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frica Minha Kate Blixen
Adriana Correia 2100131, R31D
2012/2013
E-REI: Revista de Estudos Interculturais do CEI
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ndice
Introduo ... pgina 3
Karen Blixen pgina 4
frica Minha ....... pgina 5
Os nativos ........... pgina 6
A noo de justia ...... pgina 8
A questo da gratido ....... pgina 8
Somalis vs massais ..... pgina 9
Vida social na fazenda ... pgina 9
As mulheres somalis .... pgina 10
As duas raas .... pgina 11
O adeus fazenda ........ pgina 12
Sombras no capim .... pgina 13
Colonizao de frica ..... pgina 15
Concluso ...... pgina 16
Glossrio .... pgina 17
Anexos pgina 18
Bibliografia/Webgrafia .... pgina 19
Adriana Correia frica Minha
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Introduo
No mbito da disciplina de Estudos Interculturais, foi solicitada aos alunos a
realizao de um trabalho, com um tema sua escolha, onde se pudesse abordar a
interculturalidade. Este termo refere-se globalizao e as suas implicaes tnicas e
culturais. Assim sendo, escolhi o livro frica Minha, de Karen Blixen, pois tinha visto
o filme recentemente e de facto uma histria muito comovente, e que nos d a
conhecer de perto a cultura africana e os seus povos.
Mais do que um livro de memrias da autora, este livro uma homenagem a
todo um continente. Karen Blixen descreve detalhadamente os hbitos, as culturas e
os rituais dos somalis, dos massais e dos kikuyus, assim como o colonialismo ingls
na frica Oriental, tanto numa perspetiva institucional como social.
A obra tambm um retrato de um modo de vida em comunho com a
natureza e com aquilo que h de mais primitivo na humanidade.
Adaptado ao cinema por Sydney Pollack, em 1985, tambm o filme se tornou
uma das mais belas e comoventes pelculas da histria do cinema.
A edio do livro que li inclui, pela primeira vez, a continuao de frica
Minha, o livro Sombras no Capim, o qual tambm irei referir no decorrer do trabalho.
Como o caso de estudo A Correspondncia Luso-Brasileira abordado na aula,
tambm a obra frica Minha representa o percurso de transio identitria
intercultural de uma baronesa da Dinamarca para uma plantao de caf no Qunia. A
narrativa consecutiva e feita na primeira e terceira pessoa, permitindo ao leitor
acompanhar a aquisio de uma nova identidade por parte de Karen Blixen.
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Karen Blixen
Karen Blixen nasceu em 1885, em Rungsted, na Dinamarca. O seu pai,
Wilhelm Dinesen, ex-militar, escreveu livros de ensaios sobre caa. A sua me,
Ingebord Westenholz era de uma famlia de proprietrios de navios. Ambos os pais
cresceram na pennsula dinamarquesa de Jultand.
Depois de ter estudado Arte em Copenhaga, Paris e Roma, Karen casou com o
primo afastado, o baro Bror Blixen-Finecke, tornando-se baronesa. Juntos partiram
para o Qunia, em 1914, onde dirigiram uma plantao de caf. Depois de se
divorciar, Karen permaneceu na fazenda em frica, voltando Dinamarca em 1931,
quando o mercado do caf entrou em colapso. Foi ento que escreveu o livro frica
Minha, sob o pseudnimo de Isak Dinesen, onde se despede de forma comovente da
terra onde passou os anos mais felizes da sua vida e revela a sua profunda amizade
pelas paisagens, pelas pessoas e por Denys Finch-Hatton, descendente de uma famlia
inglesa.
Em Sombras no Capim, Karen Blixen retoma a histria cativante da sua vida
no Qunia, contando histrias que iluminam o seu amor pelos africanos, pela sua
dignidade e tradies, pela sua beleza e paisagens exuberantes.
Enquanto escritora, Karen Blixen no pode ser comparada com outros
escritores. A sua voz foi influenciada pelas suas razes escandinavas e pela grande
variedade de obras de literatura europeia. A sua escrita enfatiza a histria e a
compreenso filosfica da identidade pessoal e os seus relatos revelam um fascnio
pelo papel do destino ao controlar a vida dos seres humanos. Karen acreditava que a
resposta de uma pessoa para as vicissitudes do destino mostra uma possibilidade de
herosmo e imortalidade.
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Isak Dinesen encontra-se entre os primeiros autores a descrever os africanos
como indivduos e no como esteretipos. Foi criticada por participar na invaso
colonial em frica e por fazer comparaes poticas entre quenianos e colonos
brancos. Muitas vezes foi rotulada como racista devido sua franca representao das
diferenas de poder entre brancos e negros no incio do sculo XX em frica.
Karen Blixen morreu em 1962, com 77 anos, de subnutrio. Os seus livros,
primeiro publicados em ingls e, mais tarde, em dinamarqus, continuam a ser
publicados em vrias lnguas. As suas casas foram convertidas no Karen Blixen
Museum perto de Nairobi e no Karen Blixen Museet na Dinamarca.
frica Minha
Quando Karen chegou a frica deparou-se logo com uma diferena entre a
Dinamarca e este continente: no havia automveis e as deslocaes at capital,
Nairobi, eram feitas a cavalo ou numa carroa puxada por seis mulas.
Os colonos eram nativos que, com as suas famlias, possuam alguns hectares
na fazenda de um branco, tendo em troca que trabalhar para ele durante um
determinado nmero de dias por ano; a vida nas suas terras era mais intensa. Cada
famlia kikuyu tinha umas quantas palhotas redondas e pontiagudas e o espao entre
elas era um local animado, onde se viam crianas e galinhas a correr de um lado para
o outro.
Durante a estadia de Karen, Nairobi revelou ser um lugar animado, com alguns
belos edifcios de pedra e bairros inteiros de velhas lojas, escritrios e casinhas com
telhados de chapa ondulada, ao longo de ruas despovoadas e poeirentas bem
diferentes das ruas de uma grande cidade europeia ladeadas por longas filas de
eucaliptos. Nas palavras da prpria autora, Nairobi parecia dizer Tira partido de mim
e do tempo. Wir kommen nie wieder so jung e to indisciplinados e vidos
zusammen (pgina 17) 1. Karen sentia-se novamente jovem e livre, sentindo que era
seu dever aproveitar tudo o que esta nova terra tinha para lhe oferecer, que nada
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tinha a ver com os locais por onde j tinha passado e que ela nunca tinha
experimentado.
Os bairros dos indgenas e dos imigrantes de cor eram muito mais vastos
comparados com a parte europeia da cidade. A zona dos somalis, apesar de suja e com
m reputao, era tambm um lugar animado e garrido, construdo de velhas latas de
gasolina marteladas. Estava afastada da capital, devido, talvez, recluso das
mulheres. Havia algumas raparigas somalis que foram viver para o Bazar e deram que
fazer Polcia de Nairobi. As mulheres somalis honestas no eram vistas na cidade.
Eram dignas e gentis, hospitaleiras e alegres, com um sorriso que faz lembrar
campainhas de prata. A zona somali, poeirenta e batida pelo sol, estava exposta aos
quatro ventos, recordando aos seus habitantes os desertos de onde provinham. Os
europeus que vivem muito tempo no mesmo stio no conseguem acomodar-se
completa indiferena que as raas nmadas manifestam em relao s imediaes dos
seus lares. As casas dos somalis estavam dispostas irregularmente e pareciam ter sido
construdas para durar apenas uma semana. Mas o interior era to agradvel e fresco,
perfumado com incensos rabes, decorado com belos tapetes e tapearias, recipientes
de cobre e prata e espadas de punhos de marfim e lminas de metais nobres (pgina
18).
Os nativos
No era fcil conhecer os nativos, pois so geniais na arte da mmica. Quando se
sentem pressionados no sentido de uma explicao do seu comportamento retraem-se
tanto quanto possvel. Podiam estar a fingir medo de ns para esconder um receio
mais profundo; tm o sentido de perigo da vida em menor grau do que os brancos.
Quando Karen se mostrava assustada ou receosa, os nativos olhavam para ela com um
ar de no compreenderem a razo para se sentir assim.
Os nativos eram a frica em carne e sangue () ns, os brancos, com as nossas
botas, sempre apressados, tropeamos muitas vezes na paisagem. Os nativos
harmonizam-se com ela (pgina 25). Ou seja, enquanto que os brancos se preocupam
com o que os rodeia e tentam fugir e esconder-se dos seus medos e problemas, os
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negros aprendem a enfrentar e a conformar-se com o destino, vivendo em harmonia
com o ambiente que os envolve.
Quase todas as manhs, Karen era a mdica das pessoas da fazenda. Os kikuyus
esto adaptados ao imprevisto e habituados ao inesperado. Neste aspeto so diferentes
dos brancos, que tentam proteger-se contra o desconhecido e contra as investidas da
sorte. O negro est em boas relaes com o destino, em cujas mos passou toda a
vida; enfrenta com grande calma qualquer modificao na sua vida.
Karen, que estudou em Paris e Roma, criou uma escola noturna tambm para o
pessoal da fazenda, com um professor nativo para os ensinar. Ia buscar mestres-
escolas a cada uma das misses Igreja Catlica Romana, Igreja de Inglaterra e Igreja
da Esccia uma vez que a educao dos nativos se processa rigorosamente em termo
religiosos. Apenas a Bblia e os livros de hinos esto traduzidos em suali. O mundo
da palavra escrita abriu-se perante o nativo de frica na poca em que Karen esteve
no continente. Na Dinamarca, tal tinha acontecido h uma centena de anos. As
comunicaes entre jovens nativos costumavam ser realizadas por escritores de cartas
profissionais, pois embora algumas pessoas idosas fossem atradas pelo esprito da
poca e alguns kikuyus muito velhos frequentassem a escola de Karen, a maior parte
da gerao mais velha rejeitava o fenmeno com desconfiana. S poucos nativos
sabiam ler. Os criados, os colonos e os trabalhadores da fazenda levavam as suas
cartas a Karen para que ela as lesse em voz alta. A lngua suali no teve uma
linguagem escrita at os brancos decidirem cri-la. Foi cuidadosamente elaborada
semelhana do que pronunciado e no existe uma ortografia antiquada para
confundir o leitor.
A falta de preconceitos dos nativos algo de surpreendente, pois espera-se
encontrar tabus obscuros nos povos primitivos. Este facto deve-se sua relao com
uma grande variedade de raas e tribos e ao vivo intercmbio humano trazido para
frica Oriental pelos primeiros comerciantes de marfim e escravos e, nos nossos dias,
pelos colonos e caadores. No que diz respeito recetividade, o nativo mais
mundano do que o colono ou missionrio suburbano ou provinciano, que cresce numa
comunidade uniforme com um conjunto de ideias estveis.
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Noo de justia
No seguimento de um desastre com uma caadeira que matou uma criana, Karen
afirma que as ideias de justia da Europa e de frica no so as mesmas e que as de
um dos mundos so intolerveis para o outro. Para o africano, s h uma maneira de
contrabalanar as catstrofes da existncia: o meio da indeminizao. No procura o
motivo de uma ao, mas dedica-se a especulaes sobre os mtodos por meio dos
quais os crimes sero indeminizados em carneiros e cabras.
Como juiz dos kikuyus, os nativos consideravam o veredicto de Karen valioso,
devido sua mentalidade mitolgica e teolgica. Os europeus perderam a faculdade
de criar mitos e dogmas, e quando precisam deles esto dependentes dos que restam
do passado. Mas o esprito do africano desloca-se com naturalidade e facilmente por
estas vias profundas e sombrias. Este dom manifesta-se fortemente nas suas relaes
com os brancos. provvel que os kikuyus da fazenda vissem a grandiosidade de
Karen como juiz no facto de ignorar totalmente as leis segundo as quais julgava.
A questo da gratido
Uma das questes que Karen aborda o facto de os nativos no mostrarem
gratido. -lhes indiferente o que se faz por eles. Por muito que se faa, aquilo
que se faz desaparece e nunca mais se ouve falar disso. No agradecem, mas
tambm no tm maldade. uma qualidade assustadora que parece anular a nossa
existncia humana. Os kikuyus, os wakambas ou os kavirondos, isentos de
preconceito, consideram que a maior parte das pessoas capaz da maior parte das
coisas e impossvel escandaliz-los. No nos julgam mas so observadores
perspicazes.
Em relao aos imigrantes somalis, o nosso comportamento afeta-os
seriamente e mal nos podemos mexer sem afetar estes altivos e ardentes habitantes
do deserto. Tm um acentuado sentido de gratido e tambm podem guardar
rancor at ao fim da vida. Um favor, uma ofensa ou uma desfeita fica gravado em
pedra nos seus coraes. So maometanos severos e tm um cdigo moral
segundo o qual nos julgam. J os massais detm uma posio peculiar entre as
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tribos de nativos. Recordam, podem ficar reconhecidos ou ressentidos. Guardam
contra ns um ressentimento que s desaparecer quando a prpria tribo
desaparecer.
As pessoas muito pobres da Europa so como os kikuyus: no nos julgam mas
fazem o somatrio do que observam. Quando gostam de uma pessoa, ou sentem
estima, da mesma maneira que amam Deus: no por aquilo que se lhes faz, mas
pelo que se .
Somalis vs Massais
Os somalis so um povo religioso, asseado e preocupado com a higiene.
Atribuem maior importncia virgindade das noivas. No revela grande
capacidade quando entregue a si prprio, pois os somalis so muito excitveis e,
onde quer que se apresentem, se no so controlados perdem muito tempo e
sangue com questes relativas ao seu sistema moral tribal. Mas so excelentes
auxiliares quando comandados e, talvez por isso, os capitalistas rabes os tenham
frequentemente encarregado de empreendimentos arrojados e de transportes
difceis. Os somalis tm um profundo sentido do dinheiro e dos valores, pelo que
sacrificam a alimentao e o descanso em favor dos seus encargos.
Os massais no tm religio nem interesse pelo que quer que seja neste
mundo. So sujos; as raparigas encaram a moral com leviandade. Nunca
conheceram a escravatura e impossvel fazer deles escravos. Nem sequer podem
ser metidos na priso, pois morrem quando so aprisionados no durando mais de
trs meses. Assim, a lei inglesa vigente no pas no prev pena de priso para eles,
punindo-os apenas com multas, esta incapacidade para sobreviver sob o jugo
conferiu uma posio privilegiada perante a aristocracia imigrante.
A vida social na fazenda
Havia muitas visitas na fazenda. Nos pases pioneiros, a hospitalidade uma
necessidade de vida, tanto dos viajantes de passagem como dos colonos. Um
visitante um amigo que traz boas ou ms notcias, as quais so alimento para os
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espritos sedentos dos que vivem em locais solitrios. Um verdadeiro amigo que
venha a nossa casa um mensageiro do cu portador de panis angelorum po
dos anjos. Os principais acontecimentos sociais da fazenda eram as ngomas
grandes danas nativas. A festa oferecida pela casa era modesta: rap para as
velhas mes dos danarinos moranis e para as nditos donzelas e acar para as
crianas. Por vezes, pedia-se autorizao ao comissrio distrital para os colonos
fazerem tembu, uma bebida fortssima, fabricada com cana-de-acar.
Quando iam a uma ngoma, os kikuyus esfregavam-se da cabea aos ps com
greda barro/argila de um vermelho-plido que lhes conferia um aspeto
estranhamente louro. As raparigas com as suas modestas vestimentas de couro
bordadas com contas cobriam a roupa e o corpo de terra, no se distinguindo onde
comeava o vesturio e acabava a pele, assemelhando-se a esttuas com as pregas
e drapeados das roupagens delicadamente executadas por um artista hbil. Os
rapazes apresentam-se nus, mas do grande ateno ao penteado, empoando de
greda as cabeleiras que se assemelham a jubas ou usando um rabo-de-cavalo e
erguendo altivamente a cabea.
O espetculo faz com que os olhos saltem de um canto para o outro. A cena
assemelha-se a quadros antigos de uma batalha em que se v a cavalaria a avanar
de um lado, enquanto a artilharia se coloca postos no outro, e figuras isoladas de
oficiais galopam em diagonal atravs do campo de viso.
As mulheres somalis
Quando Farah, criado de Karen, se casou trouxe a mulher da Somlia para a
fazenda, acompanhada pela me, pela irm mais nova e por uma prima que foi
criada com a famlia. Os casamentos na Somlia so combinados pelos membros
mais velhos das famlias que tomam em considerao o nascimento, a riqueza e a
reputao dos jovens. de bom-tom, aps o casamento, o recm-casado ir viver
no aldeamento da mulher durante seis meses. Nesse perodo, ela ainda
desempenha o papel de anfitri e de pessoa com conhecimentos e influncia local.
As raparigas somalis usam o cabelo rapado, deixando apenas um crculo de
caracis escuros volta da cabea e um caracol comprido no cocuruto. O sistema
somali era uma necessidade natural, uma arte requintada, era religio, estratgia e
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ballet, sendo praticado em todos os seus aspetos com a devida devoo, disciplina
e destreza. A sua grande beleza reside no jogo de foras opostas existentes no seu
mago. Por trs do eterno princpio de recusa havia muita generosidade; por trs
do pedantismo, quanto escrnio e desprezo pela morte.
Na fazenda, as raparigas mostravam-se curiosas acerca dos costumes europeus
e ouviam atentamente a descrio das maneiras, educao e vesturio das senhoras
brancas, como se quisessem completar a sua formao estratgica com o
conhecimento da forma como os homens de outras raas so conquistados e
dominados.
As roupas que usavam desempenhavam um papel importantssimo na sua vida,
o que no era de admirar, uma vez que elas eram simultaneamente material de
guerra, despojos de batalha e smbolos de vitria, quais bandeiras conquistadas
aos adversrios (pgina 157). Os maridos somalis so abstinentes por natureza,
indiferentes a comida e bebida, bem como ao conforto pessoal. So duros e
austeros como a regio de onde so naturais, sendo a mulher o seu nico luxo,
cavalos, camelos e gado tambm podem ser desejados e bem-vindos, mas nunca
ultrapassam as esposas. As mulheres somalis desprezam qualquer fraqueza de um
homem com crueldade e, com grande sacrifcio, valorizam o seu preo. No
podem comprar um par de chinelos a no ser atravs de um homem, mas ainda
assim so o supremo valor da vida.
As duas raas
Para os nativos, servir um somali ou um rabe era menos difcil do que
trabalhar para um branco, pois o ritmo de vida das raas de cor o mesmo em
toda a parte. Em frica, a relao entre raa branca e raa negra assemelha-se
relao entre os dois sexos. Se o amante ou marido de uma mulher fosse
informado de que no tinha maior significado na vida da esposa ou da amante do
que o significado que ela tinha na sua prpria vida, ele sentir-se-ia surpreendido e
escandalizado. E se revelassem esposa ou amante de um homem que ela no
tinha mais importncia na vida do marido do que a importncia que aquele tinha
na vida dela, essa mulher ficaria exasperada (pgina 235). As velhas histrias de
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homens que no devem chegar aos ouvidos das mulheres e as conversas entre
mulheres que nenhum homem pode ouvir confirmam esta teoria.
Em relao s duas raas, se dissessem aos brancos que o papel que
desempenhavam nas vidas dos nativos semelhante ao que estes desempenham na
sua vida, ficariam altamente indignados e pouco vontade, uma vez que os
nativos so considerandos inferiores e subordinados. Se dissessem aos nativos que
no tm maior importncia na vida dos brancos do que estes tm nas suas vidas,
eles no acreditariam e rir-se-iam na cara de quem dissesse tal coisa.
O adeus fazenda
A fazenda situava-se num local excessivamente alto para o cultivo de caf e,
nos meses frios, com a geada, os rebentos dos cafezeiros e as bagas que os
cobriam ficavam castanhos e ressequidos. Houve dois anos que choveu muito
pouco e a produo diminuiu, tendo sido anos desastrosos para a fazenda. Ao
mesmo tempo, os preos do caf baixaram. No era possvel pagar as dvidas nem
gerir a plantao, e as pessoas que tinham aes na fazenda aconselhavam Karen a
vend-la. Nesse mesmo ano, os gafanhotos invadiram o pas, e passados uns
meses desistiram de afugent-los, pois era simplesmente intil. Finalmente, j sem
dinheiro e sem produzir nada que rendesse, Karen teve mesmo de vender a
fazenda. No entanto, ainda permaneceu l alguns meses pois as bagas que ainda
no estavam maduras nas rvores pertenciam aos antigos proprietrios. Entretanto,
o seu amante Denys teve um acidente de avio e morreu. Todos estes
acontecimentos conduziram ao regresso definitivo de Karen Dinamarca.
Os colonos tinham seis meses para sarem da fazenda e decidiram manterem-
se juntos no mesmo stio, de modo a que a gente da fazenda no se separasse.
mais do que terra que se tira s pessoas quando se toma o seu pas natal.
tambm o seu passado, as suas razes, a sua identidade (pgina 343). Tirar-lhes as
coisas que estavam habituados era como tirar-lhes os olhos, e isto aplica-se mais
aos povos primitivos do que aos civilizados.
Os nativos pediram a Karen que interviesse junto dos funcionrios
governamentais para que lhes dessem um lugar onde pudessem ficar todos juntos.
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O Governo concordou em ceder uma parcela da Reserva Florestal de Dagoretti,
onde os colonos podiam construir um novo aldeamento.
Os velhos da fazenda realizaram uma ngoma em homenagem a Karen. Os
velhos nativos so friorentos e andam envoltos em peles e mantas, mas ali
estavam nus. Os seus adornos e pinturas de guerra eram discretos. Entretanto,
Karen ps fim festa e no dia da partida despediu-se de todos os criados e amigos,
aprendendo a lio de que possvel acontecerem coisas que ns no
conseguimos imaginar, nem antecipadamente, nem no momento em que ocorrem,
nem sequer depois (pgina 351)
E foi o que aconteceu com Karen, que se mudou para frica para gerir uma
plantao de caf e acabou apaixonada pelo continente e por todos os seus
elementos, desde os nativos prpria paisagem.
Sombras no Capim
Na continuao de frica Minha, Karen comea por falar de Farah Aden, o
seu criado somali, que durante quase dezoito anos dirigiu a sua casa, os seus estbulos
e os seus safaris. Foi com ele que a autora partilhou as suas preocupaes e os seus
xitos. A partir desta figura concreta, Karen parte para o cenrio geral: o povo somali.
Este povo era extremamente superior populao nativa no que diz respeito
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inteligncia e cultura. Tinham sangue rabe, consideravam-se rabes de puro-sangue
e eram muulmanos fanticos. Os kikuyus, os wakambas, os kawirondos e os massais
tm as suas velhas tradies culturais, misteriosas e simples que parecem perder-se na
noite dos tempos antigos. Recentemente, os prprios europeus levam as suas luzes
para o Qunia, mas tiveram os meios necessrios para as impor e difundir
rapidamente.
O melhor marfim do mundo provm da frica Oriental e, ainda antes da
descoberta da Amrica, o trfico de escravos era realizado ao longo destas costas, a
partir de onde eram transportados para a Arbia, Prsia, ndia e China. Os somalis so
um povo muito belo, esbelto e aprumado como todas as tribos da frica Oriental, com
olhos altivos e escuros, pernas direitas e dentes de lobo. So vaidosos e apreciam
roupas requintadas; quando no se vestiam como europeus muitos deles usavam
fatos dos melhores alfaiates de Londres que os seus patres j no queriam vestiam
longas tnicas de seda, com coletes pretos sem mangas, com bordados elaborados a
ouro. Usavam sempre os turbantes dos muulmanos ortodoxos de requintadas
caxemiras multicolores. As mulheres somalis pareciam ter mais mentalidade do que
os homens e, desde que comeavam a andar at uma idade venervel, exibiam a figura
clssica de jeune fille europeia: provocante, astuta, gananciosa e, no seu mago, doces
e compassivas.
A maioria dos imigrantes fora para frica, e l permanecera por preferir a vida
em frica que levava no seu pas, porque gostava mais de montar a cavalo do que
andar de carro e de fazer uma fogueira no acampamento do que ligar o aquecimento
central. Tal como eu, desejavam ser enterrados em solo africano (pgina 362). Mais
uma vez, Karen revela a sua paixo por frica e a sua vontade de permanecer l o
resto da sua vida. Quase todos esses imigrantes eram pessoas criadas no campo e
amantes do ar livre, sendo muitos deles filhos mais novos de velhas famlias inglesas,
educados desde cedo por feitores e palafreneiros velhos e respeitveis, e estavam
habituados a criados. De corao puro, eram capazes de travar uma relao de
camaradagem com um caador ou nmada selvagem e de tez escura; aceitavam e
confiavam nos somalis, assim como estes confiavam neles.
Durante a guerra, e nos primeiros tempos subsequentes, no chegaram novos
colonos, mas nos anos que se seguiram comeou na Inglaterra uma campanha que
proclamava o Qunia como uma colnia de oportunidades econmicas nicas, e a
palavra de ordem era fomentar a colonizao. Esta propaganda criou uma nova
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classe de colonos que eram pessoas que tinham crescido e vivido numa cidade ou
comunidade de Inglaterra e que pareciam estranhamente provincianas em comparao
com os nativos africanos.
Colonizao de frica
Os europeus conheciam o continente africano desde o incio da expanso
martima, mas foi no sculo XIX que a Europa consolidou o seu domnio neste
continente. A Revoluo Industrial motivou a explorao de matrias-primas,
especialmente de minrios e de produtos agrcolas (destaque para produo de
caf, ch, cana-de-acar e cacau), todos fundamentais para a produo industrial.
Em relao Inglaterra, esta assumiu a liderana da colonizao africana no final
do sculo XVIII e meados do sculo XIX. O seu plano era combater a escravatura
j menos lucrativa -, direccionando o comrcio africano para a exportao de
ouro, marfim, tapetes e animais. Assim, o mercado africano ficou sujeito aos
interesses do Imprio Britnico. Os ingleses estabeleceram novas colnias na
costa e implementaram um sistema administrativo fortemente centralizado na mo
de colonos brancos ou representantes da coroa. A frica do Sul, o Egito, o Sudo,
o Gana, a Nigria ,a Somlia, Serra Leoa, Tanznia, Uganda, Qunia, so alguns
dos estados que se tornaram independentes do Reino Unido.
O violento domnio europeu em frica provocou grandes prejuzos para as
culturas africanas, uma vez que os europeus impuseram a sua religio e destruram
as relaes interculturais que existiam entre os povos nativos. Karen Blixen
mostrou o seu desagrado em relao campanha inglesa que promovia o Qunia
como uma colnia com potencial econmico, escrevendo em minha opinio, foi
um programa infeliz () e do ponto de vista do pas em si, a verdadeira ptria do
meu corao, uma colonizao branca mais densa era um benefcio dbio, sendo
a qualidade, e no a quantidade, dos colonos brancos que deveramos ter em
conta (pgina 363).
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Concluso
A realizao deste trabalho foi, sem dvida, muito interessante. Karen Blixen
descreve com pormenor as suas experincias, situaes do dia-a-dia, as paisagens, os
povos, at mesmo os animais (tendo dedicado um captulo do seu livro cora Lulu),
o que revela a paixo que a fez render-se a frica. uma histria muito cativante,
muito rica do ponto de vista histrico e cultural e d-nos a conhecer factos na primeira
pessoa, tal e qual como eles so, prendendo o leitor narrativa e fazendo-o sonhar
tambm com este continente.
Um dos aspectos que achei mais interessantes foi o facto de esta obra permitir-
nos no s ver as diferenas entre Europa/frica, Dinamarca/Qunia,
civilizado/selvagem, mas tambm as divergncias que existem dentro da prpria
frica, entre os seus povos nativos.
Recordando a sua vida em frica, Karen sente que podia ser descrita como a
existncia de uma pessoa chegada de um mundo precipitado e barulhento a um pas
silencioso (pgina 89). Penso ser seguro afirmar que a autora estava a escrever a sua
obra com o intuito de esta ser lida posteriormente por qualquer pblico, uma vez que
Karen afirma o seguinte: possvel que o facto de escrever com tanta exactido
quanto possvel, acerca das minhas experincias na fazenda, do pas e de alguns dos
seus habitantes, das plancies e bosques, venha a ter interesse histrico. (pgina 25).
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Glossrio
Alguns termos utilizados pela autora:
Msabu termo indiano que os nativos usam para se dirigirem a mulheres brancas.
Rap tombacco tabaco em p.
Boori em vo.
Mbaia sana terrivelmente mau.
Kibokos chicotes indgenas de pele de hipoptamo.
Jambo morani jovens guerreiros.
Kyama assembleia de ancies de uma fazenda, autorizada pelo Governo, a fim de
resolver os diferendos locais entre os colonos.
Dhows embarcaes.
Saidea mimi ajude-me.
Kabilla tribo.
Siafu formigas africanas devoradoras de homens.
Nditos donzelas.
Moran guerreiro.
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Anexos
Ilustrao 1 - Palhotas Ilustrao 2 - Rap (tabaco em p)
Ilustrao 3 - Kikuyus Ilustrao 4 - ngomas (festas de dana)
Ilustrao 5 - Karen mudou-se da Dinamarca para Mombaa, no Qunia
Ilustrao 6 - Plantao de caf
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Bibliografia / Webgrafia
BLIXEN, Karen, frica Minha, trad. Ana Falco Bastos, Lisboa,Clube do Autor, 1937
DINESEN, Isak, Sombras no Capim, trad. Ana Falco Bastos e Cludia Brito, Lisboa,
Clube do Autor, 1960
http://www.infopedia.pt/$interculturalidade
http://www.karenblixen.com/
http://www.slideshare.net/elengamarski/a-colonizao-da-frica
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_coloniza%C3%A7%C3%A3o_de_%C3
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http://www.mundoeducacao.com.br/geografia/o-inicio-colonizacao-na-africa.htm
Notas 1 Nunca mais voltaremos a ser to jovens. N.T.
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Os nativos Noo de justia A questo da gratido Somalis vs Massais A vida social na fazenda As mulheres somalis As duas raas O adeus fazenda Colonizao de frica