Post on 08-Feb-2016
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“Ninguém percebera que a humanidade, durante tanto tempo
considerada à imagem de uma família de nações, havia
chegado a um estágio em que quem quer que fosse expulso
de uma destas comunidades rigidamente organizadas ver-se-
ia expulso da própria família de nações.”- Hannah Arendt
(tradução nossa)1.
1 ARENDT,Hannah. The origins of totalitarianism. Cleveland: The World Publishing Company,1962.”Nobody
had been aware that mankind, for so long a time considered under the image of a family of nations, had reached
the stage where whoever was thrown out of one of these tightly organized closed communities found himself
thrown out of the family of nations altogether”.
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SUMÁRIO
CARTA DE APRESENTAÇÃO .......................................................................................... 04
1. Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR ............................. 06
1.1. Contingências históricas que ensejaram o surgimento do ACNUR ................................. 06
1.2. Convenção de Genebra e Protocolo de 1951 ..................................................................... 10
1.3. Estatuto do Comitê e objetivos do órgão .......................................................................... 11
1.4. Funcionamento do ACNUR: Assembleia Geral, ECOSOC e ExCom .............................. 14
2. TEMA A: Refugiados e deslocados ambientais: o lado humano das alterações
climáticas ................................................................................................................................ 16
2.1. Crises ambientais e humanitárias ...................................................................................... 16
2.2. Evolução histórica da legislação internacional de proteção ao refugiado ......................... 18
2.3. Asilo, Refúgio e Migrante econômico: institutos jurídicos distintos ................................ 21
2.4. Refugiados ambientais: uma nova categoria de refugiado? .............................................. 24
2.5. Medidas tomadas para proteção aos refugiados ambientais .............................................. 26
3. TEMA B: Sudão e Chade: Conflitos Locais, Repercussão Global ................................ 28
3.1. Sudão, Darfur e Chade: Aspectos Históricos (Localização e Conflitos Passados) ........... 29
3.2. Sudão e Darfur: Motivos do Conflito ................................................................................ 32
3.3. Repercussões do conflito de Darfur no Chade .................................................................. 35
3.4. A Situação dos refugiados ................................................................................................. 40
3.5. O Documento de Doha para a paz em Darfur ................................................................... 43
3.6. Medidas tomadas para superação do conflito .................................................................... 44
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 47
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CARTA DE APRESENTAÇÃO
Queridos delegados,
É com muita satisfação que a diretoria do Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados (ACNUR) dá boas-vindas aos senhores. Participar da SONU é uma experiência
ímpar, nela os senhores terão um contato direto com a estrutura e o funcionamento dos mais
diversos organismos internacionais bem como a oportunidade de discutir assuntos
extremamente relevantes do cenário internacional.
Estar na Mini-Sonu é algo extremamente valioso, visto que os participantes ainda no
Ensino Médio terão a oportunidade de conhecer parte do universo acadêmico além de
desfrutar todos os outros pontos que uma simulação pode proporcionar.
Essa experiência torna-se ainda mais especial porque o comitê escolhido pelos
senhores trata de um assunto tão delicado quanto emocionante. O ACNUR é um comitê de
teor humanitário que tem como objetivo proteger e socorrer os seres humanos mais
vulneráveis do planeta, que são os refugiados. Depois que se entra em contato com essa
temática não tem como ser o mesmo.
Nós esperamos que os senhores, enquanto delegados, respeitem o posicionamento de
suas respectivas nações bem como tentem resolver as questões que serão levantadas por meio
de metas alcançáveis, com base na seriedade e na diplomacia. Cabe aos senhores a
responsabilidade de encontrar os melhores caminhos para resolver as problemáticas que
compõe ambos os temas.
Ressaltamos a importância de consultar outras fontes de pesquisa para além deste guia
a fim de que se possa lograr um bom desempenho no desenvolvimento das atividades do
comitê. Por isso, não deixem de realizar uma pesquisa aprofundada sobre ambos os temas e,
principalmente, buscar o máximo de conhecimento sobre a delegação que representarão. O
sucesso deste comitê depende da seriedade e da dedicação de seus delegados.
Esperamos que os senhores tenham uma ótima simulação, e para isso nós, como
diretoria, faremos tudo o que for possível para que esta simulação dê certo, garantindo debates
seguros e sempre atuando de modo a respeitar rigorosamente as regras. Quaisquer dúvidas
não hesitem em nos procurar.
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Após tais considerações, resta apresentar os Membros da Diretoria do Comitê. Todas
nós somos estudantes do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC). Isabelly
Cysne está no quinto semestre, Ivina Sampaio e Monique Guimarães cursam o quarto e
Vanessa Costa está no terceiro semestre. Todas possuem experiência em modelos de
organizações internacionais como diretoria e estão envolvidas em diversas atividades de
pesquisa e extensão da UFC, além de serem incansáveis estudantes das relações internacionais
e das discussões que estas relações proporcionam.
Gostaríamos ainda de agradecer ao Hugo William Pinheiro Alan, nosso secretário
acadêmico, que nos auxiliou neste apaixonante trabalho e na confecção deste guia.
Desejamos a todos uma ótima SONU 2013, não apenas nos dias da simulação em si,
mas a partir de agora, com a leitura deste guia e com as pesquisas adicionais. Confiamos na
dedicação e participação dos senhores para obtermos sucesso nos debates e alcançarmos
resoluções coerentes dos temas propostos.
Por fim, fazemos votos de uma boa jornada a todos. Aproveitem a oportunidade para
aprender, discutir e fazer amigos.
Cordialmente,
Isabelly Cysne Augusto Maia
Ivina Sampaio Braga
Monique Maria Guimarães Unias
Vanessa Silva Barbosa da Costa
A Diretoria do ACNUR
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1. Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR
A atriz Angelina Jolie, Embaixadora da Boa Vontade do ACNUR, em visita a um campo de refugiados no
Quênia. (Fonte: ACNUR)
1.1 Contingências históricas que ensejaram o surgimento do ACNUR
A Organização das Nações Unidas (ONU) surgiu em 24 de outubro de 1945, logo após
a Segunda Guerra Mundial. Esse conflito, o qual envolveu vários países, inclusive
Estados-Nações de diversos continentes, ensejou o significativo aumento de refugiados,
indivíduos que por razões de perseguição de ordem política, econômica ou racial, além de
motivações de fundado temor viram-se coagidos a abandonar seus países e buscarem
proteção em outros Estados.
As situações de conflito armado geram sentimento de insegurança, instabilidade e
perseguições. Devido as grandes dimensões que apresentou a Segunda Guerra Mundial,
muitas pessoas abandonaram seus países e buscaram refúgio em outras nações, que, por
vezes, estavam tão devastados quanto o país abandonado pelo refugiado. Dessa forma, o
individuo ficava desamparado, em uma situação dicotômica: não poderia permanecer em
seu país, mas não havia nenhuma previsão normativa de que a Comunidade Internacional
deveria ampará-lo.
Ainda por ocasião da fundação da Liga das Nações em 1919, organização que
precedeu a ONU, criada em virtude do Tratado de Versalhes, havia a Organização
7
Internacional dos Refugiados, funcionando com um dos primeiros Organismos
internacionais de proteção ao refugiado, aplicando o Direito Internacional Humanitário.
As primeiras organizações com este objetivo datam do período subsequente à
Primeira Guerra Mundial e surgiram no bojo da Liga das Nações, de forma
temporária e com vistas a assistir grupos específicos, deslocados em função dos
conflitos que se desenrolaram na Europa. Na década de 1940, quando da ocorrência
da Segunda Grande Guerra, os fluxos de deslocados voltaram a se intensificar,
chamando a atenção da comunidade internacional para este problema. Foi criada a
Organização Internacional para Refugiados (OIR), mas, devido a tensões existentes
entre os blocos antagônicos no período da Guerra Fria, esta foi extinta alguns anos
após sua criação. Surgiu então, no âmbito das Nações Unidas, o Alto Comissariado
das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), que veio a se tornar principal órgão
no que tange a proteção jurídica e assistência humanitária aos refugiados2.
Até a ocorrência da I Guerra Mundial a solução pra os refugiados dava-se através da
concessão de asilo ou extradição. Até então, a incorporação dessas pessoas em novas
sociedades era facilitada pela receptividade dos Estados, que viam com bons olhos o
acréscimo de indivíduos economicamente ativos à sua população. Essa concepção positiva do
refúgio foi alterando-se ao longo dos anos, de modo que a Comunidade Internacional passou a
ter um certa rejeição a acolhida desses novos indivíduos em seu território, ensejando a criação
de Organismos Internacionais mais fortes e aptos a protege-los.
De acordo com o artigo 1º A da Convenção de 1951, uma pessoa é enquadrada no
status de refugiado quando
[...] Por fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião,
nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontra-se fora do país de sua
nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da
proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade, encontra-se fora do país no
qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode
ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.
Diante do contexto internacional, os países resolveram regulamentar as questões que
versavam sobre Direito Internacional Humanitário (DIH), o qual seria um campo do
Direito Internacional que se preocupa com a vida e a dignidade da pessoa humana, tanto
dos combatentes, quanto dos civis, durante os conflitos armados, regulando seus meios e
2 BARTELEGA, Camila Franco. A Assistência Internacional dos refugiados: Da Liga das Nações ao Pós-
Guerra Fria. França. 2007, p. 02.
8
métodos; a preocupação internacional foi deslocada do âmbito econômico para o domínio
social.
Tal preocupação internacional tem seu espaço em foros privilegiados de discussão e
tomada de decisão, chamados “Organizações Internacionais” (OI). Sobre as OI, Luciana
Diniz Durães Pereira (2010, p. 7) afirma:
O surgimento das Organizações Internacionais (OI) constitui-se em um dos fatos
mais marcantes da História das Relações Internacionais do século XX. Consagrando
os princípios da cooperação internacional e do multilateralismo estatal, as OI são,
tanto em perspectiva universal como em perspectiva regional, importantes foros e
espaços de discussão e tomada de decisões3.
Dessa forma, cinco anos após a criação da Organização das Nações Unidas, surge o
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), criado pela Assembleia
Geral da ONU em 14 de dezembro de 1950.
O ACNUR apresenta um caráter humanitário e apolítico. Sua missão é proteger
homens, mulheres e crianças refugiadas e buscar soluções duradouras para que possam
reconstruir suas vidas em um ambiente digno do ponto de vista cultural, político e social. Há
de se destacar, também, que o ACNUR está inserido dentro do DIH (Direito Internacional
Humanitário), e que aliado ao Direito Internacional dos Refugiados, âmbito de atuação de
maior especificidade desse órgão, e com o Direito Internacional dos Direitos Humanos,
formam uma tríplice chamada de Direito Internacional da Pessoa Humana. Conclui-se que foi
o ACNUR o responsável pela sistematização do Direito Internacional dos Refugiados,
prevendo através de tratados internacionais como esses indivíduos deveriam ser acolhidos e
amparados pela comunidade internacional.
O ACNUR surgiu para ter duração de apenas cinco anos, conforme estava previsto em
seu estatuto, pois se acreditava na época que a questão dos refugiados seria rapidamente
solucionada: em breve, os países estariam financeiramente recuperados do conflito terminado
em 1945, de forma que aqueles que, eventualmente, tivessem saído de seu país poderiam
retornar; a realidade histórica nos mostra que as consequências foram outras. O mundo atual
não enfrenta guerras nas proporções de um conflito mundial, mas havia em 2007, 35,4
milhões de refugiados, dos quais 10,4 milhões estariam fora de seus países e 15,4 milhões
3 PEREIRA, Luciana Diniz Durães. O Direito Internacional dos Refugiados: análise crítica do conceito de “refugiado ambiental”. Editora Delrey. Belo Horizonte, 2010, p. 7.
9
seriam refugiados internos, afirmou o levantamento anual da agência das ONU para os
refugiados (ACNUR ONLINE).
Atualmente, grande parte do apoio aos refugiados é feito pela Comissão Permanente
Interagencial (IASC), através da sua abordagem em grupo, reunindo todas as principais
agências humanitárias, tanto dentro como fora do sistema das Nações Unidas, para uma ação
coordenada. O ACNUR é a agência líder no que diz respeito à proteção dos refugiados e
deslocados internamente. Junto com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), é
a principal agência de coordenação e gestão. E compartilha a liderança com relação aos
abrigos de emergência com a Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente
Vermelho.
Dados estatísticos sobre o número de refugiados ao redor do mundo. (Fonte: ACNUR)
Diante de tais circunstâncias, o ACNUR vem renovando seu mandato de cinco em
cinco anos, afinal:
Tem-se as ações que visam a fortalecer a proteção jurídica dos refugiados,
enfrentando, desta feita, o atual desafio dos direitos humanos, qual seja, sua real
efetivação; e, de outro, tem-se ações que buscam aumentar o rol das pessoas
10
protegidas pelo Direito Internacional dos Refugiados, visando alterar, assim, a
própria definição de refugiado ou mandato do ACNUR4.
As contingências históricas que ensejaram o aparecimento do ACNUR (existência de
indivíduos que sofrem perseguições e apresentam temor de se manterem em seus países de
origem) se mantêm ainda hoje, viabilizando a continuidade do órgão e inclusive aumentando
sua área de atuação, ficando sob a tutela desse organismo os deslocados internos, os apátridas
e os requerentes de asilo.
1.2. Convenção de Genebra e Protocolo de 1951
Como resultado da decisão da Assembleia Geral de 19505, foi realizada em Genebra,
no ano de 1951, uma Conferência de Plenipotenciários das Nações Unidas, cujo objetivo seria
o desenvolvimento de uma Convenção que pudesse regulamentar o status legal dos
refugiados. Como consequência das deliberações da Conferência, foi aprovada, em 28 de
julho de 1951, a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, entrando esta em vigor em
22 de abril de 1954.
O documento representa um marco no Direito Internacional, sobretudo por representar
o compromisso e a responsabilidade da sociedade internacional para com um grupo
vulnerável e, até então, negligenciado:
É de se observar que a Convenção reconhece a dimensão mundial da questão dos
refugiados e a necessidade da difusão de uma solidariedade internacional no trato da
problemática, advogando notadamente a partilha da responsabilidade entre os
Estados6.
O maior avanço da Convenção consiste em apresentar uma definição jurídica do
termo “refugiado” e, a partir dela, coordenar, por meio do ACNUR, ações que objetivem
4 JUBILUT, L. L. O. O Direito Internacional dos Refugiados e sua Aplicação no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Editora Médoto. São Paulo, 2007, p. 161. 5Resolução 429 (V) de 14 de dezembro de 1950 da Assembleia Geral das Nações Unidas.
6 DA CUNHA, A. O. O Direito Internacional dos Refugiados em Xeque: refugiados ambientais e econômicos. Revista Brasileira de Direito Internacional (RBDI). América do Norte, 8 jul. 2009. Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/dint/article/view/13766/10850>. Acesso em: 5 abr. 2013.
11
solucionar as problemáticas relacionadas ao tema e conferir a proteção necessária ao grupo
dos refugiados.
A Convenção também elenca, em seu artigo 1º, cláusulas de exclusão7 e cessação8 do
status de refugiado. No tangente à cessação, o próprio ACNUR considera o referido status
como temporário, ou seja, a partir do momento em que o indivíduo não necessitar mais da
proteção do país que o acolheu, podendo regressar ao seu país de origem ou gozar dos
mesmos direitos dos cidadãos do país que lhe ofereceu refúgio, a ajuda internacional torna-se
injustificada.
O artigo supracitado limita sua aplicação a âmbitos geográficos e temporais. A
Convenção foi elaborada em um contexto histórico pós-Segunda Guerra, em que a
problemática em relação aos refugiados era gritante e exigia soluções urgentes. Julgava-se,
portanto, que a questão abordada seria pontual e limitada àquele período e espaço, exigindo
que o indivíduo que buscasse refúgio o fizesse por razões ocorridas dentro do continente
europeu, antes de 1º de janeiro de 1951.
O Protocolo de Nova York de 1967 mostrou-se, portanto, como um documento de
suma relevância para o Direito Internacional, por retirar da Convenção de 1951 as reservas
presentes nesta que limitavam sua aplicabilidade a tempo e espaço pré-definidos. Segundo
Whittaker (apud DA CUNHA, 2009), o Protocolo de 1967 transformou a Convenção Relativa
ao Estatuto dos Refugiados de um documento legislativo fixado num momento histórico
específico em um instrumento de Direitos Humanos9.
1.3. Estatuto de Comitê e objetivos do órgão.
O estatuto do ACNUR é o documento que contém as normas gerais que irão reger as
atividades do comitê, como o processo de tomada de decisões dentro do órgão, a escolha dos
representantes do mesmo e os direitos e obrigações dos membros e das relações entre eles.
7Art. 1º (D, E, F).
8 Art. 1º (C).
9 WHITTAKER, David. Asylum Seekers and Refugee in the Contemporary World. In: DA CUNHA, A. O
Direito Internacional dos Refugiados em Xeque: refugiados ambientais e econômicos. Revista Brasileira de
Direito Internacional (RBDI). América do Norte, 8 jul. 2009. Disponível em:
<http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/dint/article/view/13766/10850>. Acesso em: 03 abr. 2013.
12
As normas gerais presentes nesse documento estão direcionadas no sentido de
propiciar a concretização dos objetivos do órgão conjuntamente com as especificações e
delimitações necessárias para o bom funcionamento da organização. Dois aspectos notórios
revelados pela análise do citado estatuto são: a preocupação com a busca de soluções
permanentes para o problema dos refugiados e o respeito para com as soberanias dos países
que é expresso pela necessidade do consentimento dos Estados para que qualquer assistência
seja prestada, conforme se constata pela leitura de um dos dispositivos normativos presentes
no estatuto do comitê:
O Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, atuando sob a autoridade
da Assembleia Geral, assumirá a função de proporcionar proteção internacional, sob
os auspícios das Nações Unidas, aos refugiados que reúnam as condições previstas
no presente Estatuto, e de encontrar soluções permanentes para o problema dos
refugiados, ajudando os Governos e, sujeito a aprovação dos Governos interessados,
as organizações privadas, a fim de facilitar o repatriamento voluntário de tais
refugiados ou a sua integração no seio de novas comunidades nacionais10.
Os objetivos principais dessa organização estão em consonância com o caráter
totalmente apolítico dos trabalhos do ACNUR, uma vez que a missão principal do órgão é
assegurar os direitos e o bem-estar dos refugiados, o que demonstra que as atividades
realizadas por essa organização internacional são voltadas para o âmbito humanitário e social.
Suporte técnico do ACNUR em Yida, Sudão do Sul, para auxiliar a distribuição de alimentos para os refugiados.
(Fonte: ACNUR ONLINE)
10 ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA REFUGIADOS. Estatuto do Alto Comissariado das Nações
Unidas para Refugiados. Cap. I, parágrafo primeiro. 1950, p. 04.
13
Um ponto já citado anteriormente e que coaduna perfeitamente com os objetivos dessa
organização é a busca por soluções permanentes para a problemática dos refugiados e esses
tipos de soluções estão ligadas, principalmente, a assistência prestada aos refugiados para que
possam voltar ao seu país de origem ou se instalarem definitivamente em outro país.
Ranking dos principais países de origem de refugiados. (Fonte: ACNUR ONLINE – Relatório Tendências
Globais 2012)
Ranking dos países que mais hospedam refugiados. (Fonte: ACNUR ONLINE – Relatório Tendências Globais
2012)
14
O Estatuto do ACNUR, com a finalidade de promover os seus objetivos, ou seja,
assistir a qualquer pessoa que se encontra fora de seu país de origem e que não pode, ou não
quer, regressar ao mesmo em face de uma perseguição ou ao fundado temor desta, também
valoriza a adoção de medidas preventivas para diminuir o fluxo de deslocamentos humanos.
1.4. Funcionamento do ACNUR: Assembleia Geral, ECOSOC e ExCom
Reuni
ão anual do Comitê Executivo do ACNUR (ExCom) em Genebra, Suíça. (Fonte: ACNUR ONLINE)
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) está sediado
em Genebra, Suíça. No entanto, a maioria dos seus funcionários não trabalham na sede, mas
sim, em locais de crise e nos campos de refugiados. Essa agência é vinculada a ONU; por esse
motivo, ela presta contas e realiza um relatório anual às Nações Unidas. Contudo, a ONU
possui várias subdivisões, ficando o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas
(ECOSOC) responsável pelo funcionamento do ACNUR.
O ECOSOC é uma das entidades mais antigas da ONU; tem como objetivo auxiliar e
coordenar vários órgãos subsidiários e agências especializadas relacionadas à saúde, ao meio
ambiente, à cultura, à organização econômica, aos direitos da infância e juventude e ao direito
trabalhista internacional, a fim de que se possam alcançar as Metas do Milênio11 para atingir o
pleno desenvolvimento das nações.
No Conselho Econômico e Social existem diversas comissões para que se possam
alcançar, efetivamente, todas as questões que estão sob a responsabilidade do órgão. A
11 Em 2000, a ONU – Organização das Nações Unidas, ao analisar os maiores problemas mundiais, estabeleceu
8 Objetivos do Milênio que devem ser atingidos por todos os países até 2015. Esses objetivos são: a) Acabar
com a fome e a miséria; b) Educação básica de qualidade para todos; c) Igualdade entre os sexos e valorização
da mulher; c) Reduzir a mortalidade infantil; d) Melhorar a saúde das gestantes; e) Combater a AIDS, a malária e
outras doenças; f) Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; g) Estabelecer uma parceria mundial para o
desenvolvimento.
15
Assembleia Geral da ONU enviou um pedido ao ECOSOC para a criação do Comitê
Executivo do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ExCom) que, tem por
objetivo organizar o ACNUR e assessorar o Alto Comissariado no exercício de suas funções
de acordo com o Estatuto da agência. Além de revisar anualmente o uso dos fundos à
disposição do Alto Comissariado e dos programas propostos ou os dos que já estão em
execução. Segundo a Resolução 1166 (XII) de 1957, a Assembleia Geral:
Requer que o Conselho Econômico e Social estabeleça um Comitê Executivo do
programa do Alto Comissariado, que consistirá de representantes de vinte ou vinte e
cinco Estados membros das Nações Unidas ou Estados membros de quaisquer
agências especializadas, eleitos pelo Conselho na mais ampla base geográfica
possível, com demonstrado interesse e devoção à solução dos problemas relativos
aos refugiados12.
O trabalho realizado pelo ACNUR encontra suporte nas resoluções, chamadas de
Conclusões, realizadas pelo Comitê Executivo. Este era inicialmente formado por 25 países-
membros, entretanto, atualmente funciona com um total de 8713.
O ExCom reúne-se uma vez por ano, durante uma semana, na sede do ACNUR em
Genebra, Suíça. Antes da reunião anual do Comitê Executivo, há várias outras reuniões
realizadas pelo Comitê Permanente, que é um subcomitê do ExCom, ao longo do ano para que
os temas cheguem desenvolvidos a reunião anual.
O sistema de votação é por consenso; quando o Comitê Executivo vota sobre temas
que tratam da proteção internacional aos refugiados, apátridas e pessoas deslocadas
internamente, a resolução dar-se-á por meio de um Documento de Conclusão, já para os
textos que tratem da revisão e do uso dos fundos e dos programas, é produzido um
12 ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA REFUGIADOS. O Comitê Executivo do Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Disponível em:
http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/o-comite-executivo-excom/. Acesso em: 5 mar. 2013.
13 Os 87 países são: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argélia, Argentina, Austrália, Áustria,
Azerbaijão, Bangladesh, Bélgica, Benin, Brasil, Bulgária, Camarões, Canadá, Chile, China, Chipre, Colômbia,
Congo, Coréia do Sul, Costa Rica, Costa do Marfim, Croácia, Dinamarca, Djibuti, Equador, Egito, Eslovênia,
Espanha, Estados Unidos da América, Estônia, Etiópia, Filipinas, Finlândia, França, Gana, Grécia, Guiné,
Hungria, Índia, Irã, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Jordânia, Quênia, Líbano, Lesoto, Luxemburgo, Macedônia,
Madagascar, Marrocos, México, Montenegro, Moldávia, Moçambique, Namíbia, Nicarágua, Nigéria, Noruega,
Nova Zelândia, Paquistão, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Democrática do Congo,
Romênia, Rússia, Ruanda, Sérvia, Somália, Sudão, Suécia, Suíça, Tailândia, Togo, Tanzânia, Tunísia,
Turcomenistão, Turquia, Uganda, Venezuela, Iêmen e Zâmbia.
16
Documento de Decisão. O ExCom, juntamente com outras organizações internacionais, sejam
governamentais ou não, não medem esforços para reconstruir e salvar vidas.
2. TEMA A: Refugiados e deslocados ambientais: o lado humano das
alterações climáticas
"Refugiados ambientais" deixando Bangcoc, capital da Tailândia, em uma estrada inundada (Fonte:
Greenpeace/Sataporn Thongma)
2.1. Crises ambientais e humanitárias
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA)14,
nas duas últimas décadas, houve o agravamento do desmatamento das florestas, da poluição
do ar e da água, da pesca predatória e a intensificação das emissões de gases causadores do
14 O PNUMA, com sede em Nairóbi, no Quênia, foi estabelecido em 1972 e é o Programa do Sistema ONU
responsável por desenvolver, estabelecer e catalisar as ações internacionais para a proteção do meio ambiente,
visando atingir, assim, o desenvolvimento sustentável – conceito utilizado, sobretudo, após a ECO/92. Atua,
portanto, procurando integrar a proteção e gestão do meio ambiente ao desenvolvimento econômico, contando
com o auxílio e apoio da ONU, dos Governos dos Estados que compõem a sociedade internacional, do setor
privado, da sociedade civil e das ONGs ligadas à temática do meio ambiente. DINIZ, Luciana. O Direito
Internacional dos Refugiados: análise crítica do conceito de “refugiado ambiental”. Editora DelRey. Belo
Horizonte, 2009, p .107.
17
efeito estufa.15 O desequilíbrio ambiental e suas implicações em diferentes esferas da
sociedade são problemáticas pertinentes às discussões sobre as crises contemporâneas:
Os eventos de desastres naturais têm consequências enormes para as pessoas, tanto
em suas vidas, como na perda de meios de subsistência e de infraestrutura,
essenciais para a recuperação dos sobreviventes. A segurança alimentar é afetada
pela destruição desses meios, sobretudo culturas, gado, ou outras formas de
produção ou geração de renda. Eventualmente, pode haver situações de fome e de
grave comprometimento das condições de saúde pela falta de serviços básicos.
(RADIO WEB RURAL ONLINE, 2013)16.
O aumento da temperatura global, por exemplo, desregulou uma cadeia natural de
acontecimentos. Em algumas regiões, o derretimento das geleiras ocasionou inundações,
enquanto em outras, a seca e a falta de perspectiva diante da problemática da água são
problemas constantes. Aliado ao efeito estufa, o consumo desenfreado e a poluição
contribuíram com o agrave da situação mencionada:
Mais de 600 milhões de pessoas devem ficar sem acesso a água potável até 2015,
enquanto mais de 2,5 bilhões de pessoas não terão acesso a saneamento básico.
Desde 2000, os reservatórios de água subterrânea se deterioraram ainda mais,
enquanto o uso mundial de água triplicou nos últimos 50 anos17. (G1 ONLINE,
2012)
Assim como as crises ocasionadas por desastres naturais, as crises oriundas de
conflitos, quais sejam, guerras e levantes militares, tornam uma nação vulnerável a
problemáticas nos âmbitos sociais, políticos, econômicos e culturais. Nesse contexto
complexo de emergência, o deslocamento em massa pode tornar-se inevitável, sobretudo nos
países que não dispõem de recursos suficientes para a recuperação ao curto e médio prazo.
15 Relatório divulgado em 06 de junho de 2012, uma semana antes da Rio+20, Conferência das Nações Unidas
sobre Desenvolvimento Sustentável, que aconteceu entre os dias 13 e 22 do mesmo mês. Informações
disponíveis em: G1 Online. ONU Afirma que Crise Ambiental no Planeta é Grave, mas tem Solução.
Disponível em: <http://g1.globo.com/natureza/rio20/noticia/2012/06/onu-crise-ambiental-no-planeta-e-grave-
mas-tem-solucao.htm>. Acesso em: 5 abr. 2013.
16 RADIO WEB RURAL Online. Desastres y crisis humanitarias. Disponível em:
<http://www.radiowebrural.com/node/3829>. Acesso em: 5 abr. 2013. Tradução nossa.
17 Informação disponível em: <http://g1.globo.com/natureza/rio20/noticia/2012/06/onu-crise-ambiental-no-
planeta-e-grave-mas-tem-solucao.html>. Acesso em 05 abr. 2013.
18
A ONU oferece auxílio no que diz respeito à prevenção dos desastres, auxiliando, em
linhas gerais, os países a reduzirem sua vulnerabilidade. Além disso, as consequências dos
mencionados conflitos são passíveis de discussão no âmbito das Nações Unidas. Nos
seguintes tópicos será abordada uma problemática intrínseca às crises ambientais: o
deslocamento de pessoas devido à impossibilidade de encontrarem abrigo em suas próprias
nações. O ACNUR, reconhecendo tal situação, destaca a importância da discussão e a
necessidade de se tomarem medidas, a fim de enfocar o lado humano das questões e crises
ambientais.
2.2. Evolução histórica da legislação internacional de proteção ao refugiado.
Uma breve análise sobre a evolução histórica da legislação internacional de proteção
ao refugiado faz-se necessária para que se obtenha uma melhor compreensão acerca da
temática abordada. O ponto inicial dessa análise consiste no direito de asilo presente na
antiguidade clássica; esse ponto representa o primeiro estágio da evolução histórica que
desencadeou a formação do Direito Internacional dos Refugiados tal como conhecemos
hodiernamente.
O direito de asilo na antiguidade clássica foi caracterizado pela situação fática em que
um indivíduo sofria com uma perseguição, e, ao fugir dessa, deslocava-se para outra
localidade. As autoridades desse lugar podiam conceder à vítima da perseguição o direito de
asilo que era a proteção conferida ao asilado no sentido de que este não poderia ser retirado de
forma abrupta ou violenta do local de sua nova morada.
É importante ressaltar que inúmeras situações compreendidas anteriormente como
asilo são hoje enquadradas na acepção de refúgio, mas esse instituto jurídico só surgiu na
década de 1920, com o trabalho da Sociedade das Nações.
As principais civilizações da antiguidade tais como a egípcia, a grega e a romana
adotavam o direito de asilo e essa última foi a responsável por inserir esse direito pela
primeira vez em um código escrito de leis, embora o direito de asilo não fosse completamente
aceito pelos romanos por se proveniente, em grande parte, de uma tradição religiosa.
Posteriormente, com o fim do Império Romano e o começo da Idade Média iniciou-se
um processo de desvalorização do Direito Romano, uma vez que o novo contexto histórico
propiciava o surgimento de um direito predominantemente oral e bastante influenciado pela
religião cristã. Essa mudança também influenciou a prática do asilo que passou a ser realizado
19
predominantemente por edificações religiosas, como igrejas, conventos, mosteiros e outros
locais considerados protegidos por Deus.
Em seguida, com o declínio do poder da Igreja Católica, uma nova conjuntura
histórica denominada Idade Moderna é formada. Essa é caracterizada pela volta às tradições
greco-romanas e a valorização da liberdade e da razão, o que acarretou o movimento de
laicização do Direito.
Esse processo trouxe mudanças significativas para o instituto jurídico do asilo, visto
que, sob uma perspectiva racional e livre da influência da Igreja Católica, o direito de asilo se
configurou com uma nova conceituação jurídica caracterizada por uma mudança dos seus
elementos essenciais e de seu âmbito de aplicação. O resultado desse processo pode ser
constatado pela observação de que, nos séculos XVIII e XIX, o direito de asilo já se
configurava solidamente como um instituto jurídico laico e que era aceito pela maior parte
dos Estados europeus.
A importância desse instituto jurídico foi elevada ao ser admitida como norma
constitucional após a ocorrência da revolução francesa, porquanto o direito de asilo foi
previsto no artigo 120 do texto constitucional que foi adotado pela Convenção
Revolucionária.
Contudo, diferentemente da França, os outros Estados europeus silenciaram-se no que
tange à adoção do asilo em seus textos constitucionais e, dessa forma, esse instituto
permaneceu predominantemente como sendo fruto de uma decisão discricionária e política, e
não como um direito de natureza individual que caberia aos indivíduos perseguidos.
A perspectiva citada anteriormente não perdura, visto que, com a ocorrência da
Primeira Guerra Mundial, e as, consequentes, crises humanitárias advindas do novo panorama
do pós-guerra, mostrou-se necessário que fossem criados novos mecanismos para resolverem
a problemática dos indivíduos que estavam sofrendo com perseguições e graves violações dos
Direitos Humanos em seus países originários.
Em face dessa problemática, a iniciativa do delegado norueguês Dr. Fridtjof Nansen
mostra-se como extremamente relevante para a evolução histórica da legislação internacional
de proteção ao refugiado, uma vez que foi capaz de sensibilizar os países a prestar ajuda
humanitária e também de promover a repatriação do maior número possível de pessoas que se
deslocaram em função da guerra.
O fato de que a URSS não fazia parte da Liga das Nações representava, na época,
outro problema, pois um grande número de deslocados estava presente naquele território.
20
Desse modo, para resolver esta problemática, o Alto Comissariado para Refugiados Russos
(ACRR) foi criado.
Outra iniciativa, inclusive anterior à criação do ACRR, foi a utilização do passaporte
Nansen, que é conhecido por ser o primeiro documento de viagem para refugiados. Esse
documento identificava os refugiados e apátridas e também funcionava como uma peça que
permitia o retorno desses aos seus países originários, além de ter sido considerado como uma
solução significativamente eficaz e criativa.
O referido delegado norueguês, em virtude de sua experiência promissora com a
criação do passaporte Nansen, foi o escolhido para assumir o cargo de Alto Comissário do
ACRR, de forma que “esse órgão tinha, basicamente, três grandes competências: (i) realizar
ações de socorro e assistência aos refugiados; (ii) definir o conceito jurídico e a situação dos
refugiados; (iii) organizar o reassentamento ou a repatriação.” (DINIZ, 2010, p. 55).
O ACRR foi um órgão criado para o fim específico de prestar assistência ao grande
número de refugiados russos que se deslocaram em virtude da Primeira Guerra Mundial,
portanto, quando seu mandato foi encerrado, em 1931, tornava -se necessária a criação de um
novo órgão para a tutela dos refugiados.
Assim, o Escritório Nansen para Refugiados (ENR), denominado dessa forma em
homenagem ao referido Dr. Fridtjof Nansen, é criado em 1930 para acompanhar a transição
do encerramento do ACRR e, dessa forma, garantir a tutela dos refugiados. O ENR foi
marcante para a evolução da legislação de proteção aos refugiados porque redigiu uma
convenção que foi o início da positivação normativa do Direito Internacional dos Refugiados
(DIR).
O fim do mandato do ENR em 1938 propiciou o surgimento de duas novas
organizações para lidar com a problemática dos refugiados: o Alto Comissariado da Liga das
Nações para Refugiados (ACLNR) e o Alto Comissariado para os Refugiados Judeus
provenientes da Alemanha (ACRJ).
Entretanto, a Assembleia Geral da Liga das Nações entendia como desnecessária a
existência de dois órgãos com regimes diferenciados de tratamento dos refugiados. Com a
intenção de resolver essa problemática foi criado o Alto Comissariado da Liga das Nações
para Refugiados (ACLNR), que atuava paralelamente ao Comitê Intergovernamental para
Refugiados (CIR).
Ambas as organizações alcançaram grandes méritos, como a qualificação individual
de refugiado, proveniente do trabalho da ACLNR, e o estabelecimento das causas que
levavam aos refugiados a fugirem de seus países originais, que foram extraídas das pesquisas
21
realizadas pelo CIR. No entanto, ambas tornaram-se ineficientes e inoperantes em função da
II Guerra Mundial e, depois de algum tempo, extintas.
Após o término do conflito, existia a necessidade da criação de uma nova Organização
Internacional que substituísse a extinta Liga das Nações, uma vez que esta fracassou ao tentar
manter a paz no cenário internacional em face da ocorrência da Segunda Guerra Mundial.
Assim, para suprir essa necessidade, institucionalizou-se a Organização das Nações
Unidas (ONU). Esta, ao concluir que o problema dos refugiados precisava ser tratado com
urgência, estabeleceu uma Comissão Preparatória da Organização Internacional dos
Refugiados, que trabalhava para a Organização Internacional dos Refugiados (OIR) que foi
fundada em 1921, em Genebra, pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
A OIR lidou de forma satisfatória com a problemática dos refugiados, todavia, a ONU
entendeu que havia a necessidade de se nomear um Alto Comissário das Nações Unidas
competente no assunto. Dessa forma, a OIR transferiu suas competências e atividades para o
ACNUR e logo foi extinta.
2.3. Asilo, Refúgio e Migrante econômico: institutos jurídicos distintos.
A diferenciação entre os institutos jurídicos asilo, refúgio e migrante econômico é de
suma importância para que se compreenda qual é o instituto observado em diversas situações.
Dessa maneira, é possível inferir quais as medidas adequadas para resolver as problemáticas,
com base na regulamentação diferenciada que envolve cada instituto.
O asilo e o refúgio, geralmente, são os mais confundidos entre si, portanto, uma
diferenciação pautada na exposição entre suas similitudes e diferenças é considerada
conveniente para que se obtenha uma clara percepção das definições desses dois institutos.
A principal similitude observada entre os dois referidos institutos é o fato de que
ambos se fundamentam na proteção genérica à pessoa humana e, portanto, ao proteger os
indivíduos que sofrem com a perseguição, em seus respectivos países de origem ou de
residência habitual, funcionam como dois institutos de natureza humanitária que buscam
garantir a consolidação dos direitos humanos em âmbito internacional, através da acolhida
dessas vítimas em países onde possam viver com dignidade e paz.
Apesar das similitudes presentes entre os institutos do asilo e do refúgio, existe uma
série de características que distinguem claramente as definições de ambos. Uma dessas
características é a origem histórica diferenciada, uma vez que o instituto do asilo é observado
22
desde a antiguidade clássica e o do refúgio somente foi tutelado, após a I Guerra Mundial com
o trabalho da Sociedade das Nações.
O fato anteriormente expresso pode ser comprovado a partir da observação de que o
instituto do asilo já era regulamentado em normativas internacionais desde o século XIX,
enquanto o do refúgio só encontrou embasamento normativo, em âmbito universal, com a
Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (CRER) de 1951.
Segundo a professora Luciana Diniz, existe outro importante aspecto diferenciador:
Pode-se notar outra importante diferença entre os institutos no tocante a seus
respectivos âmbitos de aplicação. O asilo, tanto o territorial quanto o diplomático,
encontra-se ligado apenas ao fato de existir, em si, perseguição política que enseje o
direito de proteção a algum indivíduo e é praticado, sobretudo, em perspectiva
regional, no âmbito latino-americano. O direito de refúgio, por sua vez, é assegurado
universalmente e aplicado, então, em âmbito universal, a partir de cinco motivos
geradores do bem fundado temor de perseguição, seu elemento essencial, quais
sejam: a raça, religião, opinião política, pertencimento a um determinado grupo
social e nacionalidade. (DINIZ, 2010, p.66)
Além dos aspectos já citados anteriormente, destaca-se a exigência, no instituto do
refúgio, da extraterritorialidade para que seja reconhecido o status de refugiado ao requerente
desta condição, já no asilo essa exigência não é imprescindível, visto que na modalidade do
asilo diplomático não há a necessidade da extraterritorialidade. Dessa maneira, é possível
inferir que essa exigência decorre de uma diferença básica entre esses dois institutos, pois o
asilo é um direito que é adquirido, através de uma concessão discricionária de um
determinado Estado, ao passo que a atribuição do status de refugiado, com bases nos critérios
previstos pela CRER, é declaratória.
Dessa forma, é compreensível outra distinção essencial entre o asilo e o refúgio, posto
que do asilo não decorrem obrigações internacionais, ou seja, por ser puramente uma
concessão estatal; o Estado que acolhe o asilado não tem a obrigação de formular políticas
públicas para integrá-lo. Ao revés, do refúgio decorrem obrigações internacionais, visto que,
quando o status de refugiado é reconhecido, os países que acolhem os refugiados estão
impelidos pela CRER a integrar esses indivíduos à comunidade nacional. Por fim, outras
características diferenciadoras são: a existência de cláusulas de exclusão e cessação no
instituto do refúgio e a presença de um órgão fiscalizador, específico do instituto do refúgio,
23
denominado ACNUR, pois o instituto do asilo não possui um órgão correlato para cumprir
esse papel.
Após, essa diferenciação, é de fundamental relevância que se analise o instituto
jurídico do migrante econômico e, para isso, realizaremos inicialmente uma explanação
sintética sobre o fenômeno da imigração para alcançarmos uma linha de pensamento coerente
acerca da temática.
De acordo com o glossário do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH),
imigração é: “o movimento de pessoas ou de grupos humanos, provenientes de outras áreas,
que entram em determinado país, com o intuito de permanecer definitivamente ou por período
de tempo relativamente longo18”.
Frente a essa definição, é possível concluir que os migrantes econômicos são as
pessoas que entram em países estrangeiros, de acordo com a sua própria vontade, com o
objetivo de adquirir melhores condições de vida, por meio da venda de sua força de trabalho.
Essa situação é decorrente, em grande parte, do processo de globalização, que intensifica as
disparidades socioeconômicas entre as nações e, assim gera a necessidade de muitas pessoas
deixarem seus países originários para tentarem contornar a suas deficiências econômicas e,
consequentemente, adquirirem um melhor padrão de vida.
Todavia, mesmo com definições diferenciadas, é comum que haja alguma confusão
referente à distinção entre o instituto do refúgio e do migrante econômico, uma vez que ocorre
uma aproximação prática e teórica entre esses ao se analisar os problemas de identificação
entre as pessoas inseridas nessas categorias e a intensificação do empobrecimento de alguns
países em desenvolvimento.
Por um lado, como afirmamos, a imersão dos refugiados no meio da ingente massa
de migrantes econômicos dificulta o procedimento de identificação, induzindo
muitos países à ‘considerar como migrantes os solicitantes de asilo enquanto não
provarem o contrário’. Por outro lado, o empobrecimento progressivo do Sul do
mundo gera migrações econômicas cada vez mais ‘forçadas’, sendo o drama
humano de muitos desses migrantes, comparável, àquele dos refugiados. Em síntese,
no primeiro caso, a intensidade das migrações econômicas internacionais acaba
encobrindo ou, até, negando a existência de refugiados; no segundo, ao contrário, a
violência inerente a todo tipo de migração forçada leva a uma situação onde o
18 IMDH. Em: <http://www.migrante.org.br/IMDH/ControlConteudo. aspx?area=90211527-9d7f-4517-a34c-
84ae25cdaba>. Acesso em: 3 abr. 2013.
24
migrante pode ser caracterizado como um ‘refugiado de fato’. (MARINUCCI,
Roberto; MILESI, Rosita, 2005.).
Entretanto, apesar desses dois institutos se aproximarem por essas similitudes no
campo fático, eles são fundamentalmente diferentes, visto que o status de refugiado é
reconhecido com base na regulamentação da CRER de 1951 e esta exclui a possibilidade de
reconhecer uma pessoa como refugiada em face dos problemas econômicos que essa possua.
Apesar de distintos, os problemas dos refugiados e dos migrantes econômicos provêm
de uma mesma fonte, pois as pessoas que se encontram em tais situações sofrem com a falta
de diversos requisitos essenciais para que possam viver com o mínimo de dignidade.
2.4. Refugiados ambientais: uma nova categoria de refugiado?
Como citado anteriormente, as alterações climáticas e os impactos ambientais,
problemáticas presentes, sobretudo, nas últimas décadas, influenciam em diferentes aspectos
da sociedade, quais sejam, políticos, sociais e econômicos. Ademais, sendo inevitável a
dependência entre o homem e o meio em que habita, essas catástrofes também são
responsáveis pelo deslocamento de milhões de pessoas, caracterizando-se, portanto, a vertente
humana das alterações ambientais.
Para Lehman (2009, apud RAMOS, 2011), um dos indícios da complexidade que
envolve as migrações induzidas por causas ambientais é que, até hoje, não existe uma
definição oficial para “refugiado ambiental”.
A Convenção de Genebra de 1951 caracteriza o refugiado como o indivíduo que sofre
perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas.
Posteriormente, foram agregadas a essa definição inicial outras características, passando
também a ser considerada como refugiada a pessoa forçada a deixar seu país devido a
conflitos armados, violência generalizada e violação massiva dos direitos humanos.19 A
reformulação do conceito convencional, entretanto, ainda não foi suficiente para lidar de
forma adequada com a problemática dos “refugiados ambientais”, havendo a necessidade de
algo que lide especificamente com o assunto em questão, conforme afirma Luciana Diniz:
Frente ao exposto, para que se possa conceituar propriamente “refugiado ambiental”,
tarefa árdua, inóspita e problemática do ponto de vista jurídico, é necessário, em
19 ACNUR (Org.). Quem pode ser considerado refugiado? Disponível em:
<http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/perguntas-e-respostas/>. Acesso em: 3 abr. 2013.
25
primeiro lugar, esclarecer que este conceito em nada se confunde com o de migrante
econômico, apátrida ou deslocado interno. Ao contrário, pretende-se uma nova e
específica categoria de proteção à pessoa humana, em virtude de migrações forçadas
ocasionadas por questões eminentemente ambientais. Em segundo lugar, o problema
da terminologia coloca-se como de fundamental relevância, pois, a nomenclatura
utilizada pelos doutrinadores é imprópria, já que os chamados “refugiados
ambientais” não são propriamente refugiados, visto que não se enquadram na
definição clássica da Convenção de 1951 por lhes faltar, além do requisito essencial
da perseguição ou temor de perseguição, os motivos persecutórios previstos na
CRER. (DINIZ, 2009)
Segundo Surke (1993, apud RAMOS, 2011) os autores dividem-se em “minimalistas”
e “maximalistas”. Os minimalistas defendem a posição de que a degradação ambiental não
seria causa única determinante para as migrações em massa, ou seja, não é possível isolá-la de
causas políticas econômicas e sociais, sendo o termo “refugiados ambientais” sem utilidade
prática. Já o segundo grupo considera a migração como resultado direto ou imediato da
degradação ambiental. Os maximalistas seriam, portanto, os representantes da primeira
geração da literatura sobre “refugiados ambientais”20.
É possível, ainda, classificar a categoria de refugiados em questão em três subgrupos:
(i) a de deslocados temporários, em virtude de uma degradação temporária do meio ambiente
e, portanto, reversível, existindo possibilidade de retorno para seus respectivos locais de
origem; (ii) a de deslocados permanentes, em virtude de mudanças climáticas perenes e, por
fim, (iii) a de deslocados temporários ou permanentes, de acordo com uma progressiva
degradação dos recursos ambientais do Estado de origem ou de moradia habitual dos
“refugiados ambientais”21.
O PNUMA contribuiu significativamente com a temática, por caracterizar os referidos
refugiados e popularizar o termo da seguinte forma:
Refugiados ambientais são pessoas que foram obrigadas a abandonar temporária ou
definitivamente a zona onde tradicionalmente vivem, devido ao visível declínio do
ambiente (por razões naturais ou humanas) perturbando a sua existência e/ou a
20 SUHRKE, Astri. Pressure Points: environmental degradation, migration and conflict. Monograph.
Cambridge, Mass. American Academy of Arts and Sciences, 1993, p. 04-07. In: RAMOS, Érika Pires.
Refugiados Ambientais: em busca de reconhecimento pelo direito internacional. 2011. 150 f. Tese (Doutorado).
Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2011.
21 DINIZ, Luciana. O Direito Internacional dos Refugiados: análise crítica do conceito de “refugiado
ambiental”. Editora DelRey. Belo Horizonte, 2009, p. 107.
26
qualidade da mesma de tal maneira que a subsistência dessas pessoas entra em
perigo. Com o declínio do ambiente, quer se dizer o surgimento de uma
transformação no campo físico, químico e/ou biológico do ecossistema, que, por
conseguinte, fará com que esse meio ambiente temporária ou permanentemente não
possa ser utilizado22.
Como presente na definição supracitada, o declínio do meio ambiente pode ocorrer por
razões naturais ou humanas. As primeiras caracterizam catástrofes inevitáveis, como
terremotos, maremotos, ciclones, vulcões. As segundas dizem respeito à forma em que o
próprio homem interfere no ambiente, seja diretamente, por meio da destruição de florestas ou
guerras biológicas, por exemplo, seja como consequência indireta de alguma atividade
humana. Neste último caso, vale citar acidentes em usinas de energia nuclear, como o que
aconteceu em Chernobyl, na Ucrânia, no ano de 1986.
O ACNUR reconhece a dimensão da problemática e almeja a sistemas de proteção
internacional que alcancem com efetividade a categoria de refugiados em questão. Como
resume Ramos (2011):
Assim, apresentam-se como elementos essenciais para uma adequada caracterização
do “refugiado ambiental”: nomenclatura; definição; descrição detalhada dos
fenômenos naturais e antrópicos determinantes para a geração dos fluxos
migratórios e possíveis interações com fatores econômicos, políticos e sociais;
mapeamento de vulnerabilidade ambiental e humana (identificação de áreas
prioritárias, em risco ou já afetadas) e a identificação das necessidades das pessoas e
grupos afetados.
O “refugiado ambiental” necessita não somente de perspectivas para o futuro, mas de
instrumentos que garantam o reconhecimento jurídico do seu status.
2.5. Medidas tomadas para proteção aos refugiados ambientais
Os refugiados ambientais carecem, como foi explanado em tópicos anteriores, de
políticas específicas que almejem ao tratamento e à tutela internacional da problemática em
questão. É necessário que esse planejamento coordene atividades e promova uma maior
cooperação entre países e organizações pertinentes a essa área, levando em consideração o
22 LISER (ONLINE). Refugiados Ambientais. Disponível em: <http://www.liser.eu/>. Acesso em: 03 abr.
2013.
27
mandato do ACNUR23. Cabe a cada Estado, portanto, buscar soluções duradouras e
desenvolver estratégias de assistência humanitária àqueles que necessitam.
Há de considerarem-se duas formas como medidas avaliáveis: a ampliação dos
conceitos já existentes ou a criação de um documento internacional específico. A primeira
seria por meio da criação de um protocolo adicional à Convenção relativa ao Estatuto dos
Refugiados, ampliando as cláusulas já existentes, de forma que o instituto jurídico de refúgio
tenha seu mandato estendido, abrangendo a nova categoria de deslocados.
Luciana Diniz salienta, entretanto, que essa perspectiva de solução pode ter a sua
aplicabilidade dificultada devido a fatores internos a cada Estado. A partir do momento em
que se adotará uma nova conceituação, ampliando-se os institutos que eram vigentes, até
então, a responsabilidade de cada país diante do Direito Internacional aumenta:
Isto porque, se assim o fizerem, terão como consequência a ampliação de sua
responsabilidade internacional frente às normas do DIR24
, em especial no que tange
ao cumprimento do princípio do non-refoulement25, princípio máximo da proteção
internacional dos refugiados, o que pode não ser do interesse de diversos países.
Assim, tal medida poderia permanecer apenas no papel, não encontrando efetividade
e obrigatoriedade jurídica alguma perante o DIR, não servindo de solução, portanto,
à situação dos “refugiados ambientais”. (DINIZ, 2009)
A segunda forma de proteção aludida é a criação de um documento específico que atue
no âmbito das Nações Unidas e que regulamente a situação descrita. O tratado
complementaria os institutos do Direito Internacional relativo aos refugiados e, além disso,
elencaria em suas cláusulas situações em que estaria devidamente reconhecido o status de
refugiado ambiental, com seus respectivos direitos e implicações no Estado que lhe ofereceu
refúgio.
23 Artigo 23, § 3 da Declaração Programa de Ação de Viena de 1993, que trata, especialmente, da temática dos
refugiados, asilados e deslocados. 24 Direito Internacional dos Refugiados.
25 “[...] no período entre guerras do século passado, desenvolveu-se o princípio do non-refoulement (não
devolução) como pedra angular de toda a proteção internacional dos refugiados. Esse princípio revela uma
dimensão preventiva, buscando evitar que o indivíduo seja submetido à tortura, maus-tratos ou morte decorrentes
de sua devolução ao país de origem pelo país receptor, através dos mecanismos jurídicos da expulsão, extradição
ou deportação. Assim, o país que receber esse indivíduo não poderia mandá-lo de volta ao país originário caso lá
ele corra riscos, tendo em vista a crescente internacionalização dos direitos humanos, com o reconhecimento da
comunhão de determinados valores que se consideram essenciais ao tratamento da pessoa humana. Apesar do
princípio do non-refoulement de certa maneira limitar a soberania dos Estados, ele demonstra o caráter
crescentemente antropocêntrico do direito internacional contemporâneo”. DOLGANOVA, Ioulia. O princípio
do non refoulement e a proteção internacional dos direitos humanos. In: Salão de iniciação Científica (18.
2006. Porto Alegre, RS). Livro de resumos. Porto Alegre. UFRGS, 2006.
28
Caso não fosse possível aos Estados atingir consenso nestes termos, que, pelo
menos, com a aprovação de uma resolução ou de uma Guideline, a matéria fosse
legislada. Poderia o ser, inclusive, e visando dar cumprimento ao direito universal de
proteção da pessoa humana frente ao DI26
, um documento que tratasse da proteção
destes indivíduos e grupos em uma concepção mais genérica, ligada à salvaguarda
dos direitos humanos. (DINIZ, 2009)
O ACNUR entende as especificidades de cada Estado, assim como a influência que
quaisquer decisões que vierem a ser adotadas terão nas políticas interna e externa de cada
nação. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados acredita, no entanto, que a
discussão apresentada mostra-se pertinente ao atual contexto histórico, uma vez que o Direito
Internacional deve acompanhar a evolução dos fatos e o surgimento de situações que não
foram previstas, sobretudo quando dizem respeito ao lado humano dos acontecimentos.
3. TEMA B: Sudão e Chade: Conflitos Locais, Repercussão Global
Campo de refugiados sudaneses no Chade. (Fonte: Examiner)
26 Direito Internacional.
29
3.1. Sudão, Darfur e Chade: Aspectos Históricos (Localização e Conflitos
Passados)
O Chade é um país sem acesso ao mar, localizado no centro-norte da África. Faz fronteira
com a Líbia ao norte, com o Sudão ao leste e com a República Centro-Africana, ao sul e ao
oeste. Encontra-se dividido em três grandes regiões geográficas: a zona desértica no norte, o
cinturão árido do Sabel no centro e a savana sudanesa fértil no sul.
O Chade foi colonizado pela França, sendo incorporado à região da África Equatorial
Francesa, obtendo sua independência apenas em 1960. Além da dificuldade de ter sido
tardiamente liberto da influência francesa, o Chade ainda sofre com questões de ordem
econômica e pluralidade étnica; conforme estudos dos Professores Wagner Cerqueira e
Francisco Cerqueira, há mais de 200 grupos étnicos povoando o país.
O Chade possui grandes problemas socioeconômicos, entre os quais, o
analfabetismo atinge 70% da população, 39% dos habitantes são subnutridos e o
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um dos menores do mundo - dos 169
países analisados, Chade ocupa a posição de 163°, com média de 0,295, conforme
dados divulgados em 2010 pela Organização das Nações Unidas (ONU)27.
O referido país passou por vários conflitos desde a sua independência. A atual onda de
violência começou em 2005, quando o presidente Idriss Deby alterou a Constituição para
permitir que ele fosse reeleito pela terceira vez. Deby chegou ao poder com um golpe de
Estado no início dos anos 1990 e está no comando do Chade desde então. Ele, inicialmente,
comandou um governo de transição para democracia e venceu sua primeira eleição em 1996,
estando no poder por quase 20 anos.
A França e a Líbia são países que apresentam papel preponderante na continuidade
dos conflitos internos do Chade. A França apoiando a vários governos que visam impedir e
sufocar os conflitos, enquanto a Líbia apoia os grupos rebeldes.
O Sudão é um dos maiores países da África, localizado no centro-leste do continente.
Seu território divide-se em duas regiões bem distintas: uma área desértica ao norte e uma área
de savanas e florestas tropicais ao sul. O nome Sudão deriva de uma expressão árabe,
significando “país ou terra dos negros”.
27 CERQUEIRA, Wagner; CERQUEIRA, Francisco. CHADE. Disponível em:
<http://www.brasilescola.com/geografia/chade.htm>. Acesso em: 5 mar. 2013.
30
Devido à proximidade geográfica com o Egito, a história do Sudão muito se aproxima
com a desse país, haja vista, que, na Antiguidade, o Sudão era conhecido como Núbia, tido
como a civilização mais antiga da África.
A princípio, a religião predominante na região era o catolicismo, com a entrada dos
árabes mulçumanos no Sudão, ainda no século VII A.C, ocorreu um conflito entre esses dois
segmentos religiosos, católicos e mulçumanos. Os árabes mulçumanos ganharam a batalha,
expulsando o rei cristão e instituindo o poderio islâmico.
Dos anos de 1889 a 1956, o Sudão esteve sob o domínio anglo-egípcio sendo liberto
depois que um grande sentimento nacionalista, unindo os diferentes segmentos religiosos, os
quais constituem a população, atingindo a independência ao fim da década de 50.
Devido aos constantes conflitos civis, o Sudão é um país que apresenta paz e
estabilidade frágeis e delicadas. Após a obtenção de sua autonomia, o país foi rapidamente
devastado por uma guerra civil que durou cerca de vinte anos. O conflito recomeçou na
década de 90, quando fundamentalistas islâmicos tomaram o poder e impuseram novas leis.
Os cristãos que habitavam o sul do país protestaram e, ao serem ignorados, envolveram-se em
um conflito armado.
Economicamente, o Sul do país, de maioria cristã, é mais rico em reserva de petróleo e
recursos naturais que o Norte, exigindo mais autonomia política. Já o Norte, de maioria
muçulmana, queria autonomia sobre todo o território sudanês, exigindo que todo o país fosse
submetido à legislação islâmica, a Sharia. Além disso, é no norte que se encontram portos de
exportação de petróleo, o que torna uma região dependente da outra.
Há de se considerar que o Sudão do Sul apenas conquistou sua independência em 09
de julho de 2011, esse país continua a ser um dos mais pobres do mundo, conforme afirma
Alfred Lokuji, decano da Faculdade de Estudos Rurais e Comunitários da Universidade de
Juba:
As instituições realmente não decolaram. Em primeiro lugar o Parlamento (...), a
administração não está funcionando como deveria e a corrupção continua a ser um
grande problema28.
28 TERRA. Sudão do Sul faz um ano de independência em conflito com o Norte. Disponível em:
<http://tinyurl.com/Sudao-do-sul-um-ano>. Acesso em: 21 mai. 2013.
31
A situação do Sudão do Sul ainda se agrava pelos contínuos conflitos enfrentados com
a porção Norte do país, divergências essas tanto de ordem econômica, como no caso dos
cortes na produção de petróleo, como de ordem religiosa e social.
Darfur encontra-se na fronteira entre esses dois países, Chade e Sudão. Três etnias são
predominantes na região: os Fur (que emprestam o nome à região), os Masalit e os Zaghawa,
em geral, muçulmanos da localidade.
M
apa do Sudão, do Sudão sul e da região de Darfur (Fonte: DS World’s Lands)
Diferentemente das Guerras Sudanesas, que opunham o Norte do Sudão,
predominantemente islâmico, ao Sul do país, eminentemente católico, em Darfur, as
populações em conflito são todas mulçumanas. Na realidade, este se trata de um conflito
étnico-cultural, que se iniciou por motivos políticos, e que vem ganhando contornos raciais.
32
Percebe-se que desde as suas respectivas independências, Chade e Sudão são países
que enfrentam constantes conflitos internos, tendo como causas primordiais, a extrema
diversidade étnica dos povos que compartilham esses territórios e os abusos políticos. Dessa
maneira, o conflito de Darfur vem se tornando mais um agravante na condição econômica
desses países, viabilizando a colocação de um crescente número de pessoas na situação de
refugiadas, as quais saem do Sudão (país de origem do conflito) e migram, sobretudo, para o
Chade, um dos países mais pobres do mundo.
3.2. Sudão e Darfur: Motivos do Conflito
Os fatores que desencadearam a guerra entre o Chade e o Sudão foram os conflitos
ocorridos anteriormente dentro do próprio Sudão entre os povos da região Norte e Sul e por
conta da guerrilha na região de Darfur, localizada na região oeste desse país.
A divisão entre o norte e o sul do Sudão tem sido evidente antes mesmo de sua
independência em janeiro de 1956 do domínio britânico e egípcio. No período que vai de
1899 a 1956, quando era colônia desses dois países, ambas as metrópoles governavam o norte
e o sul do Sudão separadamente. Tanto a região norte quanto a região sul do país era
governado de maneira conjunta pela Grã-Bretanha e pelo Egito, a diferença estava no fato de
que, internamente, essas duas metrópoles fazia uma administração distinta entre o norte e o
sul, pois, segundo as autoridades britânicas, a dominação norte-sul administrada de forma
unificada resultaria em uma rebelião do sul contra o governo. O norte caracteriza-se por ser
uma região de maioria mulçumana, enquanto o sul, a maioria da população é cristã ou
animista. Geograficamente no norte predomina o clima seco e é onde estão os portos de
exportação do petróleo, enquanto no sul, é onde se encontra grande parte das jazidas de
petróleo, além de outras reservas naturais e a extensão territorial é coberta em sua maior parte
pelo predomínio de savanas e florestas tropicais.
No entanto, ocorreu que com a independência, essas diferenças foram desconsideradas
e o país tornou-se uno com a Constituição de 1956. Porém, essa constituição não veio a tratar
de dois temas que vieram posteriormente a ser causas de conflitos no país. O primeiro deles é
se o Sudão constituiria um estado laico ou um estado islâmico, e o segundo, a questão da
estrutura federal do país.
A divisão feita a fim de se criar dois estados separados tornou-se ainda mais
complicada visto que o país sempre esteve envolvido em uma teia de interesses globais, uma
33
vez que o Sudão possui grandes reservas de petróleo, estando entre os 30 países com maiores
reservas de petróleo do mundo29. Assuntos complicados incluem a questão da partilha de
bilhões de dólares oriundos da receita obtida com o petróleo. O que deixa ainda mais delicada
a situação é que, com a divisão do estado sudanês, a região sul herdaria a maior parte das
reservas petrolíferas, enquanto o norte possuiria a maior parte dos oleodutos que são os
responsáveis pelo transporte do petróleo até o Mar Vermelho. Dessa maneira, é fácil
compreender o interesse das grandes potências ocidentais nesta questão, uma vez que se trata
de uma região estratégica detentora de matérias primas essenciais para o desenvolvimento da
economia global.
Esse conflito entre o norte e o sul é conhecido como a Segunda Guerra Civil Sudanesa
que teve uma duração de aproximadamente 22 anos e ocasionou cerca de dois milhões de
mortes e três milhões de refugiados30. Esse impasse só veio a se encerrar com o Tratado de
Naivasha, assinado em 09 de janeiro de 2005 no Quênia, o qual consistia em um acordo para
a separação das duas nações, e que, previa para 2011 um referendo no qual a população da
região sul iria escolher se aceitava ou não a independência.
O Sudão do Sul tornou-se independente em 09 de julho de 2011, o que gerou
esperanças de um futuro promissor para os dois novos estados e a ideia de que esta separação
viria a por fim aos conflitos, a violência e a extrema pobreza dessa região.
Outro conflito interno que ocorreu no Sudão, além da Segunda Guerra Civil, foi a
guerrilha na região de Darfur. Esse conflito é considerado um dos maiores genocídios31 da
história, dado o grande número de vítimas, que foram contabilizadas em, aproximadamente,
300 mil pessoas32. Historicamente, o conflito começou porque algumas tribos nômades, que
29 CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY. The World Factbook: Country comparison oil - proved reserves.
Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2178rank.html>.
Acessado em: 27 de mar. 2013.
30 U.S. COMMITTEE FOR REFUGEES. Sudan: Nearly 2 million dead as a result of the world's longest
running civil war. Disponível em:
<http://web.archive.org/web/20041210024759/http://www.refugees.org/news/crisis/sudan.htm>. Acessado em:
06 de mar. 2013.
31 Segundo a ONU, por meio da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, entende-se
por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo
nacional, étnico, racial ou religioso, tais como: a) Assassinato de membros do grupo; b) Dano grave à
integridade física ou mental de membros do grupo; c) Submissão intencional do grupo a condições de existência
que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial; d) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio
do grupo; e) Transferência forçada de menores do grupo para outro. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/genocidio/conv48.htm> Acessado em 16 de jul. de 2013
34
sofriam com a seca, começaram a invadir o território das tribos de agricultores sedentários, já
que Darfur é uma região de recursos limitados33.
Mas a atual guerra civil no Sudão foi iniciada em 26 fevereiro de 2003, e teve como
estopim o ataque organizado pelo grupo rebelde sudanês denominado Frente de Libertação de
Darfur (DLF) na cidade de Golo, sede do distrito de Jabel Marra.
Atualmente, dois grupos rebeldes da região de Darfur, o Exército Popular de
Libertação do Sudão (SPLA/M) e o Movimento Justiça e Igualdade (JEM), atacam o governo
sudanês, acusando-o de oprimir as pessoas não árabes em favor da população árabe.
O governo sudanês é formado majoritariamente por árabes. Ele é acusado de fazer
uma apartheid contra os não árabes. Desde 1991, o povo Zaghawa (que é uma tribo não árabe
que habitam a região de Darfur) afirmou que o governo manipulava a população árabe para
tais práticas e que o mesmo também influenciava uma limpeza étnica na região contra os não
árabes.
Quando a guerrilha entre governo e rebeldes eclodiu em 2003, no decorrer do conflito,
as forças armadas do governo estavam perdendo algumas batalhas para os rebeldes. A fim de
mudar essa situação, o governo resolveu juntar a inteligência militar e a sua força aérea com a
milícia Janjaweed para, assim, derrotar os rebeldes. Contudo, o governo do Sudão sempre
negou publicamente que dava assistência financeira e bélica a esses grupos e que também
tenha organizado ataques conjuntos com a milícia Janjaweed contra os insurgentes34.
Constatando esta conjectura de crise humanitária, o Tribunal Penal Internacional (TPI)
condenou em 2007 o ministro de Assuntos Humanitários do Sudão, Ahmed Haroun, e o líder
da milícia Janjaweed, Ali Kushayb, com 51 acusações por práticas de crimes de guerra e de
crimes contra a humanidade. O governo do Sudão alegou que o TPI não tinha jurisdição para
julgá-los e não os entregou às autoridades da Haia, nos Países Baixos. Posteriormente, em
2010, o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, foi condenado por ter orquestrado o genocídio
de Darfur. Possivelmente, al-Bashir não venha a ser julgado pela Corte Penal Internacional,
32 DEGOMME, Olivier; GUHA-SAPIR, Debarati. Patterns of mortality rates in Darfur conflict. The Lancet,
Londres, v. 375, n. 9711, p.294-300, 23 jan. 2010.
33 BECHTOLD, Peter K. A History of Modern Sudan (review). The Middle East Journal, Washington, DC, p.
149-150. Inverno de 2009.
34 BRITISH BROADCASTING CORPORATION. Sudan denies directing Janjaweed. Disponível em:
<http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/6062766.stm>. Acessado em: 15 de mar. 2013.
35
visto que o Sudão apenas assinou o Estatuto de Roma35, mas não o ratificou. Tornando-se,
assim, imune às decisões do TPI. Tanto a Liga Árabe, como a União Africana, condenam o
mandato de prisão.
Tendo em vista essa situação, em 31 de agosto de 2006, o Conselho de Segurança das
Nações Unidas aprovou a resolução 1706 enviando 17 300 militares para trabalhar em
conjunto com as tropas da União Africana. Estas formariam a UNAMID (African Union -
United Nations Hybrid Operation in Darfur); inicialmente o Sudão se negou em recebê-la
afirmando que essa implantação seria um ato de invasão ocidental.
A Guerra de Darfur descolou milhares de sudaneses daquela região para outros países
fronteiriços como Etiópia, Quênia, República Centro Africana, República Democrática do
Congo e Uganda. O estado chadiano foi o que mais abrigou refugiados sudaneses desse
conflito, segundo os dados do relatório anual do ACNUR36.
3.3. Repercussões do conflito de Darfur no Chade
O longo conflito em Darfur se estendeu para além de suas fronteiras, envolvendo
outros países, principalmente o Chade. Este estava neutro na origem do conflito, até então,
pois o governo almejava continuar mantendo uma boa relação com o Sudão, conquistada há
10 anos a paz entre esses dois países37.
Os esforços do Chade para evitar tomar partido no conflito em Darfur foram
destruídos por conta das invasões da milícia sudanesa Janjaweed no território chadiano, onde
roubavam gado, assassinavam pessoas e destruíam casas38.
A situação tornou-se mais delicada porque o Chade recebeu cerca de 200 mil
refugiados sudaneses de Darfur, quando o próprio Chade não tem recursos suficientes para
abarcar as necessidades da sua própria população. Posteriormente, atos de violências
35 Estatuto de Roma é o tratado que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional (TPI) em 17 de julho de 1998.
36UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES.Chad: Darfur's forgotten refugees.
Disponível em: <http://www.unhcr.org/refworld/docid/502cf3a460a9.html>. Acessado em: 09 de mar. 2013.
37 MCEVOY, Claire; LEBRUN, Emile. Uncertain Future: Armed Violence in Southern Sudan. Genebra:
Small Arms Survey, 2010.
38 BRITISH BROADCASTING CORPORATION BRASIL. Milícias sudanesas 'estão atacando civis no
Chade'. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2006/02/060205_sudaorw.shtml>.
Acessado em: 30 de mar. 2013.
36
semelhantes aos de Darfur passaram a ocorrer no Chade. O ataque Janjaweed às aldeias não
árabes fez com que surgissem mais de 170 mil chadianos deslocados internamente39.
Essa situação se acentuou ainda mais porque o Chade passava por grandes problemas
internos e havia um descontentamento generalizado da população com o governo por conta da
concentração de renda, da distribuição desigual dos lucros de petróleo nacional e pela falta de
democracia. Neste ultimo aspecto, a ideia se acentuou na população porque presidente
chadiano, Idriss Déby, modificou as leis constitucionais do país para pleitear uma terceira
candidatura, aumentando ainda mais a situação de crise institucional.
Além do aumento do número de rebeldes, também se verificou um aumento do poder
bélico desses grupos, pois o Governo do Sudão passou a apoiar os rebeldes do Chade
(entretanto esse apoio não foi declarado oficialmente pelo Estado Sudanês) por conta do
arrefecimento das relações entre ambos os países. Visto essa situação, o governo do Chade
declarou que o governo do Sudão estava exportando a guerra de Darfur para o seu país, a fim
de desestabilizar o Chade.
A complexidade das relações étnicas entre esses dois países tem trazido, desde a
independência de ambos, labirínticos problemas relacionados com as fronteiras. Como, por
exemplo, a questão da tribo Zaghawa. Os membros desta tribo estão divididos: uma parte
mora no Chade e a outra no Sudão; para eles, a fronteira entre esses dois países é apenas uma
linha imaginária, pois existe entre eles uma ideia de união, visto que apresentam os mesmos
costumes e pertencem a mesma comunidade. Os Zaghawa não são muçulmanos e, por esse
motivo, foram atacados em Darfur pelos Janjaweed, o que prejudicou ainda mais a
pacificação entre o Chade e o Sudão, posto que o presidente chadiano, Idriss Déby, pertence à
tribo Zaghawa. A atual guerra é resultado de quatro forças distintas40. O Sudão e o Chade têm
estado em conflito através de grupos rebeldes e milícias desde 2005. Neste conflito, estão
envolvidos os governos de ambos os países, sendo que, o governo sudanês apoia os rebeldes
chadianos ao mesmo tempo em que o governo chadiano apoia os rebeldes sudaneses. Ambos
os governos agem assim a fim de desestabilizar o país inimigo.
39 INTERNAL DISPLACEMENT MONITORING CENTRE. CHAD: IDPs in east facing continuing violence
and hardship: A profile of the internal displacement situation. Disponível em: <http://www.internal-
displacement.org/8025708F004BE3B1/(httpInfoFiles)/8B3586CB1C0375CEC12576930038CEF0/$file/Chad%2
0-%20December%202009.pdf>. Acesso em: 29 de mar. 2013.
40 WAAL, Alex de. Chad: Civil war, power struggle and imperialist interference. 2008. Disponível em:
<http://www.greenleft.org.au/node/39011>. Acesso em: 29 de mar. 2013.
37
Houve esperanças de dar-se um fim ao conflito com a assinatura do Acordo de Trípoli,
em 08 de fevereiro de 2006, pelo presidente do Chade, Idriss Deby, e do Sudão, Omar al-
Bashir, com mediação feita pelo presidente da Líbia, Muammar al-Gaddafi. Este acordo tinha
como objetivo alcançar um cessar-fogo, e, para garantir que isso ocorresse, seria implantado
grupos de vigilância na fronteira, cinco no lado do Chade e cinco no lado do Sudão.
Em menos de um mês após a assinatura do acordo, ele havia sido violado, em 06 de
março de 2006, quando os milicianos Janjaweed atravessaram a fronteira do Sudão e atacaram
a cidade chadiana de Amdjereme. Anteriormente a isso, rebeldes chadianos já haviam
declarado que o tratado significava apenas,
Um pedaço de papel com assinaturas nele [...] significa nada41.
Como resultado, o Chade rompeu relações diplomáticas com o Sudão, expulsou
diplomatas e outros representantes do governo sudanês que estavam em seu território e ainda
ameaçou expulsar centenas de refugiados sudaneses que fugiram do conflito de Darfur.
Em 2007, os insurgentes chadianos tomaram a cidade de Adré, Chade. Deby recusou
ter as tropas de paz das Nações Unidas em seu território, pois ele considerava este fato uma
invasão ocidental. Esse ataque foi documentado num filme chamado Google Darfur42.
Em resposta aos ataques rebeldes, o Chade declarou estado de emergência e em setembro de
2007 e aceitou a Resolução 1778 do Conselho de Segurança que autorizava a criação da
Missão das Nações Unidas na República Centro-Africana e no Chade, a MINURCAT. Esta
foi uma missão de paz das Nações Unidas do tipo peacekeeping43 estabelecida para fornecer
uma maior segurança às centenas de refugiados de Darfur que continuam a fugir para o leste,
indo em direção ao Chade e para o nordeste da fronteira indo para a República Centro-
Africana. É necessário proteger essas pessoas já que ainda existem grupos rebeldes sudaneses
41 MCDOOM, Opheera. Chadian rebels threaten fresh assault. Disponível em:
<http://reliefweb.int/report/chad/chadian-rebels-threaten-fresh-assault>. Acesso em: 24 mar. 2013.
42 Esse é um documentário produzido pela Film Baby e dirigido por Robert Simental, em 2007, onde expõe as
condições perigosas, tais como estupro e violência, com que vivem refugiados que moram nos campos de
refugio e as ineficiências da gestão acampamento.
43 Desde o fim da Guerra Fria (1948-1989), os Estados e as organizações internacionais têm repetidamente se
envolvido em conflitos e crises humanitárias através de processes de: peacekeeping (manutenção da paz),
peacebuilding (construção da paz) e peacemaking (pacificação) para ajudar a resolver problemas internacionais e
intranacionais.
Para mais informações sobre esses tipos de atuação, exemplos da utilização destes ao longo da história e suas
implicações acessem
<http://www.betterpeace.org/files/Dawson_Peacekeeping__peacebuilding_and_peacemaking17May2004.pdf>.
38
que continuamente realizam ataques através das fronteiras do Sudão, colocando em risco a
vida dos moradores locais e dos refugiados de Darfur que ali estão estabelecidos.
O Sudão veio a aceitar uma medida de interferência da comunidade internacional pelo
Conselho de Segurança em agosto do mesmo ano com a anuência da Resolução 1769 do
referido órgão. Esta autorizava a implantação de uma missão de paz híbrida entre as Nações
Unidas e a União Africana, a UNAMID. Essa missão de paz era uma missão de peacekeeping
e que também auxiliava a monitorar o embargo de armas para a região de Darfur em vigor
desde 2004 com a Resolução 1556. Esta missão de paz também foi autorizada a tomar todas
as medidas necessárias, de acordo com o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas44, para
apoiar a implementação do Acordo de Paz de Darfur.
Posteriormente, foi assinado novamente um novo acordo de cessar-fogo em Trípoli,
em 26 de outubro de 2007, pelos representantes do Chade, do Sudão e da Líbia. No fim de
novembro, o líder rebelde chadiano Mahamat Nouri acusou o presidente chadiano, Idriss
Deby, de ter ordenado um ataque aos rebeldes no país45. Em 30 de novembro do mesmo ano,
os insurgentes do Chade declararam estado de Guerra às forças militares estrangeiras no
Chade. Anteriormente essa declaração era só para o governo de Deby46.
Em março de 2008, durante uma reunião da Organização da Conferência Islâmica
(OCI) em Dacar, Senegal, foi assinada uma nova proposta de paz com a mediação do
presidente senegalês, Abdoulaye Wade, e com a presença do secretário-geral da ONU, Ban
Ki-moon, que visava dar-se um fim aos anos de conflito e violência entre o Chade e o Sudão.
Este acordo se diferenciava dos assinados anteriormente, que fracassaram, porque ele criou
uma união de países para que viessem se efetivar, de fato, as medidas tomadas para a
vigilância da fronteira. Esse grupo de controle é formado pelo Senegal, Líbia, Congo, Eritréia
e Gabão.
A paz durou pouco tempo, pois dois meses após a assinatura do tratado de Dacar, o
Sudão rompeu novamente relações diplomáticas com o Chade após o ataque ocorrido, em 11
44 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas: Capítulo VII Ação em Caso de
Ameaça à Paz, Ruptura da Paz e Acto de Agressão. Disponível em:
<http://www.un.org/spanish/Depts/dpi/portugues/charter/chapter7.htm>. Acesso em: 03 jun. 2013.
45 AL JAZEERA. 'Hundreds Dead' In Chad Fighting. Disponível em:
<http://www.aljazeera.com/NR/exeres/9B6F9600-140C-491A-AE6D-FC09D2DC3E87.htm>. Acesso em: 11 de
mar. 2013.
46BRITISH BROADCASTING CORPORATION. Chad rebels declare war on French. Disponível em:
<http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/7120750.stm>. Acesso em: 08 de mar. 2013.
39
de maio de 2005, em Cartum, a capital do Sudão, por rebeldes sudaneses. Estes protestaram
contra a pobreza e a marginalização da região de Darfur, o governo sudanês acreditou que
eles eram apoiados pelo Chade, a partir daí o presidente sudanês acusou Idris Déby de ter
dado ordens para armar os rebeldes, que entraram no Sudão47.
Em 2005, começou a vigorar o embargo de armas criado pelas Nações Unidas para
Darfur. Dois anos depois, ainda sob a vigência do embargo, segundo um relatório realizado
pela Anistia Internacional, foi constatado que havia sido encontrado armas chinesas em
Darfur, assim como mísseis, aviões e helicópteros de combate comprados da Rússia48. O
embargo não é para todo o Sudão, ele abrange apenas a região de Darfur. Esse embargo foi
criado pela ONU no intuito de impedir que governos estrangeiros ajudem militarmente
qualquer um dos grupos envolvidos para não agravar ainda mais o conflito nesses países.
Recentemente, a Assembleia Geral da ONU adotou o primeiro tratado que regulamenta o
comércio internacional de munições e armas convencionais, como: armas de pequeno porte,
tanques de batalha, aviões de combate e navios de guerra. Esse tratado consiste no fato de
que, cada país deve avaliar, antes de qualquer transação, se as armas por ele vendidas podem
vir a serem utilizadas pelos compradores para driblar um embargo internacional, cometer um
genocídio dentre outras violações graves aos direitos humanos, ou que venham a cair em
mãos de terroristas49.
Um novo acordo para reestabelecer a harmonia entre as duas nações foi assinado em
15 de janeiro de 2010 e marcou o fim da guerra de cinco anos de hostilidades entre o Chade e
o Sudão. O presidente sudanês visitou Cartum, a capital do Sudão, e pela primeira vez, em
seis anos, ambos os governos aceitaram deixar de financiar os rebeldes um do outro. No
entanto, rebeldes chadianos declararam não reconhecerem a vigência do acordo.
Para consolidar a segurança na fronteira chadiana, a ONU consolidou a criação do
Destacamento de Segurança Chadiano Integrado (DIS), que são policiais chadianos treinados
pela ONU para garantir segurança aos campos de refugiados. Contudo, a tamanha violência
47 FOLHA DE SÃO PAULO. Sudão rompe relações diplomáticas com o Chade após ataque. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u400654.shtml>. Acesso em: 03 jun. 2013. 48 AMNESTY INTERNATIONAL. "Sudan: Arms continuing to fuel serious human rights violations in
Darfur”. Disponível em: <http://www.amnesty.org/en/alfresco_asset/8bfe199c-a2b8-11dc-8d74-
6f45f39984e5/afr540192007en.pdf>. Acesso em: 08 de mar. 2013.
49 UOL. ONU adota primeiro tratado sobre comércio de armas. Disponível em:
<http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2013/04/02/onu-adota-primeiro-tratado-sobre-comercio-de-
armas.htm>. Acesso em: 03 jun. 2013.
40
na região, as condições dos campos de refugiados e os recorrentes ataques por rebeldes, fazem
com que esta, assim como outras missões de paz, não deem uma resposta efetiva às
preocupações acerca das condições de sobrevivência e segurança dos refugiados, pessoas
internamente deslocadas ou da própria população civil desses dois países.
3.4. A Situação dos refugiados
Segundo o relatório de Tendências Globais 2011 realizado pelo ACNUR, atualmente
há 281 mil refugiados sudaneses que fugiram do conflito de Darfur para o Chade. Porém, os
ataques de rebeldes são tão intensos neste país que milhares de civis chadianos fogem para o
Sudão, gerando assim um duplo fluxo de pessoas entre esses países. De acordo com o mesmo
relatório, há 83 mil refugiados chadianos no Sudão, provenientes dos conflitos internos do
Chade e dos ataques da milícia sudanesa Janjaweed.
Esses dois países sofrem com a falta de recursos, estão entre os mais pobres do mundo
e não conseguem abarcar as demandas da própria população. Com o conflito em Darfur e com
a Guerra Civil no Chade a situação tornou-se ainda mais preocupante.
Milhares de pessoas que atravessam a fronteira por conta dos conflitos internos no seu
país sejam no Chade ou no Sudão, além de terem que lidar com a situação precária dos
campos de refugiados, dado a falta de recursos nesses dois países receptores, os refugiados
também estão tendo que conviver com o assedio dos rebeldes.
Refugiados sudaneses no Chade. (Fonte: The Guardian)
Relatos de refugiados afirmam que mesmo com o auxilio do ACNUR, ONGs e outras
entidades governamentais de ajuda internacional, nesses locais, ainda há inúmeras
41
dificuldades a serem superadas. Nesses campos, não existe a presença de saneamento básico,
nem condições primárias de moradia nas casas. As pessoas vivem em tendas, e, quando
chove, o problema se alastra mais ainda, pois além de a água inundar as habitações, ela ainda
traz vírus e bactérias e estes se espalham pela população local gerando epidemias que vão de
doenças como hepatite a, até mesmo, piolhos50.
Inundação em um campo de refugiados no Sudão. (Fonte: ACNUR/ Terrie Nekesa Ongaro)
A realidade das crianças que estão nesses campos de refugiados é bem diferente da
idealizada pela Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada e proclamada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989. Este foi o documento
sobre direitos humanos mais aceito na história, sendo ratificado por 193 países51.
A brusca mudança de país e a quebra da qualidade de vida, mesmo que precária,
causam traumas psicológicos nos menores. A maioria dos campos de refugiados não contam
com estruturas dedicadas ao direito fundamental do ensino, salvas as raras exceções em que o
ACNUR ou a própria comunidade organizam. O depoimento da menina Sumaya, extraído do
site do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), sobre a saída de sua casa
enquanto sua aldeia foi atacada por uma milícia no Sudão exemplifica o sofrimento
vivenciado diariamente por milhares de pessoas que se encontram nessa situação:
50UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES. Chad: Working environment. Disponível
em: <http://www.unhcr.org/pages/49e45c226.html>. Acesso em: 03 mar. 2013.
51 FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA. Convenção sobre os Direitos da Criança.
Disponível em: <http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10120.htm>. Acesso em: 03 jun. 2013.
42
"Eu estava na escola quando eles nos atacaram", diz Sumaya. "Minhas irmãs
correram de volta para a aldeia, e eu corri com alguns amigos. Meu prima Mona
estava correndo à frente de mim quando foi baleada. Eu parei e segurei sua mão.
Quando ela morreu, sua mão escorregou para fora da mina. Alguns meninos vieram
e me disseram que eu tinha que correr, então eu corri." (Tradução nossa)52.
Além dos fatos anteriormente citados, observa-se que, atualmente, várias milícias
estão se utilizando de crianças refugiadas como “mini-soldados”. As mulheres são vítimas de
estupros quando saem dos campos devido à falta de segurança por conta da intensa violência e
precariedade da região. E ainda há casos em que existe essa grave violação de direitos
humanos dentro do próprio campo de refugiados, conforme relatado ao site da BBC:
Eles enfrentam o risco de estupro e outras violências nas mãos de membros da
família, refugiados e outros funcionários de organizações humanitárias, cuja tarefa é
dar-lhes assistência e apoio. (Tradução nossa)53.
E também ainda há a questão do casamento forçado de crianças. Segundo o site da
UNICEF:
As crianças deslocadas e refugiadas no Chade precisam de proteção contra uma
ampla gama de ameaças, incluindo a violência de gênero e exploração. Muitas
meninas são obrigadas a casar e ter filhos quando elas ainda são muito jovens, como
12 anos. Algumas morrem no parto, e as que sobrevivem devem dedicar-se à
maternidade em vez de continuar os estudos - se é que elas estavam na escola, para
começar "(Tradução nossa)54.
Dada tal situação, é necessário que a comunidade internacional tome uma medida
urgente a fim de que se possam alcançar soluções para os problemas encontrados pelos
refugiados que residem nos campos do Chade e do Sudão, oriundos dos conflitos aqui
52FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA. Childhood interrupted in Darfur’s refugee
camps. Disponível em: <http://www.unicef.org/sowc/20297_30568.html>. Acesso em: 03 mar. 2013. Do
original, em inglês: “I was at school when they attacked us,” says Sumaya. “My sisters ran back to the village,
and I ran with some friends. My cousin Mona was running ahead of me when she was shot. I stopped and held
her hand. When she died, her hand slipped out of mine. Some boys came and told me that I had to run, so I did”.
53 BRITISH BROADCASTING CORPORATION. Sudanese refugees 'raped in Chad'.
<http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/8282360.stm>. Acesso em: 12 mar. 2013. Do original, em inglês: "They face
the risk of rape and other violence at the hands of family members, other refugees and staff of humanitarian
organisations, whose task it is to provide them with assistance and support ”.
54 FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA. Ensuring a right to special protection for
vulnerable child refugees in Chad. Disponível em: <http://www.unicef.org/infobycountry/chad_50047.html>.
Acessado em: 05 mar. 2013. Do original, em inglês: “Displaced and refugee children in Chad need protection
from a whole range of threats, including gender-based violence and exploitation. Many girls are forced to marry
and bear children when they are as young as 12. Some die in childbirth, and those who survive must dedicate
themselves to parenting instead of continuing their schooling – if they were in school to begin with ”.
43
apresentados, ao curto e longo prazo. No primeiro caso, para os problemas que se referem à
insegurança e a falta de infraestrutura dos campos, no segundo, para que essas pessoas
retornem ao seu país de origem ou que sejam integradas a uma nova sociedade e deixem os
campos.
3.5. O Documento de Doha para a paz em Darfur
O Documento de Doha para a Paz em Darfur (DDPD) é a base para um cessar-fogo
permanente e um amplo acordo de paz para acabar com o conflito que se instaurou na região
sudanesa, tentando viabilizar as negociações entre os grupos rebeldes entre si e desses com o
Governo.
O DDPD é o culminar de dois anos e meio de negociações, de diálogo e de consultas
com os principais partidos envolvidos no conflito de Darfur, todas as partes interessadas e
parceiros internacionais, estando concluído em 2011. O DDPD aborda as causas do conflito e
suas consequências, incluindo partilha de poder, partilha da riqueza, direitos humanos, justiça
e reconciliação, cmpensação, e retorno e diálogo interno, entre outros.
Em outubro de 2012, o segundo maior grupo rebelde do conflito de Darfur,
Movimento de Justiça e Igualdade (JEM), o qual integra uma das três facções da frente
comum dos rebeldes do Darfur, comprometeu-se com o Documento de Doha para a Paz em
Darfur, haja vista que em 2011 o Movimento Justiça e Libertação (LJM), outra facção da
frente comum do conflito, foi o primeiro grupo a assinar a declaração.
O Documento de Doha foi um dos primeiros instrumentos internacionais a assumir
perante a Comunidade Internacional compromissos do governo sudanês e das milícias em
tentar acabar com o conflito, que, por tantos, anos tem se estendido. Observa-se, no entanto,
que o Documento não esta sendo implementado com o todo o rigor esperado, conforme fica
nítido na fala de Victória Nuland, porta-voz dos Estados Unidos da América:
Exortamos o governo sudanês a desarmar urgentemente as milícias em Darfur, de
acordo com a Resolução 1556 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a
cessar todos os bombardeamentos aéreos e a implementar o Documento de Doha
para a Paz em Darfur como base de um processo de paz mais inclusivo e eficaz.
(Tradução nossa)55.
55 IIP DIGITAL. Deterioração rápida e significativa da segurança no Darfur do Norte e em Jebel Marra.
Disponível em:
44
Apesar da pouca concretização prática do documento, o Secretário Geral da ONU, Ban
Ki-Moon, saudou o Documento de Paz de Doha adotado pelas partes interessadas no conflito
de Darfur, como base para acabar com o conflito. O documento também é apoiado pela União
Africana e pela Liga Árabe.
3.6. Medidas tomadas para superação do conflito
No momento em que surgiu o conflito em Darfur, em 2003, a comunidade
internacional estava concentrada mais no sucesso e na mediação do acordo de paz entre o Sul
do Sudão e Cartum, capital do Sudão, a fim de por um ponto final à guerra mais longa da
história da África. Dessa forma, o Conselho de Segurança da ONU tinha as informações
relativas à situação em Darfur, mas, para não atrapalhar o sucesso do acordo de paz entre o
Sudão e Cartum, absteve-se, a priori, de qualquer medida ou declaração.
Em 2006, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou a Resolução 1706 de
envio de uma força de manutenção da paz da União Africana, composta de 17 300 soldados.
Em maio de 2006, o Exército de Liberação Sudanesa, principal grupo rebelde do
Sudão, concordou com uma proposta de acordo de paz com o governo sudanês. No entanto, o
acordo foi rechaçado tanto pelo Movimento de Justiça e Igualdade, tendo por porta-voz dos
rebeldes, Ahmed Hussein, como por uma facção rival do próprio Exército de Liberação
Sudanesa, dirigida por Abdul Wahid Mohamed el Nur. Os principais pontos do acordo eram o
desarmamento das milícias Janjaweed.e a incorporação dos efetivos dos grupos rebeldes ao
exército sudanês. Apesar do acordo, os combates continuaram.
Em 31 de Julho de 2007, o Conselho de Segurança das Nações Unidas votou por
unanimidade a Resolução nº 1769 que aprova a constituição de uma força militar conjunta da
ONU e da União Africana para o Darfur. A resolução autoriza a formação de uma força
denominada UNAMID, constituída por 26 mil soldados e policiais, essa força ficará
encarregada de proteger os deslocados e refugiados na região de Darfur e do Sudão,
oferecendo o auxilio humanitário necessário.
A maioria dos países tem congregado esforços para por fim ao conflito de Darfur,
exigindo intervenções da ONU, dentre outras posturas mais rígidas. O Japão, no entanto, é um
<http://iipdigital.usembassy.gov/st/portuguese/texttrans/2013/02/20130221142861.html#ixzz2Mhbgx9Fk>.
Acesso em: 05 mar. 2013.
45
dos países mais emblemáticos na Comunidade Internacional que não se mobiliza para o fim
do conflito; esse país é um dos maiores importadores do petróleo Sudanês.
Agregando esforços para por fim ao conflito de Darfur, muitos países se propuseram a
doar divisas:
Em Oslo, em abril de 2005, a comunidade internacional prometeu cerca de US$ 4,5
bilhões para o Sudão em três anos (2005-2007). Deste total, aproximadamente 38%
foram confirmados. A ajuda global passou de US$ 383 milhões em 2003 a mais de
US$ 1,7 bilhão em 2005, sendo US$ 1,1 bilhão para a assistência humanitária, da
qual boa parte foi para Darfur56.
Além da concessão de divisas, alguns países declararam a possibilidade de impor
sanções econômicas uni ou multilaterais ao Sudão, no caso do governo sudanês não empenhar
todas as forças para restabelecer a paz na região:
Os Estados Unidos e o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, advertiram o
Sudão de que o país enfrentará sanções "unilaterais e multilaterais", se não cumprir a
recém-adotada resolução do Conselho de Segurança sobre a força de paz híbrida
integrada pela ONU e a União Africana para Darfur57.
O chefe da UNAMID, a força conjunta da ONU e da União Africana para por fim ao
conflito de Darfur, Imbrahim Gambari, afirma que não basta o envio de verbas ou policiais,
afinal, problemas humanitários também exigem intervenções humanitárias, como a difusão da
consciência da necessidade dos povos de diferentes origens étnicas colaborarem entre si:
Devemos redobrar nosso compromisso em restaurar os serviços básicos para mais
comunidades e facilitar a rápida recuperação e reconstrução. Esta é a chave para
consolidar nossas conquistas na região para convencer as comunidades ambivalentes
sobre se juntarem ao processo de paz58.
O ACNUR tem atuado diretamente no conflito de Darfur, mas, além dele, existem
muitos outros organismos internacionais empenhados em auxiliar no término da guerra,
56 UOL. Países doadores pedem fim "imediato" de hostilidades em Darfur. Disponível em:
<http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2006/03/10/ult1808u60567.jhtm>. Acesso em: 05 mar. 2013.
57 UOL. Sudão aceita oficialmente a resolução 1769 sobre força de paz em Darfur. Disponível em:
<http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2006/03/10/ult1808u60567.jhtm>. Acesso em: 06 mar. 2013. 58 ONU BRASIL. Darfur aproxima-se da paz sustentável, avalia Chefe da UNAMID. Disponível em:
<http://www.onu.org.br/darfur-aproxima-se-da-paz-sustentavel-avalia-chefe-da-unamid/>. Acesso em: 06 mar.
2013.
46
viabilizando melhores condições de vida aos refugiados e amenizando o sofrimento advindo
de situações extremas, como é o caso de conflitos armados.
Organismos da ONU ativamente envolvidos nesta abordagem incluem a
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF), o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários
(OCHA), o Programa Mundial de Alimentos (PMA), a Organização Mundial da
Saúde (OMS) e o Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos
(ACNUDH)59.
Percebe-se, portanto, que muitas medidas para a superação do conflito de Darfur
foram pensadas, mas poucas estão sendo, efetivamente, implementadas. Espera-se que os
representantes dos países que integram a Comunidade Internacional hajam o mais rápido
possível.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados busca soluções duráveis
para o problema, a fim de que a vida dos refugiados possa ser reconstruída com paz e
dignidade. As principais iniciativas do ACNUR estão sendo: repatriação voluntária,
integração local dos refugiados nos novos países ou restabelecimento desses indivíduos em
um terceiro país, isso ocorre quando a Nação para a qual o refugiado migrou não pode acolhê-
lo de forma satisfatória, sendo, também, inviável, seu retorno para casa.
Apesar dessas três soluções genéricas para o problema, o ACNUR reconhece que tais
medidas não são adequadas para grande parte dos refugiados e demais deslocados internos,
acreditando que a principal dificuldade de implementação de pontos mais viáveis e
consistentes trata-se da ausência de uma declaração, tratado ou acordo em que os Países da
Comunidade Internacional externem seus posicionamentos.
No âmbito desse Comitê, os senhores delegados podem trabalhar com as soluções que
já existem, mas devem, sobretudo, pensar em novas saídas para essa questão que tende a se
agravar a cada dia. Tendo em mente que as medidas atuais estão sendo insuficientes para
conter o problema.
59 ONU BRASIL. A ONU e os refugiados. Disponível em: <http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-os-
refugiados/>. Acesso em: 06 mar. 2013.
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