morte de Madalena é que Paulo Honório passa a ter
consciência do monstro que se tornou, começando a vivenciar o seu próprio
declínio. Embora essa consciência não mude todas as suas atitudes, consegue
torná-lo um pouco humano.
Luís Padilha – ex-dono da Fazenda São Bernardo, filho do falecido
Salustiano Padilha. Perde a fazenda para Paulo Honório por viver como um boêmio,
irresponsável, viciado em bebidas e jogos. É um homem que tem o caráter fraco,
influenciável e submisso. Torna-se professor da escola da fazenda, trabalhando para
Paulo Honório. Possui idéias revolucionárias de esquerda. No fim do romance,
desaparece e se engaja nas forças da Revolução de 30.
Padre Silvestre, João Nogueira, Azevedo Gondim e Arquimedes –
pessoas de grande importância e influência que moravam em Viçosa.
Seu Ribeiro – guarda-livros da fazenda. Foi um poderoso patriarca, que
não conseguiu acompanhar o progresso e as transformações históricas.
Casimiro Lopes, Marciano, Rosa e Mestre Caetano – trabalhadores rurais
da Fazenda São Bernardo. Pessoas que eram totalmente subordinadas a Paulo
Honório, sem personalidade própria.
Casimiro Lopes acompanhava o protagonista como uma sombra.
Marciano tomava conta dos animais e era casado com Rosa. Paulo Honório
mantinha um caso às escondidas com Rosa. Mestre Caetano tomava conta da
pedreira e adoeceu de tanto trabalhar.
Margarida – velha negra que vendia doces e viveu por muitos anos na
Fazenda São Bernardo. Foi ela quem criou Paulo Honório, única pessoa pela qual
Paulo Honório possuía apreço verdadeiro.
D. Glória – tia de Madalena, solteira, sem profissão, senhora que Paulo
Honório acolhe e hospeda. Quando Madalena morre, D. Glória deixa a Fazenda São
Bernardo.
3.6 CAPITALISMO X SOCIALISMO NA OBRA SÃO BERNARDO
32
São Bernardo, obra de Graciliano Ramos, retrata o conflito entre o
Capitalismo e o Socialismo, tendo como representantes, respectivamente, Paulo
Honório e Madalena. Segundo Lúcia Helena Vianna (1997):
A crítica sociológica aponta como nucleio temático doromance o conflito entre duas forças antagônicas: asforças da alienação e as forças do humanismo solidário.As primeiras, representadas por Paulo Honório,reduzem homens e mulheres ao pequeno mundo deinteresses egoístas, enquanto as outras, representadaspor Madalena, os impulsionavam para a vida, no sentidode uma abertura para a comunidade e a superação dasolidão.
Paulo Honório se apresenta na obra como um poderoso e influente
capitalista materialista. Já Madalena, de acordo com Vianna (1997), “estaria
representando a utopia de uma realização social, tomada como inviável àquele
tempo”.
Segundo Vianna (1997), “alguns críticos definem São Bernardo como o
drama conseqüente ao conflito entre as forças da alienação e as do humanismo,
encarnadas nas classes sociais brasileiras”. O romance analisa a possibilidade de
destruição dos conflitos existentes presentes na história, conflitos entre o possuir e o
partilhar, entre o Capitalismo e o Socialismo, entre a dominação e o altruísmo, entre
a solidão e a solidariedade.
O narrador-personagem, Paulo Honório, se constrói no decorrer da
narrativa, começa falando de sua infância como menino rejeitado, fala sobre sua
juventude sem destino, descobre as asperezas da vida como trabalhador rural e
desenvolve um espírito extremamente capitalista, ambicioso, que o aliena e o faz
achar que o mundo gira em torno do poder, que para ser reconhecido como alguém
é preciso ter bens, propriedades, capital. De acordo com João Luiz Lafetá, Paulo
Honório se mostra como:
[...] um homem empreendedor, dinâmico, dominador,obstinado, que concebe uma empresa, trata de executá-la, utiliza os outros para isso e não se desanima com osfracassos.
Paulo Honório é um homem movido pela sede de ascensão social, do
lucro, típico de uma pessoa capitalista. Ele não teve pais, não teve muitas
33
oportunidades na vida, mas conseguiu transformar-se em um proprietário bem-
sucedido, dominador, não se importando em usar outras pessoas para conseguir
tudo o que queria. Até mesmo a sua esposa, Madalena, era tratada como uma
posse, como um objeto.
Paulo Honório representa o Capitalismo, porque é uma pessoa que traz
consigo a força da modernidade, desenvolve novas técnicas de agricultura e
pecuária, constrói estradas, compra máquinas; é alguém que impõe os seus valores
alienantes e domina as pessoas que o cercam, visando o crescimento de suas
terras. O protagonista é símbolo da força industrial que se estabelece no Brasil,
eliminando o regime patriarcal.
De acordo com João Luis Lafetá (1981), uma das características do
Capitalismo é:
[...] o afastamento e a abstração de toda qualidadesensível das coisas, que é substituída na mentehumana pela noção de quantidade.
Isso acontece com Paulo Honório, dotado de um forte sentimento de
propriedade, que o leva a tratar todas as pessoas como se fossem coisas, que
podem ser manipuladas e possuídas.
O terceiro capítulo do livro São Bernardo mostra que Paulo Honório sai da
cadeia com um único pensamento: ganhar dinheiro, como podemos verificar no
trecho a seguir:
[...] Tirei o título de eleitor, e seu Pereira, agiota e chefepolítico, emprestou-me cem mil réis a juro de cinco porcento ao mês. Paguei os cem mil réis e obtive duzentoscom o juro reduzido para três e meio por cento. Daí nãobaixou mais, e estudei aritmética para não ser roubadoalém da conveniência. (Paulo Honório, São Bernardo, p.17)
É esse sentimento ambicioso, o sentimento de propriedade, juntamente
com o ciúme, que fazem com que Paulo Honório seja tão egoísta e brutal, como ele
mesmo diz:
Creio que nem sempre fui egoísta e brutal. A profissão éque me deu qualidades tão ruins.E a desconfiança terrível que me aponta inimigos emtoda parte!
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A desconfiança é também conseqüência da profissão.(Paulo Honório, São Bernardo, p. 221)
O trabalho de Paulo Honório é composto de lutas pela propriedade, pelas
plantações, pelo rebanho, pelo poder e pelo capital. Paulo Honório é tão capitalista e
materialista que se vê incapaz de compreender o lado humano de Madalena. Para
ele, Madalena é apenas um objeto a ser possuído e dominado. Em contrapartida,
Madalena demonstra querer direitos iguais dentro do casamento, visto que gosta de
participar dos negócios, e não quer ser objeto de posse do marido. Ao entrar em
contato com a vida na fazenda, Madalena tenta mudar a maneira como os
trabalhadores são tratados e depara-se com a intolerância e brutalidade do marido,
um homem egoísta, cheio de desconfianças, que só pensa em dominar e adquirir
bens materiais.
Madalena, ao sentir-se comovida com a vida miserável dos colonos da
Fazenda São Bernardo, começa a demonstrar a sua insatisfação ao marido. O
primeiro choque entre o Capitalismo e o Socialismo ocorre no início do casamento
de Paulo Honório e Madalena, quando Madalena acha muito pouco o salário de seu
Ribeiro e expõe sua opinião. Paulo Honório fica extremamente zangado com a
“intromissão” de Madalena:
[...] É tolice querer uma pessoa sobre assunto quedesconhece. Cada macaco no seu galho. Que diabo! Eununca andei discutindo gramática. Mas as coisas daminha fazenda julgo que devo saber. (Paulo Honório,São Bernardo, p. 115)
Depois disso, acontecem vários desentendimentos entre o casal por
causa de questões financeiras, por exemplo, quando Paulo Honório espanca
Marciano por estar enfurecido com Madalena pelo dinheiro que ela o faz gastar com
materiais didáticos para a escola da fazenda:
[...] Foi à escola, criticou o método de ensino do Padilhae entrou a amolar-me reclamando um globo, mapas. [...]Seis contos de folhetos, cartões e pedacinhos de tábuapara os filhos dos trabalhadores. Calculem. Umadinheirama tão grande gasta por um homem queaprendeu leitura na cadeia, em carta de ABC, emalmanaques, numa bíblia de capa preta, dos bodes.Mas contive-me. [...] Era despesa supérflua. (PauloHonório, São Bernardo, p. 125)
35
Por não suportar o caráter dominador e o ciúme doentio de Paulo
Honório, Madalena é levada ao desespero e comete suicídio. Madalena não aceita o
que acontece com a maioria das pessoas, que são dominadas pelo sistema
capitalista, no interior de um mundo que faz com que sejamos inautênticos,
alienados. Por conseqüência da morte de Madalena, Paulo Honório se desestrutura,
indo à falência, desacreditando de sua própria força para superar os obstáculos e
dominar o mundo.
Podemos afirmar que Madalena representa o Socialismo, visto que
confronta as atitudes capitalistas de Paulo Honório. Segundo Vianna (1997), ela
representa o germe humanizador no mundo de posses contínuas de Paulo Honório.
Madalena condena o abuso dos trabalhadores da fazenda por parte de Paulo
Honório, questiona a respeito dos baixos salários, prega a igualdade de
oportunidades.
Todas as brutalidades de Paulo Honório, o descaso, o desamparo e a
hostilidade no modo de tratar os seus trabalhadores horrorizaram Madalena. Por sua
vez, Paulo Honório espanta-se porque Madalena não compreende o seu
comportamento.
O desfecho da obra é a derrota de Paulo Honório, que ocorre após o
suicídio de sua esposa. Madalena é eliminada fisicamente, mas destrói também a
vida de Paulo Honório, que perde o sentido de seguir em frente e começa a compor
a narrativa de sua vida para compreender o significado de ter se tornado um
monstro. Antes, Paulo Honório se mostrava como um personagem forte, movendo-
se em um mundo de objetivos claros: ter, possuir, dominar. Com o suicídio de
Madalena, o protagonista é desmascarado e tenta encontrar o sentido perdido, o
erro que cometera para que a sua se desequilibrasse dessa forma.
E vou ficar aqui, às escuras, até não sei que hora, atéque, morto de fadiga, encoste a cabeça à mesa edescanse uns minutos. (Paulo Honório, São Bernardo,p. 221)
Com essas palavras o romance acaba, mostrando a derrota total do herói
capitalista, que é incapaz de modificar-se e progredir, visto que tenta retomar o ritmo
anterior de sua vida, mas logo esfria por causa da lembrança da mulher morta.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após o desenvolvimento desse trabalho, concluímos que o maior
movimento cultural brasileiro do século XX foi o Modernismo, que buscou mostrar a
realidade brasileira, principalmente através da literatura e das artes plásticas.
Tomamos como foco de análise o romance São Bernardo, de Graciliano Ramos,
uma obra regionalista que se preocupa em comunicar o problema vivido no sertão
nordestino pelo homem vitimado e esmagado pelo sistema capitalista.
O marco inicial do Modernismo foi a Semana de Arte Moderna, que
ocorreu em São Paulo, entre 13 e 18 de fevereiro de 1922, com o intuito de fazer
com que a cultura brasileira tomasse consciência das novas manifestações
européias, as Correntes de Vanguarda, ao mesmo tempo em que queria mostrar a
verdadeira face brasileira.
A partir do Modernismo, ocorre no campo artístico e literário uma
renovação na linguagem e na forma, marcando a ruptura definitiva com a arte
tradicional. A primeira fase modernista privilegiou o projeto estético, a renovação da
linguagem. O segundo tempo modernista privilegiou o projeto ideológico, mostrando
a realidade brasileira, buscando interpretar o homem e a sociedade, substituindo o
esteticismo.
Publicado em 1934, dentro do Movimento de 30, vimos que São Bernardo
trabalha a problemática da terra, motivo de denúncia social, mostrando como vive o
sertanejo, um homem sem princípios ideológicos e morais, preocupado em
sobreviver a qualquer preço. Os romancistas de 30 adotavam uma visão crítica das
relações sociais, ressaltando o homem hostilizado pelo ambiente, ou seja,
mostravam que a seca e a miséria faziam o homem agir secamente, rudemente.
Através do segundo capítulo desse estudo, vimos que Graciliano Ramos
conta em sua obra toda a sua infância e a sua vida. O autor aborda a problemática
do Nordeste, mostrando as dores, os sofrimentos, as lutas e as perseguições do
povo nordestino. O autor opta por uma linguagem sucinta, clara, sem ironia,
centrada na concisão da paisagem e do homem. Graciliano Ramos emprega em
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São Bernardo um recurso fundamental das narrativas modernas, a narração do
romance pelo protagonista, como se o romance fosse de autoria do próprio
personagem.
Paulo Honório começa a narrar a sua história em São Bernardo quando já
está viúvo e sozinho. Descreve a sua vida, dotada de vontade e ambição de se
tornar fazendeiro, passando de guia de cego a dono da Fazenda São Bernardo. O
protagonista vive em função do sentimento de propriedade.
Graciliano Ramos recria em Paulo Honório o típico burguês brasileiro que
se elevou na época da Revolução de 30. Esse burguês é extremamente ligado à
mesquinhez da sociedade capitalista da época, que refutava os princípios
democráticos e humanistas de seu período, princípios representados por Madalena,
sua esposa.
Ao fracassar, Paulo Honório procurou uma justificativa para o
desmoronamento de sua vida e propôs-se a escrever um livro.
O romance que analisamos assume a importância de representação da
realidade, centrado, em especial, nos personagens Paulo Honório e Madalena,
representantes do conflito entre o Capitalismo e o Socialismo. Paulo Honório
representa a força capitalista, sempre dominando os empregados, visando lucro e
ascensão social. Madalena representa as forças humanitárias das classes sociais
brasileiras, lutando pelo bem-estar dos empregados, respeitando a igualdade de
direito de todos.
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REFERÊNCIAS
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CÂNDIDO, Antônio. Ficção e confissão: ensaios sobre Graciliano Ramos. Rio deJaneiro: Editora 34, 1992.
COUTINHO, Afrânio; COUTINHO, Eduardo de Faria. A literatura no Brasil. Vol. 5. 7ed. São Paulo: Global, 1999.
CRISTÓVÃO, Fernando Alves. Graciliano Ramos: estrutura e valores de um modode narrar. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986.
LAFETÁ, João Luiz. O mundo à revelia. In: RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 37ed. Rio de Janeiro: Record, 1981.
LUFT, Celso Pedro. Dicionário de literatura portuguesa e brasileira. Porto Alegre:Editora Globo, 1973.
MILHOMEM, Humberto; BATISTA, João; ACÁCIA, Rita de. Literatura para vestibular.Goiânia: Kelps/Leart, 2005.
RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 87 ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da literatura brasileira. 5 ed. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1969.
VIANNA, Lúcia Helena. Roteiro de leitura: São Bernardo, de Graciliano Ramos. SãoPaulo: Ática, 1997.