Post on 22-Dec-2018
AFECÇÕES CIRÚRGICAS DA REGIÃO INGUINAL
MALFORMAÇÕES NA REGIÃO INGUINAL
As afecções congênitas da região inguinal correspondem, na sua maioria, a
alterações dependentes da persistência de uma estrutura embrionária transitória
conhecida como conduto peritônio vaginal no homem e conduto de Nück na mulher.
Este conduto está relacionado à descida do testículo para o interior da bolsa
testicular.
Representam grande parte das intervenções cirúrgicas ambulatoriais do
paciente pediátrico.
O QUE ACONTECE NA REGIÃO INGUINAL
Por volta da 4a semana de gestação surge, junto ao pólo inferior do rim
primitivo, um aglomerado de células derivadas do mesênquima denominado blastema
gonádico, que posteriormente se diferenciará em testículo. Entre o 1o e o 7o mês de
gestação o alongamento crânio-caudal do embrião promove a migração do testículo
para o escroto. Auxiliando esta migração forma-se uma prega peritonial denominada
conduto peritônio vaginal.
Durante um período da vida embrionária há, portanto, uma comunicação do
interior da cavidade peritonial com o escroto através do conduto peritônio vaginal (no
homem) e conduto de Nück (na mulher). O conduto normalmente sofre obliteração ao
final da migração testicular. A persistência parcial ou total do conduto peritônio
vaginal é a condição que determina o aparecimento das patologias inguinais que
serão apresentadas a seguir (Fig 1):
Fig 1 – Persistência do conduto peritônio vaginal e as diferentes afecções que ele
determina no sexo masculino.
O fato de o testículo esquerdo terminar sua migração antes do testículo direito,
parece explicar a maior freqüência de patologias dependentes do conduto peritônio
vaginal e das distopias testiculares à direita.
NORMAL HÉRNIA
ÍNGUINO-ESCROTAL HIDROCELE
COMUNICANTE
HÉRNIA INGUINAL HIDROCELE
NÃO COMUNICANTE CISTO DE CORDÃO
Peritônio
Vaginal
Cordão
Conduto peritônio vaginal
HÉRNIA INGUINAL
CONCEITO INICIAL
A hérnia inguinal da criança se faz pela persistência do conduto peritônio
vaginal. Difere da hérnia inguinal direta do adulto, resultante da fraqueza da parede
posterior do canal inguinal.
COMO SE FORMA A HÉRNIA INGUINAL INDIRETA
A persistência total ou parcial proximal do conduto peritônio vaginal permite a
saída de conteúdo intra-abdominal para a região inguinal ou ínguino-escrotal.
É MUITO COMUM
A incidência da hérnia inguinal é de aproximadamente 3% nas crianças
nascidas a termo e de 8% nos pré-termos. Acometem preferentemente o lado direito
mas podem ser bilaterais.
Os meninos são mais comumente afetados do que as meninas, na proporção
de 9:1.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
A hérnia inguinal surge como um abaulamento na região inguinal ou ínguino-
escrotal, relacionada ao aumento de pressão intraperitoneal (choro, esforço da tosse
e evacuação, etc), reduzida com facilidade na maioria das vezes (Fig 2 e 3).
Fig 2 – Hérnia ínguino-escrotal à direita.
Fig 3 – Hérnia inguinal bilateral em menina.
Quando não há conteúdo herniado no momento do exame físico, deve-se
procurar evidência da persistência do conduto peritônio-vaginal. Para tal deve-se
tracionar delicadamente o testículo e deslizar o dedo indicador de forma a palpar o
funículo espermático contra o osso púbis. O aumento do volume do funículo e o
deslizamento próprio dos folhetos do conduto peritônio-vaginal produzem a sensação
de se estar palpando um dedo de luva de seda (Sinal da Seda) (Fig 4).
Fig 4 – Palpação da região inguinal a procura do conduto peritoneo-vaginal no
menino (A) e do conduto de Nück na menina (B)
FICANDO COMPLICADO
A impossibilidade de reduzir o conteúdo herniado, associado ao quadro clínico
de obstrução intestinal (dor em cólica, náuseas e vômitos e parada de eliminação de
gases e fezes), caracteriza a hérnia inguinal encarcerada. A incidência de
encarceramento é maior quanto menor for a criança, sendo que em prematuros e
lactentes pode chegar a 30%, enquanto nas crianças maiores é de aproximadamente
15% (Fig 5).
A
B
Fig 5 - Alça intestinal encarcerada com pequeno foco de sofrimento vascular.
Uma vez que a alça intestinal encarcera, ocorre inicialmente diminuição do
retorno venoso e linfático e posteriormente do fluxo arterial o que determina
sofrimento vascular com necrose da alça herniada. Esta condição é conhecida como
hérnia inguinal estrangulada e caracteriza-se clinicamente pelo quadro de obstrução
intestinal agravado com sinais de peritonite (febre, toxemia, irritação peritonial) (Fig
6).
Fig 6 – Necrose intestinal em hérnia inguinal estrangulada
No sexo masculino o conteúdo encarcerado mais frequentemente é o intestino
delgado. Além da possibilidade de necrose intestinal, a alça herniada pode comprimir
o cordão espermático e provocar sofrimento vascular do testículo inclusive com sua
necrose (Fig 7).
No sexo feminino é o ovário que encarcera na maioria das vezes.
Fig 7 – (A) Necrose testicular devido a hérnia inguinal encarcerada. Compare com o
testículo contra-lateral normal (B).
COMO FAZER O DIAGNÓSTICO
O diagnóstico é clínico seja pela referência dos pais ou pela observação de
abaulamento na região inguinal ou ínguino-escrotal relacionado aos esforços.
Na criança maior, colaboradora, a tosse ou a prensa abdominal forçada podem
deflagrar o abaulamento inguinal ou ínguino-escrotal.
O conduto peritônio vaginal pérvio pode, eventualmente, ser demonstrado pela
ultrassonografia, mas o insucesso deste exame não descarta o diagnóstico de hérnia
(Fig 8).
Fig 8 - Persistência completa do conduto peritônio-vaginal à direita.
Exame normalmente desnecessário. (T) = testículo.
A B
T
COMO SE TRATA
Com o objetivo de evitar as complicações, por vezes fatais, a hérnia inguinal
deve ser tratada cirurgicamente ao diagnóstico, independentemente da idade do
paciente.
O preparo pré-operatório consiste na avaliação clínica cuidadosa,
complementada com exames laboratoriais quando necessários. O hemograma e
coagulograma são úteis na investigação de anemia e distúrbios da coagulação.
O tratamento consiste na dissecção, ligadura e ressecção do conduto peritônio
vaginal (saco herniário) procedimento conhecido como herniorrafia inguinal.
Devido a alta incidência de bilateralidade nas crianças pequenas, a maioria
dos cirurgiões recomenda exploração cirúrgica contra-lateral mesmo que não haja
clínica evidente de hérnia.
A indicação eletiva da herniorrafia inguinal permite, que a criança seja operada
ambulatorialmente, recebendo alta no mesmo dia. Entretanto, recém nascidos
prematuros com menos de 44 semanas corrigidas, devem permanecer internados por
24 horas, mesmo em indicação eletiva, pelo risco de desenvolverem apnéia.
A hérnia inguinal encarcerada deve ser submetida à cirurgia de urgência. Na
presença de estrangulamento, pode ser necessário ressecção de alça e tratamento
da peritonite e sepsis secundários a esta complicação.
Em casos selecionados, onde não haja sinais de sofrimento de alça, pode-se
tentar a redução manual delicada na urgência e correção cirúrgica eletiva
posteriormente.
HIDROCELE
CONCEITO
Corresponde à presença de líquido, em quantidade exagerada, no interior da
túnica vaginal. Apresenta quadro clínico variável, na dependência das características
do conduto peritônio vaginal patente.
HIDROCELE COMUNICANTE
Consiste na persistência completa do conduto à semelhança da hérnia
ínguino-escrotal. Devido ao fato do "colo" do conduto ser estreito ocorre apenas a
entrada de líquido proveniente da cavidade peritoneal.
O abaulamento da região escrotal é cístico e caracteriza-se pela variação de
volume identificada sem dificuldade pelos pais (Fig 9).
Fig 9 – Tumoração cística em bolsa testicular a esquerda
Ao exame pode-se observar esvaziamento do conteúdo escrotal através de
compressão delicada. A transiluminação pode ser útil na demonstração do conteúdo
líquido (Fig 10).
Fig 10 – Transiluminação mostrando a natureza cística do conteúdo escrotal.
Como há comunicação entre a cavidade peritoneal e o escroto, a passagem
de uma alça intestinal e seu encarceramento podem ser iminentes. Assim, impõe-se
o tratamento cirúrgico ao diagnóstico, à semelhança da hérnia inguino-escrotal (Fig
11).
Fig 11 – Aspecto intra-operatório da hidrocele comunicante.
HIDROCELE NÃO COMUNICANTE
A reabsorção proximal incompleta do conduto resulta em uma túnica vaginal
de exageradas proporções, com acúmulo de líquido produzido por seu próprio
epitélio.
Observa-se ao exame, aumento da bolsa testicular do lado comprometido, de
consistência cística, cujo volume não varia ao longo do dia ou à manipulação.
A conduta pode ser expectante até o sexto mês de vida pois, em muitos casos,
o líquido é absorvido espontaneamente e, além disso, não há risco de
encarceramento de alça intestinal pois a túnica vaginal não se comunica com a
cavidade peritonial.
CISTO DO CORDÃO ESPERMÁTICO
Nesta condição o conduto peritônio-vaginal sofre caprichosamente obliteração
de suas porções proximal e distal, deixando pérvia e patente sua porção intermédia.
O epitélio do cisto (mesotélio) produz líquido, promovendo o aparecimento de uma
tumoração cística no canal inguinal.
Ao exame há uma tumoração cística de limites definidos que não varia de
volume à manipulação, localizada no canal inguinal ou nas proximidades do ânulo
inguinal superficial (Fig 12).
O correspondente no sexo feminino chama-se cisto de Nück que corresponde
a uma tumoração cística no canal inguinal, com as mesmas características do cisto
de cordão.
Fig 12 – Tumoração cística (C) no trajeto do cordão espermático e testículo (T)
normalmente posicionado.
O tratamento é cirúrgico ao diagnóstico. Pode ter indicação cirúrgica de
urgência se for impossível pelo exame clínico diferenciá-lo de hérnia encarcerada
(Fig 13 e 14).
Fig 13 – Cisto de cordão (C) e cordão espermático (CE)
C
T
C CE