Post on 24-Jan-2019
A TRIBO DAS BORBOLETAS AZUIS. AMBIENTAÇÃO SERTANEJA E ESTÉTICA EM FAGUNDES VARELA
por
JOSÉ MANUEL TEIXEIRA CASTRILLON
Departamento de Letras Vernáculas
Tese de doutorado em Literatura Brasileira apresentada à Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientador: Professor Doutor Sérgio Martagão Gesteira.
Rio de Janeiro, 1º semestre de 2007
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Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Letras. Departamento de Letras Vern?culas.
na literatura. Poesia. 3.Romantismo-Brasil. 4.C?none (Literatura) 5.Romantismo brasileiro. S?culo XIX- Hist?ria e cr?tica. I. S?rgio F. M. Gesteira. II Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Letras.Departamento de Letras Vern?culas. III. A tribo das borboletas azuis CDD B869.1009
Banca examinadora
________________________________________________________Professor Doutor Sérgio Fuzeira Martagão Gesteira (orientador)
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Professor Doutor Wellington de Almeida Santos
________________________________________________________________
Professor Doutor Antônio José Jardim e Castro
_________________________________________________________________
Professor Doutor Luís Alberto Nogueira Alves
_________________________________________________________________
Professor Doutor Godofredo de Oliveira Neto
Suplentes:
________________________________________________________________
Professora Doutora Elódia Carvalho de Formiga Xavier
_______________________________________________________________
Professora Doutora Angélica Maria Santos Soares
Defendida a Tese:
Conceito:
Em: / / 2007
Para C.
Breve sogno
Agradecimentos
Caso fosse possível, gostaria de agradecer a todos os autores que produziram as
obras que consultei durante o período em que trabalhei na tese.
Agradeço a meus professores na Pós-Graduação da Faculdade de Letras da UFRJ,
dos departamentos de Letras Vernáculas, de Ciência da Literatura e de Letras
Neolatinas.
Agradeço à minha família: Dr. Castrillon, Madre, Lu e Maroca.
Obrigado, Flavia.
Sou grato aos funcionários da biblioteca e da secretária de pós-graduação, tanto aos
que já não mais lá trabalham, como Dona Ezenira e Maria Helena, quanto aos atuais,
em especial, Fátima, Nádia, Celly e Leonardo.
Durante o doutorado pude contar com bolsa do CNPq, apoio fundamental para que
essa empreitada pudesse ser levada a cabo.
Devo ao meu orientador, professor Sérgio Gesteira, uma interlocução preciosa e o
constante chamado para que mantivesse o foco no objetivo da pesquisa.
Agradeço a meus colegas da UNEB, à diretora da Faculdade de Letras Fabiana
Andrade Santos, bem como à coordenadora do colegiado Jaciara Sant’Anna e a todos
os funcionários.
Agradeço aos amigos Caroline, Marly, Conceição, Marta, Nelma, Pedro, Milton,
Everton, Siraiama, Angélica, Paulo Gomes, Edu, Rogério, Luís Fernando, Dr. Meira,
Eduardo Bauster, Yma, Banwart, Mairise, Acácio e Jovita.
Gostaria de agradecer ainda a coisas e eventos aleatórios, como a paisagem que se vê
das salas de aula, a locução de alguma partida de futebol, gente caminhando pela
tarde, latidos de cachorros roucos, garçons anônimos, eloqüentes motoristas de táxi.
A todos meu sincero obrigado.
Resumo
A presente tese investiga a vertente cabocla, ou sertaneja, na poesia brasileira de
meados do século XIX, tendo como referência principal Fagundes Varela. Nesse
percurso, buscou-se compreender os mecanismos atuantes na formação do cânone da
poesia romântica e caracterizar parte da recepção desta produção. A indagação sobre
um possível e intencional silenciar dessa poética teve enfoque significativo, bem
como o de alguns de seus agentes, marcos cronológicos e teóricos. Buscou-se, com
isso, atualizar a leitura de nossa poesia romântica, prejudicada, talvez, por alguma
idealização e outros fatores intervenientes.
Abstract
This work aims to discuss the mid-nineteenth century poetry of the provincial areas
of Brazil mainly by focusing on the works of Fagundes Varela. By doing so, the
acceptance and reception of this poetry is depicted, as is the process of establishing
the canons of poetry in the romantic era. A possible intentional silencing of this
provincial poetry – together with its relevant participants, chronological landmarks
and theories – is also discussed here. Finally, this work presents a fresh reading of
Brazilian poetry of the romantic era, avoiding the prejudices and idealizations
against it.
Résumé
La présente thèse porte sur le versant “cabocle” (métis de blanc et d’indien), ou lié à
des habitants du sertão, de la poésie brésilienne du milieu du XIXe siècle en prenant
comme principale référence, l’œuvre poétique de Fagundes Varela. Cette démarche a
eu pour objectif de chercher et de mettre en évidence les mécanismes de formation
du canon romantique tout en caractérisant une part de la réception de celui-ci. La
recherche sur une possible et intentionnelle tentative de masquer cette poétique a eu
un effet significatif, tout comme celui de certains agents ont constitué des repères
chronologiques et théoriques. Nous avons ainsi tenté d’actualiser la lecture de notre
poésie romantique qui a peut-être subi quelque préjugé par une certaine idéalisation,
voire divers autres facteurs.
Sumário
1.Introdução 11
2. Fundamentos do poético e a poesia brasileira de meados do século XI 30
2.1.Romantismo, sentimento da natureza e sensibilidade interiorana. 30
2.2. Poesia e definição do ser 35
2.3. Formação do cânone romântico. Recepção ao Romantismo 41
2.4.Fatores determinantes no início da formação do cânone romântico 66
2.5.Contribuições posteriores à formação do cânone do Romantismo 76
2.6. O romantismo brasileiro e a idéia de nação 88
3-Poesia romântica e ambientação sertaneja na poesia de Fagundes Varela 94
4.Conclusão 113
Referências Bibliográficas 121
Punha-se o sol, as sombras sonolentas
Mansamente nos vales se alongavam,
Bebiam na taberna os arrieiros
E as bestas na poeira se espojavam.
Fagundes Varela
1. Introdução
Libertadores da América
Uma pergunta comum e fundamental: Quem somos nós? Em particular, tentamos
responder: quem é brasileiro, latino, latino-americano, sul-americano, gaúcho,
cucaracha, brazuca, tupiniquim? O conceito de identidade tem se desmanchado no
ar. A identidade se construiria numa longa cadeia de associações cujas origens,
obrigatoriamente remotas, parecem perdidas para sempre. Multiculturalismo.
Mensagens provenientes de todas as partes circulam vertiginosamente. Nelas,
entretanto, não se deixa de notar certa homogeneidade. Certamente há um novo
totalitarismo de natureza extremamente radical que uniformiza os discursos, como
afirmava Pasolini1.
1- que as “classes médias” mudaram radicalmente, diria até, antropologicamente; seus valores positivos não são mais os valores reacionários e clericais, mas sim os valores (...) da ideologia hedonista do consumo e da conseqüente tolerância modernista do tipo americana. Foi o próprio Poder –– através do “desenvolvimento” da produção de bens supérfluos, da imposição do consumo frenético, da moda, da informação ( e principalmente, de maneira imponente da televisão) –– que criou tais valores, descartando cinicamente os valores tradicionais e a própria Igreja, que era o símbolo desses valores.
(...) Mas esse Poder também padronizou culturalmente a Itália: trata-se portanto de uma “padronização” repressiva, mesmo se obtida através da imposição do hedonismo e da joie de vivre.2
Embora o autor se refira às mudanças acontecidas na Itália dos anos de sessenta e
setenta, podemos ampliar suas considerações para o Brasil, pois o fenômeno descrito
tem alcance mundial, global.
Por outro lado, o conceito de brasileiro e de cultura brasileira não é algo que
tenha perdido completamente seu contorno. Em determinados momentos fica
evidente, a nós brasileiros, o fato de pertencermos a uma cultura diferenciada. A
propriedade da cultura brasileira não se manifesta de forma indistinta, ela se torna
1 PASOLINI, Pier Paolo. Os jovens infelizes, antologia de ensaios corsários. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 86-92.2 Ibidem. p.80-81.
especialmente perceptível em determinados momentos.
Pela leitura da produção dos poetas românticos depreende-se que durante esse
período tais preocupações assumiram um caráter sistemático e programático.
Investigar, propor, inventar as bases de nossa identidade era uma tarefa dos
escritores. Fazia-se necessário lavrar o registro do novo país que surgia e de seu
povo. A escola romântica realizou esse papel de forma idealizada, parcial,
restritivamente, sob o olhar elitista, talvez, mas isso não desautoriza o processo nem
a intenção de seus autores. Havia uma pátria Brasileira a ser ficcionalizada e
poeticamente criada. Em nome da invenção da Pátria, muitas coisas podiam ser
tentadas e lançadas. Esperanças. Quem sabe se a partir da Independência
conseguiríamos começar a colher o que profetizara, não sem um quê de interesse, o
escrivão Caminha, como capta o humour oswaldiano.
Erro de Português
Quando o português chegouDebaixo duma bruta chuvaVestiu o índioQue pena!Fosse uma manhã de solO índio tinha despidoO português3
A anedota é válida. Primeiro porque questiona o fato de andarmos tão vestidos
nesse calor (levemos em consideração o clima sub-tropical das regiões Sul e
Sudeste).A vitória dos costumes europeus, do vestuário, do sistema do sagrado e da
língua, de certa maneira esclarecia um pouco as coisas. Éramos a América
portuguesa, católica... Entretanto, a vitória européia não teria sido tão acachapante.
Rasuras teriam permanecido. Caprichos, esquisitices.
3 ANDRADE, Oswald. O Santeiro do Mangue e outros poemas. São Paulo: Globo, Secretaria de Estado da Cultura, 1991. p. 95.
Antes de tentarmos compreender a recepção da vertente sertaneja na lírica de
meados do século XIX, especialmente a de Fagundes Varela, um esforço no sentido
de explicitar como os fluxos das culturas locais e cosmopolitas têm agido sobre a
literatura faz-se necessário. Embora a produção romântica localize-se em meados do
século XIX, sua recepção não pode deixar de ser um fenômeno atual. É necessário
recuperar algumas interpretações que, ao longo do tempo, foram importantes para a
constituição histórica do olhar contemporâneo sobre o tema.
Talvez por conta do chamado complexo colonial, a preocupação com a
identidade nacional sazonalmente agudiza-se, tomando corpo em realizações em
diversos campos, como o da literatura, da sociologia, da antropologia, da história. No
campo literário, por exemplo, além do período subseqüente à nossa Independência, o
início do século vinte, a década entre 1920 e 1930, os anos cinqüenta, bem como os
anos sessenta e setenta foram marcados pela reflexão sobre a nação brasileira e sua
cultura. Acompanhemos um pouco esse processo.
Ao final do século XIX, com o prestígio do darwinismo social, do determinismo
e das teorias de eugenia, começa a ficar evidente que parte da população não se
sentia à vontade com os pretos, pobres e mestiços de vário matiz. A alteridade, a
imagem do outro, exercia um fascínio irresistível. Como demonstra a antropologia
estruturalista, a noção de identidade se revela no contraste e no confronto. Nós,
brasileiros, portanto, seríamos o que o outro não é. Mas no Brasil é diferente –––
aqui o estrangeiro deveria ser convertido em nós mesmos: nos ventres de nossas
mulheres fecundados por homens brancos, acabaríamos parindo uma raça mais
dinâmica, menos primitiva, cópia das civilizações desenvolvidas do Primeiro
Mundo.
Euclides da Cunha percebe que a República, seus corolários e ideais de
modernidade tinham pouca penetração no Brasil profundo do interior. Sente-se no
narrador d’Os Sertões um misto de decepção e fascínio. Entretanto, o engenheiro
culto não hesitou em reconhecer no sertanejo o granito da raça brasileira. “O
sertanejo é antes de tudo um forte” – frase que ganhou uma consistência algo mítica.
A sociedade do Rio de Janeiro, assim como a das grandes cidades do litoral, tinha os
olhos voltados para a Europa. Euclides da Cunha e Lima Barreto abominam esse
cosmopolitismo tacanho. Para esses autores, a consolidação da identidade nacional
era condição necessária para um contato mais igualitário com as potências mundiais
e com as outras culturas. Não se tratava simplesmente de uma questão de orgulho
nacional, mas de uma questão de sobrevivência. Eles esforçaram-se por fazer com
que a inteligência nacional fixasse sua atenção no interior do Brasil e nos demais
aspectos de nossa realidade social4. Hoje, passados quase cem anos, é que
conseguimos avaliar o quanto essas preocupações tinham um alvo correto. Hoje,
quando o Ministério da Cultura afirma a mesma coisa, admitindo a importância
estratégica da pasta:
Os direitos culturais fazem parte dos direitos humanos e a dimensão cultural é indispensável e estratégica para qualquer projeto de desenvolvimento. Segundo a Declaração Universal da Diversidade Cultural, os indivíduos e grupos devem ter garantidas as condições de criar e difundir suas expressões culturais; o direito à educação e à formação de qualidade que respeite sua identidade cultural; a possibilidade de participar da vida cultural de sua preferência e exercer e fruir suas próprias práticas culturais, desde que respeitados os limites dos direitos humanos. O direito à diferença, e à construção individual e coletiva das identidades através das expressões culturais é elemento fundamental da promoção de uma cultura de paz. (...)Para o Governo brasileiro, proteger e promover as expressões culturais em sua diversidade é direito legítimo dos cidadãos, da sociedade civil e dos estados nacionais.5
4 SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão. Tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 122-123.5 Pronunciamento do Secretário Sergio Mamberti na IV Conferência de Educação e Cultura na Câmara dos Deputados. Texto redigido por Álvaro Magalhães a partir de debates internos na SID/MinC, especialemente com Ricardo Lima e Sérgio Mamberti. O grifo não é nosso. http://www.cultura.gov.br/politicas/identidade_e_diversidade/index.html
Ao final do século XIX e início do século XX, a expansão econômica
desencadeada pela segunda revolução industrial exigia que as potências
conquistassem mercados. Quase que como uma ideologia a legitimar essa cruzada, a
teoria das raças cumpria perfeitamente o papel. Expandir, conquistar e dominar
ficava mais fácil quando se passava a admitir que alguns eram mais atrasados,
primitivos, bárbaros. Conquistava-se e ao mesmo tempo fazia-se o favor de incluir as
distantes paragens na “civilização”. As elites das colônias, ou ex-colônias (devemos
observar, entretanto, que nunca tivemos, por exemplo, um acontecimento tão
significativo como a Revolução Francesa, com conseqüências sociais universais)
deslumbravam-se com as conquistas econômicas, técnicas e militares das potências
européias, daí o padrão europeu passou a ter validade absoluta, inclusive sua
eurocêntrica teoria das raças. Nossos autores reagiram de forma distinta. Para
Euclides, poderíamos tentar superar as potências trilhando o mesmo caminho. Para
Lima Barreto, isso mesmo era causa de nossa alienação6.
Euclides revelava-se mais crédulo. Nossos bacharéis poderiam vir a constituir uma
elite dirigente que poderia conduzir-nos ao progresso. O autor de Triste fim de
Policarpo Quaresma tinha seus senões. Os “doutores” seriam na verdade uma casta
privilegiada que se locupletava nos cargos que desde sempre lhes estariam
destinados7. Quem estaria com a razão? Segundo nossa análise, Lima Barreto, pois a
julgar por alguns de seus comportamentos, nossa elite não parecia estar
comprometida com qualquer projeto nacional e, àquele tempo, mantinha sempre os
olhos em Paris, trajava ternos cortados à inglesa e freqüentava prostitutas
6 SEVCENKO, N.(1983) p. 1247 Ibidem. p. 125.
“francesas”. Com alguma variação, hoje há um comportamento semelhante. Miami,
Aspen, Nova Iorque e previsíveis viagens à Disneyworld. Algo como tomar chá
inglês, vestido a caráter, na África. Mais do que a manutenção de hábitos herdados,
próprios e legítimos, o que se tentava realizar era o apagamento da cultura do outro.
Euclides da Cunha e Lima Barreto já chamavam a atenção para uma decadência
cultural que tomava conta da República, desencadeada também por influência do
jornalismo. Mostravam-se especialmente sensíveis ao fenômeno da “glorificação das
mediocridades”8. Antes do período republicano, Fagundes Varela também perceberia
e denunciaria esse mesmo processo:
Oh! tudo vai passando, e tudo morre!Tudo sufoca a vil mediocridade!O panteon da pátria está deserto!Retraem-se os talentos hodiernos,E da fome o cruento despotismoColoca pavorosa e sem piedade,Do mísero escritor, que o pão suplica,A pena mercenária ao punho presa!...9
O dado mais característico e saliente da maneira pela qual Euclides encarava a
cena social de seus dias era a sua convicção –– e nesse aspecto era acompanhado por
parte da intelligentsia nacional –– de que assistia a um completo espetáculo de
inversão de valores e de papéis no interior da sociedade. A República, tão
promissora, nas suas origens, de uma civilização técnica e moralmente elevada,
havia se transformado no paraíso dos “medíocres”.10
Podemos detectar já aqui, ao final do século XIX, o início da organização de um
mecanismo cuja ação se tornará cada vez mais sensível, agindo tão sub-reptícia
quanto eficazmente. O que nos intriga é: por que alçar aos postos de evidência, de
8 SEVCENKO, N.(1983) p.126.9 VARELA, L. N. Fagundes. Poesias completas de L. N. Fagundes Varela. v. 2. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957. p. 349.10. SEVCENKO, N (1983) p.146.
modo até insistente, os medíocres? O que se objetiva com essa estratégia? Que
conseqüências tal atitude pode acarretar para a nação?
Parece mesmo que o Brasil do início do século XXI já estava sendo aqui
projetado. Que adjetivo pode melhor classificar o que se chama hoje de celebridade?
Xuxa, que recebeu o generoso apodo de “Nossa Rainha”, trouxe algum ganho
palpável às crianças brasileiras nos vinte anos em que tem estado no ar? Como
explicar o fato do locutor esportivo Galvão Bueno tornar-se o porta-voz exclusivo do
narrar futebolístico, numa terra em que o futebol assume uma importância quase
universal nos mais diversos aspectos? Uma centralização absurda –– como pudemos
constatar na Copa do Mundo de 2006 na Alemanha –– injustificável e
empobrecedora. O mesmo acontecendo com os domingueiros programas de
auditório, segmento em que o surgimento de novos valores é, há muito, um
problema. Faustão não consegue, não quer ou não pode reinventar-se. Silvio Santos é
outro a repetir suas fórmulas de sucesso numa seqüência que não parece ter fim de
shows de prêmios. Podemos incluir ainda o fenômeno internacional do Big Brother,
que aqui, certamente não por acaso, parece ter encontrado condições extremamente
favoráveis. Todos exemplos certos dessa tradição da glorificação das mediocridades.
Não nos estranha, portanto, que a concessão de canais de televisão pelo Estado seja
um ponto importante na política dos países “pobres”. É o que se vê hoje na
Venezuela e o que ainda não se quer ver no Brasil.
O valor da mediocridade, de resto, fora também abordado por Machado de Assis
no conto “Teoria do medalhão”, em que, com rara sagacidade e olhar clínico,
conseguia revelar este componente importante de nosso sistema social.
Mas retornemos àqueles autores. Euclides tinha os olhos no interior do Brasil e
tentava identificar na população mestiça do sertão os elementos que poderiam
fornecer a base de uma possível raça brasileira. Enquanto um intelectual como ele
realiza este percurso, colocando a população carente, mestiça e analfabeta como
centro de nossa identidade, a grande maioria não era da mesma opinião. Em seu
projeto para consertar os rumos do Brasil, pretendia que essa população, que até
então fora displicentemente abandonada no interior do país, obtivesse
gradativamente as benesses civilizacionais presentes nos grandes centros
cosmopolitas e desenvolvidos do litoral11.
Excetuando-se aquelas populações interioranas, que há tempos vivem perdidas
nos confins do Brasil e que por isso mostram conhecer e estarem adaptadas à sua
região12, o contato com a própria terra não é algo familiar. Euclides observa que a
população que ocupa o território nem se dá ao trabalho de o conhecer. São como
alguns daqueles primeiros donatários que nem se deram ao trabalho de vir para cá
conhecer a parte que lhes cabia das sesmarias... É um sintoma importante. O pouco
interesse em conhecer a terra pode revelar que se queira evitar criar vínculos mais do
que passageiros, o que é desde sempre evitado no Brasil. Não se pode mesmo prestar
muita atenção à terra que se saqueia. O olhar desde sempre estivera atento às
possibilidades de lucro e exploração. Uma vez esgotados os recursos, parte-se para
outro lugar sem muita saudade e apego. Algo que Euclides já chamava de “fazedores
de desertos” e que Monteiro Lobato denunciaria com as “cidades mortas”. Um
processo econômico sem qualquer planejamento que quisesse deixar algo de
duradouro para as populações. O mesmo que vemos hoje em dia com as novas
fronteiras agrícolas da soja e do algodão no Centro-Oeste e parte do Nordeste. Ao 11 SEVCENKO, N. (1983) p. 14912 Ibidem. p. 145.
Norte, as madeireiras e a pecuária. Fatos análogos aos de cem anos atrás. O homem
brasileiro pobre nesse processo é o que menos conta. Sendo que, agravando o
quadro, sintomaticamente, há um novo surto de mão de obra escrava no Brasil.
Pessoalmente, confessa o autor de Os sertões que começa a sentir desprezo pelas
coisas de seu país. Estranha e obviamente –– movido, porém, por um sentimento
cujas motivações são bem diferentes daquelas determinadas pelas elites nacionais ––
passa ele também a nutrir uma animosidade negativa para com o Brasil. Uns
enxergam o país como um lugar com possibilidades para o lucro pessoal. Estes
mantêm seu ideal de civilização em outras paragens. Rastaqüeras, conectam-se ao
dernier cri de Paris e fazem estação de águas em França. A literatura fornece um
bom exemplo do comportamento dessa classe na narrativa reveladora do romance
epistolar A correspondência de uma estação de cura (1918) de João do Rio.
Teodomiro de Sá Pacheco é um brasileiro como deve haver muitos outros. Tem como base das suas opiniões –– o Brasil, um país à beira do abismo; e desconhece por completo o Brasil. Em compensação, viaja a Europa, de que conhece muito bem os menores detalhes, e julga-se feliz. A felicidade é muito relativa. Quando rebentara a guerra, Sá Pacheco ia precisamente partir. Ficou. Mas de tal maneira andaram os negócios de amor e de dinheiro (perdas em ambos os ramos, consecutivas) que a neurastenia não podia deixar de lhe ser um elegante capital.
Teodomiro estava neurastênico. Quis tratar-se. Onde? Em São Paulo restavam alguns amigos, que o aborreciam. O resto do Brasil causava-lhe pavor. Que seria isso aí? Sem conforto, sem legumes, sem trufas, sem travesseiros! (...)13
A pátria dessa oligarquia é outra. Euclides decepcionou-se com a República, com
seu malogro moral, com a vitória do egoísmo, do interesse tacanho, da inexistência
de um projeto estratégico e democrático de desenvolvimento e, somente por esses
motivos, passou a ver o país com maus olhos. Como não se aliava aos conformistas e
oportunistas, sentia-se deslocado, incompreendido, tomado por uma sensação de
alheamento em sua própria terra. Os outros, por sua vez, usavam arma eficaz contra a
13 RIO, João do. A correspondência de uma estação de cura. 3 ed. São Paulo: Scipione, 1992. p. 15
pregação de Euclides: a indiferença e o silêncio. Aqui já se consolidava um modo se
ser brasileiro e de se viver no Brasil: Que lugar é esse em relação ao qual sentimos a
dupla sensação de pertencer e de não pertencer?
Contemporaneamente a Euclides, Lima Barreto detectava no tecido social
brasileiro esse mesmo processo. Glória para os medíocres e imorais. Silêncio e
obscuridade para os homens de valor. O Brasil, “República da Bruzundanga”, seria
uma sociedade atípica cuja orientação seria invertida. Lima Barreto afirma ser causa
de tal estado de coisas a ganância, o interesse por dinheiro. A atividade política no
país tinha o mesmo objetivo, ao mesmo tempo em que descuidava dos interesses da
sociedade em geral14. Segundo seu ponto de vista, a literatura deveria ser uma
ferramenta para combater esse estado de coisas, conscientizando, denunciando,
lançando os germes de uma sociedade mais justa e orientada segundo os interesse da
maioria da população. Adotava ele, portanto, um programa literário e intelectual em
que, pela crítica cultural e pela intenção revolucionária e reformista, assemelhava-se
ao da Geração de 70 em Portugal.
Entre 1920 e 1930, autores como Mário de Andrade e Oswald de Andrade
também identificariam esse mesmo problema e procurariam formular também
possíveis soluções. É importante lembrar que nesse período eles serão acompanhados
por outros autores que interpretariam as condições culturais brasileiras de forma
semelhante.
Resumidamente, vejamos como Haroldo de Campos procura definir o
posicionamento de Oswald quanto à questão:
Já Oswald, na congenialidade dos elementos primitivos que convocava para sua poética –– e sob cujas espécies deglutia as apuradas técnicas estrangeiras ––, estava
14 SEVCENKO, N. (1983) p. 186-189.
redescobrindo a realidade brasileira de uma perspectiva original e situando-se nela. Assumia o mapa diacrônico dos vários Brasis coexistentes, em tempos (estágios) diversos, num mesmo espaço de linguagem, e assumia-o inscrevendo-se nele, observador observado de um contexto de conflito.15
Mário de Andrade, por sua vez, sinteticamente afirma ser o Brasil uma “pátria
tão despatriada”. O isolamento em que vive boa parte do povo brasileiro é algo que
lhe chama a atenção. Surge de novo a mesma barreira detectada por Euclides, entre o
homem do interior e o do litoral. Marca seu Macunaíma: o herói sem nenhum
caráter a tentativa de estabelecer uma continuidade entre os brasileiros que vivem
em condições tão distintas. Com tal objetivo, maneja os elementos constitutivos de
sua rapsódia, especialmente os de tempo e espaço16.
O mapa de sua terra, que Macunaíma descortina do alto, sobrevoando o Brasil no tuiuiú-aeroplano é, de certo modo, a projeção de um desejo profundo do escritor, manifestado em outros momentos de sua obra: desejo de estabelecer a identidade entre o habitante do sul e o pobre seringueiro do norte, entre as cidades prósperas e superpovoadas do litoral e “o vasto interior, onde ainda a pobreza reina, a incultura e o deserto.”17
A composição da existência ao modo brasileiro incorpora uma duplicidade, ou
multiplicidade, que é, em última instância, decorrente do processo de colonização. O
nacional seria ao mesmo tempo o outro. O gigante Venceslau Pietro Pietra, por
exemplo, seria o outro, o imigrante italiano, embora também pudesse ser peruano.
Macunaíma, do mesmo modo, também é uma personagem construída de forma
compósita: é negro, branco de olhos azuis e índio. Psicologicamente também é
marcado por essa dupla origem. O herói seria ao mesmo tempo criança e adulto,
lógico e ilógico, primitivo e civilizado. A conseqüência dessa caracterização
resultará em um herói precário, marcado pela imaturidade e cujos objetivos tornam-
15 CAMPOS, Haroldo. Uma poética da Radicalidade. In: Pau-Brasil. 2 ed. São Paulo: Globo; Secretaria de Estado da Cultura, 1990.16 SOUZA, Gilda de Mello e. O tupi e o alaúde, uma interpretação de Macunaíma. São Paulo: Duas Cidades, 1979. p.3817 SOUZA, G.(1979) p.39
se inconsistentes18.
O enredo também ajuda a perceber essa duplicidade. Macunaíma nasce no Mato
Virgem (Uraricoera), vai para São Paulo, terra do progresso que está em contato com
as últimas conquistas da civilização moderna e, ao final, retorna para a selva. Neste
retorno, entretanto, não há o reencontro, ou o reconhecimento pacificador com suas
origens. Ao contrário, Macunaíma traz irremediavelmente uma saudade de São
Paulo. Fica panema, triste, macambúzio, morre desgostoso na rede, vítima de uma
contradição que não soube resolver. De um lado os campos do trabalho, da razão e
da repressão, de outro, o dionisíaco, o selvagem. Isso ficaria duplamente marcado na
fabulação. A vitória sobre o Gigante representaria a afirmação dos valores indígenas
e autóctones enquanto que seu desprezo pela filha de Vei e o interesse pela moça
portuguesa indicariam o contrário, ou seja, a orientação da personagem em direção à
cultura européia.19
Recorramos agora a um estudo antropológico cuja especificidade poderá lançar
novas luzes sobre o significado do estrangeiro para a definição de nossa identidade.
O Brasil apresenta uma organização social que não se conforma perfeitamente ao
modelo ocidental, pois enquanto neste sistema a noção de indivíduo e mercado são
noções estanques, de modo a permitir que tudo possa entrar no sistema de trocas
comerciais, em que fica claro ser a noção de indivíduo o aspecto determinante, em
sociedades como a brasileira, em que outros componentes socioculturais entram em
ação, há um aspecto geral que preexiste e que é determinante em cada ato ou
mediação operada no sistema social20. Na sociedade brasileira há uma forte
18 Ibidem p. 43-44.19 SOUZA, G.(1979) p. 45 e 56.20 DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis, para uma sociologia do dilema brasileiro. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1990. p. 18.
necessidade de rituais, fórmulas e regras codificadas que sempre atuam na dinâmica
entre o indivíduo e a coletividade, o que faz com que a ação do indivíduo isolado
seja sempre atenuada ou anulada. É essa uma tendência generalizada. A constante
utilização destes códigos implica muitas vezes na fixação e definição de uma
hierarquia muito clara.21
Quando procuramos entender e determinar o caráter específico do brasileiro ––
ou seja, momentos em que a multiplicidade das formas de ser brasileiro encontram
interseções que não anulam de forma homogeneizadora a diversidade cultural ––,
alguns momentos podem ser especialmente reveladores, como é o caso do carnaval
ou da Copa do Mundo. Nesses momentos, as categorias que normalmente pautam
nosso cotidiano são abolidas (hierarquia social e econômica, trabalho, decorrentes de
diferenças raciais e ou de determinações locais). Tudo tende a ficar em estado de
suspensão. Os que celebram o carnaval querem apenas buscar o prazer e o fazem
dentro de um estilo. A escolha do meio próprio para que isso se dê também é
importante: o canto. A música faz com que as divisões sociais, normalmente
aplicáveis no cotidiano, sejam suspensas. Tal como em uma cerimônia religiosa,
caem os aspectos acessórios do ser e, desta maneira, todos se sentem iguais.22
Na sociedade brasileira, portanto, surgem algumas situações em que a
organização da sociedade pode ser invertida, como no carnaval, no futebol, em uma
polêmica ou em uma situação de confronto em que um cidadão alega possuir
prerrogativas especiais, ficando, nesse caso, acima da lei e da ordem estabelecida. É
importante lembrar que isso ocorre naturalmente e não indica que os valores e
normas estejam sendo postos em xeque. No Brasil se sabe que em algumas situações, 21 DA MATTA, R.(1990)p. 97 e 98.22 Ibidem. 94 e 118.
e para algumas pessoas, as normas devem ser suspensas. A lei não fica com isso
abalada –– embora algumas leis não sejam de fato reconhecidas, o que é outro
problema ––, sabe-se que ela permanecerá valendo, mas que naquele caso ela não
deverá ser aplicada. A aplicação das normas, portanto, não se caracteriza por uma
rigidez absoluta. O aspecto negativo disso é que nas disputas comuns do mundo do
dia-a-dia fica mais fácil o forte vencer o fraco, fato esse de que o brasileiro tem plena
consciência. Desse modo, sabe-se que rico não vai para a cadeia, que filhinho de
papai pode e que quem pode pode e quem não pode se sacode. Diante desse estado
de coisas, é mais do que compreensível a atitude desconfiada, descrente e pessimista
de nossos concidadãos. Isso se configura como uma “desconfiança básica do
mundo”. Pessoas e relações acabam se tornando mais importantes que as leis e regras
estabelecidas para a sociedade.23
Há na sociedade brasileira, e isso é muito divulgado como propaganda de nosso
modo de vida, uma prática social que pode ser caracterizada como amigável,
hospitaleira, receptiva e inclusiva, mas também existem –– e isso não é divulgado, ao
contrário, é escondido, disfarçado –– práticas exclusivistas e individualizadoras que
tendem a favorecer a exclusão.24 Por esse motivo, o sistema social brasileiro é
bastante complexo. Uma decorrência importante é o fato de haver pouca
possibilidade de surgir uma “consciência de classe horizontal”, sendo mais comum a
“consciência vertical”. Entre nós é muito comum a empregada identificar-se com a
patroa, o vaqueiro com o fazendeiro, o motorista com o executivo, o funcionário com
a empresa em que trabalha. Portanto, a identificação freqüente é com o superior na
hierarquia empresarial, misturando, muitas vezes, sentimentos contraditórios. 23 DA MATTA, R.(1990) p. 144, 172 e 176.24 Ibidem. p.151
Ademais, a competitividade entre iguais – potencializada pelo desemprego e a pouca
qualificação da mão de obra – acentua essa tendência. Conseqüentemente, a noção
de cidadania não tem consistência nem efetividade (lembremos da ausência de uma
revolução com conseqüências sociais universais há pouco mencionada), sendo mais
importante o papel social que cada um desempenha. No Brasil é mais valorizado
aquele que consegue maior número de possibilidades relacionais permitidas pelo
mecanismo de identificação. Ninguém quer, conscientemente, reduzir suas
possibilidades de identificação. O econômico é somente um dos aspectos, mas
sozinho ele não é capaz de determinar todas as possibilidades de interação social da
pessoa.25 Como conseqüência, conclui o antropólogo:
Diante disso, diria que no Brasil, vivemos certamente mais a ideologia das corporações de ofício e irmandades religiosas, com sua ética de identidade e lealdade verticais, do que as éticas horizontais que chegaram com o advento do capitalismo ao mundo ocidental e à nossa sociedade.26
Quanto à implicação desse mecanismo no delineamento da dialética entre o
nacional e o internacional, uma vez que a elite brasileira –– além do fato preexistente
das elites, em qualquer país, terem sempre maior possibilidade de contato com as
terras e coisas estrangeiras –– sempre esteve com os olhos voltados para o chamado
Primeiro Mundo, ela acaba levando de roldão os que a ela são subordinados e com
elas estão identificados pelo processo acima descrito. As classes populares, que
sempre tiveram e têm uma característica mais conservadora e tradicional, ficam
assim muito mais vulneráveis aos modismos e à macaqueação das coisas
estrangeiras.
Isso interfere diretamente na apreciação do estético, que é o que nos interessa
25 DA MATTA, R.(1990)p. 157-158.26 Ibidem p.158.
mais de perto. As ideologias tidas como populares são sistematicamente descartadas.
Afirma-se serem elas ingênuas e simples. Já as que são provenientes dos estratos
sociais mais elevados gozam desde o nascedouro de uma aura de nobreza e deverão
contar sempre com o abono geral da sociedade27. Esta linhagem dá-lhes legitimidade.
As áreas reconhecidas como mais importantes, como a política, a arte e a ciência
estão sob controle dos estratos sociais mais elevados.28 Disso decorre, mais uma vez,
haver uma maior facilidade para que o belo esteja associado ao outro, ao estrangeiro,
uma vez que este é o foco de nossa elite social.
Nossa suposição é a de que isso pode ter influenciado e neste momento pode
continuar a estar influenciando a recepção da produção poética da escola romântica
brasileira, a despeito do fato de certa crítica literária posterior aos anos setenta do
século passado já ter consciência desse processo e tenha chamado a atenção para a
necessidade de atender a uma pluralidade de vozes. E acreditamos que isso tenha
acontecido com a chamada lírica romântica sertaneja.
Hoje, por exemplo, os serviços bancários diferenciados, destinados aos
correntistas ricos, buscam uma identificação clara com o imaginário e símbolos
estrangeiros. É o caso do Itaú Personnalité, do serviço Van Gogh, do ABN-AMRO
Bank, do Bradesco Prime e do Uniclass, Unibanco.
Da mesma forma, e sem uma palavra de protesto da imprensa esportiva, o
campeonato de futebol mais importante da América do Sul, a “Libertadores de
América” passou a chamar-se “Copa Toyota Libertadores”. Por que algum capitalista
eficiente não tenta fazer o mesmo com Wimbledon ou com Roland Garros?
27 De fato, do ponto de vista da apreciação do fenômeno estético, há aqui uma simplificação exagerada pois o foco da análise nesta passagem não é este.28 DA MATTA, R.(1990) p.192.
Estudando a relação entre literatura e subdesenvolvimento, Antonio Candido
afirma que, graças ao analfabetismo e ao atraso, há no público em geral uma
debilidade para resistir ou assimilar de forma mais ativa as influências externas29.
Não queremos aqui ingenuamente supor que a noção de brasilidade esteja ligada
indissociavelmente à representação de coisas sentidas como brasileiras e à cor local.
Machado de Assis, no artigo intitulado “Instinto de nacionalidade”, já via com
bastante penetração o problema, que, aliás, estava em pauta e era motivo de polêmica
em fins do século XIX. Para ele, a questão se resolve mais nas possibilidades de
realizações lingüísticas que nos temas e no cenário.
Podemos, inclusive, supor exatamente o contrário. Ana Maria Machado,
enfocando este mesmo problema afirma que:
(...)somos mais profundamente brasileiros exatamente quando somos mais plurais, mais mestiços, mais acolhedores, mais abertos a incorporar a nosso “sentimento íntimo” aquilo que o mundo de fora nos oferece e a elaborar as tantas e tão diversas contribuições internas que atuam na tessitura de nossa formação e nos enriquecem com suas impurezas.30
Segundo esta autora, nossa cultura não seria frágil, ao contrário, ela teria plena
condição de assimilar, incorporar e transformar contribuições culturais provenientes
do estrangeiro. Ser universal e brasileiro ao mesmo tempo seria, segundo sua visão,
perfeitamente possível. Algo que estaria na base da teoria de alguns modernistas e
explicitado no Manifesto Antropófago. A manifestação cultural alheia não
constituiria necessariamente um perigo. Ela poderia mesmo acabar tendo um efeito
benéfico, alimentando e enriquecendo ao invés de corromper. O modernista Mário de
Andrade sustentava que as duas forças eram necessárias, tanto a que buscava nutrir-
se da cultura tradicional quanto a que era oriunda do cosmopolitismo das vanguardas
29 CANDIDO, Antonio. A educação pela noite & outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987. p.143.30 MACHADO, Ana Maria. Lá e cá: algumas notas sobre a nacionalidade na literatura brasileira. Revista Brasileira. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, n. 47. 2007.
européias. Mais tarde ele reconheceria que muito da força do movimento residia
justamente na capacidade de abrir-se para as mais diversas orientações.31
Ana Maria Machado cita, como exemplos desse saudável enriquecimento, a
época emblemática da bossa-nova, hoje porta-voz da cultura nacional e que nos anos
cinqüenta e início dos anos sessenta sofreu forte censura, supostamente por trair
nossas raízes musicais e copiar o jazz. Inclui ainda dois fenômenos semelhantes, a
mistura do swing e do boogie-woogie ao samba e o tropicalismo, que incorporou à
música popular brasileira os instrumentos típicos do rock. Essa seria a resposta
definitiva aos puristas, uma vez que a flexibilidade e abertura da língua é o próprio
sinal de sua vitalidade e força. A porosidade e permeabilidade do idioma nacional
torna-se um forte índice de identidade nacional.32
Os defensores da nacionalidade de forma purista ainda estão por aí:
Ainda recentemente, em nossos dias, o músico Lobão precisa frisar a cada entrevista que não é vegetal para ter que ser cobrado pela falta de raízes. Mais ainda: faz questão de afirmar, provocador como todo bom roqueiro, que é urbano –– como 85% da população do país hoje em dia ––e cresceu vendo televisão, ouvindo rock e assistindo a desenho animado e a filme legendado com som em inglês, e não é menos brasileiro por isso.33
Concordamos com essa afirmação, entretanto –– e aqui está um dos motivos e a
definição de uma situação de base, de premissa da tese –– o que é feito com os
restantes 15% da população? Como é seu círculo de produção e consumo cultural? A
resposta mais honesta certamente indicará algo semelhante a um limbo. Da mesma
forma, a partir daqui, também podemos formular outra questão: não é possível
interessar-se por este aspecto de nossa cultura sem ser tachado de purista? A cultura
do sertão profundo é apenas mais uma dentre tantas possibilidades. Por que não
estudá-la sem a atitude ingênua de conduzi-la à referência obrigatória da
31 MACHADO, A. M 115-116;117-118.32 Ibidem. p. 119-120.33 Ibid. p. 120-121.
nacionalidade? E sobretudo, por que não estudá-la?
Esse estado de coisas levou-nos a perguntar se a recepção à escola romântica
brasileira poderia estar sendo influenciada pela preponderância da mundividência
brasileira urbana que, embora igualmente brasileira, provavelmente sentir-se-á mais
à vontade com a sensibilidade cosmopolita.
Além disso, realizando uma avaliação que coincide com a de Pasolini, Ana Maria
Machado reconhece que as forças da colonização, da globalização e da indústria
cultural tendem a impor padrões universalizantes. Não seria legítimo supor que a
crítica, e que o pensamento sobre a literatura não pudessem sofrer essa mesma
influência?
Podemos, portanto, supor que haja por parte da intelligentsia nacional uma maior
boa vontade para investigar a cultura urbana, também pelo fato de que talvez ela seja
mais representativa da cultura brasileira atualmente. E é esta cultura que, pela sua
situação de confluência e de comunicação cultural, tem mais condições de responder
de forma ativa e criativa aos estímulos das manifestações culturais estrangeiras. Não
queremos afirmar que as manifestações culturais vindas da província devam ser
paradigmáticas para a produção artística nacional. Por outro lado, parece-nos
evidente que a historiografia e a crítica literária atuais demonstram uma maior boa
vontade para investigar outros fenômenos de nossa cultura. As possíveis motivações
de tal atitude não constituem o escopo deste trabalho. Apenas, em busca da
originalidade que se nos exige, julgamos coerente partir desta orientação, ou seja,
pareceu-nos oportuno investigar o que se afirmava sobre a vertente sertaneja de
nossa poesia, a partir de que pressupostos, para ao final podermos formar um juízo
sobre este tratamento.
Observe-se que uma dinâmica semelhante pode ser percebida também no que diz
respeito às variantes lingüísticas. Atualmente existe uma força padronizadora que
tende a reprimir determinadas características fonéticas, lexicais ou sintáticas sentidas
como excessivamente identificadas geográfica ou culturalmente.
2. Fundamentos do poético e a poesia brasileira de meados do século XIX
2.1. Romantismo, sentimento da natureza e sensibilidade interiorana.
Como o Romantismo se articulava com os valores e a cultura identificados como
regionais e provincianos?
O Romantismo teve algumas características que apontam para uma disposição
favorável ao contato com a natureza e à ambientação social da província. O motivo
de fundo estaria no fato de o homem precisar ultrapassar os limites humanos
determinados pela sociabilidade, pela razão e pelas conveniências burguesas,
segundo os princípios da Ilustração34. Agora os homens deveriam deixar que a
natureza lhes mostrasse o caminho. Na França, Lamartine, Gautier, Nerval e Victor
Hugo, como viajantes, procuraram o exótico, o original, o pitoresco e os tipos locais
para descrevê-los em meio a confidências, muitas vezes com um vocabulário rico e
preciso, antecipando o Realismo. Hugo o fizera de modo particularmente hábil e
comovente.35 Na Rússia, Koltzov, retratando histórias de amor, associou-as a cenas
rústicas. Na Hungria, praticaramm uma poesia rústica e popular Czuczor e Petöfi. O
lituano Syrokomla também tomou como tema preferido o ambiente rural das vilas de
seu país. Procederam de igual maneira Wordsworth e Lamartine.36 Na maioria das
34 FRÓES, Leonardo. Um outro. Varella. Rio de Janeiro: Rocco, 1990. p. 13.35 VAN TIEGHEN, Paul. Le Romantisme dans la littérature européenne. Paris: Albin Michel, 1948. p. 513.36. VAN TIEGHEN, P. (1948) p.418-419.
vezes essa produção vinculou-se a um profundo sentimento da natureza.
Muitas vezes essa produção enquadrou-se formalmente no gênero das baladas,
romances ou lieder. São poemas curtos, com ritmo bem marcado, em estrofes iguais,
em que a repetição desempenha um papel importante. Trata-se de um estilo simples,
ingênuo e popular. Tal tendência correspondia ao combate do programa romântico à
poesia clássica, sentida agora como excessivamente livresca, artificial, de salão,
vazada em padrões estéticos universalizantes.37
Ora, se na Europa essa vertente da poesia romântica fora tão fecunda, por que
então em nossa poesia romântica, que se nutriu tanto de influências francesas, não
poderia haver um patrimônio poético semelhante e reconhecido nos dias de hoje
como tal?
Vale lembrar que nem sempre essa produção esteve excluída do cânone
romântico. As antologias mais antigas, como Páginas de ouro da poesia brasileira
(1911) de Alberto de Oliveira, incluem poemas como “A sertaneja” de Guimarães
Júnior:
Eu sou a virgem morena,Robusta, lesta, pequenaComo a cabrita montês;(...)Vinde ver, ó boiadeiros,Meus vestidos domingueiros,Meus braços limpos e nus:Ah! Vinde ver-me enfeitadaCom minha saia engomada,Com meus tamancos azuis.38
Em sua antologia Poetas brasileiros contemporâneos, Mello Morais Filho
apresenta o poema “Desafio a viola”, de Joaquim Serra, que inclui quadras ao sabor
37 VAN TIEGHEN, P. (1948) p. 435.38 OLIVEIRA, Alberto. (dir.) Páginas de ouro da poesia brasileira. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1911. p. 305.
popular:
Calou-se o poeta, o vate selvagem;Aceita risonho um outro o duelo...Qual canta melhor? qual leva vantagem?E o rude bailado prossegue mais belo!
“Menina, que me prendeste,Eu quero seguir viagem...Que feitiço será esteQue me atém n’esta paragem?
“Esse teu rosto divinoDos olhos tirou-me a luz...Co’o caminho não atino,Se pr’a longe me conduz!39
Fica, portanto, evidente que durante o período em que eram ativas as escolas
realista e parnasiana, algumas instâncias legitimadoras colaboravam para que se
incluísse na produção romântica brasileira, como um de seus atributos, a
sensibilidade sertaneja e interiorana.
Além de que, no que diz respeito à prosa, nossos autores enveredaram
efetivamente por esta via. Alencar, o melhor dentre eles, Bernardo Guimarães,
Franklin Távora e Taunay são responsáveis por um rico filão regionalista, com
algumas realizações estéticas de bom nível. O que é ratificado pela crítica e pela
historiografia literárias.
Logo nas primeiras etapas de formulação desta tese, tivemos a oportunidade de
ler alguns livros de poesia da escola romântica. Conquanto naquele momento não
houvéssemos formulado a tese do modo com que a pesquisa veio a concretizar-se, já
naquela oportunidade percebíamos que havia uma produção, principalmente lírica,
identificada com a realidade pequena da província, do interior, ou mesmo
sintonizada com a sensibilidade roceira. Como o conhecimento que possuíamos da
39 MORAES FILHO, Mello. (dir.) Poetas brasileiros contemporâneos. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1903. p. 43.
poesia romântica fora feito mediante a leitura dos historiógrafos da literatura e de
antologias, bem como da leitura dos autores mais canônicos, aquela produção
afigurou-se-nos surpreendente. Além de percebermos que essa vertente era
sistematicamente constante em vários autores, notávamos ali certa sensibilidade
interessante. Quando não era plenamente bela como realização estética, pareceu-nos
importante pela contribuição à cultura nacional e mesmo para entender fenômenos
estéticos mais recentes como a conjugação entre o kitsch e vanguarda na poesia
brasileira dos anos 70 e 80, por exemplo, além da possível contribuição para o
entendimento da produção poética do século XIX. Além disso, supúnhamos que
algumas delas tinham mesmo um valor estético próprio.
Formamos essa convicção a partir da leitura de poemas como este de Felix da
Cunha:
Quelé
Em alta torre o sino repenica,Convidando à reza a cristandade,O povo pressuroso da cidadeÀ capela se vai que cheia fica.
De hipócrito carão um frade explicaÀ matuta coorte a santidade,De ter amor à prece, à caridade,E atenta a multidão o ouvido aplica.
Enquanto o frade fala e à furto espreita,Dessas carinhas a melhor qual é,A uma negra o sacrista abraça e estreita.
É fino como um gamo o tal quelé,Do fradoco não ouve a sã receita:Desfaz-se ante a negrinha em rapapé.40
Além do realismo jocoso e da peculiaridade do entrecho, há certa habilidade
quanto à representação de movimento e qualidade dramática.
40 CUNHA, Felix da. Poesias. Publicação póstuma. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1933. p. 202.
Ou, do mesmo poeta, um longo poema de treze quadras em versos decassílabos
em que se louvam as virtudes da cavalgadura de um animal chamado Soberbo:
Eu senti nas coxilhas e campinasEstremecer o chão sob teus pés,As nuvens a correr, fugir o espaço!Ah! Soberbo corcel, que bravo és! 41
Além da equitação, motivo comum entre nossos românticos, temos a vivência do
gaúcho da província e o sentimento da natureza bem caracterizados.
Minha bela é mais formosa,mais donosaDo que um alto buriti;Mais que a rosa matutina,
E a bonina,Mais doce que o sapoti.42
Embora estes versos de Porto-Alegre não sejam belos e cumpram
automaticamente o programa romântico de após a independência, representando de
forma superficial o espaço americano como forma de marcar nossa nacionalidade
nascente, ao leitor do século XXI, que se delicia tomando tigelas de açaí com xarope
de guaraná, e que se compraz ao redescobrir as coisas do próprio país, talvez ganhem
eles algum frescor, alguma atualidade.
Ao mesmo tempo em que isto observávamos, podíamos perceber a pouca
representatividade que poemas como esses tinham nas antologias e histórias da
literatura mais recentes. Alexei Bueno, por exemplo, que, em nossa opinião, tem
feito uma leitura original e consciente de nossa produção poética, em sua antologia
da escola romântica brasileira, entre os sessenta e um poemas escolhidos, não inclui
nenhum que ilustre a vida provinciana. “Cajueiro pequenino”, de Juvenal Galeno, “A
flor do maracujá” e “Juvenília” de Fagundes Varela, “Meus oito anos” de Casimiro
41 CUNHA, F. (1933) p.175.42 PORTO-ALEGRE, Manuel de Araujo. Brasilianas. Viena: Imperial e real tipografia, 1863. p. 170.
de Abreu e “Crepúsculo sertanejo” de Castro Alves, apenas tangenciam o aspecto.
Antonio Candido em sua extensa Formação da literatura brasileira, apesar de
tratar de vários poetas que cantaram a roça, nada seleciona.
Em A literatura no Brasil encontramos um trecho do “Monólogo do vaqueiro” de
Juvenal Galeno e uma referência considerável a esta produção de Fagundes Varela.
José Guilherme Merquior, em De Anchieta a Euclides, também dá algum
destaque ao tema, referindo-se a ele ao tratar de Fagundes Varela e Castro Alves.
Assim, se por um lado percebíamos um silenciar e de outro notávamos algumas
indicações importantes, decidimos investigar esse aspecto de nossa produção poética,
localizando-o precisamente em Fagundes Varela.
2.2. Poesia e definição do ser
Antes de procurarmos entender por que a poesia do romantismo identificada com
a sensibilidade sertaneja e interiorana tem sido apagada pelos estudos literários
contemporâneos, é necessário indagar sobre a necessidade de se proceder desta
maneira. Se estamos analisando determinadas tipos de produção poética no século
XIX, é importante primeiro definir a linguagem, a poesia e tentar entender sua
importância para a definição do ser, para a existência e para a subjetividade. Depois
de realizada essa tarefa, estaremos prontos para compreender sua relação com o
homem em suas diversas formas de sociabilização. Para cumprirmos este objetivo,
recorreremos ao pensamento ontológico de Heidegger.
O verbo "poematizar" (dichten) é usado por Heidegger em seu ensaio sobre
Hölderlin com o sentido de composição de versos e como atividade criadora que
engendra formas e traz a revelação ontológica.43
No citado trabalho de Heidegger, a linguagem é definida da seguinte forma: a
linguagem não é apenas um dos recursos que o homem tem à disposição e domina,
mas é um bem que define a ele mesmo, homem. Trata-se, portanto, de um bem no
sentido original. Ela serve para a compreensão e para a comunicação, mas suas
potencialidades não se esgotam aí.
A linguagem não é apenas um instrumento que o homem possui ao lado de tantos outros; a linguagem é o que, geralmente e antes de mais nada, garante a possibilidade de se encontrar na clareira da abertura do existente. Somente onde há linguagem pode existir um mundo (...) Somente onde há um mundo pode haver História......44
A verdade histórica funda-se na palavra. Heidegger procura estabelecer e
reconhecer as conexões entre a existência, o fenômeno lingüístico e a historicidade.
Para alcançar este objetivo, o filósofo estuda a poesia de Hölderlin, pois em sua obra
está presente o poetar sobre o próprio fenômeno poético, assim como procura
acercarcar-se da natureza da linguagem.
A linguagem não é um instrumento, de tantos, que estão à disposição. Ela é um
acontecimento necessário à própria potencialidade existencial do homem. Para
podermos avaliar o escopo da poesia, devemos inicialmente estar seguros deste
aspecto essencial da linguagem.45
Nós, humanos, estamos em situação de dialogar. O ser humano se funda
juntamente com a linguagem, mas é somente por meio do diálogo que a realidade
que se faz História pode ser atingida. Desde modo, o diálogo deve ser entendido não
43 HEIDEGGER, Martin. Approche de Hölderlin. Paris: Gallimard, 1962. p. 41. 44 HEIDEGGER, M. (1962) p. 47-48.Le langage n'est pas seulement un instrument que l'homme possède à côté de beaucoup d'autres; le langage est ce qui, en général et avant tout, garantit la possibilité de se trouver au milieu de l'ouverture de l'étant. Là seulement où il y a langage, il y a un monde (...) Et là seulement où il y a un monde, il y a Histoire.45 HEIDEGGER, M. (1962) p. 48.
de modo limitado, como performance da linguagem, mas como aspecto essencial da
linguagem. Este seria o diálogo. A unidade deste diálogo reside no fato de que, a
cada vez, na palavra essencial, sempre se manifesta e se revela a unidade (o Um e o
Mesmo) em torno da qual os homens se unem. É em razão disso que todos podem
dizer-se igualmente homens (humanidade)e que nós, do mesmo modo, podemos
dizer que somos nós mesmos. É somente depois da afirmação dessa unidade
fundamental, por exemplo, que um diálogo polêmico poderá acontecer. O problema
é que, para que exista esse “Um”, é necessário que exista alguma coisa que seja
permanente, duradoura, estável. Algo que tenha a natureza da constância e da
presença. Para que isso ocorra, o tempo tem de se abrir em extensões. Primeiro o
homem tem de conviver com o que persiste, só aí ele poderá se expor ao que é
próprio da Mudança. Diálogo e História nascem juntos. Há uma identidade
fundamental entre eles. É neste ponto que o mundo surge e que os deuses se fazem
presentes.46
A poesia é fundação na e pela palavra e, nesta fundação o que é fundado é aquilo
que permanece. O poeta é aquele que nomeia os deuses e as coisas em si mesmas
(em si mesmas se pensarmos que o lingüístico não pode ser dissociado daquilo que
representa. Embora possa haver, por exemplo, uma correspondência evidente entre
“céu” e “sky”, não há uma coincidência absoluta entre estes termos). Não se trata
simplesmente de dar nome a uma coisa que já existia e já era anteriormente
conhecida. Não. É nesta nomeação, em que atua a palavra fundamental, que aquilo
que é pode realizar a possibilidade de ser. Enquanto não temos a palavra fica-se com
a sensação de incompletude. Poesia é fundação do ser pela palavra. Tudo acontece ao
46 Ibidem. p. 49,50,51.
mesmo tempo: Os deuses são nomeados, a essência das coisas –– agora donas de um
novo brilho –– passa à palavra. Tudo converte-se em História. O ser-aí do homem
finalmente tem acesso a algo de durável e permanente. O dizer do poeta é fundação
não apenas no sentido de um livre dom, mas também por tornar possível a base para
o ser-aí do homem.47
O que concerne, portanto, à essência do habitar do homem sobre a terra pertence
ao poético. A poesia não é um simples ornamento que acompanhe o ser-aí, também
não pode ser um fugaz entusiasmo; do mesmo modo, também não pode ser uma
simples exaltação ou passatempo. A poesia é o fundamento sobre o qual se
estabelece a História. Por isso ela não pode ser simplesmente uma manifestação da
cultura. A poesia é a nomeação fundadora do ser e da essência de todas as coisas.
Sendo assim, não é a linguagem que se oferece como matéria a ser manipulada pela
poesia, mas, ao contrário, é a poesia que torna a linguagem possível. Sim, pois a
criação da linguagem não poderia acontecer sem apreciações que implicassem na
constituição de um juízo de gosto. A palavra só se tornou ela mesma porque foi
aprovada por uma quantidade sufuciente de falantes. É como se estes falantes
gostassem da palavra, a aprovassem e promovossem sua perpetuação, imcluindo-as a
seu discurso pessoal. A poesia é a linguagem primitiva de um povo na História.
Necessariamente a essência da linguagem deve ser compreendida a partir da essência
da poesia.48
Na poesia o homem se apresenta concentrado, debruçado sobre o seu próprio ser-
aí. É pela poesia que ele atinge uma quietude especial, uma quietude infinita na qual
todas as energias e todas as relações estão ativas. A poesia está geralmente associada 47 HEIDEGGER, M. (1962) p. 53.48 Ibidem. p. 54-55.
ao irreal e ao sonho, em oposição à realidade concreta. Mas é justamente o contrário:
o real é o que o poeta diz. Embora pareça vacilar, a poesia é fundação (Gründung), é
fixa. Dom dos deuses, ao mesmo tempo a palavra poética é a interpretação da “voz
do povo”. É assim que Hölderlin chama as lendas e os contos da tradição oral por
meio dos quais o povo transforma em memória sua própria existência. Às vezes isso
não acontece naturalmente. É necessária a interpretação de outros (o poeta). O lugar
do poeta é o lugar da mediação entre os deuses e os homens, pois ao nomear os seres
não o faz de modo simplesmente repetitivo, mas o faz principalmente pela criação. É
poético o habitar do homem sobre a terra.49
A tragédia grega oferece exemplos do velar e do desvelar do ser. É sobretudo, segundo Heidegger, responsabilidade dos poetas manter vivo no mundo o vigor do ser sob a inspiração gratificante das divindades. (...) Mas corresponde aos poetas o nobre encargo de fazer com que o que tende a finar-se –– o divino –– não se apague completamente e possa ser reavivado em meio aos homens para um grande começo.50
O fazer poético se inclui em uma infinidade de possibilidades de realização. O
que pode representar o centro de todo agir? O homem. Todas as coisas que o homem
realiza recebem o nome de cultura. Antes de analisarmos a especificidade de uma
atividade qualquer, é necessário admitirmos que ela já é em si um fazer cultural.
Várias podem ser as definições de cultura. Algumas delas implicam em uma
significação mais estática, conservadora e tradicional. Isso porque a cultura pode ser
transmitida como uma espécie de herança. O acúmulo de bens culturais e sua
transmissão de geração em geração é algo muito importante. Entretanto, neste
49 HEIDEGGER, M. (1962) p. 57-59.50 EZCURRA, Javier Oroz. Del ser y del aparecer en Heidegger. Letras de Deusto. Bilbao p. 151,163.
La tragedia griega ofrece ejemplos de desocultación y ocultación del ser. Es, según Heidegger, responsabilidad, sobre todo de los poetas, mantener viva en el mundo la pujanza del ser bajo la inspiración gratificante de las divindades. (...) Pero corresponde a los poetas el noble cometido de hacer que lo “perecedero” –– lo divino –– no se apague del todo y pueda ser reavivado junto a los hombres para un gran comienzo.
encadeamento, o homem se vê muitas vezes como objeto e não como sujeito do
acontecer cultural.51
Somente passa a existir um mundo, a partir do momento em que o homem
começa a projetar-se sobre o que existe e a interferir sobre a função e o destino das
coisas. Antes tínhamos algo indiferenciado que podemos chamar de meio. É o
homem quem institui o mundo. É essa orientação dada pelo homem ao existente que
possibilita, por sua vez, o surgimento de uma nação. Cultura é essencialmente
produção. Uma nação é um conjunto de seres humanos que comungam o mesmo
projeto de vida e a mesma cultura52. O poder também é necessário para garantir a
sobrevivência da nação. Ele se baseia em uma noção conjunta de valor. Os valores e
a cultura não são meros acessórios, eles constituem a essência mesma da nação. Por
isso, em situação de ameaça, recorre-se às armas para garantir sua manutenção. Esses
valores eram chamados pelos gregos de ethos. Como o homem é mortal, através da
linguagem, ele assegura a permanência, de geração para geração, destes valores. A
civilização latina chamava a continuidade desses valores de mores. Esse processo de
transmissão de valores e de cultura tornou-se estratégico dentro da nação. Dessa
forma, a depender da utilização que dela se dê, tanto pode vir a ser uma realização
essencialmente humana, quanto uma forma de domínio, de controle e de opressão
dos homens por seus concidadãos. 53
Para nosso estudo, é importantíssimo entendermos, com Heidegger, que a
linguagem e a poesia são extremamente estratégicos para a nação. Por meio de seu
51 CASTRO, Manuel Antônio de. O acontecer poético. 2 ed. Rio de Janeiro: Antares, 1982. p. 15-17.52 É importante observar que a mesma cultura não indica, necessariamente, um ponto de vista unificador e homogeneizador. Várias culturas podem integrar uma “mesma cultura”.53 CASTRO, M. A. (1982) p. 20-22.
pensamento, por um caminho diferente do dos ideológos do Ministério da Cultura,
uma vez que estes representam uma continuidade de certos ideais da Ilustração,
enquanto Heidegger chega a isso pela investigação da natureza da poesia e da
linguagem.
Gostaríamos de lembrar ainda que a compreensão heideggeriana parte do existir
cotidiano e, conseqüentemente, portanto, refuta a possibilidade de um existir
purificado e abstrato. Existir só adquire sentido no mundo e no confronto com os
outros. Heidegger também reconhece que o existir é fundamentalmente histórico.54
2.3.Formação do cânone romântico. Recepção ao Romantismo
Estão à disposição do pesquisador diversos tipos de documentos que podem ser
úteis à tentativa de reconstituir e entender o modo com que a palavra poética
correspondente ao período romântico foi produzida e lida ao longo do tempo.
Tomaremos como início de nossas referências para a determinação do cânone do
Romantismo no Brasil o trabalho de Sílvio Romero55.
Em seu peculiar sistema de entendimento da literatura brasileira, chama ele a atenção
para o fato de que não foi com Magalhães e seu círculo que se inicia a escola no
Brasil. Antes dele alguns alunos-poetas do Largo de São Francisco já o faziam. Por
esta razão, no período que nos interessa, o primeiro poeta citado é Maciel Monteiro56.
Preocupado sempre com as condições materiais que são subjacentes ao literário,
sempre atento aos fortes e saudáveis, como se a História da Literatura fosse uma
espécie de exposição agrícola em que os melhores gens merecem ter lugar de
54 GILES, Thomas Ransom. Dicionário de filosofia. São Paulo: EPU, 1993. p. 201.55 ROMERO, Sílvio. História da literatura brasileira. 6ed. V.III. Rio de Janeiro: José Olympio,1960.56 ROMERO, S. (1960) p. 701-715.
destaque, o crítico evidencia o fato de Maciel Monteiro ser de uma “natureza robusta
e sadia”. As opiniões de Romero lhe são favoráveis, todas elas derivando do
mencionado fato. A poesia é um “transbordamento de almas ricamente dotadas” e a
de Maciel Monteiro é uma destas. Notando que havia à sua época uma tendência, por
parte das instâncias legitimadoras, a desprezar os produtos que não vinham da corte,
é esse mais um motivo para a valorização do poeta. Esse aspecto relaciona-se à
preocupação com o nacionalismo constantemente presente na História da literatura
brasileira. Segundo o autor, as grandes cidades litorâneas estão mais sujeitas às
influências estrangeiras. Isso tornaria necessária defesa dos poetas do Norte.
E insisti em notar as belezas do lirismo deste poeta provinciano; porque sempre tem sido ele posto à margem pelos mirmidões que no Rio de Janeiro se têm ocupado com a vida literária do país. Exceção feita da literatagem fluminense e de alguns felizes da velha escola maranhense, todos os espíritos de valor das províncias, máxime do Norte, têm sido cuidadosamente deixados no esquecimento.57
Ao final do trecho reservado para análise do poeta de Pernambuco, Romero
assim o classifica: “Natureza artística, aliada a uma voluptuosidade intensíssima, era
verdadeiramente um poeta.”
A este segue-se o nome do Marquês de Sapucaí, Cândido José de Araújo Viana58.
Sua inclusão se justifica, apesar da escassa produção literária, por haver se
distinguido no gênero elegíaco, pouco praticado no Brasil. Seus versos seriam
“singelos e delicadíssimos”. Para Romero, seria ainda importante notar a
simplicidade da linguagem e, virtude à qual parece sempre estar atento, identifica
nos versos do marquês a “verdade do sentimento”. Embora não se trate aqui do tema
sertanejo, notamos que o autor valoriza um aspecto que com ele se relaciona, que é a
proximidade às fontes populares: “O velho poeta em quatro quadrinhas em estilo
57 Ibidem p. 708.58 Ibid. p. 715-718.
popular disse mais do que Magalhães em todo o volume dos Mistérios e cânticos
fúnebres (...)”.59
O historiador da literatura ruma agora para o Norte, visita o parnaso maranhense.
O poeta é Manuel Odorico Mendes60. Sílvio o exclui. Odorico seria um espírito
clássico, conservador. Sua poesia não revelaria o que, segundo Romero, seriam as
principais vertentes do Romantismo: a tendência nacionalista e a aproximação das
fontes populares.
A seguir, passa Romero a analisar a produção do poeta baiano Francisco Moniz
Barreto61. Defende para este autor um lugar único na literatura brasileira por seu
talento como repentista. Ao tratar de Moniz Barreto, Romero faz uma longa
digressão sobre a teoria literária de sua época. A certa altura, faz alguns comentários
sobre a Bahia. Por eles, podemos perceber que seu ponto de vista tende a contestar a
hegemonia cultural da capital da República:
Em nenhuma outra parte os diversos elementos que constituíram nosso povo, (sic.) se amalgamaram tão fortemente e produziram tão de pronto esse espírito peculiar que é o mais genuinamente brasileiro. Terra de festas, desde as de igreja, com suas novenas e procissões, até as patrióticas, com seus palanques e passeatas; terra de sambas, com seus capadócios tocadores de viola e violão e cantadores de modinhas; terra das danças quentes e animadas como o inimitável baiano; dos bons quitutes, da boa cozinha; (...)62
Continuando ao Norte, é agora a vez de Barros Falcão63. Embora lhe seja um
pouco simpático, admitindo, por exemplo, um gosto delicado e certo brilhantismo,
Romero, como médico sempre à caça de morbosidade, logo aponta defeitos em sua
poesia decorrentes de seu espírito desequilibrado. O veredicto final será a exclusão.
No mineiro Antônio Augusto de Queiroga64, Romero encontra pouco talento.
59 ROMERO, S. (1960) p. 716.60 Ibidem. p. 718-726.61 Ibid. p. 726-734.62 ROMERO, S. (1960) p. 729.63 Ibidem. p. 734-739.64 Ibid. p. 739-740.
Admite ser ele o introdutor de poesia baseada em fonte popular e sertaneja, além de
dominar a técnica versificatória. Apesar disso, o poeta não é capaz de grandes
realizações, sua produção é marcada pela mediania e pela ausência de obras de
verdadeiro talento. Sua importância deve-se ao fato de haver influenciado o irmão,
João Salomé e também por ser uma espécie de precursor de Juvenal Galeno.
João Salomé Queiroga65 é um dos fundadores da legendária Sociedade Filomática
e possui mérito literário. Uma das razões disso é sua preocupação com a linguagem.
Queiroga já chamava a atenção para a necessidade do autor brasileiro expressar-se de
modo diferente de seus colegas portugueses. Em suas palavras, afirmava escrever no
idioma “luso-bundo-guarani”. Romero afirma que Salomé Queiroga não foi um
grande poeta, porém valoriza sua qualidade relacionada ao “instinto local e popular”
e, a propósito disso, faz um breve excurso, incluindo considerações sobre a
influência dos sertões:
Todas as suas impressões e todas as suas produções traziam o sainete desse estado emocional. Por índole e educação, por gostos e tendências, as formas de sua fantasia eram as formas do meio sertanejo de Minas. Nesta província a vida das cidades, não tendo a rudeza e grosseria dos altos sertões do Norte, não chegaram ainda a esse abastardamento do caráter nacional que se nota nas grandes cidades da costa, especialmente no Rio de Janeiro.
Ali há cultura literária cercada por todos os lados pelo espírito popular.
Apesar de afirmar-se nacionalista e de mostrar certa predileção pela poesia
inspirada no viver dos habitantes do interior, Romero tem seus senões quanto a estas
populações e sua cultura:
Semelhante solução consiste em supor um dever da literatura pátria o aferrar-se ela exclusivamente à descrição de tipos e cenas das classes mais grosseiras e atrasadas do nosso povo: o caipira, o matuto, o tabaréu, o garimpeiro, o vaqueiro, o sertanejo, os tipos incultos da roça em suma.. Temos tido o indianismo e o negrismo; entendeu ele que devemos ter também o matutismo.
Não há nisso inconveniente; em literatura tudo é lícito, uma vez que seja espontâneo e tenha o cunho do talento. O que se deve é não dar ao matutismo mais valor do que ele tem na realidade, isto é, o de uma poesia inferior e local, mais ou menos apreciável,
65 Ibid. p. 741-753.
segundo revela mais ou menos inspiração.66
Voltando para a Academia de Direito de São Paulo, o autor analisa a obra do
mestrinho, o precocemente desaparecido, Francisco Bernardino Ribeiro67. Romero
opta pela exclusão, afirmando faltar-lhe, além da imaginação, faculdade obrigatória a
todo grande poeta, também o sentimento artístico.
Apesar da produção literária reduzidíssima, Romero é favorável à inclusão do
nome de Firmino Rodrigues Silva68 no cânone do romantismo brasileiro por ser o
autor da nênia Niterói. Trata-se de um reconhecimento não usual. É um só poema,
mas, afirma ele tratar-se de “um dos mais saborosos frutos da poesia nacional.”
Assim, sua inclusão é incontornável. O critério adotado para este julgamento é a
nacionalidade. A nênia conseguira realizar a união entre as mundividências cristã e
indígena. A Europa não seria capaz de produzir semelhante poema.
Álvaro Teixeira de Macedo69 não tem a mesma sorte. Romero não consegue
encontrar no poeta o que em sua visão mais lhe importa: o documento social e
psicológico. Além disso, seus poemas seriam medíocres e sem préstimo.
Como Romero preocupa-se com o que lhe pareça verdade, a poesia de José
Maria do Amaral70 deve ser valorizada. Elas dão conta de um “sofrimento real e
positivo” e de uma “melancolia verdadeira”. A pretensa veracidade é o que torna as
opiniões do crítico favoráveis a respeito de Amaral: se lhe aponta falta de
brilhantismo, tal defeito é desculpado pela sinceridade. Com isso, José Maria obtém
de Romero o desejado lugar, ainda que com uma enigmática expressão: “região à
66 ROMERO, S. (1960) p.753.67 Ibidem. p. 753-762.68 Ibid. p. 762-767.69 ROMERO, S. (1960) p.p. 767-769.70 Ibidem. p. 769-776.
parte em nossas letras”, embora desfaça o equívoco, ao final, destinando-lhe “um
lugar de honra em nossa história literária”. O romântico é comparado a Cláudio
Manuel da Costa. Ambos legitimados, muito positivamente, por uma comum
qualidade “étnica”: o velho e bom quilate do lirismo português. Romero não lhe
poupa elogios, colocando-o acima dos demais poetas contemporâneos.
Antes de estudar a poesia de Gonçalves de Magalhães e seu grupo, Romero faz
algumas considerações de caráter muito variado sobre o Romantismo europeu.
Dentre elas, encontramos algo que pode justificar o interesse do crítico sobre as
produções artísticas que se inspiram em fontes culturais populares:
Seria isto muito bom nos panfletos políticos, nos escrotos de polêmica, nas obras de crítica. Na poesia o eterno e cediço badalar contra Deus e o Cristo, contra o papa e os reis, será de muito alcance nas mãos ou na boca dos entusiastas e propagandistas; mas como arte, como poesia, é preferível ir a li a um sítio qualquer ouvir uma sertaneja cantar algumas trovas populares.
(...) Mais alentada é a idéia de quem, como Grimm, julga ser a notação fundamental da literatura do XIX século a volta de todas e de cada uma das nações às suas criações populares.
Foi esta certamente uma das grandes obras do romantismo. Ajudado pela crítica, pela lingüística e pela mitografia, ele penetrou na região encantada das lendas, dos contos, das canções, das crenças populares. A nativização, a nacionalização da poesia e da literatura em geral foi, talvez, o maior feito do romantismo.71
Preocupado com a veracidade de sentimento dos poetas, Romero vê com bons
olhos a seriedade de Gonçalves de Magalhães72 e a escolha elevada dos assuntos.
Censura-o, porém, a execução e a produção maciça de prosa metrificada.
Permanecera clássico e tinha três sestros importantes: confundir poesia e religião,
maldizer o presente e colocar o poeta na condição de gênio. Os Suspiros poéticos são
duramente criticados. Romero admite que o poeta possa ter alguns momentos felizes.
Para prová-lo reproduz um trecho da ode “Napoleão em Waterloo”.
Manuel de Araújo Porto Alegre73, que gozava de opinião geral negativa, merece
71 ROMERO, S. (1960) p. 781.72 Ibidem. p. 789-813.73 Ibid. p. 813-828.
um estudo mais cuidadoso por parte de Sílvio Romero. O talento descritivo ––
capacidade de desenhar –– do poeta é elogiado mais de uma vez: “seus quadros, são
seguros, são animados, são vivazes”. Falta-lhe virtude musical. Em alguns momentos
é duro e prosaico. Abusa de termos desusados e esquecidos. Outro ponto positivo é a
tentativa de nacionalização da poesia. Em relação a esse poeta, Romero parece
oscilar. Às vezes condena, às vezes elogia. É o que acontece em relação ao
monumental Colombo. Se, por um lado, é longo, maçante e o maravilhoso aparece
ali deslocado, por outro, os versos são sonoros, vigorosos, eloqüentes. Não deixando
de notar a relevância da inclusão das teogonias do México e do Peru.
Ao analisar a obra de Porto Alegre, Romero volta a refletir sobre a relação entre
a literatura e a cultura popular:
Conquanto partissem de uma noção crítica inexata, os tentâmens de Porto Alegre e outros tiveram mérito, como resposta ao apelo do romantismo, quando este era uma volta às tradições populares.
(...) Mais tarde é que as influências étnicas da população foram estudadas e um olhar lançado sobre os cantos, os contos, as superstições, os costumes populares.74
Quanto a Antônio Gonçalves Teixeira e Souza, Romero repudia-lhe o estro
épico, concluindo que o poema A independência do Brasil fez mal à sua reputação
literária.75 O mesmo ocorre com sua produção lírica. Teixeira seria um macaqueador
do romantismo francês, não teria força, nem vigor artístico, lhe faltam imaginação e
entusiasmo, sua métrica é pesada e dura, o tema revelaria trivialidade. A partir da
influência da literatura francesa sobre este autor, Romero teoriza sobre a relações
interculturais:
Quando digo que o poeta de Cabo Frio era bem intencionado, avanço uma verdade. Era patriota e nacionalista; forcejava por tomar parte nos esforços da geração de seu tempo no empenho de dotar o Brasil com uma literatura. Então não tínhamos ainda vergonha de ser brasileiros, sonhávamos ainda com a formação de uma pátria autônoma e progressiva.
74 ROMERO, S. (1960) p. p.819.75 Ibidem. p. 829.
(...) O romantismo brasileiro no seu primeiro momento foi uma prolação do espírito da velha Escola Mineira. Ao menos em parte foi assim.
Depois é que a imitação do romantismo francês, a macaqueação, o plagiato impensado do francesismo sufocou em nossa literatura o sentir nacional.76
Quanto a Joaquim Norberto de Sousa e Silva, julga Romero que o melhor de sua
produção esteja no âmbito da historiografia literária. O lirismo de suas baladas, de
caráter semi-popular, seria fácil e pálido. Faltam ao poeta calor e entusiasmo.
Romero conclui que seus poemas são produto do trabalho de um crítico que traça um
plano e o executa de forma preconcebida.77 Em nenhum gênero o autor consegue
superar a média. Em seu lirismo chega a admitir certa graça e naturalidade, o mesmo
não ocorre com sua produção épica e cômica. Conclui que Norberto é “pouco
eminente na poesia.” Sua formação intelectual também deixaria a desejar, pois lhe
faltam cultura clássica, filosófica e científica. Ainda assim, mesmo com todas essas
limitações, o tom semipopular das baladas seria um indicativo das boas intenções do
autor.
Vejamos agora o caso do poeta Antônio Francisco Dutra e Melo. Em diversas
passagens de sua História da Literatura Brasileira, Sílvio Romero faz entender que
um seu critério importante é detectar no poeta, sabe-se lá como, originalidade e
sentimento verdadeiro. Repugna ao crítico perceber que o poeta finge. Para Romero
é importante perceber que a lamentação do poeta tem um fundo de verdade e que sua
melancolia não é mera pose literária. Dutra e Melo escapa neste quesito, suas
lamentações são tidas como verídicas, é um melancólico sincero. Embora grande
parte de suas composições não tenham mérito, Romero afirma que uma só de suas
poesias seria suficiente para sagrá-lo vate.78 A seguir, analisa mais uma vez a
76 Ibid. p. 830.77 Ibid. p. 839.78 ROMERO, S. (1960) p. 856-863.
influência estrangeira sobre a literatura nacional:
(...) Em nossa qualidade de povo superficial, nós ainda não podemos passar sem afetações.
Não sendo aqui a literatura um produto forte, original, espontâneo de uma raça enérgica, pois em rigor ela não passa de um negócio de imitação do estrangeiro em sua quase totalidade, nós andamos a chorar ou a rir, conforme nos tocam de fora...79
Em relação a Francisco Otaviano de Almeida Rosa, Romero atribui sua fama
literária à sua alta posição política. Sua produção não se destaca, nem pelo fundo
nem pelo estilo, sendo marcada por um classicismo tardio, ultrapassado. Quando
logra atingir o Romantismo, ele o faz de forma indiferenciada. Em sua segunda fase,
quando entra em contato com grandes autores românticos, o crítico chega a admitir
que Otaviano adquiriu algum talento, podendo haver em alguns de seus versos certa
graciosidade. Em geral, porém, Romero afirma que o poeta raramente é capaz de
elevação, limitando-se, quase sempre, à mediania. Não atingiu a grande poesia nem
teve profundidade de pensamento.80
João Cardoso de Meneses e Sousa, Barão de Paranapiacaba, é mais um poeta
marcado ainda pelo gosto neoclássico. As restrições de Romero a este nome são das
mais veementes. O Barão não teria temperamento literário, poético. Sua produção
tem valor diminuto. Sua poesia é marcada pelo prosaísmo. Tematicamente, mostra-se
bastante desligado do contexto brasileiro. Assim, conclui o crítico que sua reputação
literária só poderia ser atribuída a fatores extra-literários. É um poeta pobre, fraco, de
terceira ordem e que desconhece os princípios da métrica.81 Romero aproveita o
ensejo para tentar explicitar alguns mecanismos de consagração literária no Brasil:
Basta-me dizer, por enquanto, que a fama, o ruído em torno de um nome no Brasil é sempre uma ocupação e empresa de alguns grupos e em certos e determinados casos a política não é estranha ao negócio.
79 Ibidem. p. 857.80 ROMERO, S. (1960) p.874-884.81 Ibidem. p. 884-903.
Uma coisa posso também desde já avançar e é esta: o merecimento positivo, obtido por trabalhos sérios e de difícil apreciação, especialmente na esfera científica, esse nunca foi reconhecido e proclamado pelos brasileiros, em se tratando de patrícios seus. Sempre, pelo contrário, é constantemente negado quase a ferro e fogo, se preciso for.
Todos os tropeços imagináveis, todos os obstáculos e todos os óbices são inventados; não há injúria, não há calúnia, que não saia da imensa forja da maledicência. É um horror de fazer enlouquecer. É sempre necessário que do estrangeiro nos mandem dizer: “Não sejais estúpidos: vosso patrício tem razão!” Então, sim; todos curvam a cabeça e abrem as bocas, submissos ao mando da Europa e espantados da existência daquele monstro cá nesta terra de macacos e papagaios!...82
Além da crítica a cada um dos poetas, Romero também mostra sua preferência
em relação aos diferentes momentos do que ele entende ser nossa escola romântica.
Assim, para ele, no que considera como segunda geração, estaria o que de melhor se
produziu no romantismo brasileiro: a poesia de Gonçalves Dias.
Antônio Gonçalves Dias é identificado como o verdadeiro poeta: sensação,
linguagem, espírito, imaginação. Assim se expressa o crítico:
Parece-me que a justeza do sentimento, a doçura das imagens, a delicadeza das tintas, a facilidade das idéias, a espontaneidade da forma, o vôo sereno de todas as forças mentais, eram de preferência seus predicados. Tudo isso numa alma profundamente sincera83.
Além disso, nota Romero que o poeta tratou corretamente nossa questão
etnográfica, percebendo a importância das crenças indígenas.
Sempre preocupado com a verdade expressa pelo literário, Romero identifica
certa intensidade que viria do viver íntimo, psicológico do poeta. Parece ser
importante que as emoções brotem da memória e que os sentimentos provenham de
feridas verdadeiras.
Gonçalves Dias também demonstra qualidades para a descrição. É sóbrio,
simples sem ser pobre. Sua obra seria índice de placidez de espírito.84 Muito do valor
artístico do poeta seria decorrente de sua capacidade de plasmar características
82 ROMERO, S. (1960) p. 885.83 Ibidem. p.927.84 Ibid. p. 915-935.
populares:
O autor de Marabá (...) isto é, o autor do que há de mais nacional e do que há de mais português em nossa literatura, é um dos mais nítidos exemplares do povo, do genuíno povo brasileiro. É o tipo do mestiço físico e moral de que tenho falado repetidas vezes neste livro.85
Álvares de Azevedo marca o momento em que nossa elite intelectual não
necessita mais formar-se na Europa, portanto, ele é um marco de nossa
independência literária. Quanto à sua constituição física, seria ele doentio e
desequilibrado. Isto teria impedido que conseguisse alcançar na arte a placidez.
Louva-lhe a objetividade descritiva, o entusiasmo e a dedicação. É talentoso quando
se expressa num lirismo mais intimista. A. de Azevedo traz uma sensibilidade nova,
pelas imagens e pelo humor.86
Mesmo tratando da produção ultra-romântica, com a qual pouco simpatiza e
julga muito influenciada pela literatura francesa, Romero volta a falar sobre as
origens populares da literatura brasileira:
No dia em que o primeiro mestiço cantou a primeira quadrinha popular nos eitos dos engenhos, nesse dia começou a originar-se a literatura brasileira, que homens como Gregório de Matos, Durão, Basílio, Alvarenga, Taques, Andrada, Porto Alegre, Gonçalves Dias, Pena, Macedo, , Bernardo Guimarães, Alencar, Agrário, Francisco Lisboa e o próprio Azevedo opulentaram e encaminharam para uma diferenciação cada vez mais crescente.87
Os aspectos positivos de Aureliano José Lessa são a naturalidade,
espontaneidade e idealismo. Romero reconhece a sinceridade do poeta. O caráter
nacional de sua poesia também fica evidenciado: “Nele aparece o brasileirismo, isto
é, o calor, o anseio do gozo vazado em forma doce e delicada.”88
Bernardo Guimarães tem obtido bons resultados no lirismo naturalista, filosófico
e amoroso. O poeta distingue-se dos colegas, entretanto, pelo lirismo sertanejo. A
85 Ibid. p. 917.86 ROMERO, S. (1960) p. 947-961.87 Ibidem. p. 965.88 Ibid. p. 971.
seguir, Romero justifica sua afirmação lembrando que o poeta é um homem do
sertão, precisamente do planalto central. A realidade e sinceridade do sentimento
expresso em suas poesias também lhe são favoráveis.89 É importante observar aqui
como Romero articula “sertanejismo” e nacionalismo:
Magalhães, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo e muitos outros poetas nacionais, do Norte ou do Sul, eram filhos da região da costa ou quando muito da que se chama a região das matas próximas às costas. Viveram, além disto, nas grandes cidades ao contacto direto de estrangeiros e quase nada conheceram das diversas zonas do país.
Gonçalves Dias, que poderia fazer por este lado uma exceção, não a faz, porque só nos últimos anos próximos à sua morte viajou os sertões do Norte.
Por mais brasileira que fosse a intuição desses homens, não o poderia ser tanto como a de Bernardo Guimarães. Este nasceu e viveu em plena luz, no coração do Brasil, no planalto central.
Filho de Minas, ele viajou muito os sertões de sua província e das de Goiás, São Paulo e Rio de Janeiro.
(...) Junte-se a isto o conviver íntimo com o povo, o falar constante de sua linguagem, e saber-se-á o motivo pelo qual o inteligente mineiro em seus versos e em seus romances é uma das mais nítidas encarnações do espírito nacional.90
José Bonifácio de Andrada e Silva não é um byroniano típico. Marca sua poética
a objetividade e o enfoque na natureza e nos fenômenos sociais. Tem talento
descritivo e é elegante. Exagera nas alegorias, tornando-se excessivamente
visionário. O sentimento americano lhe ajuda, alguns de seus versos revelam calor e
impetuosidade. Há outros elementos mais abstratos, como a sutileza, o mimo, e algo
de etéreo e embriagador. Sua linguagem revela plasticidade, amplitude e sonoridade.
Para concluir, Romero reconhece-lhe de maneira categórica seu talento.91
Laurindo Rabelo, segundo o juízo do crítico, teria conseguido superar Álvares de
Azevedo e outros na expressão de poesias de tom melancólico. Sua virtudes são a
verdade de sentimento, a forma clara, estilo próprio e a riqueza de idéias. Sua musa
elegíaca teria sido das melhores da língua. É um dos maiores talentos poéticos da
89 Ibid. p. 976-986.90 ROMERO, S. (1960). p. 977-978.91 Ibidem. p. 992-1002.
língua portuguesa.92
Junqueira Freire perde quando comparado a seus companheiros de geração, em
relação ao lirismo amoroso. Seu temperamento inclina-o ao raciocínio e tem menos
imaginação, contudo, Romero admite ser J. Freire um bom poeta lírico,
especialmente quando trata de assunto popular.93 À margem de suas considerações
sobre o poeta baiano, Romero afirma de forma mais clara o que fica subentendido
em outras passagens da História da literatura brasileira, ou seja, que os poetas do
Norte são mais populares, o que, em seu sistema, significa dizer também que têm
mais caráter nacional:
A diferença, que julgo importante e característica, entre os dois grupos, é que no do Sul predominou o sentimentalismo sobre o naturalismo rústico e popular e no do Norte predominou este sobre aquele.94
Antônio Augusto de Mendonça é caracterizado de forma ambígua, estaria entre a
grande e a alta poesia. Algumas de suas virtudes são assinaladas, como a suavidade,
a ternura e a docilidade de seu lirismo, em cujos versos se notam virtudes musicais.
Quanto à linguagem, expressara-se de forma natural e nítida. O veredicto final é pela
canonização.95
Franco de Sá morrera jovem, ainda aos vinte anos. Romero afirma que com isso
o país teria perdido um bom poeta. Tinha ele boa técnica versificatória e pensamento
acima da mediania.96
José Alexandre Teixeira de Melo merece elogios entusiasmados. O poeta
chegaria até a ser superior a Casimiro de Abreu. A caracterização de sua poesia é
feita de modo um tanto vago, adjetivos como “perfumosa” e “macia” são utilizados,
92 Ibid. p. 1009-1026.93 ROMERO, S. (1960) p. 1026-1034.94 Ibidem. p. 1033.95 Ibid. p. 1034-1037.96 Ibid. p. 1037-1040.
as frases são elevadas e as imagens garridas. Romero indica a presença de um
parentesco com o Victor Hugo da melhor fase. Correção vernacular e rigor métrico
fazem dele um precursor do parnasianismo.97
A propósito da pouca difusão e visibilidade da produção de Teixeira de Melo,
assim como de tantas outras obras de autores nacionais, assim se expressa o crítico:
Eu mesmo, que estudo com interesse e carinho tudo que se refere ao Brasil, conhecia-o só vagamente de nome; nunca o havia lido atentamente!... E assim terão feito muitos outros.
Para que ler as poesias de Teixeira de Melo, os dramas de Agrário, os romances de Alencar, se ali estão as drogas de Ohnet, de Montepin, de Du Boisgobey, que posso ingerir, arrotar depois as essências de Paris, e passar por homem de tom e adiantado?
É a regra geral: uma curiosidade inquieta e malsaine pelo que vem de forae completa ignorância do que se produz na pátria...98
Quando inicia sua análise sobre a poética de Casimiro de Abreu, Romero admite
que ele tenha merecimento artístico. Depois, como já aconteceu a outros, passa a
indicar os problemas orgânicos que seriam responsáveis por seu desequilíbrio.
Romero aproveita o fato de tratar sobre a obra de Casimiro para fazer o seu ajuste de
contas com os ultra-românticos. São-lhe insuportáveis o tom lamuriento e os
cacoetes da escola. Sua arte é resumida da seguinte forma:
O poeta, franzino de corpo, predisposto à tuberculose, fez de seu coração um ninho para asilar e aquecer todas as ilusões, cismas, vaporosidades, sonhares irisados e fantasias aladas de seu tempo.
Esta impressionabilidade mórbida, expressa na linguagem e nas formas mais simples do falar português enriquecido, sonorizado, amenizado do Brasil, eis a poesia de Casimiro de Abreu.
A facilidade dos tons, a despretensiosidade da plástica lhe dão todo valor.99
Apesar de certas restrições, o poeta fluminense merece consagração literária, o
que lhe salva é a sinceridade.100
Segundo a classificação criada por Sílvio Romero, à quarta fase do romantismo
97 Ibid. p. 1040-1046.98 ROMERO, S. (1960) p. 1040.99 Ibidem. p. 1055.100 Ibid. p. 1050-1060.
corresponderá o “sertanejismo dos poetas do Norte”. O porquê da classificação é
importante:
A poesia sob a influência dos moços poetas da escola de São Paulo, ou nela filiados, Azevedo, Lessa, Bonifácio de Andrada, Laurindo, Junqueira tinha como feição característica a subjetividade, os afetos pessoais íntimos, de seus autores; a poesia, sob a direção dos moços do Norte, na escola do Recife, buscou intuitos mais objetivos, mais exteriores, mais gerais. Gentil Homem, Trajano Galvão, Dias Carneiro, Bittencourt Sampaio, Franklin Dória, Joaquim Serra, Coriolano, Juvenal Galeno deram mais atenção aos costumes, situações, lendas, fatos populares; deixaram-se inspirar desse realismo campesino, nacional, bucólico.101
O primeiro deles é Pedro Calasãs, cuja obra é bem vista pelo crítico. Caráter
independente, linguagem formalmente correta, domínio da métrica, tom, em geral,
positivo. Tem idéia liberais e mostra-se engajado no combate à escravidão. Calasãs,
apesar do grupo a que se filia, é poeta principalmente urbano. A objetividade
presente em sua obra permite que se veja nele um antecessor do realismo. Não foi
um grande lírico. É bom poeta embora não alcance a superioridade.102
A obra de Bittencourt Sampaio é exemplo da inspiração popular, provinciana e
campesina e, nesse aspecto, seria mesmo um dos melhores. As Flores Silvestres
merecem ser incluídas entre as melhores obras do romantismo. Romero, a julgar o
assunto tratado e a linguagem, constata, satisfeito uma brasilidade genuína.103 O autor
procura justificar sua predileção pela poesia sertaneja desta maneira:
Os versos do poeta ostentam o denguismo, a faceirice das morenas quentes do interior. Está-se agora evidentemente diante de um problema literário e etnográfico.
Já se viu que a literatura brasileira desde os seus primórdios queria ser a expressão de nossa raça.
Mas qual era a nossa raça? Aqui principiavam as dúvidas; uns buscavam a feição principal de nosso povo no português, outros no caboclo, raríssimos no africano.
O romantismo reavivou este debate e deu até certo ponto a palma aos selvagens pelo órgão de Gonçalves Dias, José de Alencar e outros.
Ao lado, porém, destes mestres e com mais tino e mais critério do que eles, levantou-se um grupo de moços que foi procurar no povo atual, como ele se acha constituído no mestiço físico e moral, em suas tradições e costumes, a nossa fisionomia peculiar de nação.
101 Ibid. p. 1066.102 ROMERO, S. (1960) p. 1064-1071.103 Ibidem. p. 1071-1075.
Daí proveio esse lirismo da roça, do sertão, dos matutos, dos tabaréus, lirismo simples, expressivo e mimoso, quando sai do alaúde de um poeta de talento.104
Devemos reconhecer aqui o alcance da análise de Sílvio Romero. A despeito do
talento inquestionável de Gonçalves Dias e de José de Alencar, certamente a
inspiração dos poetas sertanejos revelava-se mais coerente com o que de fato o Brasil
se tornaria, tanto que, como estamos nos esforçando por provar, esta poética, desde
meados do século XIX, produziu uma linha de continuidade e, ao menos até aqui,
não parece dar sinais de esgotamento.
Pouco espaço é destinado a José Maria Gomes de Sousa. Embora tenha praticado
o lirismo local e subjetivista, seus melhores resultados enquadram-se no gênero
épico-lírico e na poesia de caráter histórico e patriótico.105
Elzeário da Lapa Pinto é mais um poeta que se consagra pela realização de uma
única poesia. O “Festim de Baltazar” teria sido um dos melhores poemas da
língua.106
Franklin Dória destacou-se mais em política do que em literatura. Apesar disso,
Romero enxerga algumas boas qualidades em sua obra, como, por exemplo, a
ausência de perturbações de espírito, a religiosidade e a resignação. Utiliza
linguagem correta, domina a técnica versificatória e tem objetividade. Filia-se ao
grupo do norte pela força da descrição e pelo nacionalismo. Entre os poetas do Brasil
ocuparia a “segunda fileira”.107
Embora não tenha sido um grande poeta o nome de Trajano Galvão merece a
inclusão por haver sido o primeiro a tratar da condição do negro de forma
104 Ibid. p. 1072.105 ROMERO, S. (1960) p. 1077-1079.106 Ibidem. p. 1079-1084.107 Ibid. p. 1085-1091.
consistente. Tendo praticado o lirismo local e campesino, seus melhores trabalhos
são do gênero satírico.108
Gentil Homem de Almeida Braga é o mais talentoso do grupo, demonstrando
segurança e bom gosto. Seu lirismo está impregnado de caráter popular.109
O livro de poesias Flores e Frutos de Bruno Seabra é um dos melhores da produção
do romantismo. O autor dá preferência aos assuntos nacionais. Demonstra bom gosto
e apuro.110
A poesia de Joaquim Serra caracteriza-se por uma simplicidade na representação
das imagens, pela espontaneidade e pelo nacionalismo, geralmente de inspiração
popular e rural. Como não corrigia seus versos, há muitos erros em suas obras,
entretanto, apesar disso, tem mérito.111 Ao apreciar a obra de Joaquim Serra, Romero
procura delimitar o alcance da poesia sertaneja:
No viver das populações campesinas, especialmente em algumas lendas tradicionais, em alguns costumes graciosos, há muita poesia; mas é só isto. Se se quer ir além e divisar poesia em tudo ali, até naquilo que é dum prosaísmo acabrunhador, é um gravíssimo desacerto.
Não vamos nós agora supor que só na ignorância, na rudeza, na barbaria do sertanejo é que há poesia, e que esta haja saído foragida dos centros civilizados e se tenha ido abrigar absolutamente entre matutos, tabaréus, caipiras, sertanejos, garimpeiros, e quantas classes rudes e semibravias habitam a vasta zona central do enormíssimo Brasil.
(...) Compreende-se bem que se o princípio da estética sertaneja se estendesse, se generalizasse, e avassalasse todos os poetas brasileiros desde 1500 até hoje, não haveria neste mundo coisa tão insípida quanto a literatura nacional. Já se vê, pois, que o princípio do sertanejismo não comporta a generalização e muito menos a universalidade.
E se o sertanejismo, o campesinismo for aquilo que houver de mais secundário, de mais particular, de menos geral e capaz de interesse, ainda pior será ele. E deste último possuímos infelizmente muitas amostras em nossa literatura.
Em que condições então a nossa poesia campesina é aceitável?Só quando é capaz de amoldar-se ao que eu chamei de imperativo categórico da
estética, só quando é suscetível de servir de norma, de generalizar-se.Tem ela este característico quando é manejada pelos poetas de provado talento e
apurado gosto artístico.112
108 Ibid. p. 1091-1098.109 Ibid. p. 1098-1107.110 ROMERO, S. (1960) p. 1109-1114.111 Ibidem. p. 1115-1128.112 Ibid. p. 1119.
Joaquim de Sousa Andrade requer atenção pois é o único a tratar de assunto
americano que não seja brasileiro (Romero esquece-se, aqui, de Manuel A. Porto-
Alegre). Suas idéias revelam altitude, enquanto que formalmente há deficiências.
Parece haver assimilado pela metade algumas influências estrangeiras, o que lhe
explicaria o caráter vacilante. É um caso único, sua poética não se aproxima da de
nenhum outro contemporâneo.113
Juvenal Galeno teria sido o poeta mais talentoso vinculado a uma sensibilidade
popular. Seu defeito é a falta de cultura, o que lhe impede de alcançar posições mais
elevadas. O gênero que utiliza revela deficiência pois não reproduz a estética popular
nem assume uma posição mais afastada e idealizada.114
Pedro Luís e Fagundes Varela merecem ficar em uma fase distinta na
classificação da História da literatura brasileira.
Pedro Luís celebrizou-se por haver escrito quatro poesias célebres. Romero
afirma que sua fama literária se deve a sua excelente condição social e financeira.
Tem talento mediano. Suas incorreções são a alegorização excessiva e o tom
declamatório. Seus méritos seriam a defesa da democracia e do liberalismo, cantada
em tom adequadamente furioso.115
Fagundes Varela, poeta de grande importância, posiciona-se na confluência das
correntes byroniana, sertaneja e hugoana. Seu temperamento agitado e inconstante
patenteia-se em muitas de suas composições. É próprio dele a tendência ao sonho, ao
quimérico e à fuga da realidade. Para o espirito científico de Romero, entretanto, isso
não é necessariamente ruim. A ilusão proteger-nos-ia da dureza excessiva da vida. É
113 ROMERO, S. (1960) p. 1128-1131.114 Ibidem. p. 1131-1135.115 Ibid. p. 1148-1156.
a fantasia e a idealização que fazem dele um grande poeta. Sua poesia revela
espontaneidade, bons dotes musicais e imagéticos.116 Romero não julga que a poesia
sertaneja seja o aspecto mais importante da produção literária de Fagundes Varela:
Outra falsa caracterização do poeta é a que o apresenta como sertanista, bucolista por índole e tendência irresistível.
(...) Varela, que viajou as regiões marítimas do Brasil, as regiões das matas e as regiões dos sertões, dedicou alguns cantos às cenas que mais o cativaram por todas elas.
À vida sertaneja couberam as duas poesias encomiadas pelo crítico, Tal foi e nada mais.
Não é isto suficiente para constituir-lhe a característica especial e dar-lhe alto posto num gênero em que ele dificilmente poderia lutar com Bittencourt Sampaio, Joaquim Serra, Bruno Seabra, Trajano Galvão, Melo Morais Filho e outros já lembrados neste livro.117
Quanto a Luís Gonzaga Pinto da Gama, é digno de nota sua verve abolicionista e
suas poesias satíricas. Rosendo Moniz Barreto seria apenas um poeta mediano.118
Ao tratar dos chamados condoreiros, o primeiro a ser lembrado é Tobias Barreto de
Meneses. Além de haver produzido algumas das mais belas poesias da língua
portuguesa, sua filiação à escola Recife lhe favorece, pois que esta fase condoreira
teria sido a mais nacional que já tivemos no âmbito do literário. Sua espontaneidade
é ao mesmo tempo virtude e motivo de incorreções. Suas qualidades são múltiplas:
objetividade, delicadeza, força, graça, originalidade, sinceridade, grandeza de
sentimento, além de outras mais abstratas e subjetivas.
Ao par das últimas correntes filosóficas européias, Tobias Barreto incluíra em
sua lírica indagações acerca do homem contemporâneo. Quanto à forma, teria
inovado ao empregar uma linguagem mais impetuosa e arrebatada, em que se nota
mais movimento, além de imagens impressionantes. Artisticamente alcançara a
excelência.119 Quanto à poesia sertaneja, também a teria praticado com talento:
116 Ibid. p. 1156-1165.117 ROMERO, S. (1960) p. 1160-1161.118 Ibidem. p. 1165-1179.119 Ibid. p. 1191-1272.
O Brasil guerreiro, porém, não ocultava às vistas do poeta o Brasil popular, na ingênua e deliciosa rudeza. Os tabaréus, Trovadores das Selvas, Ano-Bom são disso a prova. (...) tinha, como bom brasileiro, de empunhar a viola campesina e cantar algumas de nossas lendas, quaisquer de nossos costumes, no estilo despreocupado das coisas plebéias.
Se o não tivesse feito não teria sido o grande, o completo poeta que nele admiro.120
Embora lhe dedique alguma atenção e lhe reconheça o talento, Romero procura
deixar claro que Castro Alves não é o líder dos condoreiros. Sua originalidade estaria
no fato de abrir mão de interesses particulares para entregar-se à causa abolicionista,
seria por isso um poeta “socialista”. Do condoreirismo do autor de “Navio negreiro”
não lhe agrada o lado hiperbólico e os arroubos que fizeram a delícia do público.
Romero prefere suas poesias em que a beleza se manifesta na simplicidade.121
Romero trata resumidamente do liberal e defensor do progresso Vitoriano
Palhares. Portador de um talento espontâneo, seu lirismo desdobrar-se-ia em três
modalidades: subjetivo, patriótico e filosófico. Suas melhores realizações são as
poesias patrióticas, em que dá mostras de possuir originalidade e força descritiva.122
Ao apresentar Alexandre J. Melo Morais Filho, Romero descreve-lhe
detidamente vários episódios de sua vida, fazendo com que percebamos sua
importância como pesquisador de nossa cultura popular. As principais características
de sua poesia são a objetividade e o caráter nacional, que se realiza de modo
consciente e planejado. Melo Morais deveria ser incluído entre os melhores poetas
brasileiros por seu talento imaginativo, sentimental, pictórico e formal.123
Apesar do juízo positivo, Romero reprova o fato de Melo Morais não procurar
fazer suas pesquisas sobre a cultura nacional fora do Rio de Janeiro:
Melo Morais tem em alta escala o sentimento nacional; porém nunca saiu da cidade
120 Ibid. p. 1267-1268.121 ROMERO, S. (1960) p. 1286-1298.122 Ibidem. p. 1298- 1301.123 Ibid. p. 1302-1326.
da Bahia, onde passou a infância, e da cidade do Rio de Janeiro, onde reside hoje, dois centros quase inteiramente impróprios para o estudo de tudo quanto se refere ao nosso povo.
Este só pode ser com proveito inquirido e investigado nas vilas e aldeias do interior, nas fazendas, nos engenhos, nos sítios agrícolas, nos sertões, nas praias de pescadores, etc. Melo Morais tem andado fora de tais recursos e meios de análise.
Tudo quanto é possível colher aqui no Rio entre as classes proletárias, ciganos, negros, velhas pedintes... ele tem procurado entesourar. Isto não basta. Ele não viu nunca o povo no seu trabalho, nem no seu folgar no interior do Brasil.124
A obra poética de Luís Caetano P. Guimarães Júnior divide-se em duas fases. Na
primeira haveria mais espontaneidade e alma, enquanto que a segunda seria
caracterizada pelo apuro formal. Seu lirismo tende ao subjetivismo. Pouco utiliza o
assunto nacional além de ter sido um homem que se absteve do combates de sua
época, principalmente no que se refere à bandeira do progresso.125 Poucas poesias
tratam do sertão: “Os Sonetos e rimas trazem no gênero apenas A sertaneja; os
Corimbos apenas a Choça do lenhador.”126
Luís Delfino dos Santos parece não ter os requisitos necessários para a atividade
literária. Embora tenha imaginação, lhe falta sentimento. Sua produção é irregular, a
tender para a loquacidade e amaneiramento. Os versos são mecânicos e a forma
hugoana degenera para a sonoridade excessiva e repetitiva. Apesar desses defeitos,
como que arrependido da excessiva severidade de seu juízo, Romero aponta-lhe as
virtudes: além da imaginação, possuiria linguagem elevada, léxico variado e beleza
plástica.127
Tentemos acompanhar os critérios utilizados por Sílvio Romero na seleção dos
poetas. Influenciado pelas idéias evolucionistas de seu tempo, o crítico vê o terreno
da consagração literária como extensão da luta pela vida, em que só os fortes
124 ROMERO, S. (1960) p.. 1314.125 Ibidem. p. 1326-1338.126 Ibid. p. 1333.127 Ibidem. p. 1338-1349.
sobrevivem, por isso, os artistas com constituição física e psíquica frágil ou doentia
são sempre observados com um olhar de suspeita clínica. Felizmente ele não segue
esse receituário à risca, o que permite a Álvares de Azevedo e a Casimiro de Abreu
salvarem-se. Por outro lado, externando sempre um caráter positivo e afirmativo,
associado certamente à euforia contagiante dos novos tempos liberais, republicanos e
do avanço da técnica, não pode ver a existência “patológica” desses sujeitos como
uma doença de toda a sociedade, ou como um alerta para uma possível correção do
rumo da civilização. A melancolia ultra-romântica, no seu entender, está mais para
modismo e pose literária, quando não uma forma elegante com que os derrotados da
vida gastam o tempo que lhes resta. A impressão que se tem é a de que enquanto os
poetas da dúvida cantam, a marcha da humanidade segue triunfante com suas
conquistas espantosas.
Romero simpatiza-se pelos poetas que estão fora do circuito Rio e São Paulo,
segundo ele, haveria uma tendência preconceituosa da crítica para com os artistas das
províncias do Norte. Acreditamos que, neste ponto, embora tenha feito pontaria em
outra parte, Romero acabe acertando o alvo. Retornaremos à questão, neste momento
vale notar que o que é visto meramente como preconceito e má vontade, na verdade
implica em um enquadramento mais complexo, relacionado à interferência dos
fluxos de cultura na formação do gosto e na fruição estética.
Esta questão relaciona-se ao nacionalismo em literatura. Romero defende, ainda
que de maneira inocente e simplista, as obras em que ele reconhece a brasilidade. É
por isso que os poetas das províncias, mais propensos a representarem as
particularidades de seu meio, acabam sendo por ele favorecidos. Romero,
erroneamente, faz, quase sempre, a identificação da nacionalidade a partir da
temática e não consegue ver que a brasilidade é algo mais relacionado à sensibilidade
interior. Por esta razão os poetas mais subjetivistas, que recusam-se a cantar o meio
circundante, deverão sofrer suas restrições. Por outro lado, o crítico acerta muitas
vezes, ao exigir uma linguagem mais simples e natural, que soe de maneira familiar
aos nossos ouvidos. A maior aproximação às fontes populares também implicaria em
uma maior grau de nacionalismo.
Um processo semelhante ocorre em relação à origem social. Romero mostra
haver predileção pelos desfavorecidos. Embora a situação financeira não interfira de
modo tão direto no produto artístico, é certo que os representantes das instâncias
legitimadoras e da intelligentsia nacional tendiam a ver favoravelmente os produtos
identificados com a alta cultura, que, por sua vez, dialeticamente articulavam-se com
a produção artística européia. Os escritores oriundos dos estratos sociais mais baixos
ou cuja poética neles se inspirasse certamente teriam dificuldade nesse contexto.
Seria preciso que aguardássemos o modernismo para que essa barreira fosse, ainda
que parcialmente, transposta.
Romero exige dos poetas a escolha de assuntos elevados. Geralmente tende a ver
de modo favorável aqueles que demonstram algum altruísmo, engajando-se nas lutas
espirituais de seu tempo. A postura combativa é a que melhor caberia a um artista:
“ser escritor é perseguir um ideal, é traçar um plano de jornada e ir por ele em fora, é
defender uma causa, é ter o instinto da combatividade literária e científica sempre
alerta”.128 Isso se deve, mais uma vez, ao evolucionismo e a outras ideologias da
época, que concebem a atualidade histórica como uma luta pela sobrevivência. O
crítico não consegue ver que os tímidos, os que adotam uma postura neutra ou
128 ROMERO, S. (1954) p. 1341.
reticente, ainda que não sejam os típicos combatentes, também atuam no cenário.
Sílvio Romero mostra-se atento ao lirismo sertanejo, tanto o dos poetas do Sul
quanto o das províncias do Norte. Em sua História da literatura brasileira esse
registro é freqüente porque satisfaz a necessidade de nacionalismo, tende mais para a
objetividade ––outro critério caro a Romero ––, denota um roteiro de aproximação às
fontes populares e de fuga do foco de interesse dos grandes centros brasileiros. Além
disso, essa sensibilidade poderia ser uma alternativa ao indianismo. Ora, segundo ele,
a raça indígena, por ser mais fraca, estaria fadada ao extermínio, portanto, esta via,
mais cedo ou mais tarde, se esgotaria. Porém, como Romero exige do escritor
respeito ao vernáculo e cultura (clássica, filosófica e científica), as formas
espontâneas próprias da cultura sertaneja não poderão ser diretamente utilizadas,
devendo primeiro ser trabalhadas e convertidas à alta cultura.
Embora o juízo crítico de Sílvio Romero apresente deficiências e muitas de suas
idéias de base tenham sido completamente superadas, há alguma ciência na atenção
que concede à lira sertaneja. Esta sensibilidade fora forjada longamente desde o
início da colonização e certamente correspondia, como ainda corresponde, ao modo
de sentir de boa parte da população. E embora o sertanejismo não tivesse privilégios
para colocar-se como paradigma da brasilidade, por outro lado podia afirmar-se
naturalmente como nosso produto cultural.
Romero parecia descortinar um futuro glorioso para o Brasil. Depois de cem
anos, pouco aconteceu em relação à mudança de vida de grande parte da população.
Então, esta continua manutenção do Brasil com baixos índices de desenvolvimento
humano acabou sendo um fator favorável para que a mundividência sertaneja e
provinciana ganhasse fôlego. Não que uma população bem alimentada, escolarizada
e saudável deixasse de ser sertaneja, mas certamente poderia, já que passaria a contar
um nova formação intelectual, abrir olhos e ouvidos para outras linguagens e
manifestações culturais. Hoje, por exemplo, no nordeste, para que músicas de
origens diversas possam ser apreciadas, elas necessitam obrigatoriamente
converterem-se ao estilo e ao ritmo do forró.
2.4.Fatores determinantes no início da formação do cânone romântico
No primeiro quartel do século dezenove, juntamente com a centralização do
poder por parte do Imperador e o estrangulamento do liberalismo, o perfil social do
estadista mudou. Antes, durante o período da Regência, eram os oligarcas
açucareiros e representantes da desgastada elite aurífera mineira a vir de longe
exercer seu mandato na Corte. Agora, após o Golpe da Maioridade, este contingente
fora substituído por cafeicultores e traficantes de escravos, um grupo com bases
permanentes na corte. A influência crescente destes últimos transforma a imprensa
em mero porta-voz dos interesses da classe.129
Nessa época, acompanhando as mudanças políticas, ocorre a consolidação do
prestígio de alguns "homens de letras" e da própria estética romântica, através da
"conjugação entre imprensa e literatura"130, que se estenderia até o século seguinte.
Esta era outra forma segura de conquistar o abono universal, além da fórmula mais
conhecida da obtenção do título de doutor.131
Alcindo Guanabara, jornalista da época, chega a afirmar que durante a década da
129 SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1977. p. 208-209.130 Ibidem p. 210.131 VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira. 5 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969. p. 136.
minoridade "a história do Jornal do Comércio se confunde com a história do
reinado". Lá estavam os grandes políticos, letrados e artistas consagrados.132 Num
período um pouco posterior, havia o prestigioso Correio Mercantil, que pertencia a
Muniz Barreto e era dirigido por seu genro, Francisco Octaviano de Almeida Rosa.
Manuel Antônio de Almeida também era jornalista e José de Alencar talvez seja o
exemplo mais típico do letrado que trabalha na imprensa.
A oficina tipográfica de Paula Brito, "no antigo Largo do Rossio", tornou-se um
ponto de referência para a mocidade literária. Ali se defendia uma política patriótica
e a loja anexa era freqüentada por homens públicos e doutores. Nessas tertúlias,
como os homens nem sempre se comprometessem com a verdade, o povo acabou
dando à loja o perverso apelido de "A Petalógica".133
Pela Revista Popular passaram muitos de nossos românticos: Gonçalves Dias,
Joaquim Manuel de Macedo, Bernardo Guimarães e Gonçalves de Magalhães.
Henrique César Muzzio ajudou a dirigir o Diário do Rio de Janeiro. Trabalharam na
Marmota: Machado de Assis, que nela estreou em 1855, Teixeira e Sousa,
publicando seus romances e poemas, e Juvenal Galeno. José Maria do Amaral
escreveu para o Spectador Brasileiro e foi redator-chefe do Diário do Rio de
Janeiro.
O fenômeno se repetia nas províncias. Gentil Homem de Almeida Braga,
Joaquim Serra –– que se transfere para a corte mais tarde –– e Sousa Andrade
trabalharam na imprensa maranhense. Félix da Cunha colaborava na revista literária
O Guaíba, em Porto Alegre. Em São Paulo, Marques Rodrigues escrevia no
132 ROMERO, Sílvio. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1954. v. III, p. 865.133 VERÍSSIMO, J. (1969) p. 148.
periódico literário Caleidoscópio, Francisco Quirino dos Santos n’O Livro, José
Bonifácio, o Moço, na Imprensa Paulista, Luís Gama no jornal liberal O Ipiranga134,
João Salomé Queiroga na Revista da Sociedade Filomática, A. de Azevedo editava a
Revista Mensal135 e Fagundes Varela publicaria na Revista Dramática e na Revista
da Associação Recreio Instrutivo, de sua propriedade.136
No entanto, passadas algumas décadas, muda o comportamento da imprensa em
relação ao Romantismo. A linha editorial do início do século XX, menos pelo que
realizou do que pela inércia e silêncio, influencia decisivamente o contorno do
cânone romântico. A casa Garnier, por exemplo, passara a ser dirigida de Paris por
Hyppolyte Garnier. Este senhor, segundo Lima Barreto, por usar o pistolão como
critério editorial, acabava "editando diplomatas". Que interesse poderia ter este editor
na publicação de uma obra romântica extemporânea, que saía sob a rubrica de um
nome ainda pouco conhecido? A oferta de títulos era limitadíssima nas escassas
livrarias. Muitos autores jamais seriam editados, passando a depender de pesquisas
posteriores para figurar, mesmo como secundários, no cânone do Romantismo
nacional.137
Outro fator determinante da consagração literária é a proximidade ou a
capacidade de se fazer conhecido na capital. Ainda que os poetas fossem
consagrados em suas províncias, seu mérito sempre seria posto em xeque, enquanto
o Rio de Janeiro não desse seu aval ao escritor oriundo dos lugarejos do interior.
Muitos poetas, após o estágio em suas regiões, rumarão para a corte em busca de
134 COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Sul Americana, 1956. v. II, p. 319.135 SODRÉ, N.W. (1977) p. 225.136 Ibidem. 347.137 Ibid. p. 347.
uma consagração definitiva.138
Durante boa parte do século XIX no Brasil, o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro e seu protetor, o Imperador D. Pedro II, tiveram grande influência como
fomentadores, incentivadores e legitimadores das letras e das ciências.139 Muitos
escritores e poetas figuraram nos quadros da agremiação, protegidos pela simpatia do
soberano, que chegava mesmo a financiar estudos na Europa e edições de livros e
revistas.140 José Veríssimo afirma que todos os principais românticos ou eram sócios
do Instituto ou publicavam em sua Revista, acrescentando ainda que esta sociedade
exercia uma força unificadora141 Para tornar o quadro mais uniforme, a crítica ainda
incipiente da década de cinqüenta tinha um caráter "laudatório e louvaminheiro",
aprovando, ufanista, tudo o que os poetas nacionais versejavam.142 Um exemplo
disso é o fato de a produção ultra-romântica, marcada pela rebeldia e pelo caráter
subversivo, não ser vista com bom olhos pelos integrantes desse grupo, a começar
pelo soberano.143
Na sociedade brasileira de meados do século XIX, fazer poesia era uma espécie de
complemento indispensável aos senhores que almejassem alcançar a civilização.
Poetava-se por hábito, por vaidade. Era algo que fazia parte do relacionamento social
nos salões do Império. Com essa proliferação de vates, muitos chegariam a pretender
glórias literárias menos efêmeras que os aplausos de uma noite. Entre baforadas de
charuto, com a ajuda da crítica corporativista e “patriótica”, conseguiriam manter
138 SODRÉ, N.W. (1977) p.336.139 VIANNA, Hélio. Letras Imperiais. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1961. p. 36-37.140 Ibidem. p. 45.141 VERÍSSIMO, J. (1969) p. 127.142 Ibidem p. 135.143 FRÓES, L. (1990) p.53.
seus nomes em um parnaso vacilante.
A esta altura de nossas letras, observamos dois movimentos opostos: de um lado,
o aumento do número dos nomes, ocasionado por juízos críticos quase sempre
complacentes, de outro, uma força tematicamente restritiva, imposta pelo monarca e
pelo Instituto Histórico de forma centralizadora e local, ainda que D. Pedro tivesse
preocupações de desenvolvimento cultural em âmbito nacional.
A D. Pedro "não escapava a significação nacional que poderia assumir o
movimento de renovação literária que então se processava no Brasil".144 Assim, para
a investigação das forças que compuseram o cânone romântico brasileiro, vale notar
a consolidação do nacionalismo como pedra de toque de nosso Romantismo. Escritos
de importantes críticos da época, como Santiago Nunes Ribeiro e Joaquim Norberto
de Sousa e Silva explicitam a lição. 145
Também contribui para a definição do cânone romântico a questão da identidade
nacional. Procurando formulá-la de maneira mais concreta, José Veríssimo detecta,
no que define como primeira geração romântica, um "matiz de tristeza", que,
confirmado e ampliado pela segunda geração romântica, nunca mais desapareceria
das letras brasílicas.146 Os poetas românticos buscavam assentar a base da literatura
brasileira. Cumpria fazê-lo de modo inequivocamente americano. Desta maneira,
ajudam a definir a nacionalidade e a identidade do brasileiro.
O comportamento do crítico e poeta Macedo Soares é sintomático. Ele via com
maus olhos o cosmopolitismo de Gonçalves de Magalhães e o byronismo de Álvares
de Azevedo, este último bastante diminuído em comparação "aos brilhantes
144VIANNA, H. (1961) p. 44.145 COUTINHO, A. (1956) p. 306.146 VERÍSSIMO, J. (1969) p. 128.
resultados da escola nacional", chefiada por Gonçalves Dias.147 Estas precoces
restrições à poesia de Magalhães, ainda que movidas por patrulhamento ideológico
nacionalista, seriam confirmadas pela crítica. Esta avaliação de Macedo Soares deve
ser valorizada, pois, apesar da crítica desfavorável de José de Alencar ao poema “A
confederação dos tamoios”, com o ambiente crítico univocamente direcionado ao
patriotismo, Magalhães continuou a gozar da mais alta consideração. Além disso,
Magalhães já havia escrito boa parte de sua obra, tinha alcançado reconhecida
notabilidade social e possuía amigos que pertenciam à elite da sociedade do Império.
Teixeira e Sousa, poeta de condição mais humilde, não pôde desfrutar de igual sorte.
Seu poema de inspiração camoniana “A independência do Brasil” teve péssima
acolhida.148 Apesar de tudo, apelar para a pátria e para o sentimento de nacionalidade
tornou-se um modo corriqueiro de justificar-se esteticamente.149
Na crítica do período, Joaquim Norberto é um dos que procuraram valorizar
exageradamente o talento de nossos escritores, como forma de prestar serviço às
letras pátrias. Como poeta, Joaquim Norberto também pôde contar com uma crítica
que lhe fora favorável. Esta boa acolhida imediata não significou um reconhecimento
definitivo.150 Buscando a ocorrência de seu nome em onze antologias poéticas,
notamos que figura apenas em três delas: no pródigo Mello Morais, no também
exaustivo Péricles Eugênio e em Magaly Gonçalves, que reconhece não haver
utilizado critério puramente estético.151
Um caso interessante também é o de Casimiro de Abreu. Suas Primaveras (1859)
147 COUTINHO, A.(1956) p. 310.148 Ibidem p. 312.149 VERÍSSIMO, J. (1969) p. 148.150 Ibidem. p. 142.151 GONÇALVES, Maria Magaly T. Antologia de antologias. São Paulo: Musa Editora, 1995. p.
32.
tiveram receptividade ímpar nas letras nacionais, mesmo assim, ainda durante a
terceira geração romântica, esta popularidade o acaba prejudicando. José Veríssimo
não chega a esclarecer completamente a questão: "os preconceitos que a vulgarização
de tais versos contra ele criou". Seja como for, o historiador literário não concorda,
defende o poeta de Barra de São João, louvando-lhe "a beleza de sensação e
expressão". Segundo ele, a reprovação a Casimiro seria "um estúpido desdém" e, ao
concluir, augura-lhe um futuro canônico. Oitenta anos após Veríssimo, o poeta passa
muito bem, à sombra de suas laranjeiras.152
A crítica de Sotero dos Reis também confirmaria essa tendência em valorizar os
artistas pelo fato de serem brasileiros.153
As reservas ao byronismo também viriam a ser constantes, apesar da grande
popularidade de Casimiro e do talento de A. de Azevedo. Essas críticas ora estavam
relacionadas com o culto ao fúnebre, ora com sentimentalismo postiço. Parece ficar
claro que as produções contemporâneas ou próximas às de Gonçalves Dias e Castro
Alves, nestes primeiros momentos da reflexão literária, eram consideradas mais
canônicas.
Retomando a crítica de Macedo Soares, identificamos outro mecanismo de
restrição do cânone, vinculado ao indianismo. Segundo o crítico, excetuando-se
Gonçalves Dias, a poesia indianista seria freqüentemente "ininteligível" (por conta
do vocabulário das línguas indígenas),"tudo exterior, falso e descorado , sem a luz do
sentimento".154 O crítico novamente teria acertado, pois já durante o século XIX
percebia-se que o índio, símbolo da identidade nacional, era incapaz de representar a
152 VERISSIMO, J. (1969) p. 208153 VERISSIMO, J. (1969) p. 174.154 COUTINHO, A. (1956) p. 311.
sociedade nacional de maneira mais abrangente. João Francisco Lisboa também seria
um dos poucos a perceberem os exageros e desconformidades do indianismo,
embora sua crítica contivesse perigosas idéias eurocêntricas e preconceituosas. João
Francisco Lisboa argumenta que o indianismo produziria uma interpretação histórica
distorcida, gerando um sentimento de animosidade contra os nossos "genuínos
maiores" (brancos puros, portugueses). Esta reabilitação "quimérica e infundada" da
figura do índio atrasaria o progresso do Brasil, que ficaria então a depender "da
imigração da raça empreendedora dos brancos e da transfusão de um sangue mais
ativo e generoso."155 Com esta mudança de enfoque, somente a vigorosa e plástica
poesia de Gonçalves Dias pôde permanecer, uma vez que as deficiências das outras
tentativas estariam claramente patenteadas. Veríssimo concorda com Macedo Soares,
ao elogiar Os Timbiras e As Americanas, acrescentando que a poesia gonçalvina teria
sido a única a conseguir sobreviver "aos motivos ocasionais dessa inspiração e ao
gosto indianista do momento.156
Quanto à interferência de ordem social no temário romântico, observamos que o
casamento era assunto comum. Ligado à tradição do discurso amoroso, foi
condicionado pela maioria do público leitor, constituído em grande parte por moças
em idade de contrair núpcias e estudantes. Diante deste quadro de satisfação de
expectativas, a literatura tornava-se um agente de estímulo e reforço de papéis
sociais. Restava, portanto, pouco espaço para uma literatura que eventualmente
fugisse dos padrões. O cânone romântico, no que tange à temática, também se
acomodaria aos namoricos, segredos e juras graciosas.
Quando o Parnasianismo ainda se perpetuava em seus epígonos e a literatura se 155 VERISSIMO, J. (1969) p. 178.156 Ibidem. p. 166.
tornava mais estéril, beirando a vacuidade e a retórica vazia, quebrada somente pelo
surgimento de vozes raras como a de Euclides da Cunha, o interesse dos letrados
passa a ser condicionado pelo chamado cosmopolitismo republicano. A França era o
modelo admirado e imitado. Se, em meados do século XIX, o Brasil fora a matéria
sublime que tanto entusiasmara e ocupara nossos escritores e poetas, agora isto já
não ocorre. Nossos intelectuais, em dia com as últimas tendências européias,
estavam muito impressionados com o progresso material e artístico europeu do início
do século, e viam com pouco encanto nosso país inculto e analfabeto.157Como esta
visão de mundo influenciou a crítica literária, a escola romântica, especialmente a da
primeira geração, perdeu prestígio. Perde força o romantismo de sabor local e
sertanejo, que cantava alegre e espontaneamente nossa natureza tropical e sempre
aformoseava nossas acanhadas matutas.
Outro motivo de censura a pesar sobre a produção romântica será o anseio
metafísico. Para José Veríssimo, a religiosidade explicitada nos poemas era apenas
um "cacoete literário", fruto de nossa histórica educação religiosa.158 Esta asserção
nos faz crer que os poetas que orbitavam ao redor de Gonçalves de Magalhães,
reconhecidamente religiosos, viriam a ser os mais afetados. Embora estejamos
analisando um estágio bastante inicial da evolução do cânone, já se percebe uma
intenção que viria a ser confirmada pelas rotas cada vez mais secularizadas do século
XX.
Desde o estabelecimento da Academia Brasileira de Letras, no final do século
XIX, à época das obras urbanísticas de Pereira Passos, o escritor passa a ter outra
imagem, mais disciplinada e metódica. A crítica passa a desconfiar de produções de 157 SODRÉ, N. W. (1977) p. 332.158 VERISSIMO, J. (1969) p. 133.
literatos cujo critério de composição se revele tecnicamente deficiente. A boêmia
literária sofre severas represálias e é praticamente condenada à extinção. Assim,
fazendo valer retroativamente a comparação até meados do século anterior, mais um
estigma pesaria sobre os poetas românticos (especialmente os ultra-românticos), que
tinham a pecha de boêmios contumazes. 159
Dentro deste espírito crítico, os exegetas, que até então se mostravam pouco
atentos aos pequenos desrespeitos às regras gramaticais, tornam-se rigorosos, ainda
que eles mesmos não deixassem de "macular" o vernáculo. Alguns poetas
românticos, Casimiro de Abreu, por exemplo, teriam suas obras depreciadas por
eventuais incorreções lingüísticas.160
Aliás, a menor ou maior proximidade ao português castiço é, neste momento,
uma faca de dois gumes, pois, enquanto o poeta tido por incorreto é exposto à
vociferação da crítica, o vernacular corre o grave risco de ver-se isolado do grande
público. Isto de fato aconteceu, segundo Veríssimo, com os integrantes do grupo
maranhense. Sotero dos Reis, João Francisco Lisboa e Odorico Mendes foram
esquecidos, apesar de serem "preclaros modelos" clássicos e castiços, enquanto
Gonçalves Dias sobreviveu na "memória do povo" porque seus versos da “Canção do
Exílio” eram simples e populares.
Tendo em vista esses fatos, podemos dizer que se a imprensa, a crítica, os
institutos culturais estavam na capital do país (Rio de Janeiro), essa localização
geográfica talvez tenha contribuído para que a obra de arte identificada com o
ambiente e com a mundividência interiorana, sertaneja, não tenha encontrado
acolhida entusiasmada.159 SODRÉ, N. W. (1977) p. 338-339.160 VERÍSSIMO, J. (1969) p. 129.
Ainda durante o século XIX pode já ter havido uma tendência cosmopolita por
parte da crítica literária que tenha contribuído para silenciar parte produção poética
do romantismo que tinha como tema os matutos, tabaréus, sertanejos, comparável à
que se percede durante o século XX?
O nacionalismo, embora pudesse ainda ser ingenuamente associado a elementos
exteriores de nosso meio e cultura, era um elemento fundamental para a canonização
literária ou para o sucesso. Tal fato tinha, inclusive, implicações políticas
importantes. O problema foi que, na medida em que compreendiam esse mecanismo,
muitos passaram a produzir poesias semelhantes. Se, do ponto de vista da arte, isto
não é grave nem estranho, do ponto de vista da cristalização e formação dos
símbolos e ícones de nossa cultura, não deixou de representar uma restrição que pode
haver contribuído para a consolidação de estereótipos.
Ainda durante o século XIX já se percebia que o índio, apesar de seu valor
simbólico e original, não podia representar uma cultura fundamentalmente diferente
da sua. Por isso, optou-se por criar uma arte brasileira mais natural, sem essa
vinculação necessária ao indígena. A partir daqui iríamos, portanto, passar a falar
simplesmente do brasileiro. Nessa passagem, contudo, talvez possamos haver
perdido um elo importante. Não a paternidade ancestral, patriarcal e certa do índio,
mas uma contribuição à semelhança de corrente subterrânea, efetiva e atuante, mas
menos facilmente detectável e que pode ser determinante para a estética.
2.5.Contribuições posteriores à formação do cânone do romantismo.
Dentro da historiografia literária brasileira, a obra de Antonio Candido
Formação da literatura brasileira (1959) tem grande importância. Muitas são as
virtudes deste estudo e dele pode-se variadamente falar, como de sua potencialidade
polêmica ou de sua ampla utilização nas faculdades de letras de todo o país. E,
quando fazemos um retrospecto de alguns de nossos roteiros de leitura sobre
literatura, notamos que tivemos a surpresa de encontrá-lo em mais de uma via.
Nessas oportunidades, após consultá-lo, mesmo que não tivéssemos encontrado nada
de muito específico ou pontual sobre o que a princípio nos interessava, não seria
surpreendente vê-lo figurar em nota de pé de página, ajudando-nos a cumprir nossos
objetivos. Talvez por isso seja oportuno investigarmos o papel que Candido destina à
sensibilidade sertaneja na estética da poesia produzida em meados do século XIX.
Uma tese importante defendida por ele é a de que a literatura só de fato se inicia
a partir da consolidação de um sistema formado por três elementos fundamentais:
autor, obra e público leitor. Isso somente aconteceu no Brasil a partir do Arcadismo.
Portanto, a conclusão será a de que os árcades mineiros são os fundadores de nossa
literatura. Não nos interessa neste momento julgarmos esta afirmação e entrarmos no
caso polêmico do confisco do Barroco. É mais importante notarmos que essa opção
revela que esse “momento decisivo” é mais marcado pela incorporação e
entronização da colônia portuguesa em uma ordem maior, européia, ocidental e
civilizada. Os árcades mineiros tinham consciência do seu papel e da literatura no
sentido de promover a ilustração da rude colônia portuguesa. O movimento
romântico teria continuado esse processo de fornecer ao trópico uma literatura
civilizada. Dessa maneira, a produção romântica brasileira teve na tradição árcade
uma guia que evitou um mergulho mais profundo no mapeamento dos elementos que
compõem a mundividência do homem americano, uma vez que a linha de força
clássica é eurocêntrica.161 Podemos, portanto, averiguar se esse ponto de vista
relaciona-se à teoria adotada por Candido naquela época.
A elaboração da Formação da literatura brasileira, como não poderia deixar de
ser , reflete o momento por que passa a teoria da literatura e as ciências sociais ao
final dos anos cinqüenta. Compreendendo as condições em que surge esse estudo de
Candido, se pode entender melhor a importância dada ao arcadismo, dos “momentos
decisivos”, talvez o mais decisivo:
A Aufklärung paulista, em suma, é o recorte em que convém se leia a Formação, em contraste com o nacional-desenvolvimentismo que nutria a inteligência carioca da época. É ela, afinal, que nos pode abrir a porta para a compreensão da valorização do Arcadismo e do que ele deixou como herança para a literatura que se formava sob o signo do Romantismo. É aqui que as pontas da história se tocam: se no Romantismo toma forma um ideal de civilização que deve aos árcades “ilustrados” o empenho de se fazer uma literatura integrada ao Ocidente, esse ideal é, de certa forma, retomado pela ilustração paulista e pelo Candido dos anos 40/50.162
A conseqüência disso é que sua revisão do passado literário harmoniza-se a um
futuro ainda muito promissor que a recente industrialização apontava para o estado,
que ainda não começara a colher de maneira tão intensa as mazelas decorrentes do
crescimento econômico. Nesta correspondência, a Ilustração árcade mineira deverá
corresponder à racionalidade requerida pelas adventícias indústrias de capital
internacional. Assim como o arcadismo no Brasil adequava seu discurso ao modelo
que lhe oferecia a tradição (Os árcades eram formados intelectualmente na
metrópole.) para também incluir a nós, colônia, entre aqueles que se expressam
artisticamente e que portanto, ainda que não sejam europeus tenham direito ao canto.
Assim como no Brasil, após a instalação da indústria siderúrgica e da realização
de grandes obras de infra-estrutura o Brasil com Juscelino pretende enquadrar-se em
161 WEBER, João Hernesto. A nação e o paraíso. A construção da nacionalidade na historiografia literária brasileira. Florianópolis: Editora da UFSC, 1997. p. 105; 109.162 WEBER, J. H. (1997) p. 111.
um regime produtivo mais moderno. Ao mesmo tempo, canais de televisão nacionais
associam-se a grandes grupos de comunicação norte-americanos. Surgem programas
como o “Amaral Neto, o repórter”, cujas excursöes pelo Brasil, curiosamente,
acompanhavam o desbravamento (O tom está sim impregnado de colonialismo) das
novas fronteiras que se abriam para o Brasil. O que não se conseguia esconder,
porém ( a impressão que temos é até de que não se o quis, dado o tom triunfalista e
ufano das modulações de voz de Amaral), era que o repórter era o porta voz dos que
o mandaram ali, também favoráveis ao crescimento, ao desenvolvimento, à expansão
do país, que se materializava apoteoticamente, ao gosto Cecil B de Mille, naquelas
obras grandiosas.
Tais fatos seriam agentes promovedores de predomínio de caracteríesticas mais
asperamente impessoais, racionais e planejadas. Isto pode ser percebido por,
exemplo, na passagem dos anos setenta para os oitenta. Nos anos setenta, com a
contracultura, temos o canto esperançoso da utopia e de uma nova fraternidade
(brotherhood). Este sonho agonizaria na década seguinte com o claro enquadramento
dos diferentes. Ao jovem, apesar de sedutora, a postura rebelde passa a parecer
pouco prática. Nos anos oitenta o afastamento ainda é maior. Há já um modelo de
jovem profissional de sucesso que seduz de fato. Ainda e mesmo porque muitas das
expectativas formadas nos anos setenta não se concretizariam. O processo que
descrevemos pode ser ilustardo, no primeiro caso, com o surgimento dos hippies, e,
no segundo, com os yuppies.
Como isso interferiria no que se refere ao âmbito literário? O que disso podemos
vislumbrar a partir do Candido de final dos anos cinquenta? O que podemos deduzir
de seu intuito de atrelar a independência nacional ao domínio dos códigos da tradição
ocidental.163
Procuramos, portanto, dramatizar e conjecturar sobre algumas forças que poderiam
ter agido sistematicamente sobre a reflexão de Antonio Candido. Isso para que
conhecêssemos alguns dos fatores que intervieram em seu juízo sobre a poesia
sertaneja de um Fagundes Varela e de outros poetas do período. A julgar por uma
hipótese meramente lógica, é certo que a poesia roceira do autor do “Cântico do
Calvário” não poderia ser bem acolhida tendo em vista o travejamento e o
direcionamento da Formação.
Chegamos a essa conclusão também a partir de algumas de suas afirmações
como, por exemplo, esta a respeito do byronismo:
Quando, porém, os jovens tentaram criar artificialmente um estilo de vida byroniano e copiar o tom dos seus livros, o resultado foi quase sempre desastroso. Os estudantes de São Paulo, com suas blasfêmias exteriores e retórica decorada, suas pobres orgias à luz da lamparina, regadas de cachaça, ao som da magra viola sertaneja, não criaram atmosfera para outra coisa senão a paródia.164
Será que somente a corrente byroniana teria sido artificial? Aliás, em âmbito
cultural, o que acontece “naturalmente”? Não estamos no momento questionando o
juízo de Candido quanto ao fato de a realização ser desastrosa ou não, entretanto,
acreditamos que o crítico mineiro, aqui, tenha exagerado. Por que as orgias dos
estudantes seriam pobres? Eles não eram estudantes oriundos das famílias
endinheiradas? Além disso, não é necessário muito para satisfazer as necessidades de
uma boa farra de república, mesmo assim, por que considerá-las pobres? Também
julgamos haver detectado nuanças do conhecido complexo do vira-lata. Por que a
cachaça perderia quando confrontada ao conhaque, a bebida mais consumida pelos
românticos? O fetichismo às coisas estrangeiras em nossos poetas falaria mais alto
163 WEBER, J. H. (1997) p. 112.164 CANDIDO, A. (1975) p. 188-189. Embora colhido no texto original, o interesse por essa passagem foi-nos despertado pelo ensaio de Leonardo Fróes.
do que a alta graduação alcoólica? Não teriam eles a capacidade evidente de uma
imediata adaptação, que pudesse até ser interessante? Para terminar, notamos a
ausência de euforia quando se refere ao instrumento mais representativo da música
sertaneja: Por que a viola é magra?
Além de A. Candido, outro momento da crítica em que acontece um processo
semelhante seria o revisionismo patrocinado pelos teóricos do concretismo:
(...) uma preocupação que historicamente sempre foi o mal necessário das vanguardas: o da “descoberta” profética, do compromisso mais com o futuro do que com a urgência do presente. (...) Com efeito, com o passar do tempo, esses poetas, em nome do futuro, realizavam prospecções na historiografia literária; “reabilitaram” (assim como fizeram com Oswald) Sousândrade, Kilkerry, em revisões de competência crítica inegável, mas que sempre procuravam desenvolver, a seu modo, sectariamente, um vínculo obrigatório que desembocava como num passe de mágica na teoria da poesia concreta. (...) A evolução do processo da poesia brasileira não congregava, como iria acontecer depois, as mais variadas influências: era, em contrapartida, um ascético e coerente percurso, elitista e excludente, que culminava –– obrigatoriamente –– na poesia concreta.165
Juízo semelhante expressa João Luiz Lafeta, ao analisar a obra de Ferreira
Gullar:
Seus “Poemas Concretos/Neoconcretos”, escritos entre 1957 e 1958, além de estarem entre os mais belos que a nova poética produziu, testemunham o instante de atualização da cultura brasileira: a construção do poema deixa de ser o exercício de tensões subjetivas, projetadas na linguagem, para procurar a objetividade do produto acabado, mercadoria no universo do consumo. Poesia e indústria, construtivismo e desenvolvimentismo, mundo de objetos e criação de um mercado nacional, orgulho da poesia-exportação e nacionalismo. A racionalidade literária nascida em São Paulo é paralela ao esforço racionalizador do grande capital, que procura modificar as estruturas do Brasil. O plano-piloto da poesia concreta lembra o cimento armado de Brasília, o nosso crescimento urbano, a virada que esvaziará os campos e concentrará as grandes massas nas cidades.166
Como podemos perceber, por motivos distintos, tanto a historiografia literária
patrocinada pela vanguarda concretista quanto a Formação de Candido terminam por
excluir a facção sertaneja do cânone da poesia romântica. Embora os concretistas
tenham valorizado a poética de um Oswald de Andrade, que incorpora os elementos
165 FREITAS Filho, A. (1979) p. 94.166 LAFETÁ, João Luiz. Traduzir-se (ensaio sobre a poesia de Ferreira Gullar). In ZILIO, Carlos, LAFETÁ, João Luiz, LEITE, Ligia Chiappini Moraes. Artes plásticas Literatura. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 59-60.
da sensibilidade caipira e interiorana, dentre as produções vinculadas ao romantismo,
preferiram dar destaque a Sousândrade, cuja poesia tem um caráter formalmente
mais inovador.
Paralelamente a esse processo, a consolidação canônica de outros poetas
continuava a acontecer –– e quanto a isto não fazemos qualquer juízo negativo ––
assim como a recepção e assimilação de seu legado pelos poetas dos séculos
Na XIX, XX e XXI. Alguns desses poetas e algumas poesias passaram mesmo a ter significação especial para a cultura e a literatura brasileiras. É o caso, por exemplo, de Gonçalves Dias e de sua “Canção do exílio”, texto e palimpsesto da cultura brasileira. tradição literária, a Canção acabou por funcionar como um retrato do Brasil, ainda que o país seja representado de maneira bastante estilizada, como se viu, mediante imagens recorrentes na tradição literária ocidental. (...) é curioso o papel de retrato do Brasil que a Canção veio a exercer. Nesse papel, o poema dialoga com toda a tradição literária colonial e nacional que, antes dele, procurou construir um retrato do Brasil. Ao mesmo tempo, o poema também dialoga com toda a tradição literária nacional que, depois dele, vem procurando discutir o retrato idealizado que aparece no poema. Nesse sentido, a Canção é –– ao mesmo tempo –– ponto de convergência e divergência.167
Os autores que dialogam explicitamente com o texto gonçalvino são o romântico
Casimiro de Abreu (1856), o poeta goense Pedro António de Sousa (1882), Juó
Bananére (1924), Guilherme de Almeida (1925), Oswald de Andrade (1925), um
enigmático Fiktor Konder (1930), Ribeiro Couto (1939), Carlos Drummond de
Andrade (1945), Cassiano Ricardo (1947), Cumprido, Leleo e Zagaia, compositores
mangueirenses, autores do samba “Gonçalves Dias” (1958), Torquato Neto (1967),
Chico Buarque, letrista da música Sabiá (1968), Murilo Mendes (1965-1966),
Cacaso (1974), Stella Leonardos (1974), Carlos Felipe Moisés (1975), Glauco
Mattoso (1978), os compositores Moraes Moreira e Beu Machado (s.d.), Eduardo
Alves da Costa (1982), Régis Bonvicino(1987), Ruth Rocha (1987), José Paulo Paes
(1988), Maria Helena Nery Garcez (1988), Jô Soares (1992).168
167 CAMARGO, Luís. A canção do exílio e sua tradição. Revista da Biblioteca Mário de Andrade. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, v.58, p. 184-185, jan. dez. 2000.168 CAMARGO, L. (2000) p. 186-197.
Ainda que um tanto óbvio e previsível, o impacto da obra de Gonçalves Dias e a
interferência de seu trabalho podem assinalar uma trajetória de possíveis leituras da
produção poética do romantismo. Embora esta recolha não seja exaustiva,
certamente possui elementos suficientes para acompanhar o diálogo que se
estabeleceu entre a obra gonçalvina e diversos momentos da poesia e da cultura
brasileiras. A exemplo desse, podemos também, com razoável segurança, indicar a
existência de uma tradição sertaneja, que, anterior ao romantismo, com ele ganha
corpo e definição, evoluindo posteriormente até a contemporaneidade. Embora não
possamos neste trabalho apontar todos seus marcos e balizas, temos, contudo,
assinalado elementos que provam sua existência e tendência de continuidade como
uma linha de força importante de nossa poesia.
Apesar dessa possibilidade futura, o que se constata é algo oposto. A falta de
prestígio dos autores românticos, especialmente os que se inspiraram em fontes
populares também fora indicado por Álvaro Lins em 1941, segundo afirma Leonardo
Fróes:
O futuro imediato não confirmou a previsão feita por Lins: em vez de se tornar neo-romântico, o Brasil derivou rapidamente, desde o começo da década seguinte, para o modelo industrial moderno e a estética de reposição que esse modelo fomenta. Nem por isso no entanto o ensaio perde a validade, pois muitas de suas outras afirmações são úteis à abordagem do tema. Referia-se o autor, por exemplo, ao “deliberado desdém com que os meios literários vinham tratando, até há pouco, os autores românticos de mais extenso sucesso” para mostrar que havia um desencontro, refletido nessa atitude, entre o gosto da elite e o prazer popular.169
O que se depreende a partir da leitura da poesia de Varela é que tivesse
propensão a condenar o saber institucionalizado quando este contrariava suas
convicções íntimas. Podemos supor também que preferisse um conhecimento mais
espontâneo, livre e direto, adquirido no contato com a natureza, numa vida exercida
169 FRÓES, L. (1990) p. 130.
em plenitude. Essa busca do saber incluiria o devaneio, o delírio e o êxtase. A cultura
formal, portanto, pareceria-lhe retrógrada e falsa, no fundo preocupada com as
aparências.170
Voltemos a Antonio Candido. Seus estudos literários dos anos setenta
procurariam incluir em suas análises fatores decorrentes no novo posicionamento do
homem latino-americano que procurava ajustar-se à nova ordem mundial. Para isso,
concentrará sua investigação em um núcleo a que se convencionou chamar de teoria
da dependência. Tais reflexões surgem no texto de “Literatura e
subdesenvolvimento”.
Candido afirma que a literatura, nas condições brasileiras, é um produto para
poucos. Tomando os anos cinqüenta como marco, afirma que antes disso a
intelectualidade não tinha consciência total dos mecanismos que nos colocavam em
atraso em relação às outras nações. Isso acontecia porque ainda se pensava ser
possível modificar esse estado de coisas pela instrução e pela semeadura de livros. O
intelectual brasileiro, por sua vez, percebendo as deficiências na formação
educacional do povo, procurava naturalmente conectar-se aos seus pares europeus.171
Após os anos cinqüenta a reflexão amadurece. A intelligentsia toma consciência
do subdesenvolvimento e passa a rejeitar a antiga vassalagem cultural. Como
resultado disso, as chamadas influências, que induzem ao estabelecimento da
hierarquia entre as civilizações européia e brasileira, serão substituídas por uma nova
nomenclatura que revelará a intenção de buscar uma igualdade nas relações com o
chamado Primeiro Mundo. Se na Formação se vislumbrava ao final do processo o
encontro entre as culturas latino-americana e européia, agora a ênfase recai sobre os 170 Ibidem. p. 65.171 CANDIDO, Antonio. A educação pela noite & outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987. p. 148.
aspectos em que esse encaixe não se dá.172 Um exemplo dessa produção crítica é o
ensaio o “O entre-lugar do discurso latino-americano” de Silviano Santiago.
Após a Segunda Guerra Mundial, com a divisão do mundo nas áreas de
influência norte-americana e da União Soviética, a América Latina e especialmente o
Brasil deixarão de ter como referência a Europa. O pensamento nacional-
desenvolvimentista esgota-se e, por pressões norte-americanas, ainda durante o
governo de Juscelino, opta-se pelo caminho da internacionalização da economia
brasileira. O Brasil inseria-se na nova ordem mundial sob a tutela dos yankees, que
investiram pesado na economia nacional. Tal sistema seria garantido pelo regime
ditatorial. Armando Freitas Filho diria sobre esse tempo:
O sol, sem dúvida, ficava lá no alto e sua luz iluminava apenas os quartos da solidão e do exílio em Buenos Aires, Brasília e Rio. Os girassóis resistiam. Mas todos já sabíamos, embora se apregoasse o contrário em alto e bom som, nos rádios e nas TVs, que o Brasil não era feito por nós.173
Diante dessa nova conjuntura, surgem ensaios que procuravam estabelecer as
relações entre estas condições macroeconômicas e os fenômenos sociais e culturais
brasileiros. Em comum eles terão um núcleo: a chamada “teoria da dependência”. À
luz deste enfoque, portanto, não mais se propunha uma independência de caráter
absoluto. Era possível salientar nossas especificidades e dissonâncias ao mesmo
tempo em que se constatava nossa atrelagem ao sistema econômico internacional,
nele desempenhando um papel secundário.174 Ainda nos anos oitenta, a música
popular brasileira registraria o fenômeno:
É a última moda que chegou de Nova YorkE deve ser bom como tudo que vem do norteA sua mãe vai gostarO seu pai vai achar moderno
172 CANDIDO, A. (1987) p. 155.173 FREITAS Filho, A. (1979) p. 115.174 WEBER, J. H. (1997) p. 147.
É mais quente que o infernoEssa onda é de morte
New wave, patins, lennon and tennis nikeWalkman, big mac, fender strato casterVai pegar, vai pintar até na novela das oitoE você vai copiar, vai copiar, vai copiar
Aids, não tente colocar band-aids.175
Alfredo Bosi também aborda a questão. Para ele, a produção cultural brasileira se
vê impelida, num primeiro momento, a repetir os esquemas da tradição européia,
mas, quando o artista vai realizar sua tarefa, talvez por pressão do meio americano,
ele acaba inserindo algo em sua obra que não constava no plano original da matriz.176
Dessa maneira procura o autor da História concisa dar conta também do
pertencimento à ordem brasileira e européia. Seu estudo interessa-nos
particularmente pelo fato de localizar, dentro do esquema da teoria da dependência,
as produções culturais não sintonizadas à alta cultura.177 É a partir desta produção, ou
melhor, de sua reelaboração praticada pelo artista letrado que surgirão
manifestações, como, por exemplo, a poesia cabocla de Fagundes Varela. Bosi
rompe de vez com o intuito unificador das manifestações culturais brasileiras,
expondo, de maneira clara, suas múltiplas vozes, determinadas, segundo ele, em
decorrência das razões de classe e de raça.178
João H. Weber procura sintetizar o que se passava naquele momento:
(...) os anos 70 dialetizam as relações entre “centro” e “periferia”, e as politizam, inclusive, pelo caráter de classe que se lhes atribui. Definitivamente, os anos 70 representam , nesse sentido, o fim da “Nação” constantemente reafirmada por um discurso ideológico integrador, que enfatizava a existência de uma cultura e de uma literatura homogêneas: nos setenta, não somente se apontam as clivagens socioculturais, pobres e analfabetos de um lado, a classe dominante de outro, com a cultura popular e arcaica “sob
175 JAIME, Leo. VERDEAL, Leandro. EMI; Sony, 1983.176 BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 31.177 BOSI, A. (1992) p. 46.178 Ibidem. p. 272.
o limiar da escrita” de um lado, a cultura oligárquica de outro, mas se dialetiza a própria cultura dominante, importada, que sofre dos impasses da dependência –– “no lugar” entre as elites, desde que filtrada, desbastada; “fora do lugar”, mas inevitável dependência, o país precisando com ela conviver.179
A partir daqui a teoria da dependência não parecerá conseguir responder às novas
conjunturas internacionais, principalmente àquelas decorrentes da iminente queda do
muro de Berlim e da derrocada do comunismo soviético. A década de 80 será o
tempo dos yuppies.
Sobre essa passagem, assim se expressa Frederic Jameson:
Ao mesmo tempo, penso que os dois níveis em questão, a infra-estrutura e as superestruturas –– o sistema econômico e a “estrutura de sentimento” cultural ––, de algum modo se cristalizaram com o grande choque da crise de 1973 (a crise do petróleo, o fim do padrão-ouro internacional, o fim, para todos os efeitos, das “guerras de libertação nacional” e o começo do fim do comunismo tradicional) e, agora que assentou a poeira, revela-se a existência de uma nova e estranha paisagem (...) 180
A partir daqui, o enfoque deixará de ser o eixo e as conexões entre nosso
chamado subdesenvolvimento e as determinações da economia imperialista. Passará
a haver uma espécie de consenso entre as diversas colorações ideológicas no sentido
de tentar compreender as razões de nosso atraso a partir do próprio país. Essa será
uma palavra de ordem, mais ou menos hegemônica que funcionará, grosso modo, até
o fim do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.
A partir daqui passaremos a viver uma situação semelhante à vivida pela Itália e
que foi explicitada na abertura deste estudo com a citação de Pasolini. Passaríamos
também nós, segundo a ideologia adotada, a tentar impor uma certa resistência às
forças homogeneizadoras da civilização técnica e burguesa neocapitalista.
2.6. O romantismo brasileiro e a idéia de nação.
179 WEBER, J. H. (1997) p. 164.180 JAMESON, Fredric. Pós-modernismo, a lógica cultural do capitalismo tardio. Ática, 1996, p. 24.
Pode-se dizer que a independência do Brasil realizou-se em dois momentos
distintos. Primeiro houve a separação dos estados, o momento político, depois
procurou-se estabelecer uma diferença no âmbito cultural. Esse segundo movimento
teve contorno romântico, detectável no âmbito lingüístico, ideológico e nas
orientações da historiografia.181
O Romantismo brasileiro diferencia-se do europeu pelo fato de este dar vazão a
um sentimento de revolta contra os rumos que a civilização e o capitalismo
tomavam, enquanto que aqui estávamos em uma fase pré-capitalista, com a produção
dependente da mão de obra escrava. Portanto, era natural que nosso romantismo
tivesse uma propensão maior a “civilizar”, mesmo porque ainda não se conhecia bem
o que poderia ser isso. Apesar de inspirar-se na natureza americana e em seu
habitante mais antigo, o índio, há a intenção de ir ao encontro da Europa. O
intelectual e o artista brasileiro sentem que participam da vida européia,
principalmente francesa. Essa mundividência fica clara no programa da revista
Niterói e nos artigos da Revista Brasiliense. Precisávamos nos aproximar da
civilização, porém percebia-se que isso deveria ser tentado de maneira própria.182
Acreditamos que estas sejam as intenções que estejam na base da atitude de Varela,
ao procurar inspirar-se em uma sensibilidade cabocla, da roça. Embora não se possa
afirmar o grau de consciência que Varela tivesse do fenômeno, certamente, nesse
caminho, encontraria uma sensibilidade própria, também nacional, e que passaria a
competir com o indianismo.
O Romantismo era a estética apropriada para valorizar as especificidades
181 RICUPERO, Bernardo. O romantismo e a idéia de nação no Brasil (1830-1870). São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. XXII, XXXIII.182 RICUPERO, B. (2004) p. XXVII, XXVIII, XXIX; 92.
culturais de cada país em que fosse inserido. Isso, no caso brasileiro, não se deu
unicamente por meio do indianismo, outras formas foram tentadas, como o
regionalismo, na prosa, e a poesia “cabocla” de Fagundes Varela e outros
românticos. Isso já fora detectado precocemente no desenvolvimento de nossa escola
romântica:
Esta não seria, entretanto, a tendência predominante em nosso Romantismo. Na própria Guanabara, porém, aparecem vozes que podem ser consideradas dissonantes em relação a seus objetivos originais. O deputado liberal Joaquim Manoel de Macedo, por exemplo, num artigo intitulado “Costumes campestres do Brasil”, afirma que uma nação não tem nada em si de mais cambiante e de menos nacional do que a sua capital”. Numa linha que antecipará os romances sertanejos de José de Alencar, Bernardo Guimarães, Afonso de Taunay e o clássico de Euclides da Cunha sobre Canudos, sugerirá que contra o cosmopolitismo artificial da Corte, dever-se-ia buscar no interior o país profundo.183
Muitos fatores seriam responsáveis por isso, lembremos, por exemplo, a
importância do patrocínio do Imperador, cujo gosto indianista certamente
condicionava boa parte das produções. Além disso, havia o efeito centralizador da
Corte sobre as atividades intelectuais e artísticas. No poema A confederação dos
tamoios, de Gonçalves de Magalhães, profetiza-se o destino de uma grande nação
cujo centro seria a Guanabara184. Ricupero afirma que a maior ou menor distância do
Rio de Janeiro poderá indicar o grau de liberdade com que o poeta cria, citando o
exemplo do grupo ultra-romântico da província de São Paulo.185 Isso não quer dizer,
porém, que a maior distância do Rio de Janeiro corresponda a uma estética
conformada às particularidades da sensibilidade local, uma vez que a poesia de
Álvares de Azevedo terá um viés mais cosmopolita, até porque o poeta viveu no Rio
parte de sua vida, e, conforme se pode ler em sua correpondência, o “atraso” de S.
Paulo à época o incomodava. O fato importante a assinalar será a hegemonia do Rio
183 Ibidem. p. 100-101.184 RICUPERO, B. (2004) p. 160.185 Ibidem. p. 105.
de Janeiro no que diz respeito às metas e diretrizes válidas para todo o resto do
Brasil:
Ou seja, a direção dos conservadores chegou a tal extremo que seu programa básico foi incorporado pelos adversários liberais. A relação entre saquaremas e luzias passa, assim, a ser mais de complementaridade do que oposição, havendo uma hierarquia entre os dois partidos, em que a primazia cabe aos conservadores. O apogeu desse processo é atingido pelo transformismo da Conciliação, período durante o qual os interesses fluminenses são efetivamente universalizados para o restante do país.186
Parte da intelectualidade, especialmente aquela vinculada ao Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro estaria atenta à necessidade de conhecer o Brasil do interior,
organizando comissões e expedições que tiveram esse intuito. Varnhagen chega a
propor a idéia de mudar a capital para o interior, embora combata o provincianismo e
seja defensor da unidade nacional.187
Ao analisarmos essas variações de correntes distintas cosmopolitas e
regionalistas, –– todas manifestações de nossa cultura –– é necessário lembrarmo-
nos de que politicamente, após a descentralização que caracterizou o período
regencial, a centralização voltaria a ser estabelecida. Essa centralização será tida
como uma das maiores realizações do programa do partido conservador, saquarema.
Solidamente incorporada ao discurso historiográfico produzido pelo Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro e transmitida sistematicamente pelas escolas mais
prestigiadas, o benefício que a unidade traz ao grandioso país nascente –– o outro
seria a doutrina da mestiçagem –– será, a partir daqui, compreendido com grande
naturalidade, tornando-se mesmo uma verdade tida como óbvia.188
Esta conexão entre o Brasil e a Europa é intensificada ainda pela forma especial
com que o Brasil emancipa-se de Portugal, fazendo com que houvesse uma
186 Ibid. p. 174. O grifo é nosso.187 RICUPERO, B. (2004) p. 132.188 Ibidem. p. 150-151.
continuidade entre o período colonial e o da nação livre, embora tenha de fato
existido um vivo sentimento antiportuguês nos momentos que se seguiram ao grito
do Ipiranga. Colabora para isso o fato de o chefe de governo ser o herdeiro do trono
Português, além da forma de governo adotada, o regime monárquico. Política e
economicamente, há pouca mudança.
A literatura participa intensamente desse processo, dando palpabilidade às
diversas correntes ideológicas, materializando mitos, além de agir como instância
legitimadora do conhecimento que é produzido acerca do país. Diferentemente da
França de início do século XIX, que procurava ainda recuperar a tradição clássica,
cujos padrões são universais, o Romantismo procurava dar importância e significado
às referências locais.189 É necessário observarmos, porém, que, longe de ser um fato
essencial, a idéia de nação é algo que é fruto de uma construção, tanto no âmbito
político quanto cultural.190
Para nosso estudo, é importante notar que a idéia da independência do Brasil
alimenta-se da Europa e da recente emancipação estadunidense. O que é altamente
significativo. Não há, nesse processo, rua de mão única. As forças portadoras de
interesses mais localistas, regionais e nacionalistas, mostram-se ligadas ao que
pretensamente julgam combater. Isso torna nosso objeto de estudo mais complexo,
pois não temos um campo neutro, ou simplesmente polarizado, mas uma
confluência, uma profusão de correntes. É dentro dessas correntes que devemos
localizar essa vertente mais localista da literatura romântica. Ou, explicando de outra
maneira, há diversas formas de ser ou de parecer nacional. Há algumas (como a
própria idéia de independência) que não se colocam em posição antagônica em 189 CANDIDO, A. apud. RICUPERO, B. (2004) p. XXXVIII; 57.190RICUPERO, B. (2004) p. 26.
relação às tendências cosmopolitas, ou européias, há outras, entretanto, que se situam
fora e não podem ser prontamente bem vistas e julgadas esteticamente, por diversas
razões, de modo universal. Lembremos sempre que esse mecanismo variou com o
tempo. O que antes podia ser sentido como nacional e universal hoje pode ser sentido
como apenas nacional, para não dizer, apenas, provinciano.
O nativismo no Brasil se desenvolve principalmente a partir da Independência.
Contribui para isso as diversas revoltas do período regencial e, mais tarde, textos em
que se procura valorizar as terras brasileiras no confronto com as européias, num
discurso que anteciparia, por exemplo, a “Canção do exílio” de Gonçalves Dias.
Outro fator importante é a presença do grande contingente de escravos. Essa
população é vista como ameaça e, diante desse perigo e por causa dele, as classes
sociais superiores aglutinam-se, encontrando o objetivo comum da autopreservação.
Esse objetivo vincula-se também à própria criação do estado. De maneira
semelhante, é a elite intelectual do Segundo Reinado, ideologicamente romântica,
que decide que, para o projeto da nação que surge, será imprescindível uma literatura
e historiografia próprias. Para essa elite, além do mais, os estratos populares são
vistos como integrantes da barbárie. Não se pode contar com o povo para formular o
projeto de nação. Primeiro será necessário civilizá-lo.191 Essa situação de base –– o
papel das elites –– provavelmente poderá haver influído quanto ao juízo estético
atribuído às artes produzidas e consumidas por essas classes.
Após a separação da metrópole, é a vez de os românticos entrarem em cena para
criarem os símbolos em torno dos quais se elaborará a identidade nacional. Em
relação à formação, planejamento e controle do mercado interno, bem como à
191 RICUPERO, B. (2004) p.35; 86; 147.
manutenção da continuidade territorial (isso também será válido para a formação do
cânone romântico, como já foi afirmado), a cidade do Rio de Janeiro desempenha um
papel estratégico. O fator econômico responsável por isso será a produção de café
concentrada no vale do Paraíba, sendo o Rio de Janeiro o porto por onde o café seria
exportado.
Já no âmbito político especificamente, a unificação da nação ficará
principalmente ao encargo do Partido Conservador.192 É necessário assinalar aqui
uma situação análoga à da França. Nesse país o Romantismo tem perfil nitidamente
conservador, valorizando a Idade Média, o cristianismo, a emoção e criticando o
capitalismo. Se politicamente nossos românticos optam pelo liberalismo, este não
terá contorno revolucionário, mantendo uma segura aliança entre as novas e antigas
estruturas.193
A grande referência para nossos políticos intelectuais e artistas em meados do
século XIX será a França. Não será por acaso que o marco inicial de nosso
romantismo –– a publicação da revista Niterói –– tenha acontecido nesse país. Há
uma situação semelhante entre os dois países. Na França de após a Revolução
procura-se romper com o Antigo Regime. No Brasil, luta-se por eliminar o complexo
colonial. Além disso, por conta da situação específica do estágio em que se
encontram a sociedade e a economia nacionais, a mudança política ocorrida não é
acompanhada imediatamente pela percepção natural do cidadão. Quem procurará
elaborar e transmitir, um tanto pedagogicamente, os temas já evidentes na Europa
serão os românticos.194 Esse descompasso será o foco da análise de Roberto Schwarz
192 RICUPERO, B. (2004) p. 37;40.193 Ibidem. p.62; 67. 194 RICUPERO, B. (2004) p. 79-80.
em Ao vencedor as batatas.
No esforço de provar nossa autonomia cultural no momento seguinte à nossa
independência, seguindo uma orientação genérica do Romantismo, decide-se pela
rejeição da estética árcade e do uso da mitologia grega. Desde o início também,
percebe-se que o índio poderia servir como fundamento mitopoético da jovem nação.
Utilizado, aliás, um pouco diversamente do que faria, por exemplo, Chateaubriand.
Outro elemento a ser explorado será a natureza americana, em confronto com as
paisagens européias.
Do combate direto aos interesses portugueses e nacionais, passa-se a valorizar os
produtos nacionais de forma estratégica. Essa atitude ocorre principalmente durante
o período compreendido entre a independência e a abdicação de Pedro I, em 1831195.
3-Poesia romântica e ambientação sertaneja na poesia de Fagundes Varela.
A liberdade que se encontra no contato com a natureza e na busca por seus
recônditos solitários já se encontra na origem mesmo da estética romântica. Um de
seus modelos será a liberdade encontrada por Chateaubriand em sua viagem à
América do Norte, onde pôde familiarizar-se com a experiência da ausência de
amarras e freios que são permanentemente acionados quando se vive em sociedade.
Diferentemente da liberdade clássica, a liberdade do Romantismo estará ligada ao
indivíduo e não à sociedade196.
Alguns poetas românticos tomaram o interior, o ambiente rural, como matéria
para o canto. Podemos citar os nomes de Bernardo Guimarães, Casimiro de Abreu,
Fagundes Varela, Bittencourt Sampaio, Trajano Galvão, Gentil Homem de Almeida 195 Ibidem. p. 90.196 Ibid. p. 56.
Braga, Bruno Henrique de Almeida Seabra, Joaquim Serra e Juvenal Galeno.
Sobre a naturalidade ou o artificialismo dessa atitude de cantar a natureza e o
ambiente interiorano, afirma Leonardo Fróes:
(...) o romantismo caboclo corresponde de perto, muito perto, aos estímulos apenas literários absorvidos da Europa. Mas é provável que corresponda também a inclinações genuínas, porque são homens do interior, da roça, com vivências rurais bem definidas, que o fazem ser como é. Excetuando-se em destaque o caso de Álvares de Azevedo, um cosmopolita que nasceu em São Paulo e se criou no Rio, são da roça Casimiro e Varella, Gonçalves Dias, Bernardo Guimarães.197
Alguns críticos afirmam que boas obras de F. Varela foram produzidas no âmbito
da lira sertaneja. Antonio Candido subdivide sua obra em cinco aspectos, um deles é
o que nos interessa e que o crítico mineiro chama de “bucólico”198. Segundo ele, o
período de melhor qualidade está compreendido entre os anos de 1861 e 1865. Aí
saíram à luz os volumes Noturnas (1861), Vozes da América (1864) e Cantos e
Fantasias (1865). Candido procura destacar o fato de Varela conduzir sua inspiração
para a política e para o tom épico, o que representaria um desbravar do caminho que
trilharia Castro Alves logo em seguida. Cantos e fantasias fora seu melhor livro,
nesta obra teria revelado maturidade e força lírica. Em nota, procura reforçar sua
afirmação com um juízo idêntico de Manuel Bandeira. Passa então a analisar mais de
perto este momento de excelência artística, chegando em seguida, como culminação
de um processo, ao celebérrimo “Cântico do Calvário”.
Depois de findado esse período, apesar de ainda conseguir realizar certa beleza
formal, segundo Candido, essa qualidade jamais seria alcançada novamente. É nesse
período em que surgem os livros em que Varela se referiria ao campo mais
amiudadamente. Candido chama esse momento de “idílio campestre” e, para
197 FRÓES, L. (1990) p. 96.198 CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 5 ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1975. p. 257.
justificar a boa qualidade artística dessa produção, refere-se à biografia do poeta que
gastava parte de seu tempo embrenhado em matas e campos. Varela dera “categoria
à lira sertaneja”: “ninguém mais dará, tão bem quanto ele, a nota caipira dos poemas
rústicos”199.
Waltensir Dutra vê na poesia subjetiva de Varela duas vertentes: a byroniana e a
elegíaca, esta mais simples e autêntica.200 A poesia dita narrativa e descritiva também
obedeceria a esta mesma tendência: de um lado, “cacoetes” ultra-românticos, de
outro, na vertente elegíaca, certa ingenuidade próxima à de Casimiro, que se torna
perceptível em poemas cujo cenário é a roça. Destaca-se aqui a exatidão com que o
poeta retrata os costumes roceiros201 O crítico afirma que Cantos e fantasias
representaria o melhor da produção vareliana. Em seguida, é o momento de examinar
a obra-prima de Varela: o “Cântico do Calvário”.
Merquior compreende a lírica de Varela por fases. A primeira, ultra-romântica,
seria marcada por deficiências formais de uma produção em série. Em um segundo
momento, o poeta passa a produzir poesia engajada. Cantos e fantasias seria um
livro com maior força lírica. Varela teria conseguido explorar com bons resultados o
motivo da psicofania erótica na natureza, o lirismo com características de drama,
além de demonstrar virtuosismo versificatório. Após essas afirmações, passa à
análise do “Cântico do Calvário”.202 Considera em seguida a poesia religiosa de
Varela e depois passa a tratar de seu “bucolismo singelo e direto”. Merquior conecta-
o à produção romântica européia de meados do século. Comentando o poema “A
199 CANDIDO, A. (1975) p. 265.200 COUTINHO, Afrânio (org.) A literatura no Brasil. 2 ed. v II. Rio de Janeiro: Sul Americana, 1969. p. 180.201 Ibidem. p. 182- 183.202 MERQUIOR, José Guilherme. De Anchieta a Euclides. Breve história da literatura brasileira I. 3 ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1990. p. 123-124.
roça”, nele vê uma associação de motivos ultra-românticos à descrição objetiva do
dia-a-dia do interior. Aqui a opinião sobre Cantos do ermo e da cidade é divergente
da de Candido; para Merquior, este livro seria representante da melhor produção de
nosso romantismo.203
Segundo Péricles Eugênio da Silva Ramos, a poesia rural de Fagundes Varela
deve ser incluída em sua vertente de realismo humorístico. Este seu realismo, por sua
vez, teria origem em Byron e lhe fora transmitido por Álvares de Azevedo. Quanto a
este aspecto, é digno de nota a precisão com que o poeta retrata o ambiente rural
localizável no interior fluminense e paulista. Para justificar este fato estético, o
crítico afirma que o poeta gostava do ambiente da roça. Nenhum outro poeta teria
poetado sobre este assunto com resultados mais felizes. Neste quesito Varela teria
sido insuperável.204
Massaud Moisés identifica na produção poética de Varela núcleos fundamentais
ao redor dos quais orbitariam outras modalidades como satélites. A tese principal do
pesquisador é a de que Varela seria, sobretudo, um poeta épico, somente de forma
superficial teria sido lírico. Boa parte de suas considerações revelam o empenho de
demonstrar essa tese. Aparentemente o poetar sobre a roça não lhe chama a atenção,
apenas, de forma genérica, nota a vinculação entre a Natureza e o sentimento
poético. 205
Para Alfredo Bosi, Cantos e fantasias também teria sido seu melhor livro. Com
relação à poesia sertaneja, contudo, Bosi procura enfatizá-la:
203 MERQUIOR, J. G. (1990) p 126-127.204 RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. Do Barroco ao Modernismo. Estudos da poesia brasileira. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1964. p. 134-135.205 MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira. Romantismo. V. II. São Paulo: Cultrix, 1982. p. 153-169.
De qualquer modo, o relevo dos primeiros livros de Varela é antes documental que artístico. O melhor do poeta fluminense não se encontra aí, mas em alguns momentos de lirismo bucólico que transpõem para o “português brasileiro”, língua do nosso romantismo, os costumes e os modismos da roça que ele tanto amou: “Antonico e Corá”, “Mimosa”, “Flor de Maracujá”.206
Apesar dessa afirmação, entretanto, Bosi não procura aprofundar sua
investigação, apenas afirma que sua ida para o campo externava sua incapacidade,
decorrente da psicologia romântica, agravada pela boêmia, de adaptar-se ou de
suportar as pressões do meio.207
Alexei Bueno inclui em sua antologia da poesia romântica brasileira os poemas
“A flor de maracujá” e a primeira poesia de “Juvenília”, mas apenas as inclui como
“exemplos de sua maneira lírica”, não fazendo qualquer referência à especificidade
da relação existente entre a lírica de Varela e o campo. Note-se ainda que é muito
elogioso em relação à musa elegíaca do poeta. O “Cântico do Calvário” seria um dos
maiores poemas da língua portuguesa.208
Quando se trata da biografia do poeta e sua relação com a natureza, há
unanimidade em apontar a tendência de Varela em aproximar-se do campo. Quanto a
isso, Brito Broca vê em algumas de suas poesias a referência constante ao cavalo,
louvado por transportá-lo em suas andanças pelos campos. B. Broca, assim como
outros estudiosos, também indica que os versos de Varela parecem corresponder a
uma experiência verdadeira e a um gosto autêntico pelo ambiente rural. A origem
desta atitude não poderia provir da influência de Byron, Victor Hugo ou Musset,
poetas da cidade, seria decorrente da tendência romântica da busca do isolamento, da
fuga do trato com os homens, herdada do Arcadismo e colhida na produção de poetas
206 BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 2 ed. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 131.207 BOSI, A. (1978). p. 131.208 BUENO, Alexei. (org.) Grandes poemas do Romantismo brasileiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p. 9.
pré-românticos.209
Leonardo Fróes também nota a vertente bucólica de Varela, entretanto, este
aspecto não surge apenas como se fosse mais um dentre tantos. Fróes dá grande
destaque, ao longo de toda sua análise, a este aspecto do lirismo vareliano, o que
muito nos encorajou nesta pesquisa. Partimos daqui para lançar uma nova
possibilidade de interpretação de nosso lirismo romântico e, conseqüentemente, de
alguma poesia brasileira posterior ao século XIX.
Outro aspecto bastante valorizado pelo autor seria sua precoce percepção
ecológica, no que teria sido acompanhado por Casimiro de Abreu. O poetar sobre a
natureza e a roça não lhe era postiço ou decorrente de mera pose literária. Varela
passara a infância neste ambiente e, mais tarde, após suas viagens e temporadas em
cidades, recusaria definitivamente o ambiente urbano, procurando, sempre que
possível, a liberdade de perambular pelo mato.
Ao longo de sua obra, em diversos momentos da narrativa, Fróes mostra que o
caráter underground do poeta fora convenientemente submetido a uma revisão
asséptica. Os poetas românticos deveriam ser guindados a símbolos da pátria, desse
modo, alguns aspectos tidos como degradantes teriam de ser forçosamente
eliminados. A adição ao álcool e os problemas dela decorrentes parecem haver
prejudicado a recepção a sua obra. Alguns procuraram associar o que julgavam ser
um soçobro pessoal às suas realizações estéticas. Por esta via muitos enveredaram.
Por exemplo, Antonio Candido:
Ao contrário do saudável Bernardo Guimarães, para quem a natureza era o enquadramento mais equilibrado da vida, não refúgio de desajustado, ela aparece em sua obra corporificando verdadeiro sentimento de fuga, nascido do horror insuperável pela
209 BROCA, Brito. Românticos, pré-românticos, ultra-românticos. Vida literária e romantismo brasileiro. São Paulo: Polis, 1979. p. 130-131;302.
norma social, encarnada nas relações da vida urbana.210
Parece-nos que Antonio Candido faz recair um juízo de valor sobre a atitude
misantrópica de Fagundes Varela. A expressão “refúgio de desajustado” soa forte
demais, como a sugerir uma prestação de contas, ou como se o poeta devesse por
força ajustar-se. Considerando-se essa possibilidade, constata-se obviamente que sua
poesia não seria a mesma.
O canto do poeta não se atém à mera espontaneidade natural. Antes de cantar é
oportuno indagar sobre a própria posssiblidade do canto e, ainda que o poeta seja por
ofício obrigado a produzir o poema, vale a pena esconjurar o não-canto. Isso pode
tratar de uma mera fórmula convencional de modéstia em que o poeta desculpa-se
antecipadamente. Não acreditamos que seja apenas isso; o enunciado tem algo de
lapidar, de divisa, como se pudesse exercer a função de pedra fundamental:
E neste insípido giroNeste vôo sempre a esmo,Vale a pena, em seu retiro,Cantar o poeta, mesmo?211
Algumas poesias de F. Varela revelam um impulso para a fuga das cidades
em busca do isolamento, do contato com a natureza, assim como a busca de uma
sensibilidade mais simples e natural, próxima àquela dos habitantes destes lugares
distantes. Julgamos que essa atitude seja uma das bases sobre as quais se estriba, não
uma temática, mas uma sensibilidade, ou a criação deliberada de um mito do homem
que se reaproxima da natureza de forma misteriosa e entrega-se a ela como um filho
à manifestação maravilhosa da Mãe. Esse impulso desdobra-se em uma sensibilidade
e interesses específicos para esse mundo intensamente buscado:
210 CANDIDO, A. (1975) p. 264-265.211 VARELA, L. N. F. (1957) v.2 p.314.
Queres voltar? Eu te sigo,Eu amo o ermo profundo;A paz que foge do mundo
Preza os tetos de sapé.212
Ou ainda, de forma mais direta:
Como adoro as florestas primitivas(...)Como adoro o deserto e as tormentas,O mistério do abismo e a paz dos ermos,E a poeira de mundos que prateiaA abóbada sem termos!...213
A busca pela natureza pode vir associada a experiências vividas na infância:
Ó minhas noites de ilusões celestes!Visões brilhantes da primeira idade!Como de novo reviveis tão lindasPor entre as balsas da nativa herdade!214
Outras vezes a natureza mostra-se capaz de impressionar profundamente o
sujeito lírico (como vimos em relação à infância) construindo com sabedoria um
cenário e condições que são percebidas pelo homem como ideais pois realizou-se
nele e nele mesmo se fundiu e se transformou. Não é por acaso portanto que
encontramos este verso incluído na parte que cabe ao Rio no poema “Acúsmata”:
“Quando a tépida luz de amenas tardes” 215, verso que sozinho, ancora vetores da
ordem do desejo, do gosto e de aspectos imprecisos da subjetividade.
Ao fazer uma comparação elogiosa ou galante, a mulher vem associada, aos
adornos naturais desse ambiente:
Por que Deus fez-te assim? Que brilho é esseQue ora incendeia-se, ora desfaleceNessas pupilas doudas de paixão?…Quando as enxergo julgo nos silvadosVer palpitar nos lírios debruçados
212 VARELA, L. N. F. (1957) v.2 p. 237.213 Ibidem.p. 32.214 Ibid. p. 45.215 Ibid. p.291.
As borboletas negras do sertão.216
Quando há comparação entre campo e a cidade, esta aparece geralmente como o
lugar do vício e da corrupção, enquanto ao campo associam-se virtudes positivas,
indicadoras da sanidade:
Eis a cidade! Ali a guerra, as trevas,A lama, a podridão, a iniqüidade;Aqui o céu azul, as selvas virgensO ar, a luz, a vida, a liberdade!
Ali, medonhos, sórdidos alcouces,Antros de perdição, covis escurosOnde ao clarão de baços candeeirosPassam da noite os lêmures impuros;
Aqui vedes campinas, altos montes,Regatos de cristal, matas viçosasBorboletas azuis, loiras abelhas,Hinos de amor, canções melodiosas.217
Um pouco da atmosfera positiva do campo, do seu ideal de pureza, como um
lugar sadio parece filiar-se ao bucolismo árcade como no poema “A Sombra”:
(…)Nas planícies que a vista não venceEspalhadas pastavem cem rezes,Ora junto das fontes tranqüilas,Escondidas no mato outras vezes.
Ao portão, de manhã, reunidas,Meio ocultas no véu da neblina,O senhor esperar pareciamSempre amigo da luz matutina.
E depois que seu vulto bondosoDa janela sorrindo as olhavaSe afastavam contentes, pulandoSobre a grama que o orvalho banhava.
Quando além das montanhas o diaApagava seu raio final,Acudindo do amo aos clamoresTodo o gado se achava no val.
E em tôrno dele um círculo formando,Humildes e silentes,
216 VARELA, L. N. F. (1957) v.2 p. 30.217 Ibidem. p. 122-123.
Cada qual por sua vez se adiantando,Vinham lamber o sal que apresentavam
As mãos benevolentes,As mãos benevolentes que adoravam.E o manso gado as falas lhe entendia,
E os tenros bezerrinhosSaltitavam trementes de alegria
A seus meigos carinhos…Talvez sondasse nesses pobres brutos,Sob esses pelos ríspidos, hirsutos,
Um oculto clarão,Raio de encarcerada inteligência,Que a doida, pobre e mísera ciência,Trucidando sem pena a criação,Procura sempre, mas procura em vão218
Nota-se que a relação entre o homem e a natureza se estabelece a partir da
postura contemplativa do eu lírico. O ritmo do poema, marcado por suave repetição
hipnótica, associada a imagens amenas, com efeito semelhante a uma lanterna
mágica permite o afloramento de um outro nível de consciência, aquela que se
debruça sobre si mesma e faz com que, por exemplo o homem tente mergulhar, com
seus poucos recursos, nas águas de seu nascedouro. Isso se evidencia no poema
quando, além das convenções da civilização, o homem (o eu lírico) está na mesma
condição, quanto à existência, dos “pobres brutos” de “pêlos ríspidos e hirsutos”.
No poema “Juvenília”, por exemplo, chega a haver a fusão do eu lírico com a
natureza:
Tu és a luz d’alvoradaQue rebenta na amplidão,Eu a gota penduradaNa trepadeira curva do sertão.219
Este embrenhar-se no sertão muitas vezes não se caracteriza pela tendência ao
estático ou por algo que remeta à idéia de fixação e permanência. Ao contrário, é
218 VARELA, L. N. F. (1957) v.2.p.254-255219 Ibidem p. 27.
freqüente, nesse contexto, a inclusão de seres alados, que indicam movimentação e
vibração intensas. O eu lírico interessa-se pela natureza, mas não parece querer
apossar-se dela pela territorialidade, preferindo a atitude de espectador privilegiado.
Isso porque talvez não acredite que haja um lugar na terra ou no existente que possa
oferecer-lhe todo aconchego e receptividade comparáveis às de um lar ou de uma
casa. Em algumas poesias esse processo se intensifica, chegando ao ponto da
natureza não poder lhe dizer nada:
Enôjo
Vem despontando a aurora, a noite morre,Desperta a mata virgem seus cantores,Medroso o vento no arraial das floresMil beijos furta e suspirando corre.
Estende a névoa o manto e o val percorre,Cruzam-se as borboletas de mil cores,E as mansas rolas choram seus amoresNas verdes balsas onde o orvalho escorre.
E pouco a pouco se esvaece a bruma,Tudo se alegra à luz do céu risonhoE ao flóreo bafo que o sertão perfuma.
Porém minh’alma triste e sem sonhoMurmura olhando o prado, o rio, a espuma:Como isto é pobre, insípido enfadonho!220
Vejamos um outro poema dos Cantos do êrmo e da cidade em que Varela
contempla a natureza:
O vagalume
Quem és tu pobre viventeQue passas triste, sozinho,Trazendo os raios da estrelaE as asas do passarinho?
A noite é negra, raivososOs ventos sopram do sul;Não temes doudo, que apaguemA tua lanterna azul?
Quando apareces, o lago
220 VARELA, L. N. F. (1957) v.2.p. 312.
De estranhas luzes fulgura,Os mochos voam medrososBuscando a floresta escura.
As folhas brilham, refletem,Como espelhos de esmeralda;Fulge o íris nas torrentesDa serrania na fralda.
O grilo salta das sarças,Pulam gênios nos palmares,Começa o baile dos silfosNo seio dos nenufares.
A tribo das borboletas,Das borboletas azuis,Segue teus giros no espaço,Mimosa gota de luz!
São elas flores sem hástea,Tu és estrela sem céu,Procuram elas as chamas,Tu amas da noite o véu!...
Onde vais pobre vivente,Onde vais, triste, mesquinho,Levando os raios da estrelaNas asas do passarinho?221
As duas primeiras estrofes são importantes para a definição de uma problemática
existencial. Na primeira, temos a apresentação da personagem e de seu principais
atributos: a tristeza, os raios e as asas. A tristeza só se explica pela subjetividade do
eu lírico pois o quadro descrito não parece poder justificá-la. Os raios, manifestação
arbitrária, grande concentração de eletricidade e luz, são constituintes do seu ser e
estabelecem a conexão com o que há de mais elevado (estrela). Embora estes
elementos possam indicar positividade, o vagalume é triste e ama o véu da noite.
Talvez a tristeza seja decorrente disso mesmo: conectado às mais altas esferas, não
pode mais contentar-se arrojado à terra. A segunda estrofe completa a situação
incluindo a finitude à qual todo ser vivo deve subordinar-se, fechando a quadra com
dois belos versos. A partir daqui, a luz intermitente do pirilampo, em vôo irregular,
221 VARELA, L. N. F. (1957) v.2 p. 242-243.
vai animar o ambiente natural. Há uma seqüência de verbos a indicar luminescência
(fulgurar, brilhar, refletir, fulgir) e movimento (voar, buscar, saltar, pular). Vale
notar que o movimento fora introduzido no poema pelos sisnistros ventos de
tempestade. Agora parece já não haver mais essa ameaça, agora o movimento é de
festa e de celebração. A intensificação do movimento continua até o surgimento dos
donos da festa. Os gênios e os silfos dão à natureza seu caráter sagrado e
transcendente, que o eu lírico romântico, está predestinado a conhecer e perceber.
Como o baile é dos silfos, espíritos elementares do ar, os principais convidados
devem ter asas. E, apesar da presença de entidades tão raras e maravilhosas, quem se
destaca no salão deste baile são os próprios animais, o protagonista vagalume, e as
borboletas coadjuvantes. Assim as borboletas vão volteando e seguindo o vagalume.
Ao final, o vagalume segue, sempre triste, seu caminho.
Além da cena variada e movimentada de seres dançantes na floresta, atenta-se
para um discreto, mas importante, estado de contemplação do eu lírico. O sertanejo
ultra-romântico de Varela, que também assume a máscara de uma alma sofredora e
perturbada, neste caso, revela uma atitude regressiva do homem urbano,
excessivamente urbano, e refugia-se numa natureza e ambiência social mais
tradicionais e sentidas como acalentadoras.
Incluamos no entendimento da poesia de Varela elementos que interferem na
sensilidade do leitor brasileiro do século XXI. Ao contrário de meados do século
XIX em que os rumos do capitalismo ocidental podiam não parecer ainda tão
absolutos e eficazes, hoje já não se pode mais tentar um retorno desesperado para o
campo pois, de forma incontestável, o raciocínio das cidades passou a colocar a
natureza a serviço de suas funções. Agora, por exemplo, na paisagem transformada,
os vagalumes desapareceram e há uma uniforme e extensa planície de soja a se
perder de vista. Esse tom lúgubre será acentuado se levarmos em consideração outros
fatores como o aquecimento global e uma temível desertificação.
A conseqüência disto é o fato de o homem acabar por perder o direito dos
pirilampos existirem para diverti-lo. O desaparecimento do mato, das borboletas e
vagalumes exerce uma pressão insuportável, pois, para sobreviver na terra, não
podemos nos desconectar do que é ecologicamente correto. Hoje, poder apreciar o
cortejo de borboletas e pirilampos, tornou-se um luxo. Antes que “refúgio de
desajustado”, o aproximar-se da natureza, em nossos dias, pode corresponder a uma
atitude coerente. Reconhecemos que o espaço artificial que construímos à nossa
imagem e semelhança, apesar de seus encantos e conquistas, não pode prescindir das
mais humildes coisas que existem, especialmente quanto ao que dialoga com nossa
natureza animal. Ora, o homem representado no eu lírico de Varela, ainda que
descontente e triste, permite a si mesmo tempo e liberdade na natureza. Quem hoje
em dia pode possuir essas riquezas? Prosseguiremos analisando esse recorrente tema
no poema que se segue:
Em Viagem
A vida nas cidades me enfastia,Enoja-me o tropel das multidões,O sopro do egoismo e do interesseMata-me n’alma a flor das ilusões.
Mata-me n’alma a flor das ilusõesTanta mentira, tão fingido rirE cheio e farto de tristeza e tédioRejeito as glórias de falaz porvir!
Rejeito as glórias de falaz porvir,Galas e festas, o prazer talvez,E busco altivo as solidões profundasQue dormem quêdas do Senhor aos pés.
Que dormem quêdas do Senhor aos pés,
Ao doce brilho dos clarões astrais,Ricas de gozos que não tem o mundo,Pródigas sempre de beleza e paz!222
Se antes o recuo empreendido pelo homem romântico fugindo da falsidade da
cidade em busca do mundo idealizado do campo podia ser entendido como uma
reação de ordem aristocrática, hoje esse percurso parece renovar-se por outras
razões. A vida nas cidades precisa ser reinventada. Não podemos mais manter nosso
estilo de vida porque ele não é sustentável. Além disto, o vínculo com a natureza,
que no âmbito do Romantismo era entendido como signo reacionário, revela-se
agora como sábio e atual, pois nossa segurança psíquica e emocional depende dele.
A grande quantidade de poemas a tratar do sertão, da natureza e da roça não
basta para provar que a poesia sertaneja seja importante na poética de Varela.
Também bons poemas mostram que muito do que de melhor ele produziu esteve
sintonizado e seguia uma formulação que tratava a sensibilidade roceira não apenas
como cenário ou elemento meramente decorativo, mas inteiramente nele se
plasmava, desde a gênese do falar poético o que pode, por exemplo, ser ilustrado
pela participação do canto do sertanejo arquetípico:
Numa choça de palha
Escutai os arpejos da viola,São mais sentidos que o soprar do ventoBeijando a medo os arrozais viçosos;Prestai ouvido à voz do sertanejo,Que ela fala de amor,e a patativaNunca nos matagais gemeu tão triste!(…)223
Um outro exemplo é o justamente antológico “A flor do maracujá”. À
enunciação de diversos elementos que figuram no contexto roceiro unem-se além do
galanteio simples, que se realiza com o auxílio da flor cujo apelo da paixão crística é
222 VARELA, L. N. F. (1957) v.2 p. 251223 VARELA, L. N. F. (1957) v.2 p. 292.
evidente, a reflexão de caráter irônico e metalingüístico:
Pelo jasmim, pelo goivo,Pelo agreste manacá,Pelas gotas do serenoNas folhas do gravatá,Pela coroa de espinhosDa flor do maracujá!
Pelas tranças da mãe-d’águaQue junto da fonte está,Pelos colibris que brincamNas alvas plumas do ubá,Pelos cravos desenhadosNa flor do maracujá!
(…)Não se enojem teus ouvidosDe tantas rimas em - a – Mas ouve meus juramentos,Meus cantos ouve, sinhá!Te peço pelos mistériosDa flor do maracujá!224
Já no emblemático poema “A roça”, o sertão é compreendido através da emoção
subjetiva. Após descrever de forma idílica o ambiente roceiro, o eu lírico passa a
lastimar-se pelo bem perdido, porque agora ele se vê definitivamente desorientado e
corrompido. Isso faz-se acompanhar de um olhar nostálgico para o campo que já fora
sua casa. Porém, a nosso ver, mais interessa a descrição simpática do viver da roça,
com marcante objetividade:
O balanço da rede, o bom fogoSob um teto de humilde sapé;A palestra, os lundus, a viola,O cigarro, a modinha, o café;
E, quase que por acaso – “achar” (truver) um belo verso não pode ser explicado
de forma absolutamente precisa – figura no poema, para em muito valorizá-lo, este
verso verdadeiramente belo na terceira posição da estrofe:
E depois um sorrir de roceira,Meigos gestos, requebros de amor;
224 Ibidem. p. 142-143.
Seios nus, braços nus, tranças sôltas,Moles falas, idade de flor;225
“Seios nus, braços nus, tranças soltas”
A estrutura repetitiva inicial, manifestada pelo adjetivo nus e quebrada ao fim do
verso, serve como exemplo de boa técnica versificatória, em que a utilização sábia da
música, do tempo e do aspecto fônico, acabam lhe dando tamanha intensidade que é
como se já sentíssemos o final da estrofe. Tanto que o verso seguinte, “Moles falas,
idade de flor”, do ponto de vista do conteúdo, mostra já ter ocorrido um
distanciamento. Agora já se tece um comentário sobre a cena em que antes se estava
completamente mergulhado. Também, se não nos enganamos, o verso parece portar
um certo frescor, como se pudesse ser dito agora, numa dicção atualíssima.
Nem sempre porém a sensibilidade sertaneja será predominante. O longo poema
narrativo “Mimosa” está menos, do que a princípio supúnhamos, associado à estética
sertaneja. A história, bastante rocambolesca lembra mais o estilo de “Uma noite na
taverna” de Azevedo. A fabulação é simples: o herói, jovem acadêmico da “escola de
S. Paulo”, encontra no campo uma jovem precocemente prostituída e por ela se
apaixona. Vivem juntos em romance tórrido, por três meses, até que os antigos
amantes e admiradores de Mimosa se unem para incendiar-lhes a casa. Segue-se a
fuga e o desaparecimento de Mimosa. Após uma procura de três longos anos, quando
estava andando numa floresta o jovem apaixonado é atingido por um raio. Salva-o
um senhor que o deixa entregue aos cuidados de sua jovem esposa que, vem a ser,
para sua surpresa – não por certo por parte do leitor – aquela mesma, enigmática e
predestinada Mimosa. Não se pode negar que haja, nessa intriga, um
convencionalismo desagradável. A narrativa à Eugène Sue busca adequar-se ao
225 VARELA, L. N. F. (1957) v.2. p. 152.
caipira nacional enquanto que a natureza, representada pelas “garças brancas” e
“andorinhas foragidas”, parece não corresponder às orientações decorrentes dos
sentidos da fabulação.
A força do poema decorre proporcionalmente menos da sensibilidade sertaneja
que de outros aspectos. Por exemplo, a desfaçatez com que ironiza a própria
condição de bacharel naquele Brasil de então:
Pode bem ser que livros não abrisse,Que não votasse amor à sábia casta,Mas tinha o nome escrito entre os alunosDa escola de S. Paulo, e é quanto basta.226
Veja-se ainda o grau de consciência lingüística do poeta ao comentar e desculpar
o regitro culto que a personagem Mimosa utiliza:
( Ja sei, compadre, que acharás imprópriaNos lábios de Mimosa tanta pompa,Tão alta locução;Não importa, atavio-lhe a linguagemSem lhe afogar a idéia: - se discutes,Mando-te à Introdução.227
Quanto a explicitação da natureza da poética sertaneja, objeto de nosso estudo,
pouco mais encontraremos nesse poema que não seja já conhecido e estudado. Além
disso, apesar da grande freqüência com que esse poema figura em antologias e na
historiografia da literatura brasileira para caracterizar a obra vareliana, em nosso
entender, “Mimosa” não constitui o núcleo de excelência da poesia de Fagundes
Varela.
Na lírica de Varela, após examinar os múltiplos papéis que a natureza (a roça)
assume, consegue-se identificar como que um roteiro melodramático em que o herói,
à beira do desespero, despede-se da namorada repetidas vezes. Como uma amante
226 VARELA, L. N. F. (1957) v.2 p. 196.227 Ibidem. p. 201.
ciumenta pergunta por onde tem andado o eu lírico:
As árvores
Por que te afliges, mísero poeta?Não nos conheces mais?– Olha, contempla,E nestes troncos ásperos, nodosos, Verás feições amigas. Nesta queixaQue de nossas folhagens se desprende,Escutarás de novo o meigo timbreDe teus sócios de infância. Nesta sombraQue alongamos do chão, verás o leito,Onde, tantos momentos, repousaste.
Ah! eras belo nesse tempo! A auroraTinha te posto toda a luz nos olhos!Quando passavas, teu caminho ledoDe frescura e de folhas alfombrávamos!…E tu partiste, ingrato, e tu partiste!E trocaste o sossego do desertoPelo fulgor das salas, dos palácios!Pelos fingidos risos da mentira!Pela voragem negra onde soluças!…228
Após haver examinado diversas manifestações do que se entende por poesia
sertaneja, dificilmente poderemos sustentar que este aspecto constitua um núcleo até
certo ponto marginal de sua produção artística. Ao contrário, ficou-nos a impressão
de que os poemas menos datados e que revelavam maior sobrevida, eram aqueles
sintonizados à sensibilidade sertaneja.
4.Conclusão
A poesia é determinante para a definição e fundação do ser, conforme afirmou
Heidegger. Portanto, urge que ela brilhe e alimente no homem a força de seu próprio
existir.
Porém, atualmente a comunicação entre os homens – pelo menos desde aquele
início do século XX analisado por W. Benjamin229– vê-se sempre permeada,
228 VARELA, L. N. F. (1957) v.2 p.288-289229 Remetemos o leitor à leitura do ensaio de Walter Benjamin “A obra de arte na era de sua
balizada por um discurso homogeneizador e totalitário, emanado de um Poder sem
rosto e sem pátria definida. Um novo fascismo, que, em confronto com o dos tempos
da Segunda Guerra, clerical e reacionário, revela-se muito mais eficaz. Diante dessas
circunstâncias, a poesia, o bem mais perigoso de todos, deve ser controlada para que
sua polissemia não traga instabilidade ao sistema. Acontece que é aí que se encontra
o perigo. É justamente quando assumimos todos os riscos –– lembremos do toureiro
que espontaneamente arrisca sua vida –– que adquirimos também plena liberdade.
Devemos estar sempre prontos para “matar” determinadas formas de viver e
conceber o mundo, sob pena de perecer de fato e irremediavelmente. Quando, neste
estudo, tentamos compreender parte de nossa produção poética ao tempo do
Romantismo, notamos que havia um silenciar de certas orientações. Não que isso
seja determinado, necessária e intencionalmente, pelo fascismo que certamente
estamos vivendo nesse início do terceiro milênio, mas este apagamento pode
representar uma restrição das possibilidades de imaginarmos a nós mesmos. Claro
que ninguém consegue fazer com que a poesia brilhe com seu fulgor abstrato e
absolutilizado. Se o poeta, louco, inspirado ou simplesmente engenheiro, diz mais do
que talvez humildemente pretendesse, terminando por ter sua voz identificada com a
voz do povo ou com a voz de Deus, tudo que é feito pelo homem, todo seu produto,
subordina-se às relações sociais. Aqui inclui-se toda a parafernália dos círculos de
produção e divulgação das obras de arte, os meios de comunicação de massa, a
crítica e a historiografia especializadas, as instituições educacionais, os museus, os
organizadores de exposições, os agentes culturais, a imprensa, a ação do Estado e as
organizações não-governamentais. Ora, o que está fora deste sistema tende a ter mais
reprodutibilidade técnica” p.165-196.
consciência de suas fragilidades e, na medida em que tem liberdade para entrar e sair
daquela estrutura, fica em posição propícia para, por exemplo, atacá-la ou sabotá-la.
A poesia, também por seu fracasso enquanto mercadoria, teria maior facilidade de
atuar dessa forma. Ao tentarmos uma nova interpretação do Romantismo e de certa
poesia de depois desse tempo, estamos tentando renovar a imagem de nós mesmos. É
necessário examinar nossa imagem cuidadosamente, procurando identificar neste
retrato aquilo que constitui matéria própria e aquilo que corresponde ao ovo do cuco
sorrateiramente introduzido em nosso ninho. Dessa maneira, tentaremos recuperar
algo que nos foi tirado. Sejamos um pouco mais responsáveis por nossa própria
imagem, ainda que amanhã venhamos a não mais querê-la.
Quando avaliamos a “adaptação” sofrida pelo Romantismo em nossas terras,
pudemos notar que aqui houve uma tendência a menos radicalismo, pois nosso
romantismo tem mais o feitio de continuação do Arcadismo. Isto porque na Europa,
a luta contra o Antigo Regime e o desencanto diante da nova socidade burguesa eram
palpáveis e exigiam uma reação enquanto que no Brasil, o processo se deu de forma
mais complexa e indireta através de adaptações, simulacros e identificações.
Teríamos tido, portanto, um Romantismo mais ameno. Entretanto, se dermos maior
representação à poesia sertaneja romântica, a aparente continuidade entre o
Romantismo e o Arcadismo não se revelará tão dominante. A aproximação das
fontes populares (baladas, romances ou lieder) não deixa de ser um momento de
trégua que, apesar de se basear em uma sensibilidade do “passado”, mais tarde,
contudo, poderia vir a contribuir para uma revigorante negação da civilização da
técnica, numa busca de um espaço menos submetido à força da civilização e de sua
ciência cética ante à qual deveriam sucumbir os mistérios. O aproximar-se dessas
fontes não é, como imaginam certos críticos, uma insistência no atraso, um apego a
fórmulas obsoletas e fadadas ao desaparecimento, ao contrário, sustentamos que essa
é, de fato, uma atitude de vanguarda, pois em seu bojo, além de uma crítica muda
sobre a sociedade moderna, há já um protesto contra a alienação que dela decorre. O
homem que perambula por nossos campos e nossas roças, cumprimentando as
matutas, é sobretudo um homem que recusa que outros se assenhorem do seu tempo.
Não é esse o ponto onde o avançar do capitalismo terminaria por nos levar? Hoje, a
maior riqueza de uma pessoa é o tempo que ela de fato tem para poder dedicar-se a
si, às pessoas, atividades e coisas que ama. O ápice da carreira de um executivo,
agora, parece corresponder ao tempo em que se lhe permite permanecer com o
celular desligado.
Alguns estudiosos de nosso século XIX afirmam que, pelo fato de não
possuirmos ainda indústrias no Brasil, além de outras conquistas do capitalismo e do
liberalismo, também não poderíamos efetivamente experimentar suas conseqüências
psicológicas nem viver sua respectiva crise. Porém, como já foi dito, os intelectuais
brasileiros sentiam a diferença que os afastava da sensibilidade de um povo inculto e
analfabeto, e por isso buscavam irmanar-se a seus congêneres europeus. Se de fato
faziam isso, como parece ser correto, é claro que incorporaram também o mal-estar
da civilização e indiretamente compartilharam um pouco de sua sensibilidade,
mesmo vivendo em uma sociedade agrária, num país fornecedor de matéria prima
para a Europa e inserido, de forma enviesada e a contrapelo, na ordem liberal, por
conta da mão-de-obra escrava. Além disso, não há nada que exclua a possibilidade
de que nosso intelectual, a princípio incomodado com seu meio, em torna-viagem,
tenha finalmente se interessado por seu povo inculto, analfabeto e matuto.
Fagundes Varela, além de homem letrado e educado, dava mostras de estar
sintonizado ao romantismo europeu, como podemos deduzir, a princípio, a partir do
rol de exemplares de sua biblioteca constante de um auto de penhora de seus bens.
Ali incluem-se: A dama das camélias, Fausto, Nossa Senhora de Paris, Musset,
Heine, Béranger, Alfredo de Vigny, João Paulo Richter, George Sand, Stendhal,
Gautier, Lamartine, Paulo Féval e outros mais.230
Também podemos medir o grau de consciência dos poetas do Romantismo
produzido no Brasil a partir da crítica que fizeram ao modelo de desenvolvimento e
de progresso adotado por nossa economia, que, desde o início da colonização, tem
optado, mais de uma vez (como afirmamos em relação às atuais fronteiras agrícolas),
pela exploração extrativista:
(...) a posição dos românticos em face da natureza agredida não era o simples desdobrar passivo de lamentações sentimentais sem suporte: era, sim, e mesmo que às vezes mavioso demais, um grito fundamental de protesto, bastante consciente dos desatinos em curso e com freqüência impregnado de consistência ideológica. Se os poetas caboclos, por um lado, cediam à tradição européia –– que levou Castro Alves, por exemplo, a extrair de Virgílio o título nada tropical de ‘Sub tegmine fagi’ –– por outro eles a repeliam com ênfase, cada vez que a realidade da origem, da condição, da paisagem que os incluía e inspirava, forçava-os a preferir o sertão e as matas à entrada triunfante do colonizador insensível.231
Outro exemplo do grau de conscientização e de atualização de nossos autores
românticos pode ser visto em Varela, um dos primeiros a incluir em seu arcabouço
filosófico idéias provindas do Oriente:
Surpreende pois que Varella, dividido em metades, acantonado em Rio Claro para brigar sem grandeza, fazendo versos safados contra inimigos medíocres, estivesse ao mesmo tempo em sintonia com o mundo, captando tendências recém-surgidas na Europa que ainda iriam ocasionar no Ocidente, bem mais tarde, uma revisão de valores, posturas e hábitos de pensamento. O orientalismo dos hinos reciclados, fosse qual fosse sua origem, dava no entanto uma confirmação erudita, e respeitável, às intuições que ele sozinho extraía, com seu lado sereno, do mergulho que deu na natureza.232
Além disso, o silenciar, ou a apenas apagada menção, tendente à hipotonia, da 230 BROCA, Brito. (1979) p. 99-100.231 FRÓES, L. (1990) p. 98.232 Ibidem. p. 123-124.
produção da lírica sertaneja implica em uma leitura incompleta e chapada do
Romantismo porque esse é um de seus aspectos fundantes. Tal enfoque trai uma
orientação da historiografia literária que pretende ver o desenrolar das manifestações
estéticas como um percurso de mão única. Não pretendemos seguir por aí, optamos
pela mais possível e verossímil pluralidade de caminhos. Essa abertura tem sua
fonte, por exemplo, segundo João H. Weber, na teoria do “instinto de nacionalidade”
de Machado de Assis:
(...) Afirmamos que, ao estabelecer diferentes linhas de força para a literatura brasileira, o “Instinto” de Machado possibilita (...) ler a literatura do passado não como um todo orgânico, unívoco, que ruma inevitavelmente a um determinado fim, e, nesse sentido, a literatura não como consecução “necessária” de um ideal qualquer de nação, mas, ao contrário, como um espaço de realização de virtualidades, estéticas inclusive.233
Armando Freitas Filho, em 1979, chegava a conclusão semelhante, afirmando
que na poesia brasileira finalmente operara-se um movimento de abertura, a partir do
legado dos poetas do Modernismo. Todos os tipos de orientações e influências
poderiam ser admitidos. Do mesmo modo, não seria mais possível uma interpretação
da literatura brasileira que mantivesse o exclusivismo de determinada tendência. O
pluralismo das tendências acabou por se impor, de modo que o “sectarismo não mais
seria aceito”.234
O romântico (dentre as várias linhas que o movimento compreende) quer evitar a
mundividência sem mistérios determinadas pelo logocentrismo. Aceita fácil a
religião principalmente por isso, por ela radicalmente não poder reduzir-se a
explicações e demonstrações lógicas. Encanta-se com a subjetividade porque, em sua
profundidade, há afirmações que pertencem ao arbitrário. Quando um poeta letrado
interna-se nas fazendas –– não como aparentemente julgava Antonio Candido,
233 WEBER, J. H. (1997) p. 196.234 FREITAS FILHO, A. (1979) p. 101-102.
revivendo um Silvio Romero, na tendência de buscar os fortes e saudáveis, em
passagem que há pouco transcrevemos –– ele pode estar em busca de
comportamentos diferentes, de um repertório de atitudes, de modos de existência,
que, muito embora obsoletos, como querem, são diferentes e correspondem a
atitudes diversas daquelas determinadas pelas últimas tendências do capitalismo
ocidental de então.
Não seria incoerente louvarmos a inclusão de correntes associadas a fontes
provincianas e “atrasadas” em uma obra do modernismo e em correntes estéticas
mais contemporâneas e não fazer o mesmo em relação à produção da escola
romântica? Vejamos os exemplos do modernista Oswald de Andrade e do
compositor Gilberto Gil:
O VIOLEIRO
Vi a saída da luaTive um gosto singuláEm frente da casa tuaSão vortas que o mundo dá 235
Lamento sertanejo
Por ser de lá do sertãoLá do cerradoLá do interior, do matoDa caatinga do cerradoEu quase não saioEu quase não tenho amigoEu quase que não consigoFicar na cidade sem viver contrariado
Por ser de láNa certa, por isso mesmoNão gosto de cama moleNão sei comer sem torresmoEu quase não faloEu quase não sei de nadaSou como rês desgarradaNessa multidão boiada
235 ANDRADE, Oswald. Pau-Brasil. 2 ed. São Paulo: Globo; Secretaria de Estado da Cultura, 1990. p. 94.
Caminhando a esmo236
Ou ainda quando encontramos os mesmos elementos em poemas dos anos setenta
e oitenta. Então, por que expressar um juízo de gosto negativo, quando esses
elementos da sensibilidade interiorana surgem em meados do século XIX em poesias
bem realizadas? Da mesma forma, em fins dos anos sessenta, o tropicalismo
procurava alimentar-se de diversas orientações da cultura brasileira e internacional,
incluindo variantes sertanejas, provincianas ou de um romantismo extemporâneo.
Esse caminho lhe fora ensinado, dentre outros, pelo próprio Oswald de Andrade.237 E
foi dessa confluência que se originou mais uma fase da produção poética nacional.
Daí nosso interesse pela gênese e pelo estudo das manifestações da cultura e da arte
sertanejas.
A desmontagem das vanguardas vem, portanto, de dentro, como estratégia de mercado, e como desesperada tentativa de sobrevivência enquanto poder, tentando, em vista disso, sua ampliação de auditório e entradas dos meios de comunicação de massa, e, inseridos nesses outros circuitos, freqüentar e habitar novas freqüências, procurando atuar também fora do livro para atender a um número maior de necessidades. Desses casamentos, oportunistas e oportunos, como tantos, que os bem-pensantes poderiam julgar espúrios, é que começou a nascer a nova poesia brasileira.238
Ao pretendermos objetivar a importância da vertente sertaneja de nosso
romantismo decidimos rastrear esse percurso, retrocedendo na linha do tempo.
Assim, o fenômeno que estudamos parecia comportar-se como um curso d’água que,
espaçadamente, desaparece em sumidouros para logo ressurgir à frente. Partindo
desses momentos em que a manifestação tornava-se evidente, procuramos também
buscá-la onde parecia esconder-se, em decorrência, talvez, de sua própria natureza,
sempre distante das instâncias legitimadoras. Também estivemos atentos ao fato
intencional e ideológico de procurarem escondê-la, possivelmente, por orientações
236 GIL, Gilberto, DOMINGUINHOS. Lamento sertanejo, 1973. (A letra é de Gilberto Gil.)237 FREITAS FILHO, A. (1979) p. 90.238 FREITAS FILHO, A. (1979) p. 93.
discrepantes da intelligentsia.
A vertente sertaneja do lirismo em literatura brasileira precisa ser melhor
conhecida, principalmente por ser responsável por uma parte importante do que se
pode chamar de literatura brasileira. A nosso ver, a ocultação dessa poética na
produção vareliana e na poesia romântica em geral já prejudicou suficientemente os
estudos em literatura brasileira. Julgamos já ter chegado a hora de nossa poesia
sertaneja ocupar o lugar que efetivamente lhe cabe.
Referências Bibliográficas
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