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A TIPICIDADE TRIBUTÁRIA
Ricardo Lodi Ribeiro
Doutor em Direito e Economia pela UGF, Mestre em Direito
Tributário pela UCAM, Coordenador dos Cursos de Direito
Tributário da FGV/RJ. Advogado.
SUMÁRIO
1) Determinação e Abstração. 2) Os Conceitos de Direito. 2.1) Os Conceitos Abstratos. 2.2) Os Tipos. 3) A hipótese de incidência
tributária e o tipo.
1) Determinação e Abstração
A reserva legal tributária tem como corolário o princípio da determinação, a exigir
que todos os elementos essenciais da obrigação tributária sejam claramente previstos
em lei. Tradicionalmente, essa conclusão vem associada na doutrina brasileira à idéia
de uma tipicidade fechada. De acordo com esse posicionamento, no Direito Tributário,
em nome da segurança jurídica (que teria papel preponderante sobre os outros valores
neste ramo da ciência jurídica), o tipo contido na lei deve conter o critério da decisão
em relação a todos os elementos da obrigação, de forma que o aplicador o apreenda
por mera dedução, limitando-se a nele subsumir o fato tributário. 1
1 XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 92 a 94 “O princípio da tipicidade da tributação vai, porém, ainda mais longe: exige que o conteúdo da decisão se encontre rigorosamente determinado na lei. É o princípio da determinação (Grundsatz der Bestimmtheit) de que fala Friedrich. (...) Eis o que a segurança jurídica exige no domínio tributário: pois não ficaria seriamente abalada a regra nullum tributum sine lege, se na aplicação do Direito Tributário se pudesse recorrer a elementos ou critérios de valoração e decisão que não estivessem já contidos na própria lei? (...) O princípio da determinação converte, pois, o tipo tributário num tipo rigorosamente fechado: e tipo fechado não só no sentido que lhe atribuiu Oliveira Ascensão, de tipo que exclui outros elementos juridicamente relevantes que lhe sejam exteriores, de tal modo que o fato pode ter um conteúdo extratípico modelado pela vontade (o que é repelido pelo princípio do
Segundo Alberto Xavier, o princípio da tipicidade tem como corolário: 2
a) o princípio da seleção, segundo o qual a lei tributária deve selecionar os
fatos que revelem capacidade contributiva, sendo impossível a tributação com base
num conceito geral ou cláusula geral de tributo;
b) o princípio do numerus clausus, que determina que os tributos devem
estar taxativamente previstos na lei, não havendo espaço para a analogia na
imposição tributária, em face da regra nullum tributum sine lege;
c) o princípio do exclusivismo, que obriga o tipo tributário a abrigar uma
descrição completa dos elementos necessários à tributação, capaz de conter uma
valoração definitiva da realidade, sem carecer ou tolerar qualquer outro elemento
valorativo estranho a ela;
d) e o princípio da determinação, pelo qual o conteúdo da decisão deve ser
rigorosamente previsto na lei, limitando-se o órgão aplicador à mera subsunção do
fato ao tipo tributário, uma vez que todos os elementos componentes deste são
minuciosamente descritos pela norma, que não pode conter conceitos
indeterminados.
No entanto, tal posicionamento acaba constituindo uma idéia de legalidade que se
sobrepõe à sua própria finalidade, que é garantir o sentido material do Estado de
Direito.3
exclusivismo), mas também no sentido que lhe atribuem Larenz e Roxin, de tipo que oferece elevado grau de determinação conceitual, ou de fixação do conteúdo”. 2 XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação, p. 92 a 99.
Ademais, tal construção parte de algumas imprecisões que devem ser
esclarecidas. Inicialmente, cumpre destacar que a tipicidade se revela pela própria
qualidade do tipo. Assim, há tipicidade quando o tipo reúne os elementos necessários
à sua caracterização lógica. Não deve ser confundida com a tipificação que se traduz
na formação normativa do tipo, na procura de traços da realidade necessários à
ordenação dos dados semelhantes.4 Também é necessário fazer a distinção entre os
tipos e a definição legal do fato gerador abstrato, pois ainda que esta quase sempre
seja composta por aqueles, com eles não se confunde.
Na verdade, o que a doutrina brasileira normalmente chama de tipicidade é a
necessidade de que todos os elementos essências da obrigação tributária estejam
previstos em lei em sentido formal, o que deriva, como se viu, do princípio da
determinação.5
Contudo, é preciso ressaltar que a idéia de determinação não se extrai de uma
estrutura conceitual, cuja abstração é incompatível com a exigência, pelo princípio em
questão, de correspondência com dados perceptíveis extraídos da realidade.6 Muito ao
3 DOMINGUES, José Marcos. Direito Tributário e Meio Ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 119. 4 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário – Vol. II – Valores e Princípios Constitucionais Tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 469 e 479. 5 Para Humberto Ávila, o princípio da determinação se atende pela obrigatoriedade do legislador “inserir os elementos materiais da obrigação tributária com o maior detalhamento possível, por meio de elementos distintivos determinados ao máximo, naquelas matérias que possam ser normativamente padronizadas, e que, portanto, não digam respeito a prerrogativas técnicas da administração nem sejam incompatíveis com uma regulação com pretensão de permanência”. (ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 308). 6 ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción en el Derecho y en la Ciência Jurídica Actuales. Trad. Juan José Gil Cremades. Granada: Comares, 2004, p. 66.
contrário, a determinação é mais bem atendida pela concreção dos tipos abertos, a
partir da sua valoração adequada a uma pauta axiológica aplicável ao objeto da
regulação.
Em outras oportunidades, a expressão tipicidade tem sido vinculada à idéia de
adequação7 do fato imponível concreto à hipótese de incidência abstrata,8 por meio do
método da subsunção. Porém, a conformidade da situação fática com o fato gerador,
fenômeno indispensável para o nascimento da obrigação tributária, não se dá, como
adiante se revelará, pela subsunção do suporte fático a um conceito legal abstrato, mas
pela coordenação daquele a um tipo, o que longe de constituir uma atividade informada
pela lógica formal, não pode prescindir de uma dinâmica valorativa.9
Por outro lado, a idéia de uma tipicidade fechada também encarna uma
impropriedade metodológica, revelando uma contradição em termos. Senão vejamos.
Para a definição de tipo fechado, Alberto Xavier, segundo indicado na própria obra
citada,10 partiu de uma classificação adotada por Karl Larenz na obra Metodologia da
Ciência do Direito, entre os tipos aberto e fechado, sendo este último caracterizado por
elevado grau conceitual. Todavia, conforme relatado de forma muito perspicaz por
7 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 489. 8 É Geraldo Ataliba que propõe no Brasil a distinção quanto à nomenclatura do fato gerador, desdobrando-a em seus elementos empíricos e normativos. Em relação à descrição hipotética abstratamente prevista em lei, o saudoso professor paulista denomina o fato gerador de hipótese de incidência. Já à base fática ocorrida no mundo real, dá o nome de suporte fático. Quando este encontra uma discrição prévia daquela, diz-se ocorrido o fato gerador da obrigação tributária. (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 71). 9 ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito: Introdução e Teoria Geral – Uma Perspectiva Luso-brasileira. 2.ed. brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 644; GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2004, p. 372-373. 10 XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação, p. 94, nota de rodapé n. 20.
Misabel de Abreu Machado Derzi,11 Karl Larenz abandonou a tese da possibilidade do
tipo fechado, a partir da terceira edição de sua obra, datada de 1975. De fato, segundo
o posicionamento adotado pelo citado autor alemão nas últimas edições de sua obra
clássica, a estrutura tipológica é sempre aberta, ao contrário do conceito abstrato, que
em situações ideais, apresenta-se fechado.12
No entanto, se Misabel de Abreu Machado Derzi reconhece a inexistência de uma
estrutura tipológica fechada, parte de outro pressuposto teórico para entronizar o valor
da segurança jurídica no Direito Tributário. Segundo a referida autora, neste ramo da
ciência jurídica, assim como no Direito Penal, em razão da necessidade exacerbada de
segurança jurídica na aplicação da lei, prevalecem os conceitos classificatórios sobre a
estrutura tipológica.13 Como se vê, o reconhecimento da inexistência do tipo fechado, o
11 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 63-64: “É sabido que Larenz admite os tipos no Direito, entendendo como tal a ordem estruturada de forma flexível e fluida como temos visto até agora. O fato de ter denominado os conceitos de classe de tipos fechados foi questão apenas terminológica, já superada. As edições mais recentes de sua tão consultada Metodologia registram a alteração, pois para o jurista é tão-só aquele, por sua própria natureza, aberto. A expressão ‘tipo fechado’ foi eliminada de sua obra”. 12 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Trad. de José Lamego. 3.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 660 e 661: “Os usos do tráfego, os usos comerciais e a ‘moral social’, enquanto tais, têm para os juristas o significado de standards, quer dizer, de ‘pautas normais de comportamento social correto, aceites na realidade social’. Tais standards não são, como acertadamente observa STRACHE, regras configuradas conceitualmente, às quais se possa efetuar simplesmente a subsunção por via do procedimento silogístico, mas pautas ‘móveis’, que têm que ser inferidas da conduta reconhecida como ‘típica’ e que têm que ser permanentemente concretizadas, ao aplicá-las ao caso a julgar”. 13 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo, p. 286: “considerando as tensões sempre existentes entre princípios jurídicos como segurança e justiça, conservadorismo – estabilidade das relações jurídicas e permeabilidade às mutações sociais, individualidade e aplicação uniforme da lei em massa, reconhecemos, na Ciência do Direito Tributário, ser prevalente a tendência conceitual classificatória”. Em obra posterior, a autora reitera o posicionamento aplicando ao Direito Tributário a teoria fechamento operacional do sistema de Luhmann. (DERZI, Misabel de Abreu Machado. “Mutações, Complexidade, Tipo e Conceito, sob o Signo da Segurança e da Proteção da Confiança”. In: TÔRRES, Heleno Taveira. Tratado de Direito Constitucional Tributário – Estudos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 272 e segs). Porém, deve-se ressaltar que embora o sistema jurídico apresente, segundo Luhmann, um fechamento operativo, já que a compreensão do que é ou não jurídico só se dá no âmbito das fronteiras do Direito a partir de suas próprias regras, ele se abre cognitivamente para o seu entorno e se relaciona com os outros sistemas por
que, aliás, é feito com extrema competência, leva aos mesmos resultados encontrados
pela teoria que o entronizou: o fechamento dos conceitos de direito utilizados pelo
legislador tributário.
Porém, como ressalta Humberto Ávila, a segurança jurídica não pode ser atingida
pela garantia de conteúdos absolutos prévios ou por meio de conceitos fechados, mas:
a) pela linguagem da lei como ponto de partida essencial;
b) pela vinculação do juiz e da administração aos significados preliminares
mínimos da lei;
c) pelo dever de adotar um procedimento regulado para quaisquer questões
jurídicas;
d) pelas exigências quanto ao método para as decisões jurídicas, de acordo
com as regras de interpretação.14
Da simples abstração do texto da lei não se extrai a garantia da segurança, pois,
como adverte Friedrich Muller, a norma vai muito além do seu teor literal, não
prescindindo da realidade fática, uma vez que seu texto representa, juntamente com o
ordenamento jurídico, o programa da norma. No entanto, a norma é composta ainda
por outro elemento: o âmbito da norma, revelado pelo segmento da realidade social
meio de um acoplamento estrutural que, ao mesmo tempo admite a comunicação entre os sistemas, estabelece os limites dos encargos que cada sistema é capaz de suportar sem sofrer corrupção. (LUHMANN, Niklas “La costituzione come acquizione evolutiva”. In: ZAGREBELSKY, Gustavo, PORTINARO, Pier Paolo e LUTHER, Jörg (org.), Il Futuro della Costituzione. Torino: Einaudi, 1996, p. 112). Assim, se modernamente a tributação se deita sobre a idéia de manifestação de riqueza, a partir do código econômico binário riqueza/escassez, no Estado Social e Democrático de Direito ela é regulada pelas normas estabelecidas pelo Direito Tributário, que se abre à realidade econômica. 14 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 300.
escolhido como seu âmbito de regulação. 15 Por essa razão, a norma não pode ser
conhecida sem o exame da realidade fática a que se destina, que determina o
significado dos conceitos jurídicos nela contidos,16 já que nenhuma regra pode regular
inteiramente a sua própria aplicação.17
Como salienta Klaus Vogel, a norma por trás do texto é sempre reconhecível de
modo imperfeito, o que leva o juiz a estar vinculado a este, de acordo com a sua
interpretação e concretização.18 É que a lei não contém as próprias decisões, mas
apenas os parâmetros ou padrões em razão dos quais será tomada, sendo ilusória a
representação da tipicidade enquanto cálculo antecipado legal de todas as decisões
possíveis. Assim, a determinabilidade não é sinônimo de determinação prévia, mas a
15 MÜLLER, Friedrich. Métodos de Trabalho do Direito Constitucional. Trad. Peter Naumann. Rio de Janeiro: Renovar, 3. ed., 2005, p. 42: “O teor literal expressa o ‘programa da norma”, a ‘ordem jurídica’ tradicionalmente assim compreendida. Pertence adicionalmente à norma, em nível hierárquico igual, o âmbito da norma, i. é, o recorte da realidade social na sua estrutura básica, que o programa da norma ‘escolheu’ para si ou em parte criou para si com seu âmbito de regulamentação (como amplamente no caso de prescrições referentes à forma e questões similares). 16 WITTGENSTEIN, L. Philosophische Untersuchungen, 1967, nº 43: “Die Bedeutung eines Wortes ist sein Gebrauch in der Sprache”, apud: KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho. Trad. Luis Villar Borda e Ana María Montoya. Bogotá: Universidad Externato de Colombia, 1996, p. 204. 17 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia – Entre Facticidade e Validade. Vol. I. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 247: “Um estado de coisas conforme regras só se constitui a partir do momento em que é descrito em conceitos de uma norma a ele aplicada, ao passo que o significado da norma é concretizado pelo fato de ela encontrar aplicação num estado de coisas especificado por regras. Uma norma “abrange” seletivamente uma situação complexa do mundo da vida, sob o aspecto da relevância, ao passo que o estado de coisas por ela constituído jamais esgota o vago conteúdo significativo de uma norma geral, uma vez que também o faz valer de modo seletivo. Essa descrição circular caracteriza um problema metodológico, a ser esclarecido por toda a teoria do direito”. 18 Segundo Klaus Vogel: “A ação concreta em situações concretas sempre só pode ser prefigurada de modo imperfeito por um texto de norma. O número dos elementos distintivos que um texto de norma pode descrever, sempre é finito; em contrapartida, o número dos elementos distintivos de um conjunto de fatos é infinito. Por essa razão há sempre particularidades da situação que o texto da norma não considera e com vistas às quais se pode formular a pergunta se a situação ainda é como o texto da norma a pressupõe”. (VOGEL, Klaus. “Vergleich und Gesetzmäbigkeit der Verwaltung im Steuerrecht”. In: Der offene Finanz-und-Steuerstaat. Heidelberg: C.F.Müller, 1991, p. 310-311, apud: ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 298).
possibilidade de fornecer pontos de partida para aquilo que é essencial a determinado
âmbito normativo.19
Ademais, a indeterminação das normas tributárias decorrem não só dos valores e
princípios fundamentais aplicáveis ao Direito Tributário, que pelas suas características
são fluidos e ambivalentes como a igualdade e a segurança jurídica, mas também da
natureza aberta da linguagem por elas utilizadas, tanto das leis de incidência como das
regras de competência, sobretudo quando empregadas expressões extraídas de outro
ramo do Direito, cujo significado no plano fiscal carece de ser esclarecido.20
Por outro lado, poder-se-ia concluir que, embora de difícil realização, a
determinação absoluta seria um ideal a ser permanentemente perseguido. No entanto,
tal conclusão deve ser rechaçada, à medida que o detalhamento excessivo acaba por
levar a uma maior indefinição, uma vez que o excesso de pormenores faz com que,
inexoravelmente, vários traços da realidade deixem de ser contemplados no texto legal,
21 guardando, portanto, uma menor influência sobre a decisão.22 Como esclarece
19 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 304 -305, citando OSTERLOH, Lerke: “Leis não são nem deveriam ser nenhuma coleção de decisões individuais pré-fabricadas. Muito pelo contrário, elas contêm normas em princípio genericamente abstratas, mais ou menos abertas, cuja aplicação à realidade, a conjuntos de fatos, individualmente concretos, não constitui apenas uma tarefa da identificação das informações já contidas na lei, mas exige um processo de múltiplas camadas de conhecimento e decisão” (Gesetzesbindung und Typisierungsspielräume bei der Anwemdung der Steuergesetze. Baden-Baden: Nomos, 1992, p. 94). 20 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 175-176; RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 121-123. 21 NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedina, 1998, p. 377: “o princípio da determinabilidade não se confunde com o suposto dever de pormenorizar o mais possível ou de otimizar a pormenorização da disciplina dos impostos, uma vez que, quanto mais o legislador tenta pormenorizar, maiores lacunas acaba por originar relativamente aos aspectos que ficam à margem dessa disciplina, aspectos esses que, como facilmente se compreende, variarão na razão inversa daquela pormenorização. Ou seja, as especificações excessivas, porque se enredam na riqueza dos pormenores, perdem o plano de que partiram, acabando, ao invés, por conduzir a maior indeterminação”.
Kaufmann, a lei, por ser criada para ser aplicada a todos os casos, cuja multiplicidade é
infinita, não pode e não deve ser formulada de forma unívoca, vez que cerrada em si
mesma, completa, sem vazios, absolutamente clara, se isso fosse possível, conduziria
o desenvolvimento do Direito ao estancamento. Deste modo, não é possível, nem
desejável alcançar o ideal da univocidade da linguagem legal, que deve ser
bidimensional, se manifestando pela sua imanente historicidade e pela dialética entre o
seu caráter metafórico e a conceitualização da linguagem.23
No entanto, quando houver um grau especialmente relevante de segurança
jurídica, o legislador deve, se isso for possível, substituir o tipo aberto pelo conceito
determinado.24 Porém, é forçoso reconhecer que, mesmo nesses casos, remanesce
uma certa indeterminação em virtude do caráter impreciso da linguagem e da natureza
abstrata o texto da norma.
2) Os Conceitos de Direito
A compreensão da linguagem jurídica se dá com base no sentido que cada
conceito inserido no texto possui, de acordo com o significado da palavra ou de uma
cadeia delas no uso lingüístico geral ou, se for possível constatar que essa foi a
22 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 307. 23 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 193 e 244-246. 24TIPKE/LANG. Steuerrecht. 15 ed. Köln: Otto Schmidt, 1996, p. 138: “Em todos os lugares nos quais se trata em grau especial da segurança jurídica e da previsibilidade, o legislador deveria substituir o tipo aberto com maior precisão possível por um conceito abstrato”. Apud: ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 308.
intenção do legislador, no uso especial conferido à expressão por outro ramo do Direito
ou até mesmo por outra ciência.25
Porém, a cientificidade do processo de criação do Direito não pode residir em sua
redução à conclusão lógica da subsunção da realidade fática a esses conceitos, pois o
sentido do fenômeno jurídico não se revela por uma conclusão lógica, mas por uma
comparação de casos, a partir das ponderações de adequação e valor,26 uma vez que
essa conclusão lógica, oferecida pela dedução por meio de um silogismo, nada de novo
produz. Se o método jurídico se baseasse apenas nesse silogismo, cada caso teria
uma solução obrigatória e não haveria espaço para controvérsias.27
Enquanto a norma jurídica dotada de caráter geral e abstrato pertence ao “deve
ser”, o fato jurídico está no plano do “ser”. Esses dois elementos estabelecem uma
relação dialética, se enriquecendo e se correspondendo com a norma, fazendo justiça
ao caso e este àquela. Quando a norma se aplica ao fato ocorre uma mediação entre
os dois mundos, pois, passo a passo, a norma se concretizará a partir de sua
aproximação da realidade e do seu ajuste aos contornos do caso concreto, para então
se converter em tipo.28
Contudo, como a realidade (‘ser”) nunca atinge a perfeição do modelo legal (“deve
ser”), a redução do fenômeno jurídico à mera subsunção silogística leva a uma
25 LARENZ. Metodologia da Ciência do Direito, p. 451. 26 COING, Helmut. Elementos Fundamentais de Filosofia do Direito. Trad. Elisete Antoniuk. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2002, p. 343. 27 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p.182. 28 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 186-187 e 228.
infrutífera procura pelo protótipo ideal, condenando o ordenamento jurídico à inutilidade.
Assim, dado o abismo entre o “ser” e o “deve ser”, a subsunção conceitual absoluta
nunca será realizada,29 uma vez que esse processo de aproximação da norma abstrata
ao fato não segue a lógica formal, mas a lógica do razoável.30
São duas as classes de conceitos: 31
a) conceitos abstratos gerais (conceitos de classe ou conceitos em sentido
estrito): englobam em sua essência um número fixo de elementos fechados ou
unívocos, que se apresentam no caso concreto ou não se apresentam. Tais
conceitos cumprem de forma ideal o mandato constitucional da determinação.
Porém, só os conceitos numéricos apresentam perfeitamente essa característica.
Como exemplo, a maioridade (ou se tem 18 anos, ou não);
b) conceitos de ordem (conceitos de função ou de tipo): não definem ou
limitam a essência do fenômeno, mas só o descrevem mais graficamente, não de
forma completamente concreta, senão sempre em determinado nível de abstração;
sendo assim, não conhecem a disjunção bifurcadora dos conceitos abstratos
gerais, apenas o “mais ou menos”. Exemplificando, o ácido clorídrico pode ser
caracterizado como arma não porque se subsuma no conceito legal abstrato geral
de arma, mas porque sua utilização corresponde ao tipo legal.
29 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 181. 30 PIRES, Adilson Rodrigues. Contradições no Direito Tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 33-34: “Esse processo de adequação da lei ao caso concreto resulta da atuação de uma lógica diferente da tradicional, da lógica formal, regida por um ideário explicativo de nexos entre causa e efeito. A lógica referida fundamenta-se em valores humanos direcionados para um fim específico, qual seja a lógica do razoável, que, por sua vez, não se confunde com a lógica do racional”. 31 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 246-247.
2.1) Os Conceitos Abstratos
Segundo Larenz, os conceitos abstratos são formados por notas distintivas que são
desligadas, abstraídas dos objetos em que aparecem, e na sua generalização, são
isoladas, separadas tanto umas das outras, como em relação a esse objeto. A
abstração é, segundo Hegel, uma separação do concreto, a partir do isolamento de
suas determinações, pela qual somente se apreendem propriedades ou momentos
particulares. Pela abstração se apreende um objeto da experiência sensorial, não na
sua plenitude concreta de todas as suas partes, como um todo único, mas apenas na
medida em que nele sobressaem propriedades particulares ou notas consideradas
como gerais, desligadas, artificialmente, da sua natural união com outras, isolando-as.
Dessas notas isoladas formam-se conceitos por meio dos quais se possibilita a
subsunção de todos os objetos que apresentam todas as notas recolhidas na sua
definição, qualquer que seja a sua vinculação concreta. Mediante a eliminação de
notas particulares podem ser formados conceitos de mais elevado grau de abstração
aos quais podem se subsumir todos aqueles que lhes estão subordinados, o que se dá
em relação inversamente proporcional com a densidade de seu conteúdo. Sendo
formado por poucas notas, esse conceito “supremo” guarda um conteúdo ínfimo em
relação ao mais amplo âmbito de aplicação. De outro lado, quanto maior o número de
traços distintivos, mas conteúdo terá o conceito, em relação inversamente proporcional
ao seu campo de influência, bastante específico. 32
32 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 625: “A seleção das notas distintivas, que hão-de ser recolhidas aquando da formação de um conceito abstrato na sua definição, é essencialmente co-determinada pelo fim que a ciência em causa persegue com a formação do conceito”.
Deste modo, enquanto o conceito concreto está vinculado ao perceptível, assim
entendido pelo aquilo que é extraído da realidade fática, a abstração, ao revés, se
associa à idealização do mundo irreal e imperceptível. Daí, não fica difícil concluir que
a idéia de concretude, enquanto algo real e perceptível, vem sempre atrelada à
determinação do seu objeto, ao contrário do conceito abstrato, cujo caráter ideal e
imperceptível, desemboca na indeterminação.33 Por isso a incompatibilidade dos
conceitos abstratos com a concreção da realidade.
A função dos conceitos é a classificação, de modo claro, de uma enorme
quantidade de fenômenos da vida, caracterizando-os mediante notas distintivas
facilmente identificáveis e ordenando-os de modo que sempre suas conseqüências
jurídicas sejam idênticas quando houver identidade conceitual. Para que tal tarefa seja
plenamente exitosa, o caminho mais fácil seria o da utilização dos conceitos abstratos
aos quais possam ser subsumidos, sem grande esforço, todos os fenômenos da vida
que apresentarem as suas notas distintivas. Porém, o ideal de se subsumir todos os
caso jurídicos aos conceitos dados por lei, é um ideal que nunca foi atingido em
qualquer época da Ciência do Direito, sendo a utilização da norma de estrutura
conceitual pouco freqüente.34
33 ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción ..., p. 64-66. 34 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 626, 644 -645: “A parte da subsunção lógica na aplicação da lei é muito menor do que a metodologia tradicional supôs e a maioria dos juristas crê. É impossível repartir a multiplicidade dos processos da vida significativos sob pontos de vista de valoração jurídicos num sistema tão minuciosamente pensado em compartimentos estanques e imutáveis, por forma a que bastasse destacá-los para os encontrar um a um em cada um desses compartimentos. Isto é impossível, por um lado, porque os fenômenos da vida não apresentam fronteiras tão rígidas como as exige o sistema conceitual, mas formas de transição, formas mistas e variantes numa feição sempre nova. É impossível ainda, porque a vida produz constantemente novas configurações, que não estão previstas num sistema acabado. É também impossível, por último, porque o legislador, como várias vezes sublinhamos, se serve necessariamente de uma linguagem que só raramente alcança o grau de precisão exigível para uma definição conceitual”.
Mas a objeção contra a ampla utilização do método conceitual não está só na sua
impossibilidade de aplicação ampla. Se assim fosse, este seria um ideal a se buscar na
medida máxima possível. Porém, deve-se levar em conta que o pensamento abstrato,
dada a sua tendência ao esvaziamento de sentido, levaria ao resultado contrário do
esperado, uma vez que dependeria do abandono de muitos traços particulares da
realidade e da desunião de cada um desses traços entre si, o que acabaria por
comprometer a relevância jurídica e o sentido da regulação,35 já que muitas vezes há
exageros na importância de cada um deles, ao considerá-los conceitualmente
indispensáveis a sua aplicação numa situação de fato, pois nessa dinâmica dos
conceitos abstratos não há mais ou menos’, mas um isto ou aquilo do pensamento por
alternativas. Os conceitos de grau mais elevado de abstração só admitem em cada
caso duas alternativas que estejam entre si numa relação de contraposição excludente,
como se dá nos conceitos de móvel ou imóvel. 36
Aparentemente, a formação de conceitos abstratos contribui para a clareza, uma
vez que um grande número de fenômenos, muitas vezes de índole muito diversa, pode
ser reconduzidos a um denominador comum e uniformemente regulado. No entanto, a
35 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 646. No mesmo sentido: Ávila, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 192: “O recurso a conceitos abstratos e gerais que funcionem como meio de realização da mesma legalidade aumenta essa indeterminação: quanto mais geral um conceito, mais situações de fato ele irá abranger e tanto mais difícil será prever essas situações de fato, sobretudo no campo do Direito Tributário, que regula processos econômicos”. E ainda: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, 471: “O tipo não se confunde com o conceito jurídico. Este é a representação abstrata de dados empíricos, podendo de certa forma violentar a realidade”. 36 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 650: “As contraposições pretensamente excludentes revelam-se apenas opostas; o que conceitualmente está radicalmente separado está ligado entre si de forma multímoda; a abstração levada ao extremo, interrompe as concatenações de sentido e acaba por conduzir-se ad absurdum, pela vacuidade dos conceitos supremos, que já nada dizem sobre a concatenação de sentido subjacente”.
clareza da linguagem não está associada à determinação do conceito que,
necessariamente, carecerá de valoração diante do objeto da regulação. Ademais, a
aplicação das pautas valorativas e dos princípios jurídicos, que são indispensáveis ao
Direito, não se faz, senão com certo sacrifício da clareza em nome da adequação à
realidade fática.37
Em função dessas razões, os conceitos abstratos terão um valor limitado na
elaboração da lei e na concatenação de sentido, para as quais constituem verdadeiro
empecilho, vez que a extrema precisão da linguagem só pode ser alcançada à custa do
esvaziamento do conteúdo e do sentido. Sua função revela-se, tão somente, na
orientação inicial da subsunção, quando esta se revelar possível, pois estes conceitos,
para poderem subsumir outros a si, são de uma precisão extrema, intentada por uma
linguagem artificial.38
Como se pode extrair dessas afirmações, o pensamento tipológico melhor se
adequa ao raciocínio jurídico, pois é necessariamente analógico, ao permitir a abertura
da norma às circunstâncias fáticas. Deste modo, a criação do Direito também possui
um caráter analógico, pois este, ou mais exatamente, os princípios gerais do Direito e
as possíveis situações fáticas da vida antecipadas mentalmente pelo legislador, devem
37 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 649. Para Radbruch: “Precisamente, esa inadecuación de los conceptos jurídicos a la realidad, ese ignorar los tonos medios, y el benévolo ‘casi’, el rechazar con acritud todo ‘no solo sino también’ o todo ‘más o menos’, ocasionan en muchos casos esa repugnancia por el derecho, en especial por el derecho romano”. (RADBRUCH, Gustav. Klassenbegriffe und Ordnungsbegriffe im Rechtsdenken, “Internacionale Zeitschrift für Theorie dês Redchts”, XII, 1938, p. 46 e segs, apud: ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción ..., p. 414). 38 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 650. Para Engisch, o Direito, assim como as outras ciências naturais e sociais, tende à tipificação, de acordo com a sua natureza normativa (ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción ..., p. 353 e 394).
colocar-se em correspondência recíproca, a partir de um processo de
acomodação/assimilação. De acordo com esse posicionamento, a analogia se
diferencia da interpretação teleológica, não por uma distinção quanto à estrutura lógica
do processo, mas em relação ao grau de extensão. Com a sua abertura a essas
situações concretas, o Direito se materializa, se concretiza e se positiva. 39 Assim, os
tipos são mais concretos do que os conceitos, e, ao contrário destes últimos que são
definidos, só podem ser descritos.40
A realidade fática, por sua vez, se configurando em forma conceitual-normativa,
idealiza-se e se constrói. A produção legislativa se revela como a acomodação da idéia
de Direito e das possíveis futuras circunstâncias fáticas da vida. Por sua vez, o Direito
harmoniza a norma legal e as circunstâncias de fato, revelando-se um tertium a
promover a mediação entre o “ser” e o “deve ser”. Assim, a norma e o fato devem
guardar relações de sentido, a fim de que possam ser levadas, reciprocamente, à
correspondência. Esse sentido, que não se esconde só no Direito, mas também nas
circunstâncias fáticas da vida, é o que Kaufmann designa como natureza das coisas
(ratio juris), que nos leva ao pensamento tipológico.41
Nesse processo de concretização da norma abstrata, os conceitos gerais devem
abrir-se às circunstâncias de fato da vida para chegar a uma decisão jurídica concreta,
o que acaba por conferir forma a essa norma abstrata, aumentando a sua dimensão
lingüística. Com isso, os conceitos de classe, abrindo-se à realidade, acabam por dar
39 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 247-248. 40 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 176. 41 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 249.
origem aos conceitos de ordem, que compreendem os conceitos globais de sentido
(conceitos de função ou tipos). Deste modo, mesmo os conceitos abstratos, após a sua
concretização por uma decisão jurídica, não são mais unívocos, e nem poderiam sê-lo,
sob pena de não poderem cumprir sua função de equilibrar as tensões dentro da idéia
de Direito, atendendo a igualdade, a segurança jurídica e a equidade.42
2.2) Os Tipos
Segundo Ricardo Lobo Torres, o tipo é a ordenação de dados concretos existente
na realidade segundo critérios de semelhança, representando a média ou a
normalidade de uma determinada situação concreta.43 Tipificar significa colher o que é
comum e repetitivo em determinado fenômeno, abstraindo-se as particularidades
individuais, generalizando e padronizando.44
Os tipos, originados nas ciências da natureza, foram introduzidos por Max Weber
nas ciências sociais,45 tendo Jellinek os inserido na Teoria Geral do Estado, a partir da
classificação entre tipo ideal e tipo empírico. Nessa concepção, o tipo ideal tem um
valor essencialmente teleológico, não sendo algo que é, mas que deve ser, e
constituindo, portanto, a medida do valor dado. Por sua vez, ao tipo empírico não se
42 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 245. 43 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 469-470. 44 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo, p. 47: “Tipo será, então, o que resultar desse processo de abstração generalizante, vale dizer, a forma média ou freqüente, ou ainda especialmente representativa, ou ainda, o padrão normativo ideal”. 45 WEBER, Max. Economia e Sociedade. Trad. Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. São Paulo: UnB, 2004, p. 11-12: “As ‘leis’, como habitualmente designadas por algumas proposições da Sociologia Compreensiva – por exemplo, a ‘lei’ de Gresham -, são probabilidades típicas, confirmadas pela observação, de determinado curso de ações sociais a ser esperado em determinadas condições, e que são compreensíveis a partir de motivos típicos e do sentido visado pelos agentes”.
exige a expressão de um objetivo que transcenda a experiência, traduzindo-se apenas
na unificação de notas entre os fenômenos, de acordo com os pontos de vista que
adote o investigador.46
Para Larenz,47 os tipos se classificam:
a) Tipos médios ou de freqüência e tipos de totalidade ou configuração: os
primeiros se referem àquilo que se espera normalmente, a partir a reações típicas
de uma pessoa ou de uma multiplicidade de pessoas numa mesma situação, ou de
uma característica de certa região, como por exemplo, a referência a uma
temperatura típica de determinada região e época do ano. No segundo sentido, o
tipo alude a situações que reúnem os traços característicos que tipificam uma
imagem na sua globalidade, como uma típica casa rústica da Baixa Saxônia, sem
que seja necessário que todos os traços estejam presentes em todos os casos.
Nas duas espécies temos tipos empíricos, cujas reações e evoluções podem ser
confirmadas pela experiência.
b) Tipos só imaginados e mentalmente concebidos e tipos empíricos:
enquanto aqueles são frutos da extração de notas distintivas da realidade (mas ao
contrário dos conceitos abstratos, o tipo pensado não os separa); estes últimos são
reconhecidos por intuição, que nem sempre separa os elementos constitutivos do
tipo, apreendendo a realidade como uma imagem.
46 JELLINEK, Georg. Teoría General del Estado. Trad. de Fernando de los Rios. México: Fondo de Cultura Económica, 2000, p. 79: “El concepto “tipo” puede comprenderse en sentido de ser la expresión de la más perfecta esencia del género. Se puede representar de un modo platónico, como la idea que vive en más allá y solo de un modo imperfecto puede realizarse en el individuo, o concebírsele conforme a Aristóteles, como la fuerza activa que crea y da forma a los ejemplos individuales de un género”. 47 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 657-660.
c) Tipos empíricos, tipos ideais lógicos e tipos ideais normativos: o primeiro
se revela pelos tipos médios, que estejam configurados num maior ou menor
número de exemplares que podem ser encontrados na realidade. O tipo ideal
lógico também deriva da experiência, mas não precisa estar realizado em toda a
sua pureza em nenhum fenômeno empírico, constituindo-se em uma representação
de um modelo, que é obtido a partir da observação de alguns traços particulares
observados na realidade e descurando outros. Como exemplo, oferece-se
economia de livre mercado, economia totalmente dirigida. Presta-se a estabelecer
comparações entre os modelos puros e as formas híbridas encontradas na
realidade. Já o tipo ideal normativo não quer ser cópia da realidade, mas modelo
ou arquétipo. Como exemplo, a democracia ateniense, que, erigida como modelo
de onde se abstraem alguns traços de realidade, como a escravidão. Também
pode ser exemplificado no tipo ideal do verdadeiro homem de Estado, juiz, médico,
educador, cristão, que cumpra plenamente a sua missão. A partir de um modelo
perfeito, que não pode ser atingido em sua pureza, serve como orientação para
ação humana.
A importância do tipo no Direito se revela quando as normas remetem para os usos
do tráfego, como normas de comportamento socialmente típicos, tendo para os juristas
significado de standards, isto é, pautas normais de comportamento social correto,
aceitas na realidade social, mas que longe de serem configuradas conceitualmente, de
forma a efetuar a simples subsunção por via do procedimento silogístico, são pautas
móveis que tem que ser permanentemente concretizadas pelo aplicador. Tais
standards, a despeito de se manifestarem por tipos reais, são sempre tipos ideais
axiológicos, não no sentido de tipo de totalidade ou configurativo, mas de tipo de
freqüência ou tipo médio. 48
Ao lado do tipo empírico, extraído da realidade, tem maior importância para o
Direito o tipo normativo, onde o legislador não prescinde de elementos criados pelo
próprio ordenamento jurídico, como o possuidor de animais, que vai utilizar dados
extraídos da regulação da propriedade, por exemplo. Na formação do tipo, entram
tanto elementos empíricos derivados do escopo da norma, como elementos normativos
oriundos pelas idéias jurídicas que estão por trás da regulação. A união desses dois
elementos constitui precisamente a essência do tipo, sendo denominado por Larenz de
tipo real normativo.49
Devem ser diferenciados dos tipos reais normativos, os tipos jurídicos-estruturais,
criados pela realidade jurídica para caracterização mais pormenorizada de certas
situações jurídicas, como os contratos. O Direito não os inventou, mas descobriu-os na
realidade fática. Porém, o legislador não precisa delinear o tipo exatamente como foi
originalmente encontrado, podendo introduzir-lhe novos traços e descurar outros.50
Enquanto o conceito abstrato apresenta uma rígida união dos elementos distintivos,
à qual um conjunto de fatos pode ser ou não integralmente subsumido, o tipo apresenta
48 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 660-661. 49 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 662. Humberto Ávila enquadra os tipos tributários entre os tipos reais normativos, por terem origem no Direito Tributário tradicional e relação indireta com a Constituição. (ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 179). 50 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 662-663.
uma totalidade graduável e aberta de notas, admitindo que um conjunto de fatos seja
“mais ou menos” coordenado a um tipo.51
Assim, o tipo constitui uma altura média entre o geral e o particular, se distinguindo
do conceito abstrato-geral definido por um número limitado de características gerais
isoladas, por sua grande proximidade com a realidade, por sua claridade gráfica e por
sua objetividade. Com efeito, o tipo não se pode definir, mas somente explicitar, pois
embora tenha um núcleo fixo, mantém as fronteiras flexíveis, de tal sorte que a falta de
um ou outro de seus muitos traços característicos, não leva a sua descaracterização.
Enquanto o conceito, seguindo a lógica do sim ou não, separa, o tipo, acomodando-se
ao mais ou menos da realidade, une, tornando conscientes as conexões de sentido,
fazendo o geral ser compreendido de forma clara e integral. Deste modo, os fatos não
se subsumem ao tipo. Este se coordena, ou se põe em correspondência, em maior ou
menor grau, com um suposto fato concreto. 52 Essa coordenação entre o tipo e a
realidade fática baseia-se numa valoração, que deve ser determinada eticamente por
uma ponderação de finalidade, a partir de uma análise minuciosa das condições reais,
bem como de uma mensuração dos próprios valores isoladamente aplicáveis.53
No entanto, se correspondência entre fato e tipo não depende da coincidência em
relação a todos os traços particulares, mas sim da imagem global, a aludida
coordenação não deve ser reconhecida quando ausentes no caso particular as notas
51 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 171. 52 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 250. No mesmo sentido: LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 645; e ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito: Introdução e Teoria Geral – Uma Perspectiva Luso-brasileira. 2. ed. brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 647. 53 COING, Helmut. Elementos Fundamentais de Filosofia do Direito, p. 280-281.
distintivas isoladas, ou quando estas forem insignificantes, em nada contribuindo para a
compreensão da regulação.54 Deste modo, como assinala Humberto Ávila, a abertura
do tipo se caracteriza por dois elementos. O primeiro se revela pela prescindibilidade
de alguns elementos distintivos, sob pena de tornar o tipo vazio de conteúdo, e o outro
pelo sopesamento, que indica que a correlação não se dá apenas de acordo com a
relação dos seus elementos entre si, mas, principalmente, sob uma perspectiva
valorativa.55
Vale destacar que o tipo, assim como a abstração conceitual, extrai momentos
comuns de uma pluralidade de manifestações singulares, iguais ou semelhantes, mas
aquele, diferentemente desta, não leva a um conceito geral, mas a uma união de traços
perceptíveis, que certamente não poderão ser aplicados a um objeto individual, mas a
um objeto fictício, típico.56
Por outro lado, o tipo se posta “no meio-termo entre o indivíduo e o conceito”,57
distinguindo-se dos fenômenos isolados, pois algo único não pode ser típico, o que
pressupõe a comparação e a diferenciação, de onde deriva o seu nível de abstração
54 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 666: “Os desvios notórios da imagem global do ‘tipo normal’ classificar-se-ão como tipos especiais ou como ‘configurações atípicas’. Onde reside em cada caso a fronteira, até onde é possível ainda uma coordenação a este tipo, não pode indicar-se de modo geral; quando as fronteiras são fluídas, como é geralmente o caso tratando-se do tipo, a coordenação só é possível com base numa avaliação global”. 55 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 194. 56 ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción ..., p. 384. 57 KRETSCHMER, Paul. Über die Methode der Privatrechtswissenschaft, 1914, p. 400, apud: LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 658. Para Radbruch: “Los tipos comparten, con los conceptos individuales históricos, la plenitud concreta del contenido, y, al miesmo tiempo, con los conceitos genéricos propios de las ciencias naturales, la possibilidad de comprender ampliamente manifestaciones históricas individuales” (RADBRUCH, Gustav. Logos, II, 1911-2, p. 259, apud: ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción ..., p. 381).
intermediário.58 Enquanto a abstração conceitual conduz ao conceito geral, a partir da
decomposição do universo em uma pluralidade de conceituações de notas
descontínuas para chegar ao todo do conceito, a abstração individualizadora, por sua
vez, reconhece a profusão perceptível do real, primeiramente, em uma totalidade de
imagens alcançáveis precisamente por ser objeto de uma percepção, do qual extrai
posteriormente seus traços característicos. 59
Em relação ao tipo não mais tem sentido o pensamento exato, lógico-formal, pois
nos encontramos diante da lógica fuzzy, cujo fundamento é a distinção entre conceitos
determinados e indeterminados, e que se move na zona grísea das transições graduais
entre todavia não e não mais. 60
A aplicação do tipo pelo Direito faz nascer o tipo normativo, que se distingue do tipo
de freqüência ou do tipo ideal, de Max Weber. Manifesta-se como ponto médio entre a
idéia de Direito e as circunstancias de fato da vida em torno das quais, finalmente, gira
todo o pensamento jurídico. É o ponto medido entre a justiça conforme a norma e a
justiça conforme os fatos, sendo, ao mesmo tempo, modelo de fenômeno passageiro e
paradigma da idéia. Recebe luz de ambos, e é, em conseqüência, mais rico em
conteúdo e mais gráfico do que a idéia, e por outra, mais válido, mais espiritual, mas
duradouro que o fenômeno. Não é rígido em seus contornos, não é imutável. Nós não
58 ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción ..., p. 382. 59 MAIER, H. Philosophie der Wirklinchkeit, I, p. 202, apud: ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción ..., p. 383. 60 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 250.
podemos construir tipos discricionariamente, pois o tipo é a causa do fenômeno
original.61 Assim, enquanto o conceito é fechado, o tipo aberto! 62
Porém, a abertura do tipo não significa que a decisão jurídica não seja dotada de
determinabilidade, mas se refere à possibilidade aberta a diversas combinações de
manifestação dos elementos distintivos que somente recebem seu significado jurídico a
partir de um ponto de vista valorativo. Nesse sentido, a indeterminabilidade é uma
característica da aplicação do Direito.63
Ademais, o tipo é sempre mais rico em conteúdo, é mais espiritual, tem maior
sentido, é mais gráfico que o conceito abstrato, pois o Direito nunca pode ser idêntico à
lei, já que não é possível que aquele seja apreendido pelos conceitos legais na
plenitude de seu conteúdo concreto.64 Por isso, o tipo é mais concreto do que o
conceito abstrato.65
Por esta razão, não pode existir um sistema de Direito fechado, axiomático, mas
um sistema aberto e tópico. É falsa a opção entre o tipo e o conceito, pois como
observado por Kant, os conceitos sem tipos são vazios, os tipos sem conceitos são
cegos. 66
61 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 251. 62 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito, p. 660-661; KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 251; ASCENSÃO, José de Oliveira. A Tipicidade dos Direitos Reais. Lisboa: 1968, p. 63; CORREIA, José Manuel Sérvulo. Legalidade e Autonomia ..., p. 315. 63 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 184. 64 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 251. 65 ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción ..., p. 385. 66 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 251.
Diante de todo o exposto, fica evidenciado que o tipo se diferencia do conceito
abstrato pelos seguintes traços:
a) o conceito é fechado, o tipo aberto;
b) o conceito se revela pela soma rígida dos elementos distintivos, enquanto
o tipo por uma totalidade graduável e aberta de conjunto de fatos;
c) o conceito se subsume, a partir da igualdade entre ele e o conjunto de
fatos; o tipo se corresponde com o fato por uma relação de semelhança;
d) o conceito é definível, o tipo descrito;
e) para a adequação dos fatos em relação ao conceito, todas as notas
distintivas devem estar presentes; no tipo algumas delas podem faltar;
f) o tipo é concreto, o conceito é abstrato.
Por essas razões, a indeterminação da linguagem humana da qual se serve o
Direito, sempre dotada de caráter plurissignificativo, bem como a necessidade de
adequação da lei à realidade fática, cada vez mais surpreendente, imprevisível e
inexplicável com base nas lições extraídas do passado, fazem com que o legislador,
inclusive o tributário, privilegie a utilização de tipos em detrimento dos conceitos
abstratos, cada vez menos capazes de estabelecer conexões de sentido com o mundo
dos fatos.
3) A hipótese de incidência tributária e o tipo
O princípio da determinação a que se submetem as leis que configuram as
hipóteses de incidência não constitui óbice à aplicação de tipos no Direito Tributário,
uma vez que determinabilidade não se confunde com uma determinação prévia, mas
com a possibilidade de fornecer pontos de partida para o conteúdo essencial de
determinado âmbito normativo. A despeito de seus elementos constitutivos deverem
ser definidos com clareza, tais normas não dependem apenas de determinações
lingüísticas e estruturais, são também carentes de concretização, pois seu significado
normativo não pode ser dado absolutamente sem uma adequação a situações de fato,
o que vai se dar de acordo com as regras de competência e os princípios de ordem
material.67
Por isso, tais normas de incidência, a exemplo das regras constitucionais que
delimitam competência, se manifestam por tipos, e não por conceitos classificatórios,
dada a abstração desses últimos, incapazes de descrever com fidelidade toda a riqueza
e dinamismo realidade econômica. 68
67 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 304-305: “Deve-se constatar, no caso concreto, se a hipótese de incidência atende às determinações constitucionais de competência e aos princípios substancialmente conexos (inclusive aos direitos fundamentais no seu aspecto objetivo); qual a intensidade da influência e da estrutura material das leis e como a norma e o conjunto de fatos estão estruturalmente ligados. Deve-se saber, sobretudo, se se trata de um caso normal ou de uma exceção sob os princípios constitucionais substancialmente conexos, se as assim chamadas ‘correções de elementos marginais’ [Randkorrekturen] se fazem necessárias em conformidade com a consideração do teor literal e da finalidade concreta das normas legais a serem aplicadas, ou quais circunstâncias do caso individual devem ser consideradas na aplicação do Direito”. 68 Não são poucos os autores que reconhecem a natureza tipológica da hipótese de incidência tributária: ENGISCH, Karl. La Idea ..., p. 407; TIPKE, Klaus e LANG, Joachim. Steuerrecht. 17. ed.. Köln: O. Scchmidt, 2002, p. 133, apud: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 473; VOGEL, Klaus. Zur Konkurrenz zwischen Bundes – und Landessteuerrecht nach dem Grundgesetz. In StuW 1971, p. 315, apud: ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 170; KIRCHOF, Paul. “Steuergleichheit durch Steuervereinfachung. In: FISCHER, Peter (Ed.). Steuervereinfachung. Köln: O. Schmidt, 1998, DSTJG 21:23, apud: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 474; KRUSE, H. W. Lehrbuch des Steuerrechts. München: C.H. Beck, 1991, p. 71, apud: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 470: ”O objeto do imposto não se deixa definir, mas descrever”; BEISSE, Heinrich. “O Critério Econômico na Interpretação das Leis Tributárias Segundo a Mais Recente Jurisprudência Alemã”. In: Brandão Machado (Coord.). Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 27; e NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, p. 334. Entre nós: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 483; GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Fiscal e a Interpretação da Lei Tributária. São Paulo: Dialética, 1998, p. 68; ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 170; DOMINGUES, José Marcos. Direito Tributário e Meio Ambiente, p. 126;
A utilização da estrutura tipológica pela norma tributária, segundo Engisch,69
desemboca na aproximação dos tipos que fundamentam as exações fiscais com as
relações da vida real, de modo a que o enquadramento dos fatos deve ocorrer
conforme o seu sentido típico, e não de acordo com a vontade específica dos
interessados. O que se leva em conta, segundo o autor alemão, não é uma
individualização, mas uma tipificação, em que o tipo se determina pela conduta normal,
usual, que se dá pelo termo médio, o que permite o combate à evasão e à elisão
abusiva pela via da interpretação. É que, quando o legislador tipifica, tem em vista a
produção de dado efeito prático.70 Deste modo, a descrição do fato gerador do tributo
por meio de tipos promove a sua abertura à realidade econômica por meio da sua
interpretação teleológica.71
A compatibilização da segurança jurídica com a estrutura tipificante vem sendo
reconhecida pela jurisprudência, aqui e alhures. A Corte Constitucional Alemã, vem
aceitando a tipificação pelo legislador tributário, desde que respeitados os princípios da
proporcionalidade e da igualdade e os objetivos da praticidade e da simplificação
fiscal.72 Conforme esclarece Klaus Tipke, o Tribunal Constitucional Alemão, em
RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária, p. 34; e ROCHA, Sérgio André. “Existe um Princípio da Tipicidade no Direito Tributário?”.Revista Dialética de Direito Tributário 136: 73, 2007. Contra: DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo, p. 286, para quem as hipóteses de incidência tributárias se manifestam preferencialmente por conceitos abstratos. 69 ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción..., p. 407-408. 70 ASCENSÃO, José de Oliveira. A Tipicidade dos Direitos Reais, p. 63. No mesmo sentido: CORREIA, José Manuel Sérvulo. Legalidade e Autonomia ..., p. 315. 71 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária, p. 117-118. 72 BverfGE 82, 185:”O legislador apreende o individual no tipo, generalizando o concreto e esmaecendo as diferenças. Ele deve se orientar fundamentalmente pela regularidade e não tomar em consideração as especificidades e as singularidades”. (Apud: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 480).
diversos julgados, estabeleceu que a exigência da tipicidade é satisfeita quando o
legislador encontra a determinação essencial sobre o tributo com suficiente exatidão,
sendo desnecessário decidir sobre todas as questões. Noticia, ainda, o autor alemão
que jamais a Corte Suprema declarou a inconstitucionalidade de uma norma tributária
por indeterminação.73 Casalta Nabais, registrando a mesma notícia jurisprudencial,
ressalta que a utilização pelo Tribunal Constitucional Alemão de conceitos
indeterminados, como “suficientemente” e “certa medida” para definir o conteúdo do
princípio da determinação, acaba por fazer deste, nas palavras de Papier, uma flor de
retórica.74
Em nosso país, o Supremo Tribunal Federal vem, aos poucos, abandonando a
idéia da abstração conceitual baseada na tipicidade fechada. No Direito Penal, seara
onde a segurança jurídica ocupa uma posição de destaque, o STF já admitiu a
tipificação aberta em relação ao crime de tortura, o que demonstra que o referido valor
não é arranhado pelo uso dos tipos.75
No campo tributário, a orientação de nossa Corte Suprema vem se modificando em
direção ao reconhecimento de uma maior abertura do tipo. Após a declaração de
inconstitucionalidade, da Taxa de Fiscalização Ambiental do IBAMA (TFA) instituída
pela Lei º 9.969/00, 76 dentre outros motivos por ter a lei deixado a cargo da autoridade
administrativa a definição de quais empresas seriam potencialmente poluidoras, a Corte
73 TIPKE, Klaus. Die Steuerrechtsordnung. Köln: O. Schmidt, 2000, Vol. 1, p. 138, apud: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 486. 74 NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, p. 355-356. 75 STF, Pleno, HC nº 70.389, Rel. Min. Sydney Sanches. Rel. p/acórdão: Min. Celso de Mello, RTJ 178/1-168, DJU 10/08/2003, p. 3. 76 STF, Pleno, ADIN 2.178, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 12/05/00.
passou a admitir, no caso do SAT – Seguro de Acidentes do Trabalho, instituído pelo
art. 22, II, da Lei nº 8.212/91, alterada pela Lei nº 9.528/97, que, de acordo com a
previsão legal de alíquota variável de 1 a 3% sobre a sua folha de salários, de acordo
com o grau de risco que a sua atividade preponderante gera à saúde de seus
empregados, a definição pelo regulamento dos conceitos de “atividade preponderante”
e “grau de risco leve, médio ou grave”.77 Embora, tenha se utilizado como fundamento
da decisão, a tese do regulamento delegado, quando a questão não é de delegação,
mas de interpretação de conceitos indeterminados, a decisão se traduz numa virada da
jurisprudência tributária do STF, que supera o dogma da tipicidade fechada, e caminha
em direção à juridicidade e da legalidade da sociedade de risco.
É importante ressaltar que a utilização dos conceitos abstratos pelas leis tributárias,
além de ser uma pretensão praticamente inatingível, e de constituir-se em flagrante
prejuízo à capacidade contributiva que se pretende mensurar com a tributação, causa
grave lesão também à segurança jurídica, uma vez que o uso de uma linguagem
inequívoca só seria alcançado com o mais alto grau de abstração, o que levaria a
exclusão de toda conexão com a realidade econômica. Tal conclusão é reforçada pela
idéia de que é esta conexão com a materialidade econômica que vincula os atos
praticados pelo contribuinte às autorizações constitucionais e legais da tributação e que
lhe conferem certeza quanto à legitimação do ônus fiscal. Por outro lado, a tentativa de
reduzir o papel hermenêutico do aplicador por meio da adoção de uma estrutura
abstrata, nunca irá ser exitosa, pois uma lei tal, que não requeira qualquer
77 STF, Pleno, RE 343.446-SC, Rel. Min. Carlos Veloso, transcrito no Informativo STF nº 302.
interpretação, precisamente porque nela não existe nada o que se interpretar, abre
caminho para a sua manipulação discricionária. 78
Como se vê, ao contrário do que sustenta a doutrina formalista, a estrutura
conceitual abstrata não promove uma maior garantia aos direitos do contribuinte, pois a
aplicação da lei a partir unicamente do seu texto, sem considerar o âmbito da norma e
os princípios jurídicos imanentes, leva a uma aplicação irracional do Direito, por não
atingir o significado concreto da norma que, embora limitado pelo seu texto, com ele
não se confunde.79 Assim, a determinabilidade não afasta o compromisso do Direito
Tributário com a juridicidade, uma vez que, se nenhuma regra jurídica é extraída
exclusivamente a partir dos princípios ou da idéia de Direito, também é verdade que
nenhuma decisão jurídica deriva apenas a partir da regra jurídica.80
Deste modo, se o formalismo, por muito tempo, serviu de fundamento a uma
concepção de segurança baseada no abuso das formas jurídicas, tais efeitos vêm
sendo eliminados por uma legislação tributária que cria mecanismos para superar as
práticas evasivas e elisivas. Por outro lado, tal linha de pensamento formalista acaba
por se impor como obstáculo à efetivação dos princípios materiais que tutelam os
78 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 244. No mesmo sentido: RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, Interpretação e Elisão Tributária, p. 32: “A própria segurança jurídica restaria arranhada se os fatos geradores tributários fossem veiculados por estruturas conceituais, uma vez que os tipos, como manifestações da realidade social e econômica, são bem mais concretos do que aquelas, sendo portanto mais adequados a descrever o fato-signo manifestador de capacidade contributiva”. Contra: DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo, p. 286. 79 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 308-309: “às vezes, mesmo a segurança jurídica – no sentido de uma segurança jurídica material – vê-se bloqueada, quando o sentido concreto de uma norma jurídica não pode ser ‘retrorreferido’ ao texto da norma, em virtude dos conjuntos de fatos da vida, dos quais o texto da norma depende (e.g. igualdade na aplicação do direito)”. 80 KAUFMANN, Arthur. Filosofía del Derecho, p. 171.
direitos dos contribuintes, como o princípio da não-surpresa, o princípio da capacidade
contributiva, e o princípio da igualdade.81 Sem falar que a complexidade da legislação
tributária muitas vezes subordina o cálculo de deduções e benefícios fiscais, a
conceitos, como o de despesas necessárias, por exemplo, que não podem ser fixados
previamente pelo legislador, e cuja interpretação formalista, acaba por violar os direitos
do contribuinte.
Nesse sentido, a abertura dos tipos, assim como dos conceitos indeterminados,
permite ao Direito Tributário, o exame da proporcionalidade da adequação da lei
tributária aos fins a que ela se destina constitucionalmente,82 viabilizando o combate
aos abusos de direito e fraudes fiscais. Ademais, o uso dessa estrutura tipológica
atende à generalidade tributária, a partir de uma definição legal baseada na
simplificação. Porém, deve-se advertir que, não se confundindo a justiça tributária com
os interesses da arrecadação, a legitimidade de tais normas simplificadoras dependerá
da proporcionalidade dessas medidas vista sob o ângulo do princípio da capacidade
contributiva. Pouco adianta uma definição legal que, abstratamente seja fiel à
capacidade contributiva efetiva, mas que, no entanto, dada a complexidade na
apuração da base tributável, seja de difícil controle pela Administração. E diante de tal
dificuldade, muitos contribuintes poderão deixar de recolher seus tributos, o que
81 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, p. 306 “Muitas restrições materiais do poder de tributar, porém – e aqui se evidencia o déficit de uma teoria geral dos conceitos classificatórios -, não podem ser derivados dos ‘elementos constantes dos conceitos das normas’ por meio da ‘subsunção’, pois dependem da concretização dos direitos fundamentais e de uma aplicação direta de um conceito abstrato no Direito. A proibição de excesso, a proporcionalidade e a razoabilidade, por exemplo, são limitações que, ‘em princípio’, não resultam dos ‘conceitos’ de norma de uma lei, embora ‘em princípio’ devessem determinar o conteúdo da relação obrigacional tributária”. 82 DOMINGUES, José Marcos. Direito Tributário e Meio Ambiente, p. 128.
provocará uma injusta repartição das despesas públicas e uma violação do princípio da
isonomia no plano da realidade fática. A rigor, sendo o princípio da capacidade
contributiva uma decorrência do valor da igualdade, uma norma simplificadora que
daquele se afaste em alguns casos individuais, mas que venha a garantir a prevalência
da isonomia (que poderia ser violada pela facilidade no descumprimento da legislação
tributária pelos contribuintes, ou pelo alto custo para a sociedade na adoção de
medidas que impeçam esse descumprimento), não atenta contra o referido princípio. É
que, como ressalta Pedro Herrera Molina, o próprio princípio da capacidade contributiva
é violado se não há possibilidade de se estabelecer mecanismos de controle do
cumprimento das obrigações tributárias pelos contribuintes menos imbuídos do dever
de contribuir para as despesas públicas ou quando o alto custo desses controles é
suportado por toda a sociedade. No entanto, tais medidas simplificadoras não podem
descambar em uma tributação que, na maioria dos casos, não reflita a capacidade
contributiva de cada um dos contribuintes, e nem impingir a qualquer deles uma carga
tributária radicalmente distinta da que seria devida caso não houvesse a medida
simplificadora. 83
Abalizada doutrina vem defendendo que a abertura dos tipos seria maior nas taxas
e contribuições parafiscais do que nos impostos.84 Também o Tribunal Constitucional
83 HERRERA MOLINA, Pedro Manuel. Capacidad Económica y Sistema Fiscal – Análisis del ordenamiento español a la luz del Derecho alemán. Barcelona: Marcial Pons, 1998, p. 161-162: “Ahora bien, la ineficacia administrativa lleva consigo una aplicación deficiente del sistema fiscal, y ésta supone necesariamente un reparto desigual de las cargas fiscales en beneficio de aquello menos honrados o con menos posibilidades de defraudar. A sensu contrario, la eficacia del control administrativo constituye una condición necesaria (no suficiente) del sistema tributario justo” 84 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado..., v. II, p. 425-427; HERRERA MOLINA, Pedro Manuel. Metodología del Derecho Financiero y Tributario. México: Porrúa, 2004, p. 109: “pensamos que en los tributos distintos de los impuestos la verdadera garantía para el ciudadano no radica en la mención
da Espanha admite um maior espaço para o regulamento nos tributos sinalagmáticos.85
Porém, tal conclusão se pode chegar, não por uma característica ontológica dos
tributos não-vinculados a uma atuação específica do Estado, uma vez que nesses é
também sensível a influência dos fenômenos da ambigüidade das palavras da lei, da
necessidade de valoração e da abertura da norma à realidade. A despeito dessa
afirmação, é forçoso reconhecer que, historicamente, sendo os impostos frutos de
construções legislativas mais antigas, muitas ainda ligadas à moldura do Direito Civil, o
grau de abertura acaba não sendo tão intenso quanto o verificado nos tributos mais
recentes, sejam eles impostos definidos a partir da realidade econômica, o que constitui
a tendência atual, 86 seja quanto aos tributos vinculados a uma prestação estatal. Por
outro lado, a liberdade do legislador dos impostos também encontra limite nas regras de
competência constitucional e nas definições de fato gerador, base de cálculo e
contribuintes em lei complementar, o que, indiretamente, acaba por reduzir o grau de
abertura do tipo, muito embora tais definições nacionais também sejam quase sempre
estabelecidas por conceitos indeterminados. Enquanto isso, as taxas e contribuições
parafiscais (exceto as que se constituem em impostos afetados travestidos), sempre se
referindo a uma atuação estatal, seja por meio do fato gerador nas primeiras ou da
finalidade nas últimas, acabam deixando ao regulamento uma carga maior de cognição
da realidade, especialmente em matéria técnica. Porém, é preciso deixar claro que o
individualizada del supuesto de hecho de cada pretación por la ley, sino en la existencia de unos criterios de cuantificación lo más precisos posibles, aunque lo sean medidate conceptos jurídicos indeterminados”. 85 STC 106/2000, apud: SÁNCHEZ, Juan Ignácio Gomar. In: HERRERA MOLINA, Pedro Manuel. Comentarios de Jurisprudencia Tributaria Constitucional – Años 2000-2001, Madri: Instituto de Estudios Fiscales, 2003, p. 79. 86 A tendência da transformação de fatos geradores jurídicos em fatos geradores econômicos se verificou também no Brasil, a partir da EC nº 18/65, como na substituição do IVC, que incidia sobre as vendas e consignações, dando origem ao ICM, sobre circulação de mercadorias, e do imposto do selo, que onerava os negócios jurídicos, dando lugar ao IOF, a tributar as operações financeiras.
grau de abertura, seja nos impostos, seja nos demais tributos, será sempre definido
pela própria lei tributária.
O mesmo fenômeno ocorre com a tributação extrafiscal que, embora subordinada
ao princípio da legalidade nos mesmos termos do que a tributação fiscal, se amolda
freqüentemente a um tipo legal que deixa, em larga medida, ao regulamento a definição
de aspectos vinculados à realidade fática que pretende regular.87 Mais uma vez,
cumpre ter cautela para verificar que esta maior abertura também vai depender de uma
definição legal que atribua maior espaço para valoração objetiva do aplicador, o que vai
variar de acordo com a realidade regulada.88
Porém, embora se reconheça que na sociedade de risco ocorre a passagem do
Estado dos Impostos para o Estado das Taxas (em que as despesas públicas tendem a
ser custeadas por tributos contraprestacionais, ficando os impostos para as despesas
gerais do Estado), vivemos numa época de transição onde os impostos, justificados
pela capacidade contributiva, ainda possuem importância central,89 como instrumento
do Estado Social destinado à redistribuição de riquezas. Assim, também na seara dos
impostos, são aplicadas as idéias oriundas do pós-positivismo tributário, com a sua
87 NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, p. 337; MONCADA. Luís S. Cabral. Lei e Regulamento. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 939; e entre nós: DOMINGUES, José Marcos. Direito Tributário e Meio Ambiente, p. 133. 88 DOMINGUES, José Marcos. Direito Tributário e Meio Ambiente, p. 143 e 145, onde o autor defende que no Direito Tributário ambiental não há o princípio da determinação, pois dada a extrafiscalidade envolvida na matéria, a indeterminação é a regra, e não a exceção. 89 TORRES, Ricardo Lobo. “A Fiscalidade dos Serviços Públicos no Estado da Sociedade de risco”. In: TÔRRES, Heleno Taveira. Serviços Públicos e Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 124.
juridicidade iluminada pelos valores e princípios, a partir da utilização de definições
legais que se abram a eles.
Mas se o princípio da legalidade tributária admite a utilização de tipos na descrição
das hipóteses de incidência dos tributos, exige por outro lado que a lei tome
determinadas decisões a respeito dos seus aspectos essenciais. É verdade que a
indeterminação da linguagem, que caracteriza a estrutura tipológica, abre a tributação
aos valores materiais consagrados constitucionalmente, mas é preciso determinar até
que ponto pode ir a abertura da norma sem que seja comprometida a reserva legal,
para tão se pecar no extremo oposto, de modo a deixar que a autoridade administrativa
escolha as situações econômicas que serão tributadas com base na abstração
oferecida pelos princípios da isonomia e da capacidade contributiva, afora dos casos
previstos em lei.
No momento que o Direito Tributário se abre aos princípios materiais previstos em
nossa Constituição, é necessário prevenir a tendência, que foi verificada também no
Direito Constitucional e no Direito Administrativo, de pretender resolver tudo com base
nos princípios, esquecendo da importância da correta e segura aplicação das regras.90
90 Tal tendência é diagnosticada no Direito Constitucional com grande acuidade por Daniel Sarmento: “Se quisermos levar à sério a democracia, o impacto negativo que uma “panconstitucionalização” do Direito pode exercer sobre ela tem de ser devidamente sopesado, Portanto, entendemos que a Constituição não pode ser vista como fonte da resposta para todas as questões jurídicas. Uma teoria constitucional minimamente comprometida com a democracia deve reconhecer que a Constituição deixa vários espaços de liberdade para o legislador e para os indivíduos, nos quais a autonomia política do povo e a autonomia privada da pessoa humana podem ser exercitadas”. (SARMENTO, Daniel. “Ubiqüidade Constitucional: Os Dois Lados da Moeda”. In: SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 196). E prossegue o brilhante constitucionalista carioca, comentando os efeitos colaterais da inadequada compreensão da função dos princípios no Direto Pátrio: “E a outra face da moeda é o lado do decisionismo e do “oba-oba”. Acontece que muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, através deles, buscarem a justiça – ou o que entendem por justiça -,
Por isso, é essencial definir os limites da atribuição de poder decisório à Administração
Fazendária, a fim de preservar as decisões estabelecidas pelo pluralismo político, que
fundamenta a reserva legal tributária na sociedade de risco.
A resposta a essas questões, se não pode ser universalmente dada a priori,
dependerá do exame da natureza e do grau de densidade normativa da linguagem
utilizada pelo legislador, a que o estudo da doutrina dos conceitos indeterminados
presta um efetivo auxílio.91
Os conceitos indeterminados, gênero do qual os tipos fazem parte, se caracterizam
pela indeterminação ou imprecisão da linguagem no plano abstrato da norma,
estabelecendo comandos que serão definidos no momento da aplicação. Sua
utilização não contraria o princípio da determinação, corolário da legalidade, desde que
não resvale para a discricionariedade.
Esses conceitos, quando tomados em sentido estrito se diferenciam da
discricionariedade, pois, enquanto nos primeiros o legislador estabelece a solução a ser
adotada no caso concreto, que poderá ser identificada pelo aplicador por meio da
passaram a negligenciar do seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta ‘euforia’ com os princípios abriu espaço muito maior para a decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com os seus jargões grandioqüentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, convertem-se em verdadeiras ‘varinhas de condão’: com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser”. (“Ubiqüidade Constitucional..”., p. 200 ). Embora a lição se dirija ao decisionismo dos juízes, também se aplica às autoridades administrativas fazendárias, notadamente quando essas baseiam na capacidade contributiva a autorização para a tributação não prevista em lei. 91 Para Karl Engisch, o uso dos conceitos indeterminados, das cláusulas gerais, da eqüidade e dos elementos normativos nas hipóteses, constitui importantes mecanismos de aplicação da práxis jurídica em sentido tipificador. (ENGISCH, Karl. La Idea de Concreción ..., p. 411).
interpretação efetivada a partir de uma valoração objetiva, que se baseará nas idéias
sociais dominantes no tempo e no espaço considerados, nos últimos, o legislador
transfere a decisão sobre o justo ao aplicador, que poderá decidir a respeito da solução
correta com base numa valoração subjetiva.
Nos dias atuais, o princípio da legalidade tributária aceita a utilização dos
conceitos indeterminados, capazes de enfrentar a imprevisibilidade e a ambivalência da
sociedade de risco, mas não admite a adoção pelo legislador dos conceitos
discricionários, pois violadores do pluralismo político e social que lhe serve de
fundamento no Estado Social e Democrático de Direito.