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ANÁLISE NUMÉRICA DA INJEÇÃO DE AR PARA A REDUÇÃO DA RESISTÊNCIA
AO AVANÇO DE EMBARCAÇÕES
Higuel Parga de Paiva Norões
Projeto de Graduação apresentado ao
Curso de Engenharia Naval e Oceânica da
Escola Politécnica, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Engenheiro.
Orientador: Alexandre Teixeira De Pinho
Alho, DSc.
Co-Orientador: Marcelo de Araujo Vitola,
DSc
Rio de Janeiro
Março de 2015
ii
ANÁLISE NUMÉRICA DA INJEÇÃO DE AR PARA A REDUÇÃO DA RESISTÊNCIA
AO AVANÇO DE EMBARCAÇÕES
Higuel Parga de Paiva Norões
PROJETO FINAL SUBMETIDO AO CORPO DOCENTE DO DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA NAVAL E OCEÂNICA DA ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À OBTENÇÃO DO GRAU DE ENGENHEIRO NAVAL.
Examinado por:
_________________________________________
Alexandre Teixeira de Pinho Alho, D.Sc.
(Orientador)
_________________________________________
Marcelo de Araujo Vitola, D.Sc
(Co-orientador)
_________________________________________
José Henrique Erthal Sanglard, D.Sc
_________________________________________
Carl Horst Albrecht, D.Sc.
RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL
MARÇO DE 2015
iii
Norões, Higuel P. de P.
Análise Numérica da Injeção de Ar para a Redução
da Resistência ao Avanço de Embarcações / Higuel
Parga de Paiva Norões.– Rio de Janeiro: UFRJ / Escola
Politécnica, 2015.
57 p.: il.; 29,7 cm.
Orientadores: Alexandre Teixeira de Pinho Alho, D.Sc.
Marcelo de Araujo Vitola, D.Sc.
Projeto de Graduação – UFRJ/ Escola Politécnica/ Curso de
Engenharia Naval e Oceânica, 2015.
Referências bibliográficas: p. 54 - 57.
1. Resistência ao Avanço de Embarcações. 2.
Injeção de Ar. 3. Hidrodinâmica. I. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Escola Politécnica,
Curso de Engenharia Naval e Oceânica. II.
Título.
iv
Projeto Final apresentado ao DENO como parte dos requisitos necessários à obtenção
do grau de Engenheiro Naval.
ANÁLISE NUMÉRICA DA INJEÇÃO DE AR PARA A REDUÇÃO DA RESISTÊNCIA
AO AVANÇO DE EMBARCAÇÕES
HIGUEL PARGA DE PAIVA NORÕES
MARÇO/2015
Orientador: Alexandre Teixeira de Pinho Alho
Co-Orientador: Marcelo de Araújo Vitola
Departamento: Engenharia Naval e Oceânica
Resumo do Trabalho:
A resistência ao avanço de embarcações é um tema continuamente estudado
por arquitetos navais, pois sua redução provê economia de gastos e diminuição da
poluição do meio ambiente. A resistência em embarcações pode ser decomposta em
duas parcelas principais, a friccional e a de pressão. Atualmente existem diversas
alternativas disponíveis para reduzir esta resistência, dentre elas a injeção de ar - que
tem como principal função reduzir a parcela friccional da resistência. A metodologia
deste projeto é analisar numericamente (pelo uso de CFD) a técnica de injeção de ar
em um casco de uma Embarcação de Suprimentos Rápida. São comparadas as
resistências do casco original (sem nenhuma modificação geométrica), o casco
modificado (com uma geometria preparada para receber a injeção de ar, porém sem ar)
e o casco com injeção (com ar sendo injetado propriamente). Os resultados obtidos
permitem uma discussão crítica da influência de diversos parâmetros geométricos do
sistema captação-injeção e da forma do casco. O conceito foi provado qualitativamente
e o presente trabalho dá luz à técnica aplicada a FSV’s, que merece ser investigada
profundamente.
Palavras-chave: Resistência ao Avanço, Injeção de Ar, CFD.
v
Graduation Project presented to DENO as part of the necessary requirements to obtain
the degree of Naval Engineering.
NUMERICAL ANALYSIS OF AIR INJECTION FOR SHIP RESISTANCE REDCUTION.
HIGUEL PARGA DE PAIVA NORÕES
MARCH/2015
Advisor: Alexandre Teixeira de Pinho Alho
Co-Advisor: Marcelo de Araújo Vitola
Department: Engenharia Naval e Oceânica
Abstract of Project:
Ship resistance is a continuously studied theme by naval architects, since its
reduction provides cost savings and environment pollution decrease. One can
decompose ships resistance in two main parcels, the friccional and the pressure.
Currently, there are various alternatives to reduce this resistance, among them the air
injection – which its main role is to reduce the frictional parcel of resistance. The
methodology of this project is to analyse numerically (making use of CFD) the air
injection technique in a Fast Supply Vessel’s hull. A comparison in the resistances of the
original hull (with no geometrical modification), the modified hull (with a geometry
prepared to receive the air injection, yet with no air) and the hull with injection (in which
air is properly injected) is made. The obtained results allow a reviewed discussion about
the influence of various geometric parameters of the collection-injection system and
about the hull form. The current work qualitatively proved the concept and enlightened
the technique applied to FSVs, which deserves to be deeply investigated.
Key words: Ship Resistance, Air Injection, CFD.
vi
Dedicatória:
Dedico este trabalho a minha Vó Alice
(in memoriam), que me alegrava nas
tardes de domingo no Méier.
vii
Agradecimentos
À minha família, especialmente a meu pai Antônio Herly e a minha tia Lizete, que me
criaram e me ensinaram a ter os valores que carrego comigo. Aos meus irmãos Diego
e Isabela pelo amor e carinho de sempre. À Vânia, minha eterna madrasta. Aos meus
irmãos postiços Heron, Hilder, Hélen e Raphael pela convivência fraterna durante esses
anos. Aos tios e tias, primos e primas, avôs e avós (de sangue ou não) que me ajudaram
nesta jornada.
À Lara, minha companheira de muitos anos. Sem seu apoio e carinho, não seria um
terço do que sou hoje. Você merece tudo e muito mais, te amo. À família Valverde e
Monteiro, um abraço apertado.
Ao amigo Wylson pelo companheirismo fiel nesta batalha que é formar-se engenheiro.
Ao amigo Hassan pelas noites de estudo e amizade duradoura. Ao amigo Lucas Portes
por compartilhar o entusiasmo em CFD e me ajudar “elegantemente” em questões
teóricas.
Aos engenheiros navais Rafael Coelho e Thiago Marinho (“Wind”), vocês são minha
maior inspiração como futuro engenheiro. Espero continuar me inspirando por longos
anos.
A meu orientador Alexandre Alho, um apaixonado por barcos que possui brilho nos olhos
em tudo o que faz. Obrigado pelos ensinamentos que levarei por toda minha vida
profissional e pessoal. À excelente co-orientação do Marcelo Vitola, peça fundamental
deste trabalho. O meu muito obrigado pelos conselhos, críticas, sugestões e empenho.
Ao desenhista industrial Murilo Almeida, um exemplo de pessoa altruísta e solidária.
Sem você este trabalho não iria se concluir tão cedo, lhe devo muito.
Aos funcionários do LEME/LEDAV, em especial ao grande e eterno mestre Severino.
Ao LabOceano pela infraestrutura computacional. À CD-Adapco pelo apoio e confiança.
Ao programa PRH-03 da ANP e Petrobras pelo suporte essencial.
viii
Índice
1 Introdução .............................................................................................................. 1
2 Revisão Bibliográfica ............................................................................................. 3
2.1 Resistência ao Avanço ................................................................................... 3
2.2 Alternativas Disponíveis.................................................................................. 4
2.3 Injeção de Ar .................................................................................................. 9
2.3.1 Conceito .................................................................................................. 9
2.3.2 Histórico ................................................................................................ 11
2.3.3 Tratamento Analítico .............................................................................. 12
2.3.4 Tratamento Experimental....................................................................... 15
2.3.5 Tratamento Numérico ............................................................................ 17
3 Metodologia ......................................................................................................... 19
3.1 Formulação Matemática ............................................................................... 19
3.2 Formulação Numérica .................................................................................. 21
3.3 Geometria dos Cascos ................................................................................. 22
3.3.1 Casco Original ....................................................................................... 22
3.3.2 Casco Modificado .................................................................................. 25
3.4 Domínio Computacional................................................................................ 30
3.5 Condições de Contorno ................................................................................ 31
3.6 Malha Computacional ................................................................................... 33
3.7 Configuração Física ...................................................................................... 37
4 Resultados e Discussões ..................................................................................... 38
4.1 Resistência do Casco Original ...................................................................... 38
4.2 Resistência do Casco Modificado ................................................................. 41
4.3 Resistência do Casco com Injeção de Ar ...................................................... 44
4.4 Comparação ................................................................................................. 49
5 Conclusão ............................................................................................................ 51
6 Referências Bibliográficas ................................................................................... 54
1
1 Introdução
A resistência ao avanço é um dos tópicos que mais recebeu atenção na história da
engenharia naval. Essa atenção se dá pela incessante busca de embarcações com
resistências ao avanço cada vez menores, mantendo a capacidade de realizar sua
missão, de modo a reduzir a potência efetiva necessária para o sistema propulsivo.
Quanto menor for a potência instalada, menor será o consumo de combustível do
sistema e consequentemente menores serão os custos de combustível para uma
velocidade fixa. De fato, o custo de combustível das embarcações de apoio offshore
representa de 30% a 50% do custo de operação, um gasto que se diminuído irá
gerar um aumento considerável do lucro bruto.
Além de promover redução no custo, há também a redução da emissão de gases
que contribuem para o efeito estufa, como o CO2. Também são reduzidas as
emissões de gases efetivamente poluentes, estão intimamente atrelados às
mudanças climáticas, como os óxidos de nitrogênio (NOx), os óxidos de enxofre
(SOx), o monóxido de carbono (CO), compostos orgânicos não voláteis (NMVOC)
e os materiais particulados (PM) presentes nos gases resultantes da queima do
combustível usado nos motores marítimos. O Comitê de Proteção do Meio
Ambiente Marinho (MEPC) da IMO (International Maritime Organization) vem
adotando medidas de forma a estimular o setor naval a reduzir o impacto no meio
ambiente. Dentre eles está a obrigatoriedade, desde 2011, dos novos navios
atenderem às conformidades da EEDI (Sistema de Índices de Projeto de Eficiência
Energética), que buscam estimular o projeto de formas de casco eficientes [1].
Existem diversas técnicas disponíveis para tornar as embarcações mais eficientes,
com a maioria buscando promover a redução da resistência ao avanço. Dentre elas,
a injeção de ar se mostra uma alternativa interessante que ainda não é largamente
utilizada. Seu principal objetivo é diminuir a parcela friccional da resistência através
da injeção de uma camada de ar (ou bolhas de ar) sob o fundo do casco.
A complexidade física inerente à técnica de injeção de ar faz com que experimentos
com modelos em escala possam gerar resultados que não são confiavelmente
extrapoláveis. Além disso, um experimento físico possui um custo elevado, não só
pela infraestrutura necessária como também pelo tempo investido.
Devido a isso, o uso de um tratamento numérico do problema se mostra como uma
alternativa favorável. O uso da dinâmica dos fluidos computacional (CFD do inglês
Computational Fluid Dynamics) na engenharia naval possibilita uma dinamização
do processo de projeto porque permite uma análise rápida dos diversos conceitos
2
sintetizados pelo projetista. No entanto, deve-se possuir um conhecimento
aprofundado da ferramenta e da teoria numérica para que elas gerem resultados
que possuam concordância com a realidade – mesmo que de aproximadamente
para fins práticos de engenharia.
Os resultados obtidos neste trabalho possuem uma importância significativa para a
compreensão da injeção de ar natural em embarcações do tipo FSV. O uso do CFD
mostrou-se ótimo para analisar características do escoamento que seriam difíceis
de serem obtidas em um tratamento experimental. Assim, o fenômeno pôde ser
estudado de forma crítica e as conclusões tiradas neste trabalho ajudarão as
próximas investigações desta tecnologia.
3
2 Revisão Bibliográfica
2.1 Resistência ao Avanço
Em 1870, W. Froude iniciou suas investigações sobre a resistência de cascos
utilizando modelos em escala. Em suas observações, ele propôs que a
resistência total do casco poderia ser dividida em resistência friccional e residual
(principalmente por formação de ondas). Para a estimativa da resistência
friccional, ele utilizou uma série de medições do arrasto em placas planas de
diversos tamanhos e diferentes acabamentos de superfície. A hipótese proposta
era que a resistência residual específica, por tonelada de deslocamento, seria a
mesma para o modelo em escala e para o protótipo, garantida a correspondência
de velocidades adimensionais (pelo Número de Froude). Para a época, essas
afirmações eram arrojadas e a princípio foram questionadas. Porém, após testes
em escala real na embarcação HMS Greyhound e com a concordância dos
valores previstos pelo modelo em escala reduzida, a teoria básica da resistência
ao avanço proposta por Froude estava consolidada.
A concepção inicial de Froude ao dividir a resistência ao avanço em
componentes pode ser observada na Figura 1. Nela, uma embarcação move-se
através da água e é possível notar duas características do escoamento: um
padrão de ondas que acompanha o casco e uma região de escoamento
turbulento construindo-se ao longo do casco, que vira uma esteira a ré da popa.
Figura 1 - Padrão de ondas gerado por um casco em movimento. (Fonte: Figure 201, An Album of Fluid Motion,p117).
As duas características observadas estão absorvendo energia devido ao
movimento do casco através da água e portanto constituem a força de
resistência sobre o casco. Essa força é devido às forças de pressão e de
4
cisalhamento ao longo do casco. Então pode-se separar a resistência ao avanço
em:
1. Resistência friccional – a componente longitudinal (direção de
movimento da embarcação) da soma vetorial de todas as forças de
cisalhamento agindo tangencialmente a cada elemento de superfície do
casco;
2. Resistência de pressão - a componente longitudinal da soma de todas
as forças de pressão agindo perpendicularmente a cada elemento de
superfície do casco.
A força (ou arrasto) friccional ocorre devido à propriedade viscosa da água. No
entanto, a parcela da pressão é devida parte aos efeitos viscosos e parte à
formação de ondas pelo casco.
Uma vez que estes fundamentos da resistência ao avanço estavam
estabelecidos, muitos avanços científicos foram feitos ao longo dos anos, como:
o efeito dos parâmetros de forma do casco, os efeitos de água rasa, os desafios
das correções e aplicabilidades do fator de correção da fricção de Froude e a
busca por uma estimativa confiável da resistência adicional em ondas.
A partir de 1980, a dinâmica dos fluidos computacional (CFD) começou a ser
mais utilizada devido ao crescente avanço dos códigos, o que garantia maior
confiabilidade dos mesmos. As vantagens principais do CFD são: a possibilidade
do acesso a informações do escoamento que são difíceis de serem obtidas em
laboratório, um menor tempo investido na análise – para certas aplicações – e a
facilidade de mudanças do modelo sendo testado.
2.2 Alternativas Disponíveis
Com o intuito de atender às ambições de reduzir os custos e os impactos
ambientais, incentivados ou não pelo EEDI, várias alternativas aos projetos
tradicionais de embarcações estão surgindo. Dentre elas, existem algumas que
são radicais e revolucionárias e outras mais conservadoras. Estas últimas
buscam modificar tecnologias já existentes de modo a aumentar sua eficácia,
garantindo assim um menor risco para o projeto. Serão discutidas as vantagens
e desvantagens de cada uma delas a seguir.
5
Mudanças globais na forma do casco
Essas mudanças referem-se às variações nos parâmetros principais de forma,
como por exemplo: coeficiente de bloco, posição longitudinal do centro de
carena, coeficiente de esbeltez, razão comprimento sobre boca, razão boca
sobre calado, coeficiente de seção mestra, forma das balizas, ângulo de entrada
da linha d’água, etc.
A melhor forma de analisar a consequência dessas mudanças na resistência ao
avanço é a implementação de um estudo de otimização. Como a modelagem de
cascos é um processo lento que requer muito tempo investido, o uso de
programas CAD (Computer Aided Design) paramétricos tem se tornando prática
comum, o que acelera o processo de mudança da forma por permitir uma
automatização por implementação de algoritmos. Naturalmente, essa otimização
aliada com a implementação em um software de CFD torna o processo mais
eficiente, já que a construção de muitos modelos experimentais é
financeiramente onerosa apesar de ser tão eficaz quanto o CFD.
A vantagem principal deste método é a capacidade de automação, utilizando um
processo de otimização que busca a melhor geometria do casco possível que
atenda a certos critérios. Além disso, há um vasto número de publicações sobre
os efeitos na resistência ao avanço devido a mudanças globais na forma do
casco. Estas publicações datam de um período anterior ao vasto uso do CFD,
onde informações deste tipo ajudavam no projeto conceitual feito pelos
arquitetos navais.
As desvantagens principais desta técnica, apontadas por Percival et al. [2], são
a seleção apropriada da função objetivo, a escolha da forma de otimização, a
representação geométrica da superfície do casco e a escolha das variáveis e
restrições de projeto relacionadas, a seleção de um CFD prático e robusto, e a
decisão de realizar uma otimização para uma faixa de velocidades ou para uma
única velocidade.
Mudanças locais na forma do casco
As mudanças locais referem-se principalmente a regiões específicas do casco,
como por exemplo: proa bulbosa e região da popa modificada para melhorar o
escoamento sobre o hélice.
6
Figura 2 - Perfil de ondas para proa bulbosa otimizada (cima) e proa bulbosa antes da otimização (baixo) [3].
Assim como nas mudanças globais, as mudanças locais são eficientemente
analisadas por meio de otimização, utilizando uma modelagem paramétrica de
tais regiões do casco juntamente com o CFD.
A vantagem é, de novo, a capacidade de automatização do processo. Ainda que
as mudanças locais no casco sejam um método relativamente novo, já há muitas
publicações sobre o assunto que datam antes do vasto uso do CFD. O primeiro
bulbo em um navio já documentado data de 1910 [4]. O próprio uso generalizado
do bulbo pela maioria dos navios mercantes hoje em dia mostra o sucesso
destas investigações locais.
As desvantagens desta técnica se assemelham àquelas descritas por Percival
et al [2] anteriormente descritas em “Mudanças globais na forma do casco”.
Estas duas últimas técnicas podem ser utilizadas concomitantemente,
resultando em reduções de até 25% na resistência do casco inicial para o casco
final otimizado [5].
Mudança nos apêndices
Esta alternativa busca melhorar o escoamento ao redor dos apêndices como:
lemes e superfícies de controle, pé-de-galinha, bolina, etc.
Esta técnica é baseada em um projeto cuidadoso dos apêndices, levando em
consideração parâmetros como a quantidade, forma e posicionamento dos
mesmos. Estas escolhas já fazem parte do trabalho de um arquiteto naval
quando projeta, porém seu estudo aprofundado pode levar a reduções
significativas da resistência total da embarcação. As pequenas embarcações de
alta velocidade usando bi-hélice apresentam uma resistência dos apêndices de
até 25% da resistência do casco nu.
A vantagem desta técnica é principalmente o fato de ser utilizada há bastante
tempo, fazendo assim com que exista uma literatura vasta sobre o assunto. Além
7
disso, são mudanças pontuais que não afetam o projeto inteiro (diferentemente
das mudanças de forma do caso), permitindo assim uma maior versatilidade de
mudanças possíveis. Como este estudo pode ser desacoplado do projeto da
forma do casco, as duas otimizações podem ser feitas em conjunto.
A desvantagem principal é que existem limitações físicas estruturais e
construtivas que limitam uma redução maior na resistência. Além disso, para
embarcações de baixa velocidade e mono-hélices, a parcela na resistência
devido aos apêndices é mínima (até 3% do casco nu).
Acabamento superficial
A rugosidade da superfície de uma embarcação é um parâmetro fundamental no
coeficiente de resistência friccional (Cf). Apresentada como ks (amplitude
aparente média dos grãos), a rugosidade de uma embarcação nova está em
torno de 80 a 120 μm a pode aumentar de 70 a 150 μm anualmente. Estes
valores estão associados a um aumento na potência equivalente a 1% a cada
10 μm [6].
Além da pintura, existem também problemas associados à vida marinha,
especificamente as incrustações (“cracas”). A forma empregada para a redução
deste tipo de resistência adicional é o desenvolvimento de tintas com bom
acabamento, novas técnicas de pintura, tintas anti-incrustantes (sem estanho e
por isso não tóxicas), tintas de auto-polimento e a base de silicone que soltam
as incrustações. Além disso, são empregadas também processos de tratamento
na docagem periódica.
Esta técnica é eficientemente empregada em embarcações de deslocamento
onde a parcela friccional da resistência total é maior. Porém, umas das
vantagens mais evidentes é que uma vez que a tecnologia de pintura esteja
implementada, pode ser intercambiada para diversas embarcações distintas.
A desvantagem dessa técnica é a necessidade de manutenção, pois não há
como escapar da retirada periódica das incrustações e da repintura da superfície
do casco.
Aerodinâmica
Uma embarcação navegando em uma região sem vento irá sentir uma
resistência aerodinâmica devido à presença das obras mortas (porção da
embarcação acima da linha d’água). Para navios mercantes do tipo tanque,
graneleiros, mineraleiro, etc. a resistência aerodinâmica é de até no máximo 3%
8
da resistência total. Enquanto que para ferrys e navios de passageiro este valor
pode chegar até 6%. Vale notar que os navios de passageiro possuem Froude
baixo (~0,2), mas em compensação a área exposta de suas superestruturas é
grande o suficiente para causar essa forte influência na resistência total. O tipo
de operação também pode causar um forte aumento desta parcela, já que o
estado de mar e rumo da embarcação podem potencializar a resistência
aerodinâmica.
A técnica utilizada para reduzir esta parcela da resistência baseia-se
principalmente no projeto cuidadoso da forma da superestrutura. A redução do
coeficiente de arrasto se dá por baixos ângulos de entrada da forma da
superestrutura quando vista numa seção longitudinal. A Figura 3 mostra uma
embarcação do tipo ferry com uma superestrutura projetada para reduzir o
coeficiente de arrasto aerodinâmico.
Figura 3 - Ferry de passageiros da Ilha de Wight a Southampton, UK. (Fonte: Rémi Kaupp, wikimedia commons).
A vantagem mais marcante desta técnica é a certeza de que formas mais finas
terão uma resistência menor, ou seja, a física do problema é facilmente
dominada.
A desvantagem é a dificuldade de harmonizar os requisitos de superestrutura
aerodinamicamente bem projetada e os requisitos de espaço e volumes
necessárias à operação, i.e. espaço para carga, espaço para passageiros, boa
visibilidade do passadiço, etc.
9
2.3 Injeção de Ar
2.3.1 Conceito
A injeção de ar é uma técnica promissora para a redução da parcela friccional
da resistência ao avanço. Nela, uma camada de gás (normalmente ar) é
criada e mantida entre a água e o casco da embarcação. A camada pode ser
dispersa ou estratificada. No primeiro caso (disperso), a camada de líquido
está saturada com bolhas de ar e, no segundo caso (estratificado), a camada
é composta exclusivamente por ar (Zverkhovskyi, 2014 [7]). Além disso,
Zverkhovskyi propõe uma classificação dos métodos de injeção de ar e
mostra que a geração de fluxo estratificado (sem bolhas) pode ser dividida
em “camada de ar” (a), “cavidade de ar” (b) e “câmara de ar” (c), como pode
ser visto na Figura 4.
Figura 4 - Divisão do fluxo estratificado (sem bolhas). Adaptado de Zverkhovskyi (2014) [6].
Já o autor Ceccio et al. (2012) [8] divide a técnica em três categorias: bolhas,
filme de ar (semelhante ao caso a da Figura 4) e cavidade parcial
(semelhante ao caso c da Figura 4) - onde embarcações são comumente
denominadas ACS (do inglês Air Cavity Ships ou navios com cavidade de ar).
Existem dois tipos fundamentais da injeção do ar em si: a natural e a forçada.
A forçada é feita com uso de algum equipamento que injete o ar para a
formação da camada – normalmente este equipamento é um compressor,
mas são usados também ventiladores e até os gases de descarga do motor
de combustão principal (MCP) para embarcações menores [9]. A natural
ocorre quando a diferença de pressão entre o ponto de “injeção” do ar na
camada e o ambiente externo é negativo (ou seja, o ambiente externo tem
10
pressão maior que o ponto de injeção, havendo assim uma sucção do ar para
a criação da camada).
A ideia central da injeção de uma camada de ar é reduzir o atrito friccional,
pois reduz o contato da água com a superfície do casco. Segundo Sverchkov
[10], em cascos de planeio e semi-planeio pode haver a redução do gradiente
de pressão hidrodinâmica, reduzindo assim também a resistência residual.
Existe a parcela da resistência total que é friccional devido ao atrito com a
superfície molhada do casco. Parte desta superfície é composta pela região
do fundo, que é justamente a região onde a injeção de ar é aplicada.
Dependendo da eficácia da formação da camada de ar no fundo, há uma
redução da resistência friccional (nem todo o fundo é coberto por ar). Esta
redução por sua vez é diminuída com uma resistência adicional inerente ao
sistema (principalmente devido ao aumento da resistência de pressão devido
à forma do casco modificada). Este conceito pode ser visto graficamente na
Figura 5.
Figura 5 - Gráfico da efetividade da redução do arrasto nos sistemas com injeção de ar. Adaptado de [7].
A vantagem desta técnica é que ela pode ser utilizada em embarcações já
existentes (método por bolhas), após um reparo de adaptação –
diferentemente da tentativa de reduzir a resistência residual através da
mudança das linhas do casco, que deve ser feita na fase conceitual do
projeto. Além disso, é uma técnica que consegue altos níveis de redução na
potência requerida, podendo chegar até 25% [7].
A desvantagem principal desta técnica é a complexidade da física que
governa o processo. Muita pesquisa e desenvolvimento estão sendo
realizados a fim de consolidar o conhecimento nesta área. Ainda são
11
desconhecidos os efeitos de escala, as influências no sistema propulsivo, os
efeitos no comportamento no mar e manobrabilidade, entre outros.
2.3.2 Histórico
Apesar de não ter sido explorada detalhadamente por muito tempo, Froude
e Laval já propunham esse conceito no século 19 [10]. Latorre (1995) [11]
mostra que as primeiras patentes relacionadas à injeção de ar surgiram nos
Estados Unidos da América entre 1880 e 1910 (As duas primeiras patentes
da Tabela 1).
Tabela 1 - Exemplo de patentes relacionadas ao desempenho de cascos planadores registradas nos EUA entre 1880 e 1912 [11].
Na década de 1960, iniciou-se um processo de pesquisa e desenvolvimento
de embarcações com cavidade de ar com injeção forçada no Krylov
Shipbuilding Research Institute (Instituto de Pesquisa em Construção Naval
Krylov) na Rússia. O mesmo instituto continua com pesquisas relacionadas
ao tema [9], assim como a DK Group [12], uma companhia holandesa que
está ativamente investindo no desenvolvimento da técnica aplicada a navios
cargueiros e embarcações do tipo ferry.
Dois importantes projetos de pesquisa estão em andamento no MARIN
(Maritime Research Institute Netherlands ou Instituto de Pesquisa Marítima
da Holanda), o projeto holandês PELS (Project Energy-saving air-Lubricated
Ships) e o projeto europeu SMOOTH (Sustainable Methods for Optimal
design and Operation of ships with air lubricaTed Hulls). O primeiro projeto
[13], PELS, visou investigar as diferenças na resistência entre as
configurações de “bolha”, “camada (ou filme)” e “cavidade” de ar além de
suas influências no comportamento no mar e manobrabilidade do navio
estudado. Foram feitas análises numéricas em CFD e testes com modelos
em escala. Obteve-se uma redução de 3 a 10% na potência efetiva líquida
12
e não foi observado diferença apreciável da resposta ao mar ao operar com
injeção de ar. Este projeto agora será continuado sob o nome de PELS 2 e
irá aprofundar a pesquisa do sistema por “cavidade”. O segundo projeto [14],
SMOOTH, também é uma continuação do PELS e estudou o efeito do uso
de injeção de bolhas de ar na resistência, propulsão, comportamento no mar
e manobrabilidade de uma embarcação de águas abrigadas. Foram feitas
análises em modelos em escala e protótipo em escala real. Neste trabalho
os resultados mostram que não houve mudança na resistência ao avanço
nem no comportamento no mar e manobrabilidade. Segundo os autores: “O
futuro da redução de arrasto por injeção com bolhas de ar será acompanhado
com apreensão.”.
O estaleiro francês Beneteau, que produz iates de lazer, fabrica alguns
modelos de sua linha que possuem uma patente com o uso de injeção de ar
no casco. O nome da tecnologia é “Air Step” e se diz que ela faz a
embarcação planar mais rápido, além de oferecer um maior conforto na
navegabilidade. A Figura 6 mostra o desenho esquemático da tecnologia.
Figura 6 - Patente de injeção de ar da Beneteau, o "Air Step" [15].
2.3.3 Tratamento Analítico
Os dois principais autores que contribuíram para a formulação analítica do
problema de injeção de ar foram Butuzov [16] [17] e Matveev [18] [19].
Matveev deu seguimento ao trabalho teórico realizado por Butuzov.
Butuzov [16] sugere que o escoamento da injeção por cavidade de ar é
parecido com o regime de escoamento desenvolvido da cavitação natural. A
13
Figura 7 retrata uma vista em perfil do escoamento com injeção de ar na
região do fundo do casco. Os parâmetros que governam o escoamento,
segundo [19], são: a velocidade do escoamento (U), a altura da cavidade (H),
o comprimento da cavidade (LC) e a gravidade (g). Existem três diferentes
soluções do regime de escoamento, os quais são comprovados
experimentalmente.
Figura 7 - Escoamento bi-dimensional de uma cavidade de ar sob uma parede horizontal de comprimento infinito. Adaptado de [19].
Para entender estes três tipos de regime de escoamento, define-se o número
de cavitação (σ) na Equação 1, sendo p0 a pressão do escoamento de
entrada, pc a pressão dentro da cavidade (incluindo seu contorno), ρ a massa
específica da água e U a velocidade do escoamento.
𝜎 = (𝑝0 − 𝑝𝑐)/(𝜌𝑈2 2)⁄ (1).
Na Figura 7, o primeiro regime de escoamento (número 1) é similar à
cavitação natural com número de cavitação positivo (ou seja, a pressão no
interior da cavidade é menor que a pressão exterior); essa cavidade se
caracteriza por significante oscilação de sua extremidade a jusante,
causando arrasto adicional indesejável. A cavidade intermediária (número 2)
é aquela em que a pressão no interior da cavidade é maior que no seu
exterior, portanto possui um número de cavitação negativo; ela se caracteriza
por recolar suavemente na parede, sendo muito estável e havendo nenhum
arrasto adicional. A cavidade de número 3 é obtida com uma sobre-ventilação
(alta vazão de ar imposta na injeção) e por isso possui um comportamento
extremamente instável que cria arrasto indesejável. Portanto, a melhor
configuração para a injeção de ar ser uma técnica eficiente é a de número 2.
Segundo Matveev [19], o fenômeno da injeção de ar pode ser modelado
matematicamente pelo uso da teoria do escoamento potencial linearizada. O
14
líquido é considerado ideal e incompressível e o escoamento é permanente.
Termos fonte são distribuídos ao longo da parede e a equação de Bernoulli
na fronteira da cavidade para um problema bi-dimensional (2D) é expressa
na Equação 2:
𝜎
2=
𝑢(𝑥)
𝑈−
2𝜋𝑦(𝑥)
𝜆 (2),
Sendo y(x) a ordenada da fronteira da cavidade, u(x) a perturbação horizontal
da velocidade e o comprimento de onda (λ) da superfície livre da cavidade
dado por (Equação 3):
𝜆 = 2𝜋𝑈2 𝑔⁄ (3).
A perturbação horizontal da velocidade (u(x)) está relacionada à derivada em
x da superfície da cavidade (Equação 4):
𝑢(𝑥) = −𝑈
𝜋∫
𝑦′(𝑥)𝑑𝜉
𝜉−𝑥
𝐿𝑐
0 (4),
Sendo Lc o comprimento da cavidade.
Condições adicionais garantem o fechamento da cavidade na parede.
Cálculos realizados por Matveev no regime 2 da Figura 7 mostram que o
comprimento máximo possível da cavidade é dado pela Equação 5. O cálculo
do comprimento da cavidade para o caso analisado neste trabalho é
apresentado posteriormente na seção “Casco Modificado” (3.3.2).
𝐿𝑐 ≈ 0,37𝜆 (5),
Com um número de cavitação correspondente de (Equação 6):
𝜎𝑐 ≈ −6,3𝐻/𝜆 (6),
Sendo H<<λ.
É importante lembrar, porém, que este é o caso limite, onde o comprimento
máximo é exclusivamente baseado na teoria bi-dimensional. Este valor
provavelmente não será atingido quando a instabilidade do escoamento e a
tri-dimensionalidade de um casco de uma embarcação estiverem presentes.
Outro trabalho analítico apresentado por Ceccio et al. [20] possui um viés
econômico-financeiro. Em um navio de fundo de fundo plano, é analisado o
efeito da velocidade, do comprimento e do calado para uma injeção de ar
forçada. Os cálculos são baseados no melhor cenário possível, usando a
teoria bi-dimensional para uma superfície plana e sem trim. O objetivo era
15
testar se a cavidade de ar pode, ao menos, cruzar o limiar de um balanço de
energia benéfico. É mostrado que o uso da técnica é viável financeiramente,
especialmente para altas velocidade e baixos calados.
2.3.4 Tratamento Experimental
Além dos projetos experimentais comentados anteriormente na seção
“Histórico” (2.3.2), Zverkhovskyi [7] compilou os principais resultados obtidos
por experimentos feitos com injeção de ar tanto de placas planas em
laboratório assim como modelos em escala (Tabela 2) e protótipos (Tabela
3) de embarcações, todos com injeção forçada usando cavidade de ar. O
casco analisado neste trabalho não se enquadra em nenhuma das
configurações apresentadas nestes resultados porque eles são para cascos
de deslocamentos (velocidades baixas) e com injeção forçada. Estes valores
são apresentados para permitir uma referência comparativa na análise dos
resultados.
Tabela 2 - Experimentos com modelo em escala [7].
Tabela 3 - Experimentos com protótipos [7].
Como resultado mostrado por Butuzov et al. [21] na Figura 8, o rebocador
Volga-Don (apresentado na Tabela 3) apresentou reduções de até 20% na
potência do motor quando comparado com uma embarcação base. Existe a
tendência de maior desempenho de redução do arrasto com o aumento da
velocidade da embarcação. Observa-se, também, o aumento da resistência
ao avanço quando o suprimento de ar é interrompido, o que mostra que a
geometria do casco modificada para receber a cavidade de ar causa um
16
efeito negativo quando o ar não é injetado. Este efeito foi mostrado na Figura
5 e é causado justamente pelo aumento da resistência de pressão –
fenômeno que foi observado nas análises feitas neste projeto e que serão
mostradas na seção “Resultados e Discussões” (4).
Figura 8 - Efeito da cavidade de ar na potência requerida pelo navio auto-propelido Volga-Don. Os pontos se referem a vários fluxos de ar Q injetados. Adaptado de [21].
O trabalho realizado por Slyozkin et al. [22] na Newcastle University usando
uma placa plana em laboratório possui interessantes conclusões. Neste
trabalho foram comparadas as influências de diferentes combinações entre
velocidade do escoamento de água e vazão de injeção de ar. Demonstrou-
se que níveis baixos de ar foram requeridos para geração (ou formação) e
manutenção da camada de ar, geralmente com a vazão para a manutenção
menor que a vazão para a geração. Além disso, para certas velocidades do
escoamento da água, o aumento da injeção de ar provocava um aumento na
resistência, diferentemente do que é esperado. Este comportamento pode
ser associado a uma mudança do regime de escoamento do tipo 2 para o
tipo 3, como foi mostrado na Figura 7. A redução máxima do arrasto obtida
foi de 26,25%. Mostrou-se também que as cavidades mais eficientes (razão
entre fluxo de ar e redução do arrasto) são para número de Froude (Fr) até
1, sendo Fr definido na Equação 7. Apesar disso, as maiores reduções de
arrasto são obtidas com os maiores Froudes.
𝐹𝑟 = 𝑉 √𝑏𝑔⁄ (7),
Sendo V a velocidade do escoamento externo (água), b a largura da placa
plana e g a gravidade. O Fr para o presente modelo é de 1,5, o que
17
caracteriza uma faixa não tão eficiente mas com reduções teoricamente
maiores.
2.3.5 Tratamento Numérico
Não existem muitos trabalhos disponíveis e/ou publicados com o tema da
injeção de ar que utilizaram um tratamento numérico para a análise do
problema. O CFD ainda está em processo de consolidação na indústria, e
por isso seu uso ainda se concentra em pequenos grupos de pesquisa
espalhados pelo mundo. A resistência ao avanço de cascos de deslocamento
(sem injeção de ar) é um problema tratado com confiança por usuários
experientes em CFD, porém, problemas mais complexos como a formação
de uma camada de ar no fundo do casco ainda são analisados com cautela.
Dentre as dificuldades mais comuns ao se utilizar o CFD está a geração de
uma malha que consiga capturar bem todos os atributos do escoamento do
fluido. Além disso, existe também a dificuldade de se representar
matematicamente fenômenos físicos complexos por natureza, como por
exemplo bolhas de ar dispersas no escoamento.
Um dos trabalhos numéricos de maior impacto sobre a injeção de ar foi o
realizado por Kawabuchi et al. [23] onde foi estudado a injeção de bolhas de
ar em um navio tanque dentro do projeto MALS (Mitsubishi Air Lubrication
System). Foi analisada a distribuição das bolhas sobre o casco de um navio
químico a fim de determinar um método para determinar a redução da
resistência ao avanço do navio. Duas velocidades de afluxo de ar (que
formará as bolhas) diferentes foram usadas, e mostrou-se que quanto maior
a velocidade do afluxo e menor a velocidade do navio, maior é a diminuição
da resistência. Na velocidade de projeto da embarcação, foi obtido uma
redução de 45% da resistência friccional. Além disso, os autores notaram que
o aumento na velocidade de injeção de ar pode ter um efeito negativo no
sistema propulsivo, havendo intrusão de bolhas na região do propulsor,
causando assim uma possível deterioração da eficiência do mesmo.
Cunha (2013) [24] realizou um trabalho extenso usando a injeção de ar
natural aplicada a uma embarcação solar de competição de alto
desempenho. Foi analisado o efeito da injeção de ar para três velocidades
diferentes e para duas geometrias do fundo do casco distintas. Uma das
alternativas de casco possuía um fechamento na popa (Figura 9), que é uma
18
espécie de apêndice na região de ré que tem como objetivo principal evitar o
escapamento de ar a ré da embarcação. Este casco com fechamento é
análogo à câmara de ar (caso c da Figura 4), quanto que o casco sem
fechamento é análogo à cavidade de ar (caso b da Figura 4).
Figura 9 - Alternativa de casco com fechamento por Cunha [24].
Figura 10 - Alternativa de casco sem fechamento por Cunha [24].
Foi obtida uma redução máxima de 19,2% na resistência, usando o casco
com fechamento. No entanto, o casco sem fechamento (Figura 10) mostrou-
se mais versátil para uma faixa maior de velocidades, como pode ser visto
nos resultados da Figura 11.
19
Figura 11 - Resultados obtidos por Cunha [24].
3 Metodologia
3.1 Formulação Matemática
Este trabalho foi desenvolvido utilizando um software de CFD (Dinâmica dos
Fluidos Computacional) implementado no programa comercial Star-CCM+
versão 9.04. Como comentado na seção “Tratamento Numérico” (2.3.5), o CFD
é uma ferramenta que deve ser utilizada por pessoas com um conhecimento
profundo no assunto, pois seu uso indiscriminado pode resultar em erros
apreciáveis. Devido a isso, serão apresentados seus fundamentos principais.
O interesse fundamental das simulações CFD é mapear o campo de velocidades
e o campo de pressões no volume de controle que representa o objeto sendo
analisado. Para isso, os modelos de CFD se baseiam nas leis de conservação
de massa, da quantidade de movimento e da energia – dependendo do
problema sendo analisado.
O primeiro princípio da conservação de massa (ou equação da continuidade),
postula que a massa da partícula fluida é conservada (Equação 8).
𝜕𝜌
𝜕𝑡=
𝜕(𝜌𝑢)
𝜕𝑥+
𝜕(𝜌𝑣)
𝜕𝑦+
𝜕(𝜌𝑤)
𝜕𝑧= 0 (8)
20
O segundo princípio é o da conservação da quantidade de movimento linear,
que nada mais são do que as Leis de Movimento de Newton em um elemento
fluido. Aplicado nas três direções cartesianas (x, y e z), as equações (9, 10 e 11)
garantem que o fluxo da quantidade de movimento linear é igual à soma das
forças na partícula fluida.
(9),
(10),
(11).
Estas últimas três equações em conjunto com a equação da continuidade
formam as Equações de Navier-Stokes [25]. Praticamente não existe solução
analítica para estas equações, pois elas são equações diferenciais parciais
acopladas e altamente não-lineares.
Devido à complexidade inerente das Equações de Navier-Stokes, existem
diferentes formas de representa-las, dentre as principais podem ser citadas: DNS
(Direct Numerical Simulation), LES (Large eddy Simulation) e RANS (Reynolds-
averaged Navier–Stokes).
A simulação por DNS é a forma numérica que mais se aproxima das equações
de Navier-Stokes pois elas não utilizam nenhum modelo de turbulência (isso
significa que toda a faixa de escala temporal e espacial da turbulência precisa
ser resolvida, traduzindo-se em um alto custo computacional [26]). O LES é a
forma filtrada das equações, onde se separam as escalas de turbulência grandes
das pequenas. As escalas grandes são resolvidas explicitamente e as pequenas
são resolvidas usando-se um modelo [27].
A representação por RANS, método utilizado no presente trabalho, é onde o
campo de velocidades é decomposto em uma parcela média e uma flutuante,
como pode ser visto na Figura 12. Neste caso, resolvem-se apenas o valor médio
e o flutuante é representando por um modelo de turbulência. Esta técnica é
vastamente empregada para a maioria dos problemas de engenharia porque os
valores médios fornecem bons resultados, bastando para uma análise global dos
escoamentos.
21
Figura 12 - Princípio básico do método RANS. Adaptado de [28].
Existem vários modelos de turbulência que irão representar os termos flutuantes
(que no caso do RANS é a tensão de Reynolds). O modelo de turbulência usado
neste trabalho é o Realizable κ-ε Two-Layer. Ele inclui duas equações de
transporte extras para representar as propriedades turbulentas do escoamento.
A primeira variável de transporte é a energia cinética turbulenta κ e a segunda é
a dissipação turbulenta ε [29]. Este método é o utilizado neste trabalho pois ele
é um dos mais adotados para simulações de escoamento ao redor de
cascos. Além de simples, ele é um dos modelos mais antigos existentes e por
isso foi muito testado, comprovando sua boa harmonia entre acurácia e robustez
[30].
3.2 Formulação Numérica
As equações que representam matematicamente Navier-Stokes (DNS, LES e
RANS) podem ser resolvidas utilizando diversos método numéricos, dentre eles:
o FDM (Finite Difference Method ou Método das Diferenças Finitas), o FEM
(Finite Element Method ou Método dos Elementos Finitos) e o FVM (Finite
Volume Method ou Método dos Volumes Finitos).
O modelo numérico utilizado pelo software Star-CCM+ é baseado no Método
dos Volumes Finitos. Neste método, o domínio é subdivido em um número finito
de pequenos volumes de controle, que correspondem às células da malha. As
equações de transporte são aplicadas no centro geométrico dos volumes finitos,
em uma versão discretizada. Estas equações possuem um termo transiente, um
termo convectivo, um difusivo e um termo fonte [31].
22
Neste trabalho foi modelada uma simulação transiente, ou seja, as iterações são
feitas através do passo de tempo físico do problema. Pode-se assim analisar a
variação dos parâmetros físicos através do tempo, que foi discretizado através
de um esquema de primeira ordem. Esta escolha é feita porque existe a
possibilidade que a camada de ar tenha um comportamento instável, como foi
discutido na seção 2.3.1.
A superfície livre é tratada numericamente através do método do Volume de
Fluido (VOF de Volume of Fluid). Neste método define-se uma função F (fração
de volume) que assume o valor de 1 para uma célula inteiramente ocupada por
líquido (p. ex. água) e 0 para uma célula inteiramente ocupada por gás (p. ex.
ar). A superfície livre está localizada em células cujo valor de F está entre 0 e 1.
O método de VOF é um modelo simples e econômico para localizar a superfície
livre porque ele atribui um valor numérico único para cada célula – o que é
consistente com o registro de todas as outras propriedades do fluido (como os
valores médios de velocidade e pressão) [32].
3.3 Geometria dos Cascos
3.3.1 Casco Original
A embarcação estudada neste trabalho é um FSV (Fast Supply Vessel ou
Embarcação de Suprimento Rápida). Este tipo de casco foi escolhido porque,
além de possuir diversas unidades operando nos campos de exploração e
produção offshore, ele apresenta uma caraterística essencial para o uso da
injeção de ar natural: um monocasco de alta velocidade. O casco desta
embarcação foi modelado pelo autor usando o software Rhinoceros. As
dimensões principais deste casco são apresentadas na Tabela 4. Elas
representam as dimensões típicas encontradas pelos FSV’s existentes.
Tabela 4 – Dimensões principais do Casco Original.
Dimensões Principais – Casco Original
Comprimento Total (LOA) 50,00 m
Boca (B) 9,10 m
Pontal (D) 6,50 m
Calado (T) 2,35 m
A forma do casco deve ser projetada de modo a garantir que o escoamento
da água seja favorável à formação da camada de ar no fundo do mesmo. De
23
fato, segundo Foeth [33] “[...] a aplicação da cavidade de ar a qualquer forma
de casco sem consideração e compreensão das dinâmicas locais do
escoamento pode gerar resultados contraproducentes.”. Devido a isso, o
casco aqui apresentado possui certos atributos que visam melhorar o
escoamento sobre a região de formação da camada de ar. Além disso, a
velocidade de cruzeiro para este casco é de 25 nós (valor típico destas
embarcações), o que caracteriza um regime de semi-deslocamento (número
de Froude igual a 0,58). Então, as linhas do casco são projetadas com o
intuito de possuir o melhor desempenho para a condição de semi-
deslocamento. O Plano de Linhas da embarcação pode ser visto na Figura
13, Figura 14 e na Figura 15.
Figura 13 – Plano de Balizas ou seções transversais do casco (LC é a Linha de Centro, DWL é a Linha D’água de Projeto e LB é a Linha de Base).
Figura 14 – Plano de Linhas D’água ou seções verticais do casco (LC é a Linha de Centro e DWL é a Linha D’água de Projeto).
24
Figura 15 – Plano do Alto ou seções longitudinais do casco (DWL é a Linha D’água de Projeto e LB é a Linha de Base).
Figura 16 – Vista isométrica do casco original.
As características mais marcantes deste casco são:
1. Casco quinado para prover alguma sustentação hidrodinâmica e
melhorar a estabilidade direcional;
2. Linha de rocker (perfil do casco) e planos do alto com características
horizontais (sem inclinação) a ré para garantir a manutenção da
camada de ar;
3. Linha de rocker e planos do alto com descida acentuada na direção
do extremo de vante a ré, a fim de promover uma aceleração do
escoamento na região de meia-nau e assim diminuir a parcela
dinâmica da pressão;
4. Proa reta e com ângulo de entrada baixo a fim de melhorar o
comportamento no mar.
25
3.3.2 Casco Modificado
A partir do projeto do casco original, foram feitas modificações em sua
geometria para que fossem inclusas a captação do ar e a formação da
camada de ar no fundo da embarcação.
O conceito das embarcações com cavidade de ar é baseado na injeção de
ar numa zona de separação onde há um degrau no fundo do casco que
estimula a cavitação artificial (ou ventilação) [34], como mostra a Figura 17.
Figura 17 – Casco com cavidade de ar conceitual adaptado de Sverchkov [9].
Como pode ser notado na Figura 17, o casco possui somente uma cavidade.
Para navios maiores, onde as velocidades são menores, usa-se
normalmente um grupo de cavidades que são alimentadas por várias fontes
de injeção de ar. Isso se dá porque existe um limite máximo do comprimento
da camada de ar que é diretamente proporcional à velocidade da
embarcação (ver Tabela 5). Como neste trabalho como a velocidade de
operação é de 25 nós, optou-se por usar somente uma cavidade de ar.
Diversos autores formularam analiticamente ou experimentalmente o
comprimento máximo que uma camada de ar consegue atingir. Gorbachev e
Amromin [35] compilam três fórmulas principais. Matveev [19] também
fornece uma equação deste comprimento máximo. Sabendo que:
𝐹𝑛 = 𝑈/√𝑔𝐿𝑐 (12),
Sendo U a velocidade da embarcação, g a gravidade e Lc o comprimento
máximo da cavidade. E lembrando também da Equação 3 na seção 2.3.3,
26
condensa-se os valores obtidos pela formulação desses diversos autores na
Tabela 5, utilizando os valores do casco original em questão a fim de
determinar a posição da cavidade de ar no casco modificado.
Tabela 5 – Comprimento máximo da camada de ar segundo diversos autores.
Autor Equação Lc (m)
Ivanov Lc = 5,537 U²/g 93,344
Butuzov Lc = 3,35 U²/g 56,475
Amromin Lc = U² / (0,3844 g) 43,856
Matveev Lc = 2,325 U²/g 39,192
Considerando que estes valores foram obtidos ou por formulações teóricas
oriundas de um tratamento analítico bidimensional ou por experimentos em
condições controladas onde a camada formada é a de melhor desempenho
possível, deve-se ter cautela na interpretação dos mesmos. Além disse, as
balizas mais a vante da meia-nau possuem um ângulo de pé de caverna
elevado, o que dificulta a manutenção da camada de ar no fundo do casco
nesta região da meia-nau à proa. Devido a isso, considerou-se que a região
da cavidade no casco irá limitar-se a somente 40% do comprimento total da
embarcação, ou seja, 20 m a partir do espelho de popa como pode ser visto
na Figura 18.
Figura 18 – Vista de perfil do casco modificado.
O degrau utilizado para estimular a baixa pressão e a consequente entrada
natural do ar na cavidade terá uma altura de 50 centímetros, como pode ser
visto na Figura 18. Este valor para a altura do degrau é uma estimativa inicial
27
de projeto, e, ao ser analisada neste trabalho, sofrerá uma avaliação e
consequente refinamento se necessário. Quanto maior a área coberta por ar,
maior será a redução da resistência friccional e por isso busca-se uma
cavidade com a maior boca possível. De forma a permitir uma folga favorável
aos trabalhos de solda na construção do casco, um espaço de 40 centímetros
entre o limite lateral da cavidade e o costado da embarcação foi estipulado,
como pode ser visto na Figura 19.
Figura 19 – Vista de topo do casco modificado.
Foi estabelecido que a captação do ar deveria ter uma área efetiva igual a
quatro vezes a área criada pelo degrau no fundo, por onde o ar é injetado na
cavidade. Este valor é fruto da experiência do orientador deste trabalho
desde o trabalho de Cunha [24] até ao trabalho realizado com a embarcação
solar ESB1 que possui um sistema de injeção de ar natural. Ao testar
diversas razões de áreas distintas, aquela que apresentou os melhores
resultados na formação e manutenção da camada de ar é a de quatro para
um. Cabe ressaltar que este é uma decisão de projeto inicial e que deve ser
melhorada com futuras investigações.
O sistema de captação também conta com uma câmara de ar delimitada por
anteparas com inclinações favoráveis à entrada do ar no casco, como pode
ser visto na Figura 19. Esta configuração, em contrapartida ao apresentado
por Cunha [24], se deve pela inferência do autor quanto a grande perda de
carga percebida em uma configuração que usa tubulações para escoar o ar
da captação à região de injeção. Além disso, o uso desta configuração de
câmara (que pode ser visto em detalhe na Figura 20) foi escolhido com a
ideia de que o captador fosse retrátil, permitindo que não houvesse danos na
operação próxima de cais e plataformas ou ainda com outras embarcações
passando a contra-bordo. Esta câmara é um conceito inicial que também ser
28
melhorado futuramente. Isso se deve ao fato de que a topologia estrutural da
embarcação não foi considerada nesta análise. Além disso, a câmara de ar
ocupa um espaço onde haveria carga e portanto a alocação da mesma deve
considerar o arranjo geral do projeto em questão.
Figura 20 – Vista em perspectiva do sistema de captação e injeção de ar em detalhe.
Adicionalmente, a captação também está posicionada em uma região mais
protegida da possível entrada de água – a meia-nau e próximo ao convés
principal (como pode ser visto na Figura 21). No trabalho de Cunha, a onda
de proa gerada pelo casco estava desfavoravelmente próxima à captação do
ar.
Figura 21 – Vista frontal do casco modificado.
É importante salientar que ao adaptar-se a forma do casco para receber a
cavidade de ar, parte de seu volume e consequente flutuabilidade é perdida.
Isso leva a um aumento de calado quando comparado à forma original, pois
mantém-se o mesmo deslocamento da embarcação, gerando assim uma
29
maior superfície molhada que contribui para o aumento da resistência
friccional. Então, o calado originalmente de 2,35 m passa a ser 2,46 m,
mantendo-se o deslocamento de 473 toneladas métricas.
De modo a facilitar a visualização da geometria do casco modificado, a Figura
22 mostra uma vista isométrica de topo olhando para boreste.
Figura 22 – Vista isométrica por cima do casco modificado.
Já a Figura 23 é uma vista em perspectiva por baixo, de modo a representar
melhor a configuração do fundo que irá receber a camada de ar.
Figura 23 – Vista em perspectiva por baixo do casco modificado.
30
3.4 Domínio Computacional
Como já mencionado anteriormente, as simulações realizadas neste trabalho
foram feitas usando o software comercial Star-CCM+. Nele existe um módulo
adicional que ajuda na preparação da configuração de simulações envolvendo
cálculo de resistência ao avanço de embarcações (EHP). Fruto de um trabalho
extenso da empresa CD-Adapco, este módulo é delimitado a embarcações de
deslocamento que possuem baixos números de Froude – diferentemente da
embarcação aqui estudada. No entanto, seu uso foi feito por apresentar grandes
vantagens quanto a rápida configuração do modelo.
Este módulo estabelece automaticamente o domínio computacional, as
condições de contorno, a geração da malha e a configuração física que serão
mostradas mais adiante. O uso dele foi empregado tanto no casco original como
no casco modificado. Porém, foram feitos refinamentos na região de injeção para
o casco modificado.
O domínio computacional é o volume de controle da simulação e representa os
limites do espaço físico onde a embarcação navega. Nesta simulação em escala
real, o domínio apresenta as dimensões absolutas mostradas na Figura 24 e as
dimensões relativas normalizadas ao Comprimento Total (LOA) da embarcação
na Figura 25.
Figura 24 – Dimensionamento dos limites do domínio computacional.
31
Figura 25 – Dimensões relativas ao LOA do domínio computacional.
Um tamanho adequado do domínio computacional é necessário para evitar a
interferência das condições de contorno sobre o escoamento no casco da
embarcação (como por exemplo reflexão das ondas geradas pelo casco). Porém,
ao mesmo tempo, busca-se utilizar o menor número de células na malha
volumétrica a fim de reduzir o custo computacional. Essa harmonia é garantida
pelo módulo EHP, juntamente à função de amortecimento de ondas na superfície
livre que é implementada no programa com o objetivo de reduzir os efeitos dessa
reflexão. Este método é implementado ao incluir um termo de resistência à
equação da velocidade vertical da onda, inibindo o movimento vertical da mesma
em regiões específicas (longe do casco). As superfícies de controle que
possuem este amortecimento são as que estão na periferia do domínio (lateral,
entrada e saída).
É importante notar que somente um bordo do casco é modelado a fim de reduzir
o custo computacional. Faz-se isto porque é possível considerar que o
escoamento ao redor do casco é simétrico em relação ao plano diametral.
Portanto, os resultados de resistência aqui apresentados equivalem a metade do
valor de resistência para o casco completo.
3.5 Condições de Contorno
A Figura 26 e a Figura 27 mostram as condições de contorno utilizadas nas
simulações. A superfície do casco possui uma condição de contorno do tipo
“Parede”. Os tipos de superfície de controle são explicados sucintamente a
seguir [31]:
Parede (Wall): representa uma superfície impermeável e impenetrável,
com a condição de não-escorregamento onde a velocidade tangencial é
32
nula. Nas simulações, somente a superfície do casco possui essa
condição de contorno;
Entrada de Velocidade (Velocity Inlet): representa a entrada de um
duto onde a velocidade do escoamento é prescrita através de vetores
em sua face. Nas simulações, a velocidade prescrita é a velocidade do
escoamento e as superfícies “Entrada”, “Topo”, “Fundo” e “Lateral”
possuem esta condição de contorno;
Saída de Pressão (Pressure Outlet): é uma condição em que a pressão
hidrostática do escoamento é prescrita e o refluxo é desencorajado
matematicamente. A superfície que utiliza esta condição na simulação é
a “Saída”;
Simetria (Symmetry): representa um plano de simetria imaginário, onde
a solução obtida no plano de simetria é idêntica à solução que seria
obtida se a malha fosse espelhada sobre o plano. A tensão cisalhante na
simetria é nula. Nas simulações, a superfície que usa esta condição de
contorno é a “Simetria”.
Figura 26 – Superfícies das condições de contorno: Topo, Entrada, Fundo e Saída (sentido horário começando de cima).
33
Figura 27 – Superfícies das condições de contorno: Lateral e Simetria (de cima para baixo).
3.6 Malha Computacional
A malha é a discretização do volume de controle do espaço de simulação em
volumes finitos. A sua configuração é de extrema importância para a obtenção
de bons resultados.
O tipo de malha volumétrica que foi usada para as simulações é a Trimmed. As
células desta malha possuem formato de hexaedros (poliedro de seis faces) com
mínima assimetria ou distorções (Figura 28). Este tipo de malha é indicado para
escoamentos abertos onde a células estarão alinhadas com o fluxo do fluido,
diferentemente das malhas poliédricas onde a orientação das faces das células
é randômica.
34
Figura 28 – Visão geral da malha hexaédrica.
Diversas zonas de interesse foram refinadas de modo a captar corretamente as
propriedades complexas do escoamento. Nestas regiões, os vetores de
velocidade do volume finito de fluido e as pressões possuem valores muito
variáveis tanto espacialmente quanto temporalmente, justificando assim o uso
de tamanho de células menores. Na região de proa, por exemplo, há um
refinamento para que defina-se bem a onda de proa, como visto na Figura 29.
Figura 29 – Refinamento isotrópico na região da proa.
Para capturar o efeito transom, onde há a formação de uma rampa logo a ré do
espelho de popa, faz-se um refinamento nesta região, como pode ser visto na
Figura 30.
35
Figura 30 – Refinamento isotrópico na região de popa.
Um refinamento somente na direção vertical (z) é feito na região da superfície
livre da água de modo a capturar bem as ondas geradas pelo casco na mesma.
A Figura 31 o resultado deste refinamento.
Figura 31 – Refinamento anisotrópico em z da superfície livre.
A esteira gerada pelo casco, fruto da energia dissipada pelo casco na superfície
livre, é uma região com uma geometria complexa. Devido a isso, um refinamento
(visto na Figura 32) foi aplicado ao local para que o escoamento seja capturado
de forma efetiva.
36
Figura 32 – Refinamento isotrópico da região de esteira.
O Casco Modificado (e o modelo com injeção) sofreram também um refinamento
na região da injeção de ar. Este refino foi feito porque esta região é o local onde
mais se busca capturar bem as complexidades do escoamento, visto que ela é
uma das partes fundamentais da formação e manutenção da camada de ar. O
refinamento pode ser visto na Figura 33.
Figura 33 - Refinamento volumétrico na região da injeção de ar.
Além dessas zonas volumétricas de refinamento, o casco também foi refinado
superficialmente em suas obras mortas e principalmente em suas obras vivas.
Além disso, com o intuito de representar bem o escoamento perto da parede, foi
utilizado uma malha de camada prismática no casco (Figura 34). A
representação das características do escoamento perto da parede é importante
para captar bem as forças de arrasto e a separação do escoamento. A camada
37
prismática utiliza células que tem uma razão de aspecto grande (resolução maior
normal à parede) de modo a alinhar as células com a direção do escoamento
[31].
Figura 34 – Visão detalhada da camada prismática na superfície do casco.
Um resumo das principais caraterísticas da malha tanto para o modelo original
como o modelo modificado é encontrado na Tabela 6.
Tabela 6 – Características principais da malha computacional para o casco original e modificado.
Casco Original Modificado
Número de Elementos 5.78E+04 1.78E+06
Número de Faces 1.74E+06 5.34E+06
Tamanho do Elemento no Casco 0.17678 m
Tamanho da Camada Prismática 0.12728 m
Número de Camadas Prismáticas 11
3.7 Configuração Física
Alguns parâmetros físicos importantes da simulação são apresentados na
Tabela 7.
38
Tabela 7 – Parâmetros físicos relevantes das simulações.
Parâmetros físicos
Graus de liberdade do casco Passo de tempo
Nulo 0,01 s
Velocidade da corrente de água 12,86 m/s (25 nós)
Velocidade da corrente de ar 12,86 m/s (25 nós)
Massa específica da água 997,2846 kg/m³
Massa específica do ar 1,18415 kg/m³
Aceleração da gravidade 9,81 m/s² (-z)
O tempo físico de simulação para os cascos original e modificado foi de 205,5
segundos. Enquanto que para o casco com injeção de ar este tempo foi de 75
segundos. Em ambos os casos, os valores de resistência convergiram para um
valor permanente (i.e. independentes do tempo).
4 Resultados e Discussões
Os resultados foram obtidos para três configurações diferentes: a resistência para
o Casco Original (sem modificações em sua geometria), o Casco Modificado (ainda
sem ar sendo injetado) e o Casco com Injeção de Ar.
É interessante relembrar que os valores mostrados são para um bordo do casco
pois o interesse principal deste trabalho é de comparar as diferentes geometrias. A
fim de obter o valor de resistência do casco inteiro deve-se dobrar os valores aqui
apresentados. Além disso, as resistências a seguir incluem a resistência
aerodinâmica.
Como o Casco Original e o Casco Modificado foram modelados sem a captação
lateral, calculou-se o valor da resistência aerodinâmica experimentada pelo Casco
com Injeção, que por sua vez foi modelo com o captador lateral. O valor da
resistência aerodinâmica encontrado é de 1,58 kN. Este valor é menor do que 1,5%
do valor total das resistências para cada um dos três casos, e, por isso, considera-
se que o efeito da resistência aerodinâmica é desprezível.
4.1 Resistência do Casco Original
O gráfico dos componentes da resistência ao avanço (em quilo-newtons)
variando com o tempo físico (em segundos) para o casco original estão
apresentados na Figura 35.
39
Figura 35 - Gráfico das Resistências de Pressão (Rp), Friccional (Rf) e Total (Rt) do Casco Original.
A Tabela 8 mostra a média temporal dos valores obtidos na Figura 35. É possível
observar a contribuição de cada componente físico da resistência (de pressão e
ficcional) em relação ao valor total.
Tabela 8 - Valores dos componentes da resistência ao avanço para o Casco Original.
Casco Original
Resistência de Pressão (kN) 80,64 72%
Resistência Friccional (kN) 31,44 28%
Resistência Total (kN) 112,08
As próximas figuras retratam o comportamento da superfície livre da água sob a
qual o casco se movimenta. Na Figura 36 é plotado a interface ar-água, nela
pode-se inferir sobre a qualidade da malha em relação à discretização da
superfície livre. Na Figura 37 é possível notar a elevação da onda de proa no
costado da embarcação. A Figura 38 mostra o padrão de ondas formado pelo
0
20
40
60
80
100
120
0 50 100 150 200 250
R (
kN
)
Tempo (s)
Casco Original
Rp
Rf
Rt
40
casco, que tem concordância qualitativa com um padrão real como o mostrado
na Figura 1.
Figura 36 - Perfil da onda no Casco Original.
Figura 37 - Superfície livre em perspectiva para o Casco Original.
Figura 38 - Padrão de ondas na superfície livre para o Casco Original.
41
4.2 Resistência do Casco Modificado
O gráfico dos componentes da resistência ao avanço (em quilo-newtons)
variando com o tempo físico (em segundos) para o casco modificado estão
apresentados na Figura 39.
Figura 39 - Gráfico das Resistências de Pressão (Rp), Friccional (Rf) e Total (Rt) do Casco Modificado.
A Tabela 9 mostra a média temporal dos valores obtidos na Figura 39. A
contribuição de cada componente físico da resistência (de pressão e ficcional)
em relação ao valor total também está apresentada na Tabela 9.
Tabela 9 - Valores dos componentes da resistência ao avanço para o Casco Modificado.
Casco Modificado
Resistência de Pressão (kN) 118,08 79%
Resistência Friccional (kN) 32,04 21%
Resistência Total (kN) 150,12
É importante notar que o modelo do casco modificado utilizado nas simulações
não apresentava o sistema de captação do ar. No entanto, a geometria do casco
no fundo está modificada para o sistema de injeção.
As próximas figuras retratam o comportamento da superfície livre da água sob a
qual o casco se movimenta. Na Figura 40 é plotado a interface ar-água (onde,
de novo, pode-se inferir sobre a qualidade da malha). Na Figura 41 é possível
notar a elevação da onda de proa no costado da embarcação. A Figura 42 mostra
0
20
40
60
80
100
120
140
160
0 50 100 150 200 250
R (
kN
)
Tempo (s)
Casco Modificado
Rp
Rf
Rt
42
o padrão de ondas formado pelo casco, que também possui concordância
qualitativa com um padrão real mostrado na Figura 1.
Figura 40 - Perfil da onda no Casco Modificado.
Figura 41 - Superfície livre em perspectiva para o Casco Modificado.
Figura 42 - Padrão de ondas na superfície livre para o Casco Modificado.
43
Como há uma modificação no fundo do casco para receber a injeção, investiga-
se também como se comporta o campo de pressões desta região. Ao plotar o
campo de pressões na superfície do casco, nota-se que na região do degrau
existe uma zona onde a pressão assume valores negativos (na figura a pressão
plotada é a manométrica e a referência é a pressão atmosférica). A Figura 43
mostra de forma detalhada como essa zona de pressão negativa se distribui pela
superfície do degrau.
Figura 43 - Detalhe do campo de pressões na região do degrau do Casco Modificado.
A Figura 44 mostra como essa distribuição do campo de pressões negativas se
dá em seções longitudinais localizadas a 0,5; 1,5; 2,5 e 3,5 metros do Plano
Diametral da embarcação.
Figura 44 - Distribuição tridimensional do campo de pressões no degrau do Casco Modificado.
44
4.3 Resistência do Casco com Injeção de Ar
O gráfico dos componentes da resistência ao avanço (em quilo-newtons)
variando com o tempo físico (em segundos) para o casco com injeção estão
apresentados na Figura 45. Neste caso os valores possuem uma oscilação até
os primeiros 60 segundos de simulação e após este período estabilizam-se até
o tempo final de 75 segundos.
Figura 45 - Gráfico das Resistências de Pressão (Rp), Friccional (Rf) e Total (Rt) do Casco com Injeção.
A Tabela 10 mostra a média temporal dos valores mostrados na Figura 45 e a
contribuição de cada parcela da resistência ao avanço.
Tabela 10 - Valores dos componentes da resistência ao avanço para o Casco com Injeção.
Casco com Injeção
Resistência de Pressão (kN) 94.9594 75%
Resistência Friccional (kN) 30.914 25%
Resistência Total (kN) 125.873
As próximas figuras retratam o comportamento da superfície livre da água sob a
qual o casco se movimenta. Na Figura 46 é plotada a interface ar-água (onde,
de novo, pode-se inferir sobre a qualidade da malha). Na Figura 47 é possível
notar a elevação da onda de proa no costado da embarcação. A Figura 48 mostra
o padrão de ondas formado pelo casco, que também possui concordância
qualitativa com um padrão real mostrado na Figura 1.
0
20
40
60
80
100
120
140
0 10 20 30 40 50 60 70 80
R (
kN
)
Tempo (s)
Casco com Injeção
Rp
Rf
Rt
45
Figura 46 - Perfil da onda no Casco com Injeção.
Figura 47 - Superfície livre em perspectiva para o Casco com Injeção.
Figura 48 – Vista de topo do padrão de ondas na superfície livre para o Casco com Injeção.
46
Com o intuito de investigar como é a dinâmica da camada de ar em relação ao
tempo, foi gerado um vídeo que mostra a distribuição dos fluidos (ar e água) sob
a superfície do fundo do casco. Foi plotado neste vídeo o valor da fração de
volume de fluido, sendo 1 para ar (em azul) e 0 para água (vermelho). A Figura
49 mostra uma vista inferior da variação da posição da camada de ar nos
primeiros 8 segundos de simulação.
Figura 49 – Vista inferior da variação temporal da configuração da camada de ar.
Neste primeiro momento de geração da camada de ar, observa-se uma
instabilidade da disposição da mesma no fundo do casco. “Bolsões” de ar se
desprendem e percorrem o fundo em direção ao espelho de popa e só no tempo
físico de 35 segundos de simulação é que a camada de ar apresenta uma
configuração estável. A Figura 50 representa este estado final estável.
Figura 50 - Fração de volume de ar na superfície da cavidade de ar. Cor azul representa uma região onde há ar e cor vermelha onde há água.
47
A Figura 51 mostra a representação da superfície livre (uma isosuperfície com
fração de volume de fluido igual a 0,5) por uma vista inferior, no estágio final da
simulação onde o escoamento encontrava-se estabilizado. Esta figura está de
acordo com o que foi observado na Figura 50.
Figura 51 – Superfície livre vista por baixo do Casco com Injeção.
Investiga-se também o comportamento do ar ao entrar na câmara. Para ajudar
na visualização foi plotado o caminho percorrido por uma partícula de ar ao
adentrar na câmara de captação. O trajeto desta partícula é marcado no
segmento preto que pode ser visto em perspectiva na Figura 52.
Figura 52 - Vista em perspectiva da linha de corrente de ar percorrendo dentro da câmara.
As próximas figuras mostram a posição em que a trajetória da partícula de ar
começou a ser monitorada (t inicial) e a posição final da partícula no final do
monitoramento (t final). O ponto preto representa o extremo final da linha de
corrente, e o segmento preto é o caminho percorrido.
A Figura 53 mostra essa trajetória a partir de uma vista lateral – ou de perfil –
olhando o bordo de boreste do casco.
48
Figura 53 - Vista lateral (perfil) da linha de corrente de ar.
A Figura 54 mostra a vista de topo da trajetória. O bordo mostrado é o de
bombordo.
Figura 54 - Vista de topo da linha de corrente de ar.
A Figura 55 mostra uma vista frontal do casco, onde a trajetória da partícula é
plotada no bordo de bombordo da embarcação.
Figura 55 - Vista frontal da linha de corrente de ar.
As figuras anteriores demonstram o movimento complexo que uma linha de
corrente de ar percorre no interior da câmara. É observado que, após adentrar
49
na câmara, a partícula de ar em questão percorre o interior três vezes em
movimento circular e após isso escapa para região externa, nunca saindo pela
região de injeção no fundo do casco.
4.4 Comparação
Como pode ser observado na Tabela 11, o casco modificado quando comparado
com o casco original apresenta um aumento significativo na parcela de pressão
da resistência (49%). No entanto, não foi observado uma mudança apreciável na
parcela friccional da resistência (2%). No total, houve um aumento de 34% na
resistência ao avanço.
Tabela 11 - Comparativo das resistências entre o Casco Original e o Casco Modificado.
Comparativo entre Cascos Original e Modificado
Resistência de Pressão (kN)
Resistência Friccional (kN)
Resistência Total (kN)
Casco Original 80.639 31.443 112.082 Casco Modificado 118.081 32.039 150.119
Diferença 46% 2% 34%
O aumento da resistência de pressão pode ter sido causado por dois fenômenos:
A diferença de calado entre o casco original e o modificado (que está 11
centímetros mais imerso) faz com que o modificado possua uma linha
d’água cujo ângulo de entrada na proa é maior que no casco original. A
proa mais submersa afeta o campo de pressões que aumenta a
formação de ondas na região, caracterizando assim um aumento da
parcela de pressão da resistência.
A introdução do degrau traz uma descontinuidade no casco que afeta o
campo de pressões no fundo de forma a aumentar a formação de ondas
e consequentemente a resistência de pressão.
A fim de investigar qual é o efeito na resistência quando a camada de ar é
introduzida no Casco Modificado, compara-se o valor do mesmo com o Casco
com Injeção – apresentado na Tabela 12. Observa-se uma diminuição de 20%
da parcela de pressão e uma diminuição de 4% da parcela friccional. No total,
houve uma diminuição de 16% na resistência ao avanço.
50
Tabela 12 - Comparativo das resistências entre o Casco Modificado e o Casco com Injeção.
Comparativo entre Cascos Modificado e com Injeção
Resistência de Pressão (kN)
Resistência Friccional (kN)
Resistência Total (kN)
Casco Modificado 118.081 32.039 150.119 Casco com Injeção 94.959 30.914 125.873
Diferença -20% -4% -16%
Diferentemente do que se esperava, a diminuição da resistência friccional não
atingiu valores elevados, justamente pelo fato de que a camada de ar estável
cobre uma pequena área do fundo da embarcação. A considerável diminuição
da parcela de pressão demonstra que a introdução da camada de ar diminui os
gradientes de pressão causados pelo degrau, pois o escoamento recola no
fundo de forma suave.
A comparação final e principal deste trabalho é apresentada na Tabela 13, onde
o Casco com Injeção é comparado com o Casco Original. É observado que
houve um aumento de 18% na parcela de pressão e uma diminuição de 2% na
parcela friccional. No total, a resistência ao avanço sofreu um aumento de 12%.
Tabela 13 - Comparativo das resistências entre o Casco Original e o Casco com Injeção.
Comparativo entre Cascos Original e com Injeção
Resistência de Pressão (kN)
Resistência Friccional (kN)
Resistência Total (kN)
Casco Original 80.639 31.443 112.082 Casco com Injeção 94.959 30.914 125.873
Diferença 18% -2% 12%
O objetivo principal da técnica de injeção de ar é diminuir a resistência friccional
da embarcação – assim diminuindo sua resistência total. Como foi observado,
houve uma diminuição de somente 2% da parcela friccional a partir do casco
base (Original). De fato, a área coberta por ar no fundo da embarcação no
regime estável representa apenas um valor de 3,9% da área total do fundo, e
isso pode ser a explicação do porquê a diminuição foi baixa. O estudo sobre o
movimento de uma partícula de ar mostra que, de fato, não há saída das
correntes de ar pela região de injeção, o que pode ser uma das explicações
dessa pequena área coberta por ar no fundo do casco.
O aumento de 18% observado na pressão pode ser explicado pelos mesmos
motivos apresentados na comparação entre o Casco Original e o Casco
51
Modificado (Tabela 11). Além disso, existe uma contribuição do acréscimo da
resistência aerodinâmica devido ao captador lateral modelado no Casco com
Injeção, que apresentou um arrasto de aproximadamente 1,5% da resistência
total. De fato, esta resistência aerodinâmica possui uma composição de 80%
devido à resistência de pressão e 20% devido à resistência friccional.
A Figura 56 mostra um comparativo geral entre os três modelos (Casco Original,
Modificado e com Injeção) e suas respectivas parcelas de resistência (de
pressão e friccional) e a resistência ao avanço total.
Figura 56 - Gráfico comparativo geral.
5 Conclusão
Como foi discutido ao longo do texto, a dinâmica dos fluidos computacional é uma
ferramenta que requer conhecimento profundo do usuário. De fato, o escoamento
ao redor de cascos é um fenômeno complexo e com a introdução da cavidade de
ar esta complexidade aumenta.
Os modelos dos cascos Original e Modificado apresentaram um resultado que
possui coerência física e sua comparação leva a conclusões reais. A principal delas
é a observação do aumento da resistência de pressão para o Casco Modificado,
como foi previsto pela Figura 5 da seção “Conceito” (2.3.1) e confirmado na
literatura pela Figura 8 da seção “Tratamento Experimental” (2.3.4).
O Casco com Injeção de ar apresentou um aumento de resistência total quando
comparado com o Casco Original. Como foi visto, este resultado demonstra que a
redução da resistência friccional não foi suficiente para superar o aumento da
resistência de pressão observada. Ou seja, a redução do arrasto friccional e a
minimização do arrasto de pressão não foram efetivos. Duas mudanças principais
0
20
40
60
80
100
120
140
160
Resistência de Pressão(kN)
Resistência Friccional(kN)
Resistência Total (kN)
Casco Original Casco Modificado Casco com Injeção
52
são propostas para que este resultado seja efetivo a ponto de tornar a injeção de
ar natural tecnicamente viável:
1. Um novo conceito do sistema de captação-injeção. Como apresentado nas
figuras de Figura 52 a Figura 55, o ar exibe um movimento circulatório que
dificulta sua saída pela injeção de ar no degrau para o fundo. Ao invés disso,
o ar acaba por escapar para o exterior de onde veio. Uma nova proposição
da geometria desta captação e consequente injeção deve ser analisada
sistematicamente de modo a evitar estes movimentos não desejáveis. Uma
análise direcionada à configuração usada por Cunha (2013) [24] pode ser
revista já que, mesmo o autor apontando que houve uma perda de carga
indesejada, houve também a desejada diminuição da resistência ao avanço.
2. Uma nova geometria do casco com cavidade de ar. Como pode ser
observado na Figura 23 (que mostra a geometria da cavidade de ar no fundo
do Casco Modificado), o fundo da cavidade de ar apresenta uma seção
transversal de um arco de círculo. Observando também a configuração da
camada de ar na Figura 50, é notável o acúmulo de ar em uma região mais
próxima do costado. Estas duas características podem estar ligadas como
causa e consequência, ou seja, a forma do fundo do casco dificulta a
manutenção da camada de ar. De fato, a pressão hidrostática é menor
quanto mais perto do costado se está, e isso deve estar influenciando a
posição da camada nesta região. Outro parâmetro a ser analisado de forma
mais contundente é o degrau. Sua altura e posição longitudinal podem estar
gerando uma baixa diferença de pressão entre a injeção e a atmosfera. Ou
seja, as regiões de pressão negativas observadas na Figura 44 poderiam
ser mais extensas de modo a forçar mais a sucção do ar para a cavidade.
Finalizando, um estudo da utilização do fechamento de popa (câmara de ar
ao invés de cavidade de ar) poderia ser realizado para que a influência deste
apêndice fosse analisada.
Além das propostas mencionadas acima, outro avanço seria liberar os graus de
liberdade no plano diametral da embarcação, a saber: translação em z
(afundamento ou heave) e a rotação em y (arfagem ou pitch). Esta configuração
permitiria à embarcação navegar em seu trim dinâmico e assim o campo de
pressões sob o fundo do casco poderia mudar as características da camada de ar.
Outras análises que merecem ser citadas para futuro desenvolvimento são as
relativas não só à resistência ao avanço, mas também a influência no
53
comportamento no mar, manobrabilidade e a influência da camada de ar no sistema
propulsivo.
Por fim, a observação da presença de ar no fundo do casco, juntamente com a
criação de uma região de pressão negativa gerando a sucção, leva a crer que o
conceito foi provado (existe a injeção natural de ar no fundo de um casco de uma
embarcação do tipo FSV) e que, de fato, o trabalho deve ser continuado a fim de
dar luz à técnica. Sendo assim, fica em aberto a possibilidade de maiores
investigações sobre o problema.
54
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