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FACULDADE NOSSA SENHORA APARECIDA - FANAP
COORDENAÇÃO DO CURSO DE DIREITO
LUIZ ALBERTO DE JESUS SOUSA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AO MEIO
AMBIENTE
APARECIDA DE GOIÂNIA
2017
LUIZ ALBERTO DE JESUS SOUSA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AO MEIO
AMBIENTE
Monografia apresentada à Banca Examinadora da
Faculdade Nossa Senhora Aparecida - FANAP como
exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Orientadora: Profa. Dra. Sandra Mônica de Jesus
APARECIDA DE GOIÂNIA
2017
LUIZ ALBERTO DE JESUS SOUSA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AO MEIO
AMBIENTE
Aparecida de Goiânia, _______/________/2017
Banca Examinadora:
................................................................................................
Orientadora Profa. Dra. Sandra Mônica de Jesus
.................................................................................................
Prof. (Titulação e nome do professor orientador)
................................................................................................
Prof. (Titulação e nome do professor orientador)
APARECIDA DE GOIÂNIA
2017
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos que contribuíram direta ou
indiretamente em minha formação acadêmica e
especialmente aos meus pais que foram companheiros de
todas as horas
AGRADECIMENTO
À Professora Doutora Sandra Mônica de Jesus pela orientação e apoio.
A todos que contribuíram no decorrer desta jornada, em especialmente, a Deus, a quem devo
minha vida.
A minha família e minha esposa que sempre me apoiaram nos estudos e nas escolhas
tomadas.
Aos meus colegas pelo companheirismo e disponibilidade com que me auxiliaram em vários
momentos.
EPÍGRAFE
“A natureza criou o tapete sem fim que recobre a superfície da terra. Dentro da pelagem
desse tapete vivem todos os animais, respeitosamente. Nenhum o estraga, nenhum o rói,
exceto o homem.”
Monteiro Lobato
RESUMO
A presente monografia tenciona analisar os principais mecanismos de proteção do meio
ambiente, mas como foco especial à Ação Civil Pública, importante instrumento processual
que visa reprimir ou inibir possíveis danos ao meio ambiente, estabelecendo assim, as
respectivas responsabilidades civis por danos causados contra este importante interesse difuso
da sociedade, visto que, nos termos do art. 225, caput, da Constituição Federal de 1988,
constitui-se em direito fundamental do ser humano, sendo dever do Estado e da coletividade
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
PALAVRAS-CHAVE: Meio Ambiente. Proteção. Responsabilidade Civil.
ABSTRACT
The present monograph intends to analyze the main mechanisms of protection of the
environment, but as a special focus on Public Civil Action, an important procedural
instrument that seeks to suppress or inhibit possible damages to the environment, thus
establishing the respective responsibilities civil for damages caused against this important
interest Diffusion of society, since, according to the terms of art. 225, caput of the Federal
Constitution of 1988, constitutes a fundamental right of the human being, and it is the duty of
the State and of the community to preserve it for present and future generations.
KEYWORDS: Environment. Protection. Civil responsability.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11
1. O MEIO AMBIENTAL E O DIREITO AMBIENTAL .......................................... 13
1.1. O MEIO AMBIENTE: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO ...................................... 13
1.2. O MEIO AMBIENTE NATURAL ............................................................................ 14
1.3. DIREITO AMBIENTAL: CONCEITO E OBJETIVO .............................................. 16
1.4. ASPECTOS HISTÓRICOS DO DIREITO AMBIENTAL ....................................... 17
1.4.1. Evolução histórica do Direito Ambiental ................................................................ 18
1.4.2. Um direito de Terceira Geração .............................................................................. 21
2. O ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO E A PROTEÇÃO AO MEIO
AMBIENTE NATURAL ................................................................................................. 24
2.1. A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE NATURAL NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988. ......................................................................................................... 24
2.1.1. Competência legislativa em matéria ambiental ....................................................... 24
2.1.2. A função socioambiental da propriedade e o meio ambiente na ordem econômica 25
2.1.3. O artigo 225 da Lei Fundamental ............................................................................ 25
2.2. A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE NATURAL NA LEGISLAÇÃO
INFRACONSTITUCIONAL ............................................................................................ 28
2.2.1. A Política Nacional do Meio Ambiente .................................................................. 29
2.2.2. A proteção às florestas e demais formas de vegetação ............................................ 30
2.2.3. Outras leis de proteção ambiental ............................................................................ 32
3. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL ................................................................. 33
3.1. BREVE HISTÓRICO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ............................................... 33
3.2. INSTRUMENTOS EXTRAJUDICIAIS DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE ...... 35
3.2.1. O Inquérito Civil Público ........................................................................................ 35
3.2.2. O compromisso de ajustamento de conduta ............................................................ 36
3.3. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA LEI Nº 7.347/85 - GENERALIDADE. ................. 37
3.3.1. Fundamento constitucional ...................................................................................... 38
3.3.2. Ação Civil Pública, Ação Coletiva, Ação Popular e Mandado de Segurança
Coletivo ............................................................................................................................. 38
3.3.3. Natureza jurídica...................................................................................................... 39
3.3.4. Direitos e interesse transindividuais ........................................................................ 39
3.4. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA E A DEFESA DO MEIO AMBIENTE. ....................... 40
3.4.1. Objeto da ação ......................................................................................................... 40
3.4.2. Legitimação ativa .................................................................................................... 41
3.4.3. Legitimação passiva ................................................................................................ 42
3.4.4. Litisconsórcio, assistência e intervenção de terceiros ............................................. 42
3.4.5. Interesse processual ................................................................................................. 44
3.4.6. Foro competente ...................................................................................................... 44
3.4.7. Ônus da prova e rito processual ............................................................................... 44
3.4.8. Desistência ou abandono da ação e efeito da revelia............................................... 45
3.4.9. Transação ................................................................................................................. 46
3.4.10. Tutelas de urgência ................................................................................................ 46
3.4.11. Multas .................................................................................................................... 47
3.4.12. Sentença e coisa julgada ........................................................................................ 48
3.4.13. Recursos ................................................................................................................ 48
3.4.14. Execução do julgado objeto da ação...................................................................... 47
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 51
11
INTRODUÇÃO
O presente trabalho analisa e apresenta a Ação Civil Púbica e a aplicabilidade da
legislação pátria na proteção do meio ambiente natural e artificial, estabelecendo o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo este, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, conforme preceituado na Constituição Federal em seu
artigo 225.
Com isso este se divide em três capítulos:
O primeiro capítulo, intitulado “O Meio Ambiente e o Direito Ambiental” objetiva
esclarecer as principais definições utilizadas no estudo do Direito Ambiental, ocupando-se
também de evidenciar os principais aspectos históricos concernentes tanto ao comportamento
do homem perante o meio ambiente quanto ao tratamento jurídico dispensado ao meio
ambiente no contexto histórico brasileiro.
O segundo capítulo denominado “O Ordenamento Jurídico Pátrio e a Proteção ao
Meio Ambiente Natural” pretende evidenciar as principais normas de direito material
existentes no direito brasileiro concernentes à proteção e defesa do meio ambiente,
especialmente as previstas na Constituição Federal de 1988, antes de analisar os principais
aspectos da tutela judicial do meio ambiente natural por meio da ação civil pública
disciplinada na Lei nº. 7.374/85.
No terceiro capítulo, que recebe o título “Ação Civil Pública Ambiental” faz o estudo
da Lei nº. 7.347, de 24 de julho de 1985 que disciplina a Ação Civil Pública, importante
instrumento legal posto à disposição daqueles que se ocupam da proteção desse bem difuso
tão relevante à sadia qualidade de vida, representando mesmo importante democratização do
processo.
A escolha do tema é de relevante importância, pois o meio ambiente ao logo dos anos
tem passado por constantes degradações, estas provocadas pelas atividades humanas de
exploração de seus recursos naturais como forma de obtenção de lucros, o que causa um certo
desiquilíbrio na natureza, resultando na escassez de tais recursos e catástrofes naturais.
O método de pesquisa a ser utilizado neste trabalho será o dedutivo, ou seja, processo
pelo qual se parte do geral para uma particularidade, visto que, dentro do universo da proteção
ao meio ambiente será centralizado na Ação Civil como instrumento de proteção ao meio
ambiente, onde exige uma pesquisa bibliográfica previa, quer para o levantamento da situação
da questão, quer para a fundamentação teórica, ou ainda para justificar os limites e
contribuições da própria pesquisa.
12
Também adotará como opção metodológica complementar as legislações, artigos
científicos, jurisprudências, com o objetivo de analisar com propriedade a temática proposta.
13
1. O MEIO AMBIENTE E O DIREITO AMBIENTAL
O homem acreditando que os recursos ambientais fossem inesgotáveis, nem sempre
dispensou ao meio ambiente a devida proteção jurídica, por vezes, destruindo-o e
incentivando sua destruição desordenada, precipuamente, em virtude de fins econômicos.
1.1. O MEIO AMBIENTE: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO
Milaré (2007, p. 109) alude que “[...] o meio ambiente pertence a uma daquelas
categorias cujo conteúdo é mais facilmente intuído que definível, em virtude da riqueza e
complexidade do que encerra”.
A definição jurídica de meio ambiente encontra-se no art. 3º, I, da Lei nº. 6.938/81 –
Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, segundo o qual consiste no “[...] conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
Sobre tal conceito, Beltrão (2009, p. 24) salienta que:
[...] a legislação, ao fixar padrões de qualidade para a água, o ar etc., não pode se
limitar a uma análise dos efeitos químicos ou físicos das substâncias a serem
liberadas, devendo também, necessariamente, avaliar quais os seus efeitos
biológicos no ambiente.
De fato, a expressão “meio ambiente” suscita discussões diversas, persistindo
divergências até mesmo quanto à possível redundância na utilização simultânea dos termos
“meio” e “ambiente”.
Beltrão (2009, p. 23), por exemplo, afirma que a expressão “[...] é claramente
redundante. Meio e Ambiente são sinônimos, designam o âmbito que nos cerca, o nosso
entorno, onde estamos inseridos e vivemos”.
Milaré (2007, p. 110), por sua vez, não perfilha desse entendimento, afirmando que
“Não chega, pois, a ser redundante a expressão meio ambiente, embora no sentido vulgar a
palavra ambiente indique o lugar, o sítio, o recinto, o espaço que envolve os seres vivos e as
coisas”.
14
Silva (2002, p.20), alude que o meio ambiente é definido como : “ [...] a interação do
conjunto de elementos naturais , artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento
equilibrado da vida em todas as suas formas.”
O meio ambiente, enquanto bem jurídico tutelado, é pacificamente classificado pela
doutrina em: a) natural ou físico correspondente aos elementos naturais que são
tradicionalmente associados ao meio ambiente, como o ar, a atmosfera, a água, a fauna, a
flora e a biodiversidade; b) artificial, sendo aquele que compreende o espaço urbano
construído, abrangendo as edificações e equipamentos púbicos, tais como ruas, praças, etc; c)
cultural, consistente nas intervenções humanas, materiais e imateriais, que possuem um
especial valor cultural, referente à identidade, à ação, à memória de diferentes grupos ou
sociedade brasileiras; d) do trabalho, sendo o espaço de desenvolvimento da atividade laboral,
como o local sem periculosidade, com harmonia para o desenvolvimento da produção.
1.2. O MEIO AMBIENTE NATURAL
A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), em seu art. 3º, V,
conceitua os recursos naturais como àqueles correspondentes a “[...] a atmosfera, as águas
interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, os mar territorial, o solo, o subsolo, os
elementos da biosfera, a fauna e a flora”.
Já a professora e doutrinadora Lemos (2010, p. 28) considera que:
“O meio ambiente natural compõe-se dos recursos naturais, quais sejam o solo, a
água, o ar, a flora e a fauna, dos ecossistemas brasileiros e sua função geoeconômica
e pela biodiversidade e patrimônio genético”.
A Constituição Federal, em seu art. 225, § 4º, refere-se à Floresta Amazônica
brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira
como bens de patrimônio nacional.
Lemos (2010, p. 28-29) ainda acrescenta que:
“Além destes, são de crucial importância do ponto de vista ecológico e requerem
legislação específica para o manejo sustentável de suas áreas e recursos o Cerrado, a
Caatinga, o Domínio das Araucárias, os Pampas e as Pradarias”.
15
Milaré (2011, p. 291-292) afirma a que a flora “[...] é entendida como a totalidade de
espécies que compreende a vegetação de uma determinada região, sem qualquer conotação de
importância individual dos elementos que a compõem”, bem como, que “[...] por vegetação se
entende a cobertura vegetal de certa área, região, país. O que hoje podemos observar resulta
de um longo desenvolvimento das espécies através das diferentes épocas geológicas”.
Complementando Milaré (2011, p. 292) declara que a flora e floresta também se
diferem, sob a seguinte acepção:
O termo floresta, na linguagem corrente, evoca uma formação vegetal de proporções
e densidade maiores. Mata, selva, grandes extensões cobertas de arvoredo silvestre e
espesso, bosques frondosos e denominações semelhantes sempre acorrem à memória
ou à imaginação.
A biota ou bioma, sendo termo genérico, abrange o conjunto de seres vivos, incluindo,
pois, a fauna e a flora de determinada região.
“A fauna é o conjunto de animais que vivem em determinada região ou ambiente e
tem relação direta com a flora existente, de forma que o eventual desmatamento
afeta a fauna local, que está relacionada a um ecossistema” (LEMOS, 2010, p. 36).
No que se refere às indesejáveis, porém, constantes ameaças identificadas
diuturnamente à fauna, Milaré (2011, p. 304) observa que:
Em nossos dias, a principal ameaça à fauna reside na alteração, ou mesmo destruição
completa, do meio em que vivem os animais, vale dizer, dos ecossistemas que lhes
servem de habitat normal. Esse fenômeno não atinge somente a fauna, redunda em
perigosa perda da biodiversidade, perda que, deploravelmente, vem se acelerando,
conforme fontes do WWF.
A fauna e a flora revestem-se de proteção constitucional nos termos do art. 225, § 1º,
VII, segundo o qual incumbe ao Poder Público “[...] proteger a fauna e a flora, vedadas, na
forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção
de espécies ou submetam os animais a crueldade”.
O termo solo é utilizado ora para designar o recurso natural ora designando o espaço
social. Lemos (2010, p. 29) salienta que “No primeiro sentido, não se pode deixar de
reconhecer a existência de forte relação entre a preservação do solo e a qualidade ambiental”.
Com efeito, assegura Milaré (2011, p. 276) que:
[...] o solo é o suporte global da flora e da fauna e, obviamente, da espécie humana
que, no cotidiano, está presa a ele para viver e produzir. O vínculo do homem com o
16
solo é múltiplo: o corpo humano recebe do solo energia em forma de alimentos. O
solo serve-lhe também de apoio e base, constitui um “fio-terra” para ele que, de
algum modo, descarrega as suas tensões.
O art. 20, III, do Texto Magno disciplina que são de propriedade da União “os lagos,
rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um
Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele
provenham”. A água necessita de especial proteção, mormente diante das ações ou omissões
degradadoras humanas, como o derramamento de petróleo no leito dos rios e, até mesmo, do
desmatamento de vegetação protetora de nascentes.
Também componente do meio ambiente natural, a atmosfera pode ser conceituada
como “[...] a camada de gases que envolvem um planeta e é retida pela sua atração
gravitacional; camada de ar que envolve a terra” (HOUAISS apud BELTRÃO, 2009, p. 164).
Sobre sua importância para a vida, Milaré (2011, p. 252) afirma que:
Ligado estreitamente aos processos vitais de respiração e fotossíntese, à evaporação,
à transpiração, à oxidação e aos fenômenos climáticos e meteorológicos, o recurso
ar – mais amplamente, a atmosfera – tem um significado econômico, além do
biológico ou ecológico, que não pode ser devidamente avaliado.
Acerca da poluição atmosférica, Beltrão (2009, p. 164) destaca que:
“[...] consiste em qualquer degradação da qualidade do ar que afete adversamente o
ser humano e/ou a biota causada, direta ou indiretamente, por pessoa física ou
jurídica, de direito público ou de direito privado”.
As chuvas ácidas, a redução da camada de ozônio e o efeito estufa são os efeitos
globais da poluição atmosférica, causada, especialmente, por veículos automotores.
Por fim, a biodiversidade também compõe o meio ambiente natural e “[...] consiste na
grande variedade de genes, espécies vivas e diferentes ecossistemas, pois dentro dos
ecossistemas se desenvolvem as relações entre as espécies e a interação dos elementos neles
presentes” (MILARÉ apud LEMOS, 2010, p. 38).
1.3. DIREITO AMBIENTAL: CONCEITO E OBJETIVO
Efetuadas as explanações necessárias atinentes ao conceito e classificação do meio
ambiente, cumpre estabelecer e definir o que seja direito ambiental.
17
Nas palavras de Beltrão (2009, p. 28), o direito ambiental “[...] consiste no conjunto de
princípios e normas jurídicas que buscam regular os efeitos diretos e indiretos da ação
humana no meio, no intuito de garantir à humanidade, presente e futura, o direito fundamental
a um ambiente sadio”, destacando também que: [...] o direito ambiental tem por objetivo o
desenvolvimento sustentável, que, conforme a definição universal dada pela Comissão
Brundtland, (Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento) , consiste naquele
que “satisfaz as necessidades do presente sem pôr em risco a capacidade das gerações futuras
de terem suas próprias necessidades satisfeitas”.
O desenvolvimento sustentável, de fato, é o escopo do direito ambiental e “[...] isto
implica dizer que a política ambiental não deve erigir-se em obstáculo ao desenvolvimento,
mas sim em um de seus instrumentos, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais, os
quais constituem a sua base material” (MILARÉ, 2007, p. 62).
Sem dúvida, para atingir a sustentabilidade, inúmeros e imensos desafios necessitam
ser superados. Entre eles, certa predisposição do ser humano para agir em curto prazo
(atuação imediatista), para auxiliar apenas aqueles com quem se relaciona pessoalmente
(atuação individualista) e para se viver em permanente antagonismo com a natureza que o
cerca, buscando desbravá-la, transformá-la e dominá-la (atuação degradadora).
Corroborando a ideia do supracitado autor, Milaré (2007, p. 63-64) considera que “[...]
o desenvolvimento sustentável, por enquanto, é apenas um conceito, uma formulação de
objetivos, e tem sido incluído, cada vez mais, na retórica desenvolvimentista, nos discursos
dos que pregam o crescimento econômico constante”.
1.4. ASPECTOS HISTÓRICOS DO DIREITO AMBIENTAL
Objetivamente, não se pode dizer que houve sempre a preocupação com a preservação
ambiental, mesmo porque por muito tempo creu-se que os recursos naturais eram
inesgotáveis. Produz-se, hoje, em quantidade e qualidade cada vez maiores, às expensas,
basicamente, dos recursos naturais.
Paradoxalmente, cada vez mais se questiona se todo esse avanço terá o seu preço. De
fato, “A paisagem natural da Terra está cada vez mais ameaçada pelos riscos nucleares, pelo
lixo atômico, pelos dejetos orgânicos, pela chuva ácida, pelas indústrias e pelo lixo atômico”
(MILARÉ, 2011, p. 66).
18
1.4.1. Evolução histórica do Direito Ambiental
Nos primórdios da história, a relação do homem com a natureza é marcada pela
passividade daquele perante os fenômenos naturais, de onde decorrem os principais
problemas ambientais, tais como catástrofes naturais. Diante desses fenômenos o homem
adotou um reverencial temor pela Natureza, uma vez que não conseguia explicá-los a
contento.
Com o passar dos tempos, o homem foi se tornando menos passivo frente à natureza,
especialmente quando desenvolveu sua capacidade de lidar com o fogo. Outro passo evolutivo
importante, nesse aspecto, foi a prática agrícola, juntamente com a domesticação de animais.
Segundo Farias (2005, p. 53 ), “[...] à medida que o Homem foi adquirindo conhecimentos
científicos, que lhe permitiam explicar a complexidade dos fenômenos naturais do meio
ambiente, foi perdendo o respeito religioso pela Natureza”
O homem começou então a utilizar os recursos naturais como meios econômicos. No
entanto, como bem destacado por Farias (2005, p. 54), “Até a Revolução Industrial, a
utilização econômica dos recursos naturais não conduziu à exaustão os recursos finitos e
manteve a capacidade de autorregeneração dos recursos renováveis; também não gerou
poluição”.
Sob este aspecto, a Revolução Industrial na Inglaterra do século XVIII é marco na
história da proteção ambiental, pois aí “[...] os papéis inverteram-se e agora é a Natureza que
carece de proteção contra a ação humana” e “Os problemas ambientais com que o Homem
moderno se defronta já não são as catástrofes naturais de outrora, mas os efeitos nefastos, e
quantas vezes irreversíveis, que derivam de rupturas graves do equilíbrio ecológico pela ação
do Homem” (ARAGÃO apud FARIAS, 2005, p. 55).
De acordo com Carvalho (2008, p. 19):
Não há registro de uma preocupação efetiva com a conservação do meio ambiente,
antes da década de 70. Há, quando muito, um ligeiro aparecimento de organizações
voltadas para a proteção dos recursos naturais e alguns dos organismos dedicados à
defesa dos direitos humanos. No fim da década de quarenta, fundou-se, com o apoio
da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), a
União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), na França, e, em 1970,
a respeitada organização científica Conselho Internacional de Uniões Científicas
criou uma Comissão Científica sobre Problemas do Meio Ambiente – SCOPE.
No Brasil, o que se percebe são providências legais e administrativas sempre setoriais,
“[...] tornando-se cada recurso natural per Lei nº. 4.771/65 si, como se fosse nichos
19
independentes e estanques”, criando-se, em consequência, “[...] um emaranhado e muitas
vezes intrincado e contraditório conjunto de normas” (CARVALHO, 2008, p. 17).
Criou-se, de fato, um Código de Águas (Decreto nº 24.643/1934), um Código de
Minas (Decreto-lei nº 1.985, de 29 de janeiro de 1940), um Código Florestal (Lei nº
12.651/2012), um Código de Caça (Lei nº 5.197/1967), dentre outros.
A comunidade científica começou a preocuparem-se com a degradação ambiental, só
após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), uma vez constatados danos resultantes do
modelo de desenvolvimento tecnológico e econômico adotado. Mas foi somente a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, na
Suécia, em junho de 1972, que alertou para os riscos dos problemas ambientais. A esse
respeito, Milaré (2011, p. 66) afirma que:
Naquele evento, alguns países chegaram mesmo a propor uma política de
crescimento zero, visando a salvar o que não havia sido ainda destruído. Todavia, o
resultado final dessa política seria, indubitavelmente, desastroso: os ricos
continuariam sempre ricos e os pobres estariam condenados a permanecer sempre e
irremediavelmente pobres até se extinguirem de vez no mapa geopolítico do mundo.
Milaré (2011, p. 67) salienta que, por ocasião daquela conferência, “O Brasil, em
pleno regime militar autoritário, liderou um grupo de países que pregavam tese oposta, isto é,
a do ‘crescimento a qualquer custo’”, afirmando ainda que essa ideia equivocada baseava-se
no entendimento de que as nações subdesenvolvidas e desenvolvidas, “[...] por enfrentarem
problemas socioeconômicos de grande gravidade, não deveriam destinar recursos para
proteger o meio ambiente. A poluição e a degradação do meio ambiente eram vistas como um
mal menor”.
É certo que da Conferência de Estocolmo resultou no estabelecimento de diversos
princípios ambientais, voltados à orientação da humanidade para a preservação e melhoria do
ambiente humano. Outrossim, a Comissão Brundtland da ONU acresceu a esse rol outros
princípios ambientais, sendo, conforme Farias (2005, p. 60), os seguintes:
[...] a necessidade de preservação dos recursos naturais na Terra para as atuais e
futuras gerações; a manutenção, restauração ou melhoria da capacidade da Terra de
produzir recursos renováveis vitais; o reconhecimento do desenvolvimento
econômico e social como indispensável para assegurar ao homem ambiente de vida
e trabalho favorável; e, ainda, a necessidade de promover o desenvolvimento
acelerado dos países subdesenvolvidos, com a transferência maciça de recursos
financeiros e tecnológicos.
Na década de 80, movimentos ambientalistas cresceram, à medida que ocorreram
vários desastres ecológicos, pregando, por exemplo, que os altos níveis de poluição do ar e
20
das águas e a destruição das florestas eram resultado do modelo de desenvolvimento
tecnológico e industrial adotado. Esses movimentos tiveram forte influência sobre os
políticos, os quais passaram a incluir as questões ambientais em seus discursos. Destaca-se
nessa evolução da consciência ambiental o surgimento do conceito de desenvolvimentos
sustentável, inicialmente utilizado no Relatório Brundtland, do qual Antunes (2010, p. 24-25)
extrai a seguinte passagem:
A administração do meio ambiente e manutenção do desenvolvimento impõem
sérios problemas a todos os países. Meio ambiente e desenvolvimento não
constituem desafios separados; estão inevitavelmente interligados. O
desenvolvimento não se mantém se a base de recursos ambientais se deteriora; o
meio ambiente não pode ser protegido se o crescimento não leva em conta as
consequências da destruição ambiental.
Por sua vez, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CNUMAD), mais conhecida como Rio 92 ou ECO 02, realizada na cidade
de Rio de Janeiro, no Brasil, em 1992, adotou, no Princípio 4 da Declaração do Rio, o
ecodesenvolvimento, como meta a ser perseguida e “[...] isto implica dizer que a política
ambiental não deve significar obstáculo ao desenvolvimento, mas, sim, um de seus
instrumentos, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais, que constituem a base
material do progresso humano” (MILARÉ, 2011, p. 72).
Em 2002, em realizou-se a Conferência de Joanesburgo (Rio + 10), que se ocupou
particularmente do desenvolvimento sustentável.
A história do constitucionalismo brasileiro demonstra que as Constituições que
precederam à de 1988 não traziam proteção ao meio ambiente de modo específico e global. A
Constituição de 1934, por exemplo, apenas dispensou proteção às belezas naturais, ao
patrimônio histórico, artístico e cultural, conferindo à União competência em matéria de
riquezas do subsolo, mineração, águas, florestas, caça, pesca e sua exploração (MILARÉ,
2011, p. 183).
Foi somente a Constituição Federal de 1988 que atribui especial e ampla atenção ao
meio ambiente, dedicando-lhe um capítulo inteiro, e elevando-o a status de direito
fundamental (art. 225 da CF/88). Nesse sentido, Farias (2005, p. 213) destaca que:
A Constituição de 1988 adotou, dentro da perspectiva de uma ética do
desenvolvimento, como conceito de desenvolvimento sustentável, aquele que não
permite a privatização do meio ambiente, prioriza a democratização do controle
sobre o meio ambiente ao definir meio ambiente como “bem de uso comum do
povo” e exige o controle do capital sobre o meio, por intermédio de instrumentos
21
como o Estudo de Impacto Ambiental, e muitos outros, que chama a comunidade a
decidir.
Cumpre ponderar, por fim, que, como bem frisa Milaré (2011, p. 70), “É certo que o
Planeta e a família humana estão sob sérias ameaças. Nesse impasse, a conjugação do Direito
do Ambiente e a da Ética Ambiental poderá aliar-se aos esforços da Ciência para mudar os
rumos da História Contemporânea, desviando-a da finalidade para a esperança”.
1.4.2 Um direito de Terceira Geração
A doutrina moderna classifica os direitos fundamentais como de primeira, segunda e
terceira gerações, conforme sua evolução histórica. Há doutrinadores, no entanto, que adotam
a palavra “dimensão”, em lugar de “geração”. Antes de se adentrar dessa classificação, é
importante conceituar o que sejam direitos humanos, já que os direitos fundamentais com
estes se identificam. Assim, Farias (2005, p. 157) ensina que:
Entendem-se por direitos humanos os direitos da pessoa humana, enquanto
indivíduo e cidadão, que são inalienáveis, imprescritíveis, irrenunciáveis, com
eficácia erga omnes, e que têm origem nos denominados direitos naturais, podendo
identificarem-se como direitos transindividuais, i.e, coletivos e difusos. São
inerentes à pessoa e devem ser respeitados e implementados pelo Estado.
Os direitos de primeira geração associam-se aos denominados direitos e garantias
individuais clássicos, consubstanciados nos direitos políticos e civis, surgindo a partir das
primeiras Constituições, com o nítido objetivo de assegurar a liberdade dos cidadãos. Sob este
aspecto, Farias (2005, p. 165) destaca que:
No centro da construção constitucional ocidental moderna – como proposta pelo
constitucionalismo informador das Revoluções francesa e norte-americana – está a
tábua de direitos do homem e do cidadão, o rol das chamadas liberdades públicas.
Quase todas as constituições do constitucionalismo têm, como a nossa, uma lista de
direitos assegurados aos cidadãos (e muitas vezes, também, a não-cidadãos).
Por conseguinte, os direitos evoluíram para assegurar a igualdade entre os indivíduos,
especialmente do ponto de vista econômico, social e cultural, sendo denominados de direitos
de segunda geração. Nesse sentido, precisa se faz a seguinte lição de Lorenzetti (2010, p. 17):
No século XX expandiram-se as lutas pela igualdade, expressadas pelos movimentos
trabalhistas e ampliadas a vários setores sociais, as doutrinas filosóficas e políticas
baseadas em transformações que conduziram a um mundo mais igualitário. Para
nossos propósitos interessa ressaltar a aparição dos direitos humanos de conteúdo
positivo, cujos legitimados ativos são indivíduos, o bem protegido é uma relação de
22
igualdade com outras pessoas, e a lógica normativa é caracterizada por mandatos
que se traduzem em obrigações de fazer.
No ordenamento jurídico pátrio o princípio da igualdade encontra-se consagrado no
art. 5º, caput, da Lei Maior, quando dispõe que “Todos são iguais perante a lei”, bem como
em seu inciso I, que afirma que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição”. Acerca do aludido princípio, Farias (2005, p. 177) frisa que:
Essa igualdade formal nem sempre corresponde à igualdade real, principalmente em
virtude do modo por que se organizam as sociedades ocidentais, que têm por base o
sistema de livre concorrência. Nestas, as desigualdades de condições materiais
determinam possibilidades diferenciadas para o acesso e fruição dos bens
produzidos. Para alguns, facilidades; para outros, dificuldades ou, até mesmo,
impossibilidade de exercício dos direitos formalmente assegurados.
Surgiram relações, porém, que não se enquadravam em uma perspectiva meramente
individual, para a qual é exemplo a relação de consumo. Assim, com fundamento no princípio
da fraternidade ou da solidariedade, nasceram os direitos de terceira dimensão, identificadores
de uma titularidade coletiva. Lorenzetti (2010, p. 18) bem frisa que “[...] não se fala somente
de conflitos interindividuais, senão entre indivíduos e o coletivo; já não há somente direitos,
senão também deveres”.
Assim, “Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz,
ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da Humanidade” (BONAVIDES
apud MACHADO, 2010, p. 156).
Corroborando as supracitadas afirmações, Farias (2005, p. 181) exprime que:
A nota distintiva destes direitos da terceira dimensão reside basicamente na sua
titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável, o que se revela, a
título de exemplo, especialmente no direito ao meio ambiente e qualidade de vida, o
qual, em que pese ficar preservada sua dimensão individual, reclama novas técnicas
de garantia e proteção. A atribuição da titularidade de direitos fundamentais ao
próprio Estado e à Nação (direitos à autodeterminação, paz e desenvolvimento) tem
suscitado sérias dúvidas no que concerne à própria qualificação de grande parte
destas reivindicações como autênticos direitos fundamentais.
Do exposto, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito
fundamental, esculpido no art. 225 da Carta Política é, por excelência, um direito de terceira
geração.
A história demonstra ao homem que os recursos naturais, ao contrário do que ele
pensava, não são inesgotáveis e mais, que tais recursos necessitam de uma efetiva proteção,
pois são imprescindíveis à própria existência humana. No momento em disso o homem se
conscientizou tratou de elaborar normas que assegurassem esse direito. No entanto, a
23
efetivação dessas normas ainda constitui um grande e importante desafio para garantir a todos
o meio ambiente ecologicamente equilibrado, intrínseco à própria dignidade da pessoa
humana.
24
2. O ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
NATURAL
2.1. A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE NATURAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988
Analisando os textos constitucionais anteriores ao de 1988 pode-se evidenciar a
ausência histórica de preocupação do Estado brasileiro no que concerne à proteção ao meio
ambiente, de forma global e específica, sobretudo, em seu aspecto natural. Nesse sentido,
Antunes (2010, p. 59) pondera que “[...] referências aos recursos ambientais eram feitas de
maneira não sistemática, com pequenas menções aqui e ali, sem que se pudesse falar na
existência de um contexto constitucional de proteção ao meio ambiente”.
A Carta Política de 1988, por sua vez, possuindo abrangente e global proteção
ambiental, é considerada o texto mais avançado do planeta nesse sentido. “Não basta,
entretanto, legislar. É fundamental que todas as pessoas e autoridades responsáveis se lancem
ao trabalho de tirar essas regras do limbo da teoria para a existência efetiva da vida real”
(MILARÉ, 2011, p. 186).
2.1.1 Competência legislativa em matéria ambiental
O princípio da predominância do interesse, segundo o qual incumbe à União as
matérias em que prevaleça o interesse nacional, aos Estados, as de interesse regional, e aos
Municípios, as de interesse local, em regra, norteia a divisão de competências entre os entes
federados.
No que concerne à repartição de competências para legislar acerca de matéria
ambiental, Beltrão (2009, p. 63) ensina que “[...] a Carta de 1988 adota forma hodierna de
divisão de competência em matéria ambiental, correspondente na fixação de temas comuns
aos entes federados, prevendo atuações paralelas, respeitadas, naturalmente, as esferas de cada
um”.
Na dicção do art. 23, incisos VI e VII, da Carta Magna, é competência comum da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios legislar sobre a proteção do meio e
o combate à poluição em qualquer de suas formas, bem como sobre a preservação das
florestas, da fauna e da flora.
25
Por sua vez, o art. 24 do Texto Magno estatui a competência concorrente da União,
Estados e Distrito Federal para legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da
natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da
poluição” (inciso VI), bem como sobre “responsabilidade por dano ao meio ambiente” (inciso
VIII). Ainda nos termos do artigo 24 do texto constitucional, a União deve se limitar a
estabelecer normas gerais (§ 1º), não sendo excluída a competência suplementar dos Estados
(§ 2º).
Outrossim, a inexistência de lei federal sobre normas gerais autoriza aos Estados
legislarem de forma plena, para atender suas peculiaridades (§ 3º), sendo que “A
superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que
lhe for contrário” (§ 4º).
Como se vê, a Constituição Federal não legou expressamente, aos Municípios
competência concorrente. Todavia, Beltrão (2009, p. 66) afirma que “[...] tem-se admitido que
haverá uma competência suplementar caso esteja caracterizado o interesse local”.
2.1.2 A função socioambiental da propriedade e o meio ambiente na ordem econômica
Tanto a propriedade quanto o meio ambiente ecologicamente equilibrado são direitos
fundamentais, conforme disposição constitucional estampada nos arts. 5º, caput, e 225, caput,
respectivamente. Ocorre que tais direitos não podem ser excludentes, devendo coexistir.
Assim é que a propriedade, urbana ou rural, sob pena de desapropriação, deve cumprir sua
função social (art. 5º, XXIII, da CF/88).
Segundo a Constituição Federal, “A propriedade urbana cumpre sua função social
quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”
(art. 182, § 2º) e a propriedade rural, quando atende, dentre outros requisitos, a “utilização
adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente” (art. 186, II). A
função social da propriedade é ainda um princípio norteador da ordem econômica (art. 170,
III) e “[...] não se confunde com os sistemas de limitação da propriedade. Estes dizem respeito
ao exercício do direito ao proprietário; aquela, à estrutura do direito mesmo à propriedade”
(SILVA apud BELTRÃO, 2009, p. 84).
2.1.3 O artigo 225 da Lei Fundamental
O centro da proteção constitucional ao meio ambiente encontra-se no Capítulo VI (Do
meio ambiente) do Título VIII (Da ordem social), consubstanciado no art. 225, onde “[...] está
26
muito bem caracterizada e concretizada a proteção do meio ambiente como um elemento de
interseção entre a ordem econômica e os direitos individuais” (ANTUNES, 2010, p. 64). O
aludido dispositivo assevera que:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público
e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
Acerca da mencionado dispositivo, Milaré (2011, p. 189) comenta que:
Primeiramente, cria-se um direito constitucional fundamental ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Como todo direito fundamental, o direito ao ambiente
ecologicamente equilibrado é indisponível. Ressalte-se que essa indisponibilidade
vem acentuada na Constituição Federal pelo fato de mencionar-se que a preservação
do meio ambiente deve ser feita no interesse não só das presentes, como igualmente
das futuras gerações.
O § 1º do art. 225 do Texto Superior enumera os deveres específicos do Poder Público
para a efetivação da defesa e preservação do meio ambiente, estabelecendo, em seu inciso I,
que incube ao Poder Público “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e
prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas”. Essa norma “[...] com sabedoria,
visa o todo, ou seja, o processo ecológico, expressão bem mais abrangente” (BELTRÃO,
2009, p. 69).
Também a preservação da diversidade e da integridade do patrimônio genético do País
e a fiscalização das entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético são
incumbências do Poder Público, como prescreve o inciso II do dispositivo em comento.
Em atenção aos princípios da prevenção e da precaução, a Carta Maior atribui também
ao Poder Público o dever de exigir o estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará
publicidade, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente (art. 225, § 1º, IV).
Milaré (2011, p. 200) pondera que o objetivo central do Estudo de Impacto Ambiental
é “[...] evitar que um projeto (obra ou atividade), justificável sob o prisma econômico ou em
relação aos interesses imediatos de seu proponente, revele-se posteriormente nefasto ou
catastrófico para o meio ambiente”.
Por sua vez, o inciso V do § 1º do art. 225 da Carta Magna cuidou de conferir ao Poder
Público o dever de “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio
ambiente”.
27
Sobre tal previsão constitucional, Beltrão (2009, p.75) frisa que:
São enormes as incertezas científicas acerca dos efeitos da utilização de substâncias
que apresentam algum grau de toxidade ao ambiente. Por conseguinte, há uma
grande dificuldade pela administração pública de regulamentar o uso de tais
substâncias, visto que não se sabe, ao certo, qual o tipo de informação realmente
necessária, e em que medida, para possibilitar tal normatização.
É do teor do art. 225, § 1º, VII, da Carta Política a incumbência ao Poder Público de
“proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua
função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.
Milaré (2011, p. 208) considera que “[...] é conhecida a estreita ligação entre a fauna e
a flora, expressada nas relações ecossistêmicas, em particular nas relações tróficas ou
alimentares. Não há fauna terrestre sem flora e, de certo modo, não há flora sem fauna”.
O § 2º do art. 225 da Lei Fundamental impõe ao explorador de recursos minerais a
obrigação de recuperar o meio ambiente degradado, conforme solução técnica exigida pelo
órgão público competente, isto é, “[...] não compete ao empreendedor decidir quais técnicas e
procedimentos deverão ser utilizados para implementar o processo de recuperação”
(BELTRÃO, 2009, p. 79).
A Lei Maior ainda previu a responsabilização do causador do dano ambiental nas
esferas administrativa, penal e civil (art. 225, § 3º). No que tange à responsabilidade penal por
dano ao meio ambiente natural, a Lei nº. 9.605/98 classifica-os, em seu Capítulo V, em crimes
contra a fauna (Seção I), crimes contra a flora (Seção II), da poluição e outros crimes
ambientais (Seção III).
A Lei nº. 9.605/98, em seu art. 72, também prevê as sanções administrativas aplicadas
ao causador do ano ambiental, sendo algumas delas a advertência, a multa simples, a multa
diária, apreensão dos animais, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos utilizados
na infração, o embargo, demolição ou suspensão de obra ou atividade.
No que atine à responsabilização civil, Beltrão (2009, p. 80) destaca que:
A responsabilização civil, essencialmente, impõe ao infrator um dever de indenizar
pelo prejuízo a que deu causa. Tradicionalmente, vigora quanto à matéria cível a
teoria da responsabilidade subjetiva, em que o elemento dolo ou culpa é
imprescindível. [...] Contudo, na seara ambiental, vigora a teoria da responsabilidade
civil objetiva, conforme expressamente prevê o art. 14, § 1º, da Lei 6.938/1981.
Nos termos do art. 225, § 4º, da Carta Política, a Floresta Amazônica brasileira, a Mata
Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio
28
nacional e merecem tratamento particular em decorrência das características de seus
ecossistemas. Milaré (2011, p. 216) considera que:
A Constituição, assim, através desse dispositivo, opõe-se à proteção fragmentada
dessas regiões, devendo a problemática ambiental ser cuidada sempre numa
perspectiva da região como um todo, que leve em conta sua realidade (e
fragilidades) numa abrangência global.
Por derradeiro, o art. 225, § 6º, da Lei Maior estabelece que “As usinas que operem
com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão
ser instaladas”.
Com efeito, o Poder Constituinte Originário demonstrou grande preocupação com a
atividade nuclear, sendo que “[...] o conjunto de disposições constitucionais que trata da
utilização da energia nuclear indica que o constituinte buscou fazer com que o assunto nuclear
ficasse diretamente subordinado ao controle do Congresso Nacional e dependente de lei”
(ANTUNES apud MILARÉ, 2011, p. 222).
Do exposto, conclui-se que a Constituição Federal de 1988, ao contrário de suas
precedentes, dedicou importante atenção à proteção e à preservação do meio ambiente. Por
outro lado, importa destacar que o direito esposado no art. 225 é complexo, possuindo imensa
gama de implicações em sua concepção mais profunda. Assim, para a conceituação e
compreensão do conteúdo desse direito, são necessários diversos recursos e conhecimentos
que não são jurídicos, restando configurada a interdisciplinaridade da matéria ambiental.
2.2. A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE NATURAL NA LEGISLAÇÃO
INFRACONSTITUCIONAL
Também a legislação infraconstitucional brasileira é ampla no que concerne à proteção
e à defesa do meio ambiente natural. Além das normas gerais já expostas no Texto Magno, há
leis de proteção específica a cada componente do meio ambiente natural. Assim, as linhas
seguintes pretendem enumerar algumas dessas leis, com o intuito de evidenciar a abrangência
e alcance dessas leis, merecendo todas elas estudos e análises mais profundos.
29
2.2.1 A Política Nacional do Meio Ambiente
A Lei nº. 6.938/81 estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente, tendo como
objetivo “a preservação melhoria e recuperação da qualidade ambiental propicia a vida,
visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da
segurança nacional e a proteção da dignidade da vida humana” (art. 2º). Para tanto, prevê
ainda princípios norteadores dessa política dentre os quais se pode mencionar o planejamento
e a fiscalização do uso dos recursos ambientais, o controle e o zoneamento das atividades
potencial ou efetivamente poluidoras e a proteção e recuperação das áreas degradadas.
Acerca da mencionada Lei, Milaré (2011, p. 405) afirma que:
[...] foi, sem questionamento, um passo pioneiro na vida pública nacional, no que
concerne à dinâmica da realidade ambiental. Esse caráter de vanguarda não se
limitou à esfera do meio ambiente: teve significado também na história da
Administração Pública brasileira.
Por sua vez, o art. 4º da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente estabelece
objetivos específicos de tal política, dentre os quais, pode-se mencionar a “[...]
compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do
meio ambiente e do equilíbrio ecológico” (inciso I) e a “[...] imposição, ao poluidor e ao
predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da
contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos” (inciso VII). Tais
dispositivos preveem, respectivamente, os princípios do desenvolvimento sustentável e do
poluidor-pagador.
Certamente, a maior contribuição da Lei nº. 6.938/81 foi a criação do Sistema
Nacional do Meio Ambiente, conforme seu art. 6º, o qual compreende: o Conselho Superior
do Meio Ambiente – CSMA, como órgão superior, incumbido de assessorar o Presidente da
República na formulação da Política Nacional e nas diretrizes governamentais para o meio
ambiente e os recursos naturais (inciso I); o Conselho Nacional do Meio Ambiente –
CONAMA, encarregado de assessorar, estudar e propor ao CSMA diretrizes políticas
governamentais para o Meio Ambiente e os Recursos Naturais, e deliberar, no âmbito de sua
competência, sobre normas e padrões compatíveis com o Meio Ambiente ecologicamente
equilibrado e essencial a sadia qualidade de vida; o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, com a finalidade de coordenar, executar e fazer
executar, como órgão Federal, a Política Nacional e as diretrizes governamentais fixadas para
o Meio Ambiente, e a preservação, conservação e uso racional, fiscalização, controle e
30
fomento dos recursos ambientais; os órgãos setoriais, assim entendidos os órgãos ou entidades
integrantes da Administração Federal Direta ou Indireta, bem como as Fundações instituídas
pelo Poder Público, cujas atividades estejam associadas às de proteção da qualidade ambiental
ou aquelas que disciplinamento do uso de recursos ambientais; órgãos seccionais, sendo os
órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programa, projetos e pelo
controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental; e os órgãos
locais, sendo os órgãos ou entidades municipais responsáveis pelo controle e fiscalização
dessas atividades, nas suas respectivas áreas de jurisdição.
Como forma de viabilizar a concretização dos objetivos a que se propõe, a Lei nº.
6.938/81 dispõe de importantes instrumentos previstos em seu art. 9º, dentre os quais, os
padrões de qualidade, o zoneamento, a avaliação, o licenciamento ambiental e ainda a criação
de espaços territoriais especialmente protegidos.
Por último, destaque-se que a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, conquanto
seja anterior à Constituição Federal de 1988, já impunha ao causador de dano ambiental a
responsabilização civil objetiva, em seu art. 14, § 1º.
2.2.2 A proteção às florestas e demais formas de vegetação
O art. 225, § 1º, III, da Constituição Federal de 1988 preceitua que cumpre ao Poder
Público, “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes
a serem especialmente protegidos”. Acerca desses espaços, Beltrão (2009, p. 74) assevera
que:
[...] além das unidades de conservação, podem-se apontar como espaços territoriais
especialmente protegidos as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e a Reserva
Legal, criadas pelos arts. 2º, 3º e 16, respectivamente, do Código Florestal (Lei
4.771, de 29.06.1965, com suas alterações subseqüentes), e as Áreas de Proteção
Especial a que alude o art. 13, I, da Lei 6.766, de 19.12.1979 (Lei do Parcelamento
do Solo Urbano). Ainda, observe-se que a Floresta Amazônica brasileira, a Mata
Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira também
são, por expressa previsão constitucional (art. 225, § 4º), espaços territoriais a
gozarem de especial proteção legal.
Indubitavelmente, no ordenamento jurídico brasileiro, as principais normas de defesa e
proteção às florestas e demais formas de vegetação encontram-se disciplinadas na Lei nº.
4.771/65, que institui o Código Florestal brasileiro. Sem se descurar da função socioambiental
da sociedade, essa Lei foi recepcionada pela Constituição Federal como a norma geral no que
atine à proteção florestal.
31
Certamente, as mais relevantes contribuições do Código Florestal de 1965 atinem às
previsões e definições das denominadas Áreas de Preservação Permanente – APPs e Reserva
Legal Florestal – RLF, assim definidas em seu art. 1º, § 2º:
II - Área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2o e 3o
desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar
os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo
gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações
humanas.
III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural,
excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos
naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da
biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas.
Também a Lei nº. 9.985/2000, regulamentada pelo Decreto nº. 4.340/2002, institui o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, sendo que o art. 2º, I,
assim define a unidade de conservação:
[...] espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais,
com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público,
com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de
administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.
Consoante o art. 7º dessa Lei, as unidades de conservação integrantes do SNUC
dividem-se em dois grupos, a saber: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso
Sustentável.
Elevada constitucionalmente à categoria de patrimônio nacional, a Mata Atlântica
também goza de proteção especial, nos termos da Lei nº. 11.428/2006. Sobre esse diploma
legal, Beltrão (2009, p. 259) ensina que:
Considerando que a maior parte da população brasileira vive atualmente em
milhares de cidades localizadas em áreas que foram Mata Atlântica, a lei não
pretende, por óbvio, que a Mata Atlântica seja replantada em toda a sua área
original, razão pela qual disciplina apenas os remanescentes de vegetação, ou seja,
as áreas em que ainda há algum resquício da flora original.
Por derradeiro, a Lei nº. 11.284/2006, inseriu no sistema jurídico pátrio disciplina
sobre a gestão de florestas públicas, instituiu o Serviço Florestal Brasileiro - SFB, na estrutura
do Ministério do Meio Ambiente, e criou o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal -
FNDF. Nas palavras dessa lei florestas públicas são “[...] florestas, naturais ou plantadas,
localizadas nos diversos biomas brasileiros, em bens sob o domínio da União, dos Estados,
dos Municípios, do Distrito Federal ou das entidades da administração indireta” (art. 3º, I).
32
Não se pode negar que a concessão florestal, definida no art. 3º, VII, da Lei de Gestão
de Florestas Públicas (Lei nº 11.284/2006), como a “[...] delegação onerosa, feita pelo poder
concedente, do direito de praticar manejo florestal sustentável para exploração de produtos e
serviços numa unidade de manejo, mediante licitação, à pessoa jurídica, em consórcio ou
não”, constitui-se num dos principais instrumentos desse estatuto legal.
Milaré (2011, p. 1010) salienta que “[...] mais do que tratar da exploração de florestas,
a referida Lei introduziu uma expressiva mudança na gestão do patrimônio florestal
brasileiro”.
2.2.3 Outras leis de proteção ambiental
Atento à importância da prevenção em matéria ambiental e ainda ao fato de que a
educação é um importante instrumento na busca da concretização desse princípio, o legislador
editou a Lei nº. 9.795/99 que dispõe sobre a Política Nacional da Educação Ambiental, em
cujos termos “A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação
nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do
processo educativo, em caráter formal e não-formal” (art. 2º).
A Constituição Federal preceitua que pertencem à União “os lagos, rios e quaisquer
correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de
limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem
como os terrenos marginais e as praias fluviais” (art. 20, III). Aos Estados restam as águas
superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito e as ilhas fluviais e lacustres
não pertencentes à União (art. 26, I e III). Inexistem, pois, águas de domínio municipal.
A Lei nº. 9.433/97 regulamentou o art. 21, XIX, da Carta Política, ao instituir a
Política Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos. Beltrão (2009, p. 273) frisa que “Este diploma legal busca reunir em um único
sistema órgãos federais, estaduais e municipais, no intuito de fomentar a utilização racional
dos recursos hídricos e assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de
água”.
O art. 2º da Lei nº. 9.433 estabelece os objetivos da Política Nacional de Recursos
Hídricos, dentre eles, “a utilização racional e integrada dos recursos hídricos” (inciso II) e a
prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do
uso inadequado dos recursos naturais” (inciso III). Por sua vez, o art. 11 do mesmo estatuto
legal preceitua que “O regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como
33
objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício
dos direitos de acesso à água”.
Conforme previsão constitucional (art. 20, IX) os recursos minerais são de domínio da
União. O Código de Minas, instituído pelo Decreto-lei nº. 1.985/1940 (com nova redação da
pelo Decreto-lei 227/1967), no entanto, estabelece que a exploração desses recursos não é
exclusiva da União, podendo ser feita por particulares, pessoas físicas ou jurídicas, mediante
concessão, autorização, licenciamento ou permissão de lavra garimpeira (art. 2º). Já a
pesquisa e a lavra desses recursos, se localizados em terras indígenas, dependem de
autorização do Congresso Nacional (art. 231, § 3º).
Mazzilli (2003, p. 136) assevera que:
“No que diz respeito à degradação dos ecossistemas, do patrimônio e dos recursos
naturais da zona costeira, a lei infraconstitucional estabelece uma regra especial:
exige que o Ministério Público comunique ao Conselho Nacional do Meio Ambiente
(Consema) o teor das sentenças condenatórias e dos acordos judiciais que
disponham a respeito”.
A Lei nº. 6.938/81 conceitua a poluição como a degradação da qualidade ambiental
resultante de atividades que direta ou indiretamente, por exemplo, prejudiquem a saúde, a
segurança e o bem-estar da população. Pode-se falar em diversos tipos de poluição, como a
poluição da água, da atmosfera, sonora, por resíduos sólidos ou radioativos e por agrotóxicos.
Para todas essas espécies, a legislação infraconstitucional estabelece limites e reprimendas,
com o fito de proteger o meio ambiente natural.
A Lei nº. 8.723/1993, por exemplo, dispõe sobre a redução de emissão de poluentes
por veículos automotores, impondo aos fabricantes de motores e veículos automotores e aos
fabricantes de combustíveis a redução nos níveis de emissão dos diversos compostos
poluentes daí derivados.
Assim, é vasta e abrangente a legislação brasileira que se ocupa da proteção ao meio
ambiente, especialmente após o advento da Carta Política de 1988. Os componentes
ambientais não são protegidos em si mesmos, uma vez que não são titulares de direitos
subjetivos; “[...] na verdade, são protegidos, sim, em razão de valores éticos que informam o
convívio humano” (MAZZILLI, 2003, p. 137).
34
3. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL
3.1. BREVE HISTÓRICO DA AÇÃO CIVL PÚBLICA
A Lei Complementar Federal 40/1981 foi o primeiro diploma legal a se referir,
expressamente, à ação civil pública quando, ao estabelecer as normas gerais para a
organização do Ministério Público, incluiu entre suas funções institucionais a promoção da
ação civil pública (MILARÉ, 2011, p. 1.403).
Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco, Kazuo Watanabe e Waldemar
Mariz de Oliveira Júnior, professores na Universidade de São Paulo (USP), foram os
responsáveis pela elaboração do anteprojeto pioneiro para a defesa de interesses
transindividuais em juízo. Apresentado como tese no I Congresso Nacional de Direito
Processual (Porto Alegre – RS, 1983), o relator da tese José Carlos Barbosa Moreira sugeriu,
além de modificações formais, a previsão do controle da medida liminar, nas ações civis
inibitórias, nos moldes previstos para o mandado de segurança (MAZZILLI, 2003, p. 106).
Por conseguinte, os integrantes do Ministério Público do Estado de São Paulo Antônio
Augusto Mello de Camargo Ferraz, Édis Milaré e Nelson Nery Júnior, retomaram ao debate
do anteprojeto, modificando-o e incluindo novas sugestões. Esse novo anteprojeto foi
apresentado ao governo federal, o qual, como projeto do Executivo, foi encaminhado ao
Congresso Nacional, recebendo, após, a sanção presidencial e transformando-se na Lei nº.
7.347, de 24 de julho de 1985, conhecida como Lei da Ação Civil Pública (MAZZILLI, 2003,
P. 106-107).
Em 1988, a Ação Civil Pública ganhou previsão constitucional (art. 129, III, § 1º)
como função institucional do Parquet, não obstando a legitimação de terceiros, conforme
disciplinado na lei.
No período pós-constituinte, várias outras leis trataram sobre a Ação Civil Pública
como a Lei 7.913/89 (dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de necessidades especiais), a
Lei 8.069/90 (que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente), a Lei 8.078/90 (que
instituiu o Código de Defesa do Consumidor) e a Lei 8.884/94 (que prevê seu manejo para a
composição dos danos morais perpetrados contra os direitos e interesses comunitários).
35
3.2. OS INSTRUMENTOS EXTRAJUDICIAIS DE DEFESA AO MEIO AMBIENTE
A Lei nº. 7.347/85 “Disciplina a Ação Civil Pública de Responsabilidade Por Danos
Causados ao Meio Ambiente, ao Consumidor, a Bens e Direitos de Valor Artístico, Estético,
Histórico, Turístico e Paisagístico (Vetado) e dá outras Providências” (ementa da LACP). No
entanto, no bojo da aludida Lei encontram-se também dois instrumentos extrajudiciais
utilizados na defesa dos direitos transindividuais, quais sejam o inquérito civil público e o
ajustamento de conduta.
3.2.1 O inquérito civil público
Dentre as funções institucionais do Ministério Público, o Texto Constitucional
estabeleceu a promoção do inquérito civil. Esse se constitui em uma investigação
administrativa e se destina, basicamente, a colher elementos de convicção para o ajuizamento
de eventual ação civil pública, a cargo do Ministério Público. Subsidiariamente, presta-se ao
preparo de compromissos de ajustamentos de conduta, realização de audiências públicas,
expedição de recomendações, servindo ainda como fonte de elementos necessários ao
exercício de quaisquer autuações do órgão ministerial (MAZZILLI, 2003, p. 370).
Criado pela Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), e de instauração e presidência
exclusiva do Ministério Público, o inquérito civil público possui natureza inquisitorial, pois,
como bem destaca Milaré (2011, p. 1356-1357) “[...] não está submetido ao princípio da
ampla defesa (com o contraditório), conforme exigência do art. 5º, LV, da CF, porque não se
trata de processo administrativo destinado a aplicação de pena ou sanção”.
A instauração do inquérito civil público (art, 8º, § 1º, da LACP) é uma faculdade do
representante ministerial, não sendo condição de procedibilidade para o ajuizamento das
ações que lhes incumbe. Outra característica desse procedimento e que ele se submete ao
princípio da publicidade, “[...] salvo se: a) o Ministério Público teve acesso a informações
sigilosas que passaram a integrar os autos; b) da publicidade puder resultar prejuízo à
investigação ou ao interesse da sociedade, ou ainda ao interesse do Estado” (MAZZILLI,
2003, p. 731).
No que tange às fases do inquérito civil, Mazzilli (2003, p. 373) afirma que são elas:
[...] a) instauração (portaria ou despacho em requerimento ou representação); b)
instrução (coleta de provas: oitiva do investigado, de lesados, de testemunhas,
juntada de documentos, vistorias, exames e perícias); c) conclusão (relatório final,
com promoção de arquivamento, ou, em caso contrário, a própria propositura da
ação, embasada no inquérito civil).
36
Quanto aos modos de instauração, Milaré (2011, p. 1361) enumera os seguintes:
“[...] (i) de ofício; (ii) por requerimento ou representação de qualquer pessoa; (iii)
mediante comunicação de outro órgão do Ministério Público, da autoridade
judiciária, policial ou qualquer outra; (iv) por determinação do Órgão da
Administração Superior do Ministério Público”.
O inquérito civil público se finda com a propositura da ação civil pública nele baseada
ou com o seu arquivamento, quando o Parquet se convença da inexistência de fundamento
para a propositura de tal demanda (art. 9º, caput, da LACP). Nesse último caso, em virtude do
princípio da obrigatoriedade norteador de toda ação do Ministério Público, o Conselho
Superior do Ministério Público apreciará os motivos pelos quais o representante ministerial
entende pelo arquivamento, “[...] até porque, uma vez homologado, o acordo receberá a
imutabilidade da coisa julgada”, podendo, caso julgue preciso, requisitar de quaisquer órgãos
novas diligências cabíveis no caso (MANCUSO, 2009, p. 258). Caso não homologue a
promoção de arquivamento, o Conselho Superior designará outro órgão do Ministério Público
para o ajuizamento da ação (art. 9º, § 4º, da LACP).
Nos termos do art. 12, caput, da Resolução 23/2007 do Conselho Nacional do
Ministério Público que “o desarquivamento do inquérito civil, diante de novas provas ou para
investigar fato novo relevante, poderá ocorrer no prazo máximo de seis meses após o
arquivamento”.
Para instruir o inquérito civil, o Ministério Público poderá se utilizar de seu poder
requisitório (art. 129, VI, da CF/88). Constitui crime, punido com reclusão e multa, a recusa, a
recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação
civil, quando requisitados pelo Ministério Público (art. 10 da LACP).
Por fim, ressalte-se que qualquer incompatibilidade com a lisa condução das
investigações, tal que o impedimento e a suspeição, deve ser declarada pelo órgão ministerial.
Não o sendo, poderá o terceiro interessado fazê-lo.
3.2.2 O compromisso de ajustamento de conduta
O art. 5º, § 6º, da Lei nº. 7.347/85 preceitua que “Os órgãos públicos legitimados
poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências
legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”. Carvalho
Filho (2005, p. 210), comentando esse dispositivo, assevera que:
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[...] têm permissão para tomar o compromisso de ajustamento de conduta a União,
os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, as autarquias e fundações de direito
público, e o Ministério Público. Não a terão, todavia, as empresas públicas, as
sociedades de economia mista e as fundações públicas de direito privado (porque,
embora Administração Pública, são dotadas de personalidade de direito privado),
bem como as associações que preencham os requisitos do art. 5º, I e II.
O compromisso de ajustamento de conduta submete-se a quatro requisitos. O primeiro
deles é de natureza subjetiva, relacionando-se às pessoas que participam do ato. O segundo,
refere-se ao conteúdo do compromisso. O requisito formal exige que o ato seja escrito e
formalizado, por instrumento público ou particular. Por fim, o requisito temporal atine à
necessidade de estabelecimento de prazo para o cumprimento da obrigação de fazer ou não
fazer pactuada no ato.
Sendo tomado por termo, o compromisso de ajustamento de conduta é conhecido no
meio jurídico por Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), possuindo, nas palavras de
Mazzilli (2003, p. 341) as seguintes características:
[...] a) é tomado por termo por um dos órgãos públicos legitimados à ação civil
pública; b) nele não há concessões de direito material por parte do órgão público
legitimado, mas sim por meio dele o causador do dano assume obrigação de fazer ou
não fazer, sob cominações pactuadas; c) dispensa testemunhas instrumentárias; d)
dispensa a participação de advogados; e) gera titulo executivo extrajudicial; f) não é
colhido nem homologado em juízo.
Beltrão (2009, p. 382) assegura que “O TAC também pode ser firmado durante o
curso da ação civil pública e não pode ensejar, naturalmente, descumprimento expresso ou
implícito de obrigações legais, sob pena de nulidade”. Assim, o compromisso de ajustamento
de conduta pode ser tomado tanto extrajudicial como judicialmente.
Por derradeiro, é preciso frisar que “[...] a existência do compromisso de ajustamento
de conduta não impede a propositura da demanda por qualquer outro dos legitimados que não
tenha participado da sua celebração” (DANTAS, 2009, p. 316).
3.3. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA NA LEI NA LEI Nº. 7.347/85 – GENERALIDADES
Conquanto a Lei 7.347/85 disponha sobre os já instrumentos extrajudiciais de defesa
dos direitos e interesses transindividuais, a intenção primordial do legislador ao elaborá-la foi
disciplinar a ação civil pública, importante instrumento de defesa desses direitos e interesses
em juízo. Assim, as linhas seguintes se ocupam da análise dos principais aspectos dessa
modalidade de ação.
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3.3.1 Fundamento constitucional
O art. 129, III, da Constituição Federal diz ser função institucional do Ministério
Público “promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.
Acresça-se que o art. 5º da Lei nº. 7.347/85 traz outros entes colegitimados à propositura de
tal ação, como se verá adiante.
No que tange à distinção entre a ação civil e a penal públicas, algumas diferenças
podem ser pontuadas. Assim, Mazzilli (2003, p. 65) afirma que “[...] ação civil pública é a
ação de objeto não penal proposta pelo Ministério Público”. Outra distinção importante é que
a competência do Ministério Público para a ação penal pública é privativa (art. 129, I, da
CF/88), enquanto que para a ação civil pública é concorrente (art. 129, §1, da CF/88, art. 5º,
da LACP e art. 82 do CDC).
3.3.2 Ação civil pública, ação coletiva, ação popular e mandado de segurança coletivo
A Constituição Federal de 1988 conferiu ampla proteção material ao meio ambiente.
Tal amplitude seria, no entanto, inócua se os meios de realizá-las fossem limitados. Atento a
tal advertência, o constituinte originário também estampou ao longo do Texto Magno vias
para concretizar as normas materiais ambientais. Destacam-se, nesse sentido, o mandado de
segurança coletivo (art. 5º, LXX), a ação popular (art. 5º, LXXIII) e a ação civil pública (art.
129, III).
Primeiramente, é importante tecer comentários quanto às diferenças entre a ação civil
pública e ação coletiva. Sobre o assunto Mazzilli (2003, p. 66) esclarece:
Se ela estiver sendo movido pelo Ministério Público, o mais correto, sob o enfoque
puramente doutrinário, será chamá-la de ação civil pública. Mas se tiver sido
proposta por associações civis, mas correto será denominá-la de ação coletiva. Sob o
enfoque puramente legal, será ação civil pública qualquer ação movida com base na
Lei nº. 7.347/85, para a defesa de interesses transindividuais, ainda que seu autor
seja uma associação civil, um ente estatal ou o próprio Ministério Público, entre
outros legitimados; será ação coletiva qualquer ação fundada nos arts. 81 e s. do
CDC, que verse a defesa de interesses transindividuais.
Embora haja semelhanças entre as ações acima referidas, como a possibilidade de
manejo de quaisquer delas para a defesa do meio ambiente, essas não se confundem. Cite-se,
por exemplo, que no que tange à legitimidade ativa desta, na ação popular é titular o cidadão,
enquanto na ação civil pública há vários colegitimados ativos, como o Ministério Público, as
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pessoas jurídicas de direito público interno, as entidades da administração indireta, etc. No
que diz respeito ao mandado de segurança, legitimado é partido político com representação no
Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus
membros ou associados (MAZZILLI; 2003, p. 132-133).
3.3.3 Natureza jurídica
Tradicionalmente, o direito de ação é conceituado como um direito subjetivo de
provocar o Poder Judiciário na defesa de direitos próprios. Sob esse aspecto, Milaré (2011, p.
1409) frisa que “A ação civil pública rompe com esse princípio tradicional, tendo natureza
especialíssima: não é direito subjetivo, mas direito atribuído a entes públicos e privados para a
tutela de interesses não individuais stricto sensu”.
3.3.4 Direitos e interesses transindividuais
O parágrafo único do art. 81 da Lei nº. 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor
(CDC) preceitua que:
Parágrafo único – A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os
transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os
transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe
de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes
de origem comum.
Comentando o mencionado dispositivo, Mazzilli (2003, p. 46) pontua que:
Há, pois, interesses que envolvem uma categoria determinável de pessoas (como os
interesses individuais homogêneos e os interesses coletivos); outros são
compartilhados por grupo indeterminável de indivíduos ou por grupo cujos
integrantes são de difícil ou praticamente impossível determinação (como os
interesses difusos).
Ainda na concepção de Mazzilli (2003, p. 46), essas categorias de interesses
constituem os chamados interesses transindividuais ou metaindividuais, pois “São interesses
que excedem o âmbito estritamente individual, mas não chegam propriamente a constituir
interesse público”.
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O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, da CF/88),
como se depreende de atenta leitura do art. 81, parágrafo único do CDC, é direito difuso, uma
vez indivisível, de titularidade de pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.
3.4. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA E A DEFESA AO MEIO AMBIENTE
A preocupação com a proteção ambiental foi tamanha que, conquanto a expressão
“interesses difusos” encontrada no art. 129, III, da Carta Magna de 1988, per si, já fosse
suficiente para abarcá-la, o dispositivo preferiu anotar, textualmente, a expressão “meio
ambiente”. Também o art. 5º, III, da LACP, inclui, expressamente, o meio ambiente entre as
funções institucionais de alguns entes, como requisito para a legitimação à propositura da
ação civil pública ambiental.
3.4.1 Objeto da ação
Nas palavras de Milaré (2011, p. 1416), “Objeto da ação vem a ser o pedido de
providência jurisdicional que se formula para a proteção de determinado bem da vida”. Por
sua vez, o art. 3º da LACP estatui que “A ação civil poderá ter por objeto a condenação em
dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”. Nesse sentido, Mazzili (2003,
p. 119) ressalta que:
[...] pelo mesmo dano, não se há de condenar o réu à sua integral reparação e
também à sua indenização pecuniária; nada impede, entretanto, que se condene o réu
a pagar uma indenização pelos danos até então já causados, e, ao mesmo tempo, a
cumprir uma obrigação de fazer, como pôr um filtro numa chaminé de fábrica, para
prevenir danos futuros.
Também o art. 83 do CDC disciplina que “Para a defesa dos direitos e interesses
protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar
sua adequada e efetiva tutela”.
Ante o exposto, percebe-se, mais uma vez, quão ampla é a proteção ao meio ambiente
consignada legislação pátria.
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3.4.2 Legitimação ativa
O art. 5º da Lei 7.347/85 prevê o rol dos legitimados ativos à propositura da ação civil
pública, sendo eles o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia
mista, e ainda a associação que, concomitantemente, esteja constituída há pelo menos 1 (um)
ano e inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao
consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico. Também o art. 82 do CDC contém preceito semelhante.
A legitimação ativa, como se viu, é concorrente, sendo também disjuntiva “[...] isto é,
havendo lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio ambiental, todos os entes ali apontados,
sozinhos ou em litisconsórcio, estão legitimados a ingressar com a competente ação
preventiva, repressiva ou reparatória” (DANTAS, 2009, 62)
Para o Ministério Público a ação civil pública é obrigatória e indisponível, uma vez
que se tratar de dever institucional imposto constitucionalmente. Ainda no que tange ao
Ministério Público, Milaré (2011, p. 1419) salienta que este:
[...] teve reservada, pela Lei 7.347/85, posição de relevo na condução da ação civil
pública: é o único autorizado a promover o inquérito civil, com poderes de
notificação e requisição; está sempre presente, quer como sujeito ativo da ação, quer
como fiscal da lei, ou, ainda, como assistente litisconsorcial, com ampla autonomia
em relação à parte principal. E mais: como advogado da sociedade, é o órgão
destinado por lei para receber representações de outras pessoas, de outras entidades
não legitimadas e, em especial, igualmente de pessoas físicas. A ele serão remetidas
peças que os juízes e Tribunais, no exercício de suas funções, entenderem
reveladoras de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil pública. Não fica
vinculado aos objetivos de ninguém, podendo recusar e arquivar, mediante controles
internos da própria instituição, as representações que lhe forem encaminhadas, assim
como se opor à ação proposta por terceiros. Em caso de abandono ou desistência da
ação por qualquer legitimado, pode assumir a titularidade, e nela prosseguir, a fim
de que não fique relegada à própria sorte. Da mesma forma, encerrada a fase do
conhecimento e decorridos 60 dias do trânsito em julgado da sentença condenatória,
sem que a entidade autora tenha pedido a execução, deverá fazê-lo o Ministério
Público, facultada igual iniciativa aos demais co-legitimados.
Nota-se que na defesa do meio ambiente natural e, consequentemente, na
concretização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o Ministério Público,
sem demérito dos demais colegitimados, tem papel imprescindível, especialmente porque é a
ele que o cidadão deverá comunicar os danos ambientais, efetivos ou potenciais, de que tenha
conhecimento, quando não prefira fazê-lo via ação popular.
42
3.4.3. Legitimação Passiva
Nem a LACP nem o CDC trataram expressamente da legitimação passiva na ação civil
pública. No entanto, especificamente no que atine à matéria ambiental, predomina o
entendimento de que o sujeito passivo da ação civil pública é o poluidor, definido, pelo art. 3º,
IV, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente como “a pessoa física ou jurídica, de
direito publico ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de
degradação ambiental”, considerando-se, ainda, que, a legitimação passiva “[...] estende-se a
todos os responsáveis pelas situações ou fatos ensejadores da ação, sejam pessoas físicas ou
jurídicas, inclusive as estatais, autárquicas ou paraestatais” (MEIRELLES apud DANTAS,
2009, p. 102).
Ressalta-se que, diferentemente do direito comum, a responsabilidade civil do infrator,
seja ele pessoa física ou jurídica, em regra é objetiva, ou seja, prescinde-se da perquirição de
culpa para que sejam responsabilizados, bastando apenas a existência de nexo de causalidade
entre sua conduta e o resultado danoso (art. 225, § 3º da CF/88 e art. 14, § 1º da Lei nº.
6.938/81). Excepcionalmente, a responsabilidade do Estado será subjetiva, quando o dano
decorra de sua omissão.
3.4.4. Litisconsórcio, assistência e intervenção de terceiros
Dispõe o art. 5º, § 2º, da LACP que “Fica facultado ao Poder Público e a outras
associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer
das partes”. Milaré (2011, p. 1426) enfatiza que:
Cuida-se, no caso, de litisconsórcio facultativo e unitário, já que nenhuma das partes
pode recusar a presença de outra no mesmo polo processual, por terem a mesma
causa de pedir e o mesmo pedido, e igualmente porque a sentença de mérito
abrangerá todos os litisconsortes não sendo lícito ao juiz decidir a lide de forma
diferente para eles.
A expressão “qualquer das partes” inscrita no dispositivo acima citado permite
concluir que tanto é possível o litisconsórcio ativo quanto o passivo. É com relação a esse
último caso que Mancuso (2009, p. 240) fornece o seguinte exemplo:
Figure-se o caso das queimadas, que todo ano devastam áreas florestais ou de
cerrado: são legitimados passivos os causadores diretos, que atearam o fogo, e os
particulares que se omitiram culposamente (v.g., os fazendeiros que deixaram de
fazer os aceiros); mas, igualmente, responde a autoridade pública competente, se
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constatada sua incúria ou oferta insuficiente de meios para debelar o incêndio,
apesar de alertada por previsões meteorológicas de órgãos nacionais e
internacionais, mormente em se considerando constituir fato notório a incidência
de incêndios em certas regiões do País, em dadas estações do ano.
O art. 5º da LACP não se referiu expressamente à possibilidade de assistência na ação
civil pública. Todavia, como nosso ordenamento jurídico inadmite a formação superveniente
de litisconsórcio facultativo unitário, os colegitimados à ação civil pública que quiserem
participar do processo intentado por outro deverão fazê-lo com assistentes litisconsorciais. Ao
particular é vedada a participação como assistente simples, pois não será prejudicado
pessoalmente em seu direito, ou mesmo litisconsorcial, uma vez que não sendo colegitimado
não poderia participar de um litisconsórcio facultativo unitário. (MILARÉ, 2011, p. 1429)
Quanto à possibilidade de intervenção de terceiros, em se tratando de responsabilidade
objetiva, “[...] não se admitirá a denunciação da lide para discutir culpa de terceiro nos autos
da ação civil pública ou coletiva, porque a lide secundária (fundada na culpa) não interessará
à solução da lide principal” (MAZZILLI, 2003, p. 301), assim como deve a mesma ser evitada
“[...] sempre que a ação civil pública ou a ação coletiva se fundarem em responsabilidade
objetiva (v.g, as ações ambientais ou em defesa do consumidor) para não introduzir
fundamento novo na demanda (discussão de culpa)” (MAZZILLI, 2003, p. 309).
No que concerne ao chamamento ao processo, Milaré (2003, p. 309) esclarece que:
Na ação civil pública ou coletiva, cabe em tese o chamamento ao processo dos
codevedores solidários. Não caberá, porém, se o caso envolver responsabilidade
objetiva, ou quando, em concreto, seja problemática a identificação dos
corresponsáveis diante de seu elevado ou indeterminado número (como na poluição
ambiental numa capital), pois isso tornaria inviável a utilização do instituto,
impedindo o prosseguimento do feito e a prestação jurisdicional.
Por derradeiro, quanto à hipótese de o cidadão (isolado ou em grupo) poder ingressar
na causa, como litisconsorte ou assistente, Mancuso (2009, p. 244) considera que “Podendo,
pois, ser réu, cremos não haver impedimento lógico ou legal para se admitir que ele possa ser
corréu, litisconsorte ou assistente do réu originário, e, bem assim, nomeado à autoria,
chamado ao processo, denunciado à lide”.
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3.4.5 Interesse Processual
O interesse processual do Ministério Público justifica-se por ser ele instituição voltada
à defesa judicial dos interesses indisponíveis da sociedade. Quanto aos demais legitimados,
deve ser demonstrado em cada caso seu interesse para agir.
O interesse de agir das associações tem clara vinculação com seus objetivos
estatutários. Quanto aos órgãos públicos, vislumbra um interesse de agir institucional, ou seja,
decore de sua vocação institucional do legitimado potencial (MILARÉ, 2011, p. 1.431).
3.4.6 Foro competente
A conjugação das disposições do art. 2º da LACP e do art. 93, I, do CDC é suficiente
para afirmar que a ação civil pública ambiental deve ser ajuizada no lugar onde ocorreu ou
deva ocorrer o dano ambiental. Trata-se de competência material e, portanto, absoluta. Será
competente a Justiça Federal quando em voga estiverem bens e serviços de interesse da
União, conforme regra do art. 109, I, da CF/88).
3.4.7 Ônus da prova e rito processual
Muito se discute na doutrina sobre o ônus da prova em direito ambiental. Contra esse
milita, por exemplo, o argumento de que a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º do
CDC refere-se às relação entre consumidor e fornecedor, “[...] não se podendo estender um
elemento da relação jurídica material de consumo a todas as outras demandas coletivas, em
que se discutem outros direitos substanciais” (MILARÉ, 2011, p. 1441). De outra banda, em
favor dessa inversão, argumenta-se, por exemplo, o princípio da precaução, segundo o qual a
ausência de certeza absoluta não deve ser empecilho à adoção de medidas para evitar a
degradação ambiental.
Em caso de omissão do Poder Público, no entanto, Vitta (2008, p. 90), destaca que
“[...] ocorre a inversão do ônus probatório: compete ao Poder Público provar ter atuado nos
padrões admitidos no Direito”.
Quanto ao rito, à míngua de disciplina própria, a ação civil pública segue as
costumeiras regras esculpidas no Código de Processo Civil, obedecendo a petição inicial aos
requisitos tanto do rito ordinário (art. 282) quanto do sumário (art. 275).
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Por fim, destaque-se que por força do Enunciado 33 do Fórum Permanente de Juízes
Coordenadores dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil (JECC-BR), as ações
coletivas são inadmissíveis nos Juizados Especiais.
3.4.8 Desistência ou abandono da ação e efeito da revelia
Disciplina o art. 5º, § 3º, da LACP que “Em caso de desistência infundada ou
abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado
assumirá a titularidade ativa”.
A desistência “[...] é a revogação do requerimento de prestação da tutela jurisdicional
feito de modo privativo pelo autor depois de ajuizada a ação” (NERY JÚNIOR apud
MILARÉ, 2011, p. 1445). O abandono, por sua vez, dá-se pela negligência da parte em
promover atos que lhe compete, nas hipóteses dos incisos II e III do art. 267 do CPC.
Sobre a obrigatoriedade do Ministério Público na assunção da titularidade da ação
civil pública, em caso de desistência ou abandono da ação, Milaré (2011, p. 1446) considera
que “Por coerência e lógica, entendemos que o mesmo princípio a ser observado no
ajuizamento (obrigatoriedade mitigada) deve imperar no prosseguimento da demanda”. No
que tange à desistência por parte do Ministério Público ou recusa deste em assumir a ação
abandonada ou objeto de desistência por parte de um colegitimado, Milaré (2003, p. 1447)
também salienta que tem-se entendido, “[...] por analogia ao sistema de controle da não
propositura da ação, ser exigível do órgão ministerial colher a ratificação do Conselho
Superior, que designará, caso discorde dos posicionamentos adotados, outro Promotor para
oficiar no feito”.
É sabido que a relação jurídico-processual somente se completa com a citação válida
do demandado. Em regra, o réu devidamente citado, não contestando, terá para si o encargo
de que os fatos alegados pelo requerente sejam considerados verdadeiros (art. 319 do CPC).
Exceção a essa regra ocorre quando, in casu, encontrem-se direitos indisponíveis (art. 320, II,
do CPC). A matéria ambiental configura, de fato, direito indisponível, o que poderia induzir à
errônea conclusão de que a ela não se aplicariam os efeitos da revelia, estando
impossibilitado, assim, os efeitos da revelia. No entanto, como a ação civil pública versa
sobre direito disponível do demandado (ação de natureza disponível, com reflexos
patrimoniais), “[...] forçosamente há que se concluir pela possibilidade de aplicação dos
efeitos da revelia, o que permite que o juiz conheça diretamente do mérito, julgando
antecipadamente a lide”. (MILARÉ, 2011, p. 1448)
46
3.4.9 Transação
Nada impede a transação judicial, tendo por objeto matéria afeta ao meio ambiente,
extinguindo o processo com resolução do mérito (art. 269, III, do CPC). Tal possibilidade
poderia suscitar algumas discussões, especialmente, porque a ação civil pública ambiental tem
por objeto bem indisponível.
Na verdade, não se trata exatamente de uma transação, pois, no compromisso de
ajustamento de conduta não há concessão alguma por parte do ente público legitimado, mas
submissão do responsável pela lesão ao cumprimento de preceitos protetivos (MANCUSO,
2009, p. 264).
3.4.10 Tutelas de urgência
São admissíveis na ação civil pública ambiental as tutelas de urgência, concretizadas
nas medidas cautelares e na tutela antecipada (art. 12 da LACP). No entanto, Dantas (2009, p.
173) afirma que “[...] o provimento liminar de urgência será sempre uma antecipação da tutela
pretendida (acautelatória ou satisfativa), mas que nem toda antecipação de tutela será liminar,
isto é, conferida initio litis”.
Pelo princípio da fungibilidade, uma ação cautelar com nítida feição satisfativa,
quando haja flagrante equívoco, não deve ser extinta, sem resolução de mérito, por ausência
de interesse processual. Esse princípio, aplicado no processo civil comum, também encontra
guarida na ação civil pública ambiental, pois, como bem pondera Dantas (2009, p. 181), “[...]
o interesse litigioso é o meio ambiente ecologicamente equilibrado, princípio fundamental dos
mais relevantes, um desdobramento do próprio direito à vida”.
Por fim, anote-se que é perfeitamente possível a concessão ex officio da tutela
acautelatória em virtude do chamado poder geral de cautela que permite ao juiz a conceder
medidas assecuratórias independentemente de pedido liminar (art. 797 do CPC). Porém,
quando se trate de antecipação do próprio direito material, a lei exige requerimento expresso
do autor (art. 273 do CPC).
3.4.11 Multas
Como verdadeira exceção ao princípio da adstrição do juiz ao pedido da parte, prevê a
LACP, a possibilidade de o juiz, na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de
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fazer ou não, determinar a execução específica ou multa diária, independentemente de
requerimento do autor, em caso de descumprimento da prestação da atividade devida ou a
cessação da atividade nociva.
3.4.12 Sentença e coisa julgada
Mancuso (2009, p. 273) exprime que “Da leitura conjunta dos arts. 11 e 13 da Lei
7.347/85 se extrai a conclusão de que a sentença na ação civil pública tem, precipuamente,
natureza cominatória (= facere, non facere)”. Prevalece também para a ação civil pública
ambiental, as mesmas regras, tais como o princípio da adstrição do juiz ao pedido ao
sentenciar (salvo, como já posto, quanto à possibilidade de fixação de multa diária, ex offício,
em caso de descumprimento da obrigação imposta).
Quanto à coisa julgada na ação civil pública ambiental, Milaré (2011, p. 1463)
assegura que, diferentemente do processo civil tradicional, onde a sentença faz coisa julgada
entre as partes, tal expediente “[...] não se ajusta e não satisfaz de modo pleno as necessidades
exigidas à tutela de interesses situados em plano superior aos meramente individuais, como é
o caso da defesa do meio ambiente, onde, em regra, lesada é a coletividade”. Com efeito,
dispõe o art. 16 da LACP que “A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da
competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por
insuficiência de provas”. Outrossim, infere-se do art. 103, I, do CDC que a sentença, cujo
objeto consista em direito difuso, fará coisa julgada erga omnes, salvo improcedência do
pedido por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra
ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
Em casos excepcionais, assim considerados caso a caso pela interpretação judicial,
pode haver a relativização da coisa julgada, fenômeno que timidamente vem sendo admitido
por nossas cortes. Em se tratando de ação civil pública, o tema é relevantíssimo, em virtude
das constantes mudanças nas condições ecológicas e ambientais. Assim, em tese, é possível a
relativização de uma coisa julgada decorrente de uma decisão de improcedência de uma ação
em função de casos concretos nos quais a prevalência de elementos constitucionais tenha sido
violada (ANTUNES, 2005, p. 112-114).
48
3.4.13 Recursos
Diante da ausência de uma disciplina legal específica e consoante a subsidiariedade do
CPC, aplicam-se à ação civil pública ambiental os recursos costumeiros do processo civil
comum. Apenas quer se destacar o art. 14 da LACP que preceitua “O juiz poderá conferir
efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte”.
3.4.14 Execução do julgado
Preceitua o art. 15 da LACP que “Decorridos 60 (sessenta) dias do trânsito em julgado
da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-
lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados”. Milaré (2011, p.
1466-1467) acrescenta que “[...] a inércia de qualquer colegitimado que se tenha sagrado
vencedor na demanda – e não apenas a da “associação autora”, como está na lei – autoriza os
demais a precipitar a execução”, e ainda que “[...] enquanto para uns a movimentação no
sentido de deflagar a execução da sentença condenatória encerra uma mera faculdade, para o
Ministério Público é dever funcional, verdadeiro múnus”.
De resto, aplica-se à sentença proferida em sede de ação civil pública ambiental, as
disposições atinentes à execução no processo civil comum, ou seja, em princípio cabe à parte
que teve sua pretensão acolhida promover a execução, a qual não mais necessita ser feita em
autos apartados, podendo ocorrer no bojo dos autos do mesmo processo relativo à fase
cognitiva.
49
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente monografia se propôs a apresentar a importância da Ação Civil Pública
como importante instrumento de proteção do meio ambiente, visto que, através Termo de
Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC), do respectivo inquérito civil público esta
se efetiva enquanto instrumento de defesa do direito fundamental de todos ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, nos moldes do art. 225, caput, da Lei Fundamental de 1988.
De início, hipoteticamente, arguiu-se que a celebração de termo de compromisso de
conduta, quando da defesa do meio ambiente, apresentaria a vantagem de se evitar a
judicialização da demanda, de modo a alcançar o resultado pretendido com maior celeridade,
sendo que, uma vez não cumprido o TAC possui força de título executivo extrajudicial. De
igual, levantou-se a hipótese de que a legitimidade ativa para a propositura da ação civil
pública seria concorrente, diferentemente da ação penal pública, na qual a legitimidade ativa é
privativa do Ministério Público.
Todas as hipóteses suscitadas ao início da pesquisa motivadora desta monografia
restaram, portanto, ratificadas. Com efeito, os estudos realizados acerca da ação civil pública
permitem concluir que esta é um importante instrumento de defesa do meio ambiente, na
medida em que diversos são os colegitimados à sua propositura, conforme se depreende do
art. 5º da Lei nº. 7.347/85. No entanto, tem se observado que o Poder Público, o qual recebe
legitimação tanto da Constituição Federal (art. 225, caput) quanto da LACP para atuar no
polo ativo dessa relação jurídico-processual, muitas vezes, acaba por integrar o polo passivo
da relação jurídico-processual, seja por comissão seja, principalmente, por omissão em seu
dever constitucional de proteção ao meio ambiente.
Restou claro também que o compromisso de ajustamento de conduta e o inquérito civil
público, este de competência exclusiva do Ministério Público, por vezes, têm permitido a
reparação do dano ambiental, evitando-se, com isso, a necessidade de provocação do Poder
Judiciário. Nesse sentido, ambos têm contribuído para proteção do meio ambiente natural e
apresentam a vantagem de permitirem a concretização do resultado pretendido sem a demora
comum das demandas judiciais que, por vezes, repercutem na ineficácia da tutela jurisdicional
obtida.
Verificou-se que, dentre todos os legitimados ao ajuizamento da ação civil pública, o
Ministério Público é o que mais tem atuado na preservação e defesa do meio ambiente. De
fato, esse órgão, como defensor dos interesses indisponíveis da sociedade, assume relevante
50
função, uma vez que pode receber denúncias do próprio cidadão como pontapé inicial para a
propositura de ações dessa natureza.
Conclui-se, por fim, que, sem prejuízo de outros meios de que possam se valer, como
da ação popular, por exemplo, a ação civil pública é, direta ou indiretamente, uma alternativa
posta à disposição da sociedade civil para a defesa do meio ambiente natural, constituindo,
assim, importante instrumento de democratização do processo.
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