Post on 13-Nov-2018
MICHELLE MITTELSTEDT DEVIDES
A MARGINALIZAÇÃO DO ATO DE LER: ENFOQUE PSICOPEDAGÓGICO NAS AULAS DE
LEITURA
PUC-CAMPINAS 2006
MICHELLE MITTELSTEDT DEVIDES
A MARGINALIZAÇÃO DO ATO DE LER: ENFOQUE PSICOPEDAGÓGICO NAS AULAS DE
LEITURA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Especialização em Educação e Psicopedagogia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Orientadora:Profª Selma Chiavegatto.
PUC-CAMPINAS 2006
Para todos aqueles que
acreditaram em meu potencial,
até quando eu mesma duvidei.
AGRADECIMENTOS
Às professoras Mara Regina de Sordi, Maria Silvia P. da Rocha, Maria Regina
Peres, Miriam Paschoal e Maria Helena M. Strolli, pelos conhecimentos
compartilhados.
À professora Selma Regina S. Chiavegatto, pela dedicada orientação.
Aos colegas de curso, pela amizade e pelo companheirismo nessa caminhada.
Ao Programa de Pós-Graduação, pela disponibilidade e pronto atendimento.
Ao meu marido e filho, Dílson e Luis, pela compreensão de minhas ausências e
pelo incentivo.
Aos meus pais, Helga e Walter, pelo amor e dedicação que me deram.
RESUMO DEVIDES, M. M. A marginalização do ato de ler: enfoque psicopedagógico nas
aulas de leitura. Campinas, 2006. 57 f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Especialização) – Curso de Pós-Graduação em Educação e Psicopedagogia,
Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Campinas, 2006.
A preocupação deste trabalho é evidenciar a importância do verdadeiro ato de ler
inserido na sala de aula. A relação da leitura com o processo de aprendizagem
ocorre na utilização daquela como instrumento facilitador e capaz de promover a
autonomia do sujeito, considerando os aspectos sócio-culturais que o circundam;
além de reconhecer o papel da escola e do professor (especificamente em
relação à metodologia adotada em sua prática) como mediadores nesse
processo, cuja responsabilidade é tentar evitar o fracasso escolar. Para tanto, a
Psicopedagogia contribui na investigação das condições que levem ao fracasso
escolar nas aulas de leitura e principalmente na reflexão e nas ações cabíveis
para promover uma aprendizagem significativa, buscando relacionar abordagens
teóricas de Bakhtin e Vygotsky para fundamentação da análise e na contribuição
de uma proposta psicopedagógica.
PALAVRAS-CHAVE: leitura, estratégias pedagógicas e fracasso escolar.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO PEDAGÓGICA...........................................07
METODOLOGIA ...................................................................................................12
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.............................................................................15
CAPÍTULO I
A LEITURA E A INSTITUIÇÃO ESCOLAR: uma relação paradoxal.....................18
1.1 Condições de leitura...............................................................................23
1.2 Prática docente: construção da identidade do professor de leitura........26
CAPÍTULO II
PERCALÇOS DAS AULAS DE LEITURA.............................................................30
CAPÍTULO III
PAPEL DO PSICOPEDAGOGO ...........................................................................36
3.1 Plano de intervenção..............................................................................40
3.1.1 Metodologia da proposta.....................................................................41
3.1.2 Observação das aulas.........................................................................41
3.1.3 Relato das aulas..................................................................................43
3.2 Diagnóstico ............................................................................................47
3.3 Proposta de intervenção ........................................................................49
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................52
REFERÊNCIAS.....................................................................................................55
INTRODUÇÃO
CARACTERIZAÇÃO DA SITUAÇÃO PEDAGÓGICA
8
“De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura de mundo mas por uma certa forma de ‘escrevê-lo’ ou de ‘reescrevê-lo’, quer dizer de transforma-lo através de nossa prática consciente”.
Paulo Freire
Leitura é um tema envolvente e polêmico, conseqüentemente bastante
abordado por inúmeras pesquisas e de interesse das mais diversas áreas do
saber. Evidentemente traz preocupações e incertezas que caminham ao longo de
um processo histórico-cultural, pois a relação entre a leitura de mundo e a leitura
da palavra é fundamental para constituir a leitura como prática social.
Atualmente é necessário observar a questão da leitura com um olhar
cuidadoso, pois a sociedade exige uma posição crítica sobre a complexidade do
mundo, considerando como prioridade a formação de cidadãos críticos. No
entanto, há a preocupação neste estudo em evidenciar que a leitura, enquanto
prática social, perde-se, dilui-se na instituição escolar, a qual está inerente a um
sistema de ensino que privilegia as relações sociais hegemônicas, como a
submissão, competição e obediências às regras, conforme Freitas (2003). Logo,
surge a leitura sem constituir uma prática social, mas uma atividade desarticulada
de sua essência.
Uma das preocupações da instituição escolar é formar leitores atuantes
e críticos; buscando maneiras que possibilitem que esta formação se torne real e
eficaz. Entretanto, a escola encontra dificuldades para desempenhar este papel,
pois as condições estruturais do sistema que a detém pode influenciar
negativamente sobre o seu desempenho.
Considerando tal realidade, vivenciada por muitas escolas, o presente
trabalho tem a intenção de pesquisar como ocorre a prática de leitura nas escolas
públicas, analisando as estratégias pedagógicas adotadas pelos professores e
visando estabelecer uma relação entre tais estratégias e a prática de leitura
automatizada dos alunos.
9
Desta forma, será abordada a automatização da leitura relacionada à
prática pedagógica de professores de quintas séries do Ensino Fundamental da
Rede Pública Estadual e ao fracasso escolar. Justifica-se a escolha desta série
devido a fase de mudança de ciclo, pois são encontradas dificuldades latentes,
como alunos que desconhecem até mesmo a prática de leitura e escrita, mas que
podem ser percebidas, amenizadas ou superadas. Para tanto, é necessário
conhecer e discutir sobre o que realmente é uma prática mecanizada de leitura,
por que tal prática ocorre nas escolas públicas e qual sua relação com o fracasso
escolar.
Atualmente, as escolas do Estado de São Paulo oferecem em sua
grade curricular uma aula complementar semanal de cinqüenta minutos
denominada “Hora da leitura”, instituída através de resolução em 2005. Sua
proposta é de atender os alunos do ciclo II a fim de ampliar a competência leitora
desses alunos e contribuir com a formação do leitor. Mas qual será a eficácia
dessa aula de leitura? A escola e os professores têm definido claramente o
objetivo da “aula de leitura”?
Considerando as diversas abordagens pedagógicas, como devem ser
as estratégias adequadas do professor diante de tamanha responsabilidade?
Nesse contexto, serão analisados aspectos que estão presentes na
automatização da atividade de leitura, pois a partir desse parâmetro tentaremos
relacionar as estratégias utilizadas pelo professor com o fracasso escolar do
aluno que está iniciando o ciclo II. É importante, também, reconhecer o papel do
psicopedagogo na instituição escolar, a fim de apontar facilitadores, nortear e
intervir no processo de ensino-prendizagem para contribuir com o
desenvolvimento de um trabalho eficaz da leitura em sala de aula, de acordo com
a prática encontrada e observada na escola pública.
Mesmo diante de um tema tão explorado e permeado por estratagemas
que permitem uma inconsistência teórica e prática, o interesse por esse assunto é
inevitável, pois se faz presente no campo profissional de grande responsabilidade
de professores de Língua Portuguesa de ensino fundamental e médio, que se
deparam inúmeras vezes com a delicada relação da leitura e sala de aula.
10
Concordamos com Geraldi (1997) quando afirma que na escola não se
lêem textos, mas sim a realização de exercícios de interpretação, ou seja, simular
leituras. É nesse espaço, na sala de aula, que a leitura como uma atividade
significativa, torna-se alvo de circunstâncias que exterminam com seu processo
de interação social. Conforme Scoz (2004),
a construção da leitura e da escrita depende das ocasiões sociais que aproximam a criança da linguagem. Sendo assim, a presença do meio e o contato da criança com materiais de leitura e escrita são indispensáveis para a construção de um conhecimento, cujo valor social e cultural não se pode esquecer. (p. 69)
Scoz tem razão ao afirmar que o meio é um fator importante para a
formação do leitor, mas existe uma lacuna que ocorre no espaço da sala de aula,
pois deveria ser um ambiente adequado e favorável à prática de leitura, no
entanto, não propicia muitas vezes essa atividade de maneira satisfatória. Torna-
se um local de distanciamento e marginalização do verdadeiro ato de ler, em
relação à interação social entre o sujeito, enquanto leitor, e o texto.
Na instituição escolar, alguns questionamentos surgem diante de tal
realidade, mas nada ou quase nada consegue transformar a prática real
ocorrendo este distanciamento da leitura e seu objeto (ZILBERMAN e SILVA,
1988, p.35). Essa inquietação de tentar saber se é possível realizar modificações
consistentes e não artificiais que sustenta a relevância do presente trabalho. É
inquestionável a preocupação social que atinge a maneira de formar leitores e a
parcela de responsabilidade que a instituição escolar desempenha sobre tal
formação.
É necessário ressaltar a importância do papel do professor, pois ele
torna-se uma figura referencial para o aluno, demonstrando se cultiva ou não o
ato de ler, além de ser responsável pelo papel de mediador no processo de
aprendizagem. Não se pode negar que a leitura é um instrumento de
aprendizagem, mas o professor deve saber conduzi-lo, pois a inadequação desta
tarefa poderá fomentar o fracasso escolar do aluno.
Sendo assim, acreditamos na contribuição prática que este trabalho
pode proporcionar, abordando aspectos teóricos importantes e considerando a
realidade sócio-histórica na qual estão inseridos aluno e professor. Aquele
11
enquanto sujeito capaz de aprender através da iteração social; este
desempenhando seu papel de mediador no processo de aprendizagem,
principalmente no que se refere à leitura, criando e recriando os sentidos do texto.
METODOLOGIA
13
A pesquisa sobre a formação do professor não nos deixa esquecer um dos importantes objetivos de nossa área, a de que o nosso interesse na linguagem diz respeito àquilo que seu estudo pode-nos dizer sobre como os alunos aprendem; ou seja, é a natureza da aprendizagem da língua nosso objeto.
Angela Kleiman
O presente trabalho será realizado através de pesquisa empírica de
abordagem qualitativa. Segundo Minayo (1994, p. 21) “a pesquisa qualitativa
responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com
um nível de realidade que não pode ser quantificado”. Desta maneira, ela
corresponde a um espaço mais profundo das relações, trabalha com atitudes,
crenças e valores.
A pesquisa empírica pode se valer de vários métodos, para este estudo
será utilizado o método observacional, ou seja, não se trata simplesmente do uso de
observação. O que se discute é o tipo de postura do pesquisador frente à pesquisa.
O que se admite é o mínimo de interferência, de intervenção possível na situação,
para observar quando, como e enquanto ocorrem os fatos. Pesquisa os fenômenos
surgidos independentemente do pesquisador.
Definidos os objetivos da pesquisa, serão realizados pesquisas e estudos
teóricos sobre leitura, teorias educacionais e lingüísticas. A partir disso, os sujeitos
da pesquisa a serem escolhidos são alunos de quinta série do ensino fundamental II,
da rede pública estadual e professores que ministram as aulas de leitura para a
respectiva série.
Após a escolha dos sujeitos da pesquisa, o local selecionado é uma
escola estadual, situada no município de Hortolândia, São Paulo. A escola apresenta
as características necessárias para a coleta de dados.
A técnica utilizada será a observação participante das aulas, pois o
objetivo maior será de verificar a maneira utilizada pelo professor na aula de leitura e
as manifestações dos alunos durante esta aula.
14
Tal técnica será adotada porque possibilitará ao pesquisador contato
direto com o fenômeno observado. Minayo (1994) ressalta que
O observador, enquanto parte do contexto de observação, estabelece uma relação face a face com os observados. Nesse processo, ele, ao mesmo tempo, pode modificar ou ser modificado pelo contexto. A importância dessa técnica reside no fato de podermos captar com uma variedade de situações ou fenômenos que não são obtidos por meio de perguntas, uma vez que, observados diretamente na própria realidade, transmitem o que há de mais imponderável e evasivo na vida real. (p. 59 - 60)
Serão realizadas observações de 17 h/aula em turmas de quinta série,
num período de dois meses. Além das observações, será possível ouvir relatos
espontâneos dos professores sobre as aulas, os alunos, enfim, de sua prática na
sala de aula.
Em relação ao plano de análise, serão transcritos para este trabalho os
relatos das observações realizadas a fim de verificar quais os critérios utilizados na
prática docente e desenvolver a pesquisa de forma enriquecedora.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
16
“A leitura não é uma questão de tudo ou nada, é uma questão de natureza, de modos de relação, de trabalho, de produção de sentidos, em uma palavra: de historicidade”.
Eni Orlandi
É pertinente, em relação ao desenvolvimento desta pesquisa, recorrer
às ciências da Pedagogia e Lingüística, que contribuem com variado arcabouço
teórico para fundamentação deste trabalho. Além de buscar também na
Psicopedagogia, como área de conhecimento, cujas contribuições permeiam o
processo de ensino e aprendizagem, aspectos que solidifiquem as questões que
o presente trabalho tentará amadurecer.
Inúmeros autores manifestam suas convicções em relação à leitura,
formação de leitores e o papel da escola. Porém, o respaldo teórico será
fundamentado em algumas obras que tratam da prática docente e suas relações
com a leitura automatizada e o fracasso escolar, prejudicando a formação de um
verdadeiro leitor crítico e autônomo, que tanto insistem em ressaltar os
Parâmetros Curriculares Nacionais (1998)
A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições feitas. (p.69)
Reconhecer que a leitura é necessária e importante para o processo de
ensino-aprendizagem, converte-se em um dos pontos de partida para uma
eficiente prática pedagógica. Concerne à escola desempenhar a promoção da
leitura para a realização pessoal do sujeito e para o progresso da sociedade,
embora seja mais fácil ensinar à criança ou até mesmo a um adulto a simples
decodificação de letras, evidenciando como aspecto predominante a mecânica da
leitura. Confirmam-se nesse contexto práticas de leitura perpassadas por
expressões de cobrança, rotinas e automações. De modo que essa
17
desvalorização da leitura acarreta como conseqüência, uma atividade
mecanizada, de acordo com Kato (1988)
o desempenho incipiente da criança não retrata pois a sua concepção do real do ator de ler, mas a escola, muitas vezes, pautando-se apenas no desempenho observável do aprendiz, pode tentar ajudá-lo, com tarefas mais fáceis, menos desafiantes, usando textos simplificados absolutamente artificiais e pouco significativos para a criança. (p.34)
Diante desta situação, pretende-se encontrar estratégias e condições
de leitura participativa e criativa que possibilitem a verdadeira existência do ato de
ler.
É importante considerar que a criança, o jovem e o adulto gostam de
ler, mas é na escola que esse prazer desvincula-se com a prática da leitura.
Geralmente os textos e condições de leitura são desinteressantes, e quase nunca
a leitura está ligada à satisfação. A leitura se torna uma obrigação, uma atividade
cansativa para os alunos, pois, geralmente, o texto que os alunos têm acesso não
é pertinente para o desenvolvimento do aprendizado, sendo utilizado de maneira
incoerente durante as aulas. Lajolo (1991) confirma que
em situações escolares, o texto costuma virar pretexto, ser intermediário de aprendizagens outras que não ele mesmo. E, no entanto, texto nenhum nasceu para se objeto de estudo, de dissecação, de análise. É nesse sentido que a presença do texto no contexto escolar é artificial. (p. 53)
O ato de ler é um processo de interação de natureza social, não
individual, vinculado às condições de comunicação, que por sua vez, vinculam-se
às estruturas sociais. Deve ser significativo e propiciar uma maturidade ao leitor
enquanto sujeito.
CAPÍTULO I
A LEITURA E A INSTITUIÇÃO ESCOLAR: UMA RELAÇÃO PARADOXAL
19
“[...] na escola, não é a leitura que se adquire, mas são as maneiras de ler que aí se revelam”.
Jean Hébrard
Posicionar-se diante da relação estabelecida entre a instituição escolar
e a leitura é o interesse deste trabalho. Para tanto, buscamos em alguns aspectos
do processo histórico, subsídios sobre o surgimento da escola, sua função e sua
real atuação.
A escola é uma instituição social que surgiu para atender as
necessidades do sistema político-econômico, sendo assim é permeada e
comandada por uma organização social que age conforme seus interesses.
Diante disso, pode-se afirmar que a escola não é neutra, eqüalizadora ou
ingênua, pois ela foi construída por uma sociedade constituída sobre a égide da
competição (FREITAS, 2003, p.17).
Inserida em um processo histórico, a escola foi adequando seus
tempos, em relação à duração das atividades e dos anos escolares; e aos
espaços, como a sala de aula, no qual nos deteremos.
Caracterizada como uma instituição historicamente construída e legitimada, a escola vem integrando as práticas sociais há vários séculos, contribuindo de maneira mais ou menos radical na constituição do funcionamento mental e das complexas formas culturais de comportamento, enquanto (re)produz modos de ação, de interação, de participação. (SMOLKA e NOGUEIRA, 2002, p.85)
Ensinar tudo a todos é uma das respectivas funções para a escola1,
mas não é possível compensar a desigualdade social apenas dentro da
instituição, com os próprios recursos pedagógicos. Na sociedade capitalista a
escola não ensina tudo a todos. A idéia defendida em relação ao papel da escola
é “ensinar com qualidade todos os seus alunos”, mas como instituição que não se
encontra isolada e alheia aos acontecimentos, deve estar atenta na forma como a
sociedade afeta o cumprimento deste papel.
1 Visão Liberal valoriza-se a função de “prover” o ensino. Cabe à escola encontrar os meios de ensinar tudo a todos. Cf. Freitas, 2003. p. 14.
20
Outra função que concerne à escola, e atualmente difundida, é a de
desenvolver competências em seus alunos, a fim de mobilizar saberes em
situações singulares (PERRENOUD, 2000). Assim possibilita ao sujeito uma
formação autônoma e crítica em relação à sociedade a qual pertence, desde que
promova um processo de ensino-aprendizagem adequado. No entanto, a escola,
mesmo depois de passar por um longo processo histórico e atualmente diante de
tecnologias inovadoras, cultiva ideologias de exclusão e submissão, oriundas do
próprio sistema capitalista que a criou, obstruindo muitas idéias e conceitos para
transformações necessárias à escola de hoje.
Concomitantemente à defesa de uma posição transformadora, é
impossível negar as relações de poder que incidem sobre a instituição escolar,
através de políticas públicas inadequadas, que visam a “reprodução do saber” e a
sustentação da máquina econômica.
Dessa maneira a escola torna-se uma poderosa ferramenta do sistema
capitalista, como uma marionete e reproduz uma forma de homogeneizar sua
clientela, através da sala de aula.
É sobre a sala de aula, espaço onde situações diversificadas de
aprendizagem ocorrem, que recaem as frustrações, o despreparo e a ineficiência
de uma estrutura sócio-política incompetente, cujos interesses vislumbram a
acomodação daqueles que fazem parte desse tipo de célula-social.
Nesse contexto a escola deve subordinar-se a políticas públicas
implantadas para um benefício mascarado daquela realidade e a currículos que
não atendem as expectativas e necessidades da instituição. As condições
impostas sobre a escola acabam prejudicando seu funcionamento,
desconsiderando os aspectos da realidade vivenciados pela instituição.
Deparamos com uma relação paradoxal na escola, entre a tarefa de
promover autonomia do sujeito e a função de subordinação e acomodação
imposta pelo sistema no qual pertence.
Diante disso, procuramos nos posicionar em relação à importância de
uma verdadeira formação autônoma do sujeito que está inserido na escola. Numa
21
perspectiva dialógica tentamos estabelecer uma relação de autonomia e uma
prática que a torne possível: a leitura.
Adotamos o posicionamento de Zilberman e Silva (1988) que
sustentam a idéia de que a leitura proporciona ao leitor uma experiência de
autonomia e liberdade. É considerada uma atividade emancipatória que conduz
ao acesso a bens culturais que se tornam manipuláveis. À medida que isto
acontece, existe a iminência de contrariar e romper o sistema ideológico
promovido pelo Estado, neste caso pela escola.
Amplia-se a concepção sobre a educação escolar, não apenas enquanto função de socialização, recuperando-se o papel político do processo educacional escolar: a escola tem um papel fundamental na democratização do estado. A consciência da educação para a democracia tem sido uma constante na história da educação e conseqüentemente põe em xeque o atual currículo e considera fundamental a construção de um novo currículo para educadores, que inclua o movimento dialético presente na relação ensinar-aprender bem como as dimensões históricas do processo escolar. (PROENÇA, 2002, p.192)
A prática de leitura não pode ser uma forma de controle hegemônico e
não pode se beneficiar com o fruto do capitalismo, necessário para manter o
poder, controle e concentrar a riqueza.
Quebrar os paradigmas impostos pelo sistema e tentar prover
realmente a autonomia é ainda um desafio para a instituição escolar, porque é
dependente estruturalmente do Estado e necessita prestar contas de suas ações.
Utilizar a leitura como instrumento para conquistar a autonomia a fim de contribuir
com ações inovadoras, é um processo que precisa de formação profissional
adequada e informações até obter ou se aproximar dos resultados almejados.
É possível ainda ressaltar, conforme Zilberman (1991)
Aliena-se a leitura de seu objeto, o texto que é fonte de conhecimento do real, conexão entre a sala de aula e a sociedade, possibilidade, seguidamente, de revelação da ótica ideológica que o reifica em matéria escolar ou bem a ser consumido e descartado. Estes escamoteamentos exercem ainda um outro papel: bloqueiam o caminho que conduz o ensino para fora da escola e para dentro dos problemas sociais. (p. 15)
A leitura está intrinsecamente ligada às condições de poder vinculadas
a escrita, que ultrapassam a sala de aula. Então, não são apenas os métodos
22
aplicados que devem mudar para um real aprendizado da leitura; a estrutura da
escola deve ser repensada e modificada.
Temos uma leitura como prática mecânica de aprendizagem. Temos uma escola que se arvora no direito de formar os leitores dessa sociedade, sem que a mesma seja considerada dentro do ambiente escolar. E é esta mesma escola que quer discutir a leitura como prática social, articulada com as demais práticas que ocorrerem em uma sociedade. (MASINI, 2002, p.166)
23
1.1 CONDIÇÕES DE LEITURA
A formação do leitor é uma das principais preocupações da escola.
Para tanto é necessário analisar como é fundamentada esta formação e quais os
objetivos que a norteiam.
Sabe-se que a leitura é uma prática que anseia pela responsabilidade
de todas as instâncias educativas, torna-se então uma questão de preocupação
política, social e cultural.
Entre as leis sociais que modelam a necessidade ou capacidade de leitura, as da escola estão entre as mais importantes, o que coloca o problema, ao mesmo tempo histórico e contemporâneo, do lugar da aprendizagem escolar numa aprendizagem da leitura, nos dois sentidos da palavra, isto é, aprendizagem da decifração e do saber ler em seu nível elementar e, de outro lado, está outra coisa que falamos, a capacidade de uma leitura mais hábil, que pode se apropriar de diferentes textos. (CHARTIER, 2001, p.240)
Mesmo com inúmeros trabalhos desenvolvidos em prol a educação,
com publicações teóricas enfim, uma gama de estudos sobre “leitura”, ainda é
visível o descomprometimento de políticas públicas adequadas e eficazes para
diminuir o elevado número de iletrados2, ou por que não afirmar, excluídos da
rede de comunicação escrita. São não-leitores que por razões sociais resignam-
se ao seu “não-saber” e não conseguem modificar sua situação de exclusão,
mesmo freqüentando a escola.
Isso ocorre na escola porque é turva sua visão em relação à
importância da leitura e o que é realmente aprender a ler.
Na escola, prefere-se explorar a língua escrita sem apelar para a memória visual, centrando fogo no domínio de um código de correspondência muito aproximativo; depois lamenta-se que as crianças não saibam ler [...](FOUCAMBERT, 1994, p. 7)
À escola cabe o momento de formação do leitor, mas se abandonar
este papel ou não souber como aplicá-lo, poderemos ter por um lado pessoas que
por motivos sociais e culturais continuarão sendo leitores e progredirão em suas
leituras, mesmo sem condições favoráveis obtidas na escola, e outras que
simplesmente retrocederão e abandonarão qualquer processo de leitura. O
2 Segundo Foucambert, iletrismo é a falta de familiaridade com o mundo da escrita, uma exclusão ao todo ou a parte desse processo de comunicação. Cf. Foucambert , 1994, p. 17.
24
aprendizado da leitura é fundamental em qualquer idade, e as condições desse
aprendizado devem ser favoráveis e significativas.
As condições a que nos referimos são o respeito à heterogeneidade do
grupo e o desenvolvimento adequado de atos de leitura.
Em relação à heterogeneidade, posicionamos-nos na defesa de que a
escola deve integrar a leitura respeitando a diversidade de seus alunos e a leitura
de mundo que eles possuem, de modo que os aprendizes utilizem a escrita para
viver e não apenas para aprender a ler, de forma mecânica, e não recaia no
mascaramento homogêneo de um ensino como facilitador. Em relação a essa
questão de homogeneização, ironicamente e criticando o sistema, Zabala (1998)
ressalta que
A uniformidade é um valor de qualidade do sistema, já que é o que permite reconhecer e validar os que servem. Quer dizer, são bons alunos aqueles que se adaptam a um ensino igual para todos; não é o ensino quem deve se adaptar às diferenças dos alunos. (p. 198)
Desse modo, destaca-se e faz parte da sociedade aquele que está
uniforme a ela, então todos devem ser iguais perante o ensino, que é igual para
todos.
Outro aspecto importante é sobre o desenvolvimento de uma atividade
léxica e atos de leitura que permitam ao aluno a possibilidade real de sua
aprendizagem. Para Foucambert (1994) é necessário mobilizar o conhecido para
reduzir o desconhecido. Diante disso as ações de ensino devem estimular uma
atividade reflexiva sobre as estratégias utilizadas, permitindo a existência de uma
abordagem metaléxica, ou seja, a reorganização de estratégias e a construção de
hipóteses.
Conforme Silva (1993, p.43) é necessário “Ler para compreender os
textos, participando criticamente da dinâmica do mundo da escrita e
posicionando-se frente à realidade – esta a finalidade básica que estabelecemos
para as práticas de leitura na escola”.
No entanto, ainda é possível afirmar que a escola não reconhece
inteiramente as condições apropriadas para o ato de ler. Isso nos leva a levantar
25
duas hipóteses: a escola não está preparada culturalmente e historicamente a
desenvolver atos verdadeiros de leitura ou realmente é conduzida de forma
mascarada pelo sistema que a impede de manifestar atuações significativas.
Em relação à primeira, refere-se aos aspectos da formação tanto dos
professores quanto dos alunos, pois está arraigado na prática de sala de aula
resquício de abordagem de ensino tradicionalista, o que impede tentativas de
mudanças tornarem-se ações corriqueiras e de sucesso. Segundo Scoz (2004, p.
51) “Em alguns casos a tendência da escola é abstrair a leitura do mundo que
rodeia o aluno, convertendo-a em uma coleção de sons e palavras sem sentido”.
Essa afirmação reflete a necessidade de converter a atual situação de muitas
práticas pedagógicas e principalmente de alicerçar tais práticas com o
conhecimento teórico e a experiência de cada sala de aula. Para que isso ocorra,
é necessário que a escola reconheça seu papel sem contestar ou ignorar o
conhecimento que o aluno já possui. Assim, é possível encontrar maneiras de
direcionar suas ações, mediante o contexto em que está inserida e considerar
efetivamente que essa percepção de sua realidade conduzirá à práticas
inovadoras.
Esta autonomia então necessária, remete a outra hipótese de a escola
ser conduzida de forma mascarada e que não se sobressai diante das opressões
do sistema. Porém, acreditamos que cada instituição, cada sala de aula é capaz
de enfrentar à sua maneira as condições impostas hierarquicamente. É
necessário para tanto, afastar-se do mito da neutralidade da educação e
reconhecer a natureza política do processo educativo. Partindo desse princípio,
seriam possíveis a inserção e amadurecimento de atos de leitura significativos.
26
1.2 PRÁTICA DOCENTE - CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO PROFESSOR DE LEITURA
A relação de ensino-aprendizagem está intrinsecamente ligada à
relação aprendiz-educador. Aquela ocorre através de situações intermediadas
pelo educador visando o desenvolvimento de seu aprendiz. Conforme a tendência
socioconstrutivista, deve ser baseada em estímulos, orientação e
acompanhamento do processo de aprendizagem. “É fundamentalmente na
interação com pessoas capazes de ajudar a criança a atribuir significado ao
símbolo escrito – compreendendo o seu valor social – que a aprendizagem se
realiza”. (SCOZ, 2004, p. 47).
Sendo assim, a importância de conduzir, mediar e possibilitar o
desenvolvimento do aluno cabe ao professor, como educador responsável em
conhecer e conduzir de forma satisfatória esse processo. Essa responsabilidade
já é sabida desde os primeiros anos de formação profissional do educador, no
entanto é destituída de valor, em algumas vezes, na essência de sua prática,
onde realmente deveria exceder-se nas ações de muitos profissionais.
É essencial ao educador entender que sua prática deve ser
responsável por muitas ações significativas no processo de aprendizado, sem
negar ou mascarar a sua potencialidade como educador. Para tanto, precisa ter
consciência de seu papel e buscar aprimorar esta potencialidade através da sua
formação profissional. Conforme Masini (2004, p.171) “Não se pode pensar na
aprendizagem do aluno independentemente da ação do professor e da definição
de seu papel na escola”.
O professor que nega seu papel torna-se inútil diante do processo de
aprendizagem, pois deixa de realizar mediações e conduções importantes para o
desenvolvimento de seu aluno, e por que não afirmar de seu próprio
desenvolvimento. Na maioria das vezes, os docentes não se consideram
conceptores e dirigentes de situações de aprendizagem.
A percepção do professor sobre si mesmo e sobre seu aluno conduz as formas de interação com o aluno e os resultados escolares, de tal modo que aqueles professores que conseguem perceber e desenvolver as qualidades dos alunos promovem a sua acentuação, mas aqueles que estão permeados por preconceitos, ou só conseguem ver os aspectos
27
negativos dos seus alunos, não conseguem um bom aproveitamento escolar por parte deles. (SAWAYA, 2002, p. 207)
Perrenoud (2000, p.149) afirma que “a construção do conhecimento é
uma trajetória coletiva que o professor orienta, criando situações e dando auxílio,
sem ser o especialista que transmite o saber, nem o guia que propõe a solução
do problema”.
Especificamente em relação à leitura, que é alvo neste trabalho, o
educador deve saber definir seus objetivos, conhecer as condições de seus
alunos e estabelecer estratégias adequadas, a fim de que possa colaborar com a
formação de seu aprendiz de maneira significativa. Mesmo sabendo e
vivenciando dificuldades materiais e estruturais, como geralmente ocorrem nas
escolas públicas, o mínimo que o professor deve saber é “o que seu aluno sabe”
para tentar conduzi-lo a outras aprendizagens necessárias àquele sujeito.
Torna-se então fundamental o conceito da zona de desenvolvimento
proximal, estabelecido por Vygotsky, que indica a existência de um espaço no
qual os conhecimentos estão em construção, sendo estes, e não os
conhecimentos já consolidados, que devem conduzir a prática pedagógica, como
subsidio na preparação das estratégias do educador, e principalmente, na
elaboração e definição de seus objetivos a serem alcançados. Pois exige do
professor, enquanto pesquisador, o diálogo entre a teoria e a prática.
A leitura vem a ser um dos pontos principais que auxiliam neste
processo. Ela se faz presente e constante em todo ele, é importante tanto para o
educador quanto para o aprendiz. É uma forma de mediação com o outro,
necessária, como mediação simbólica, através da escrita, para o aprendizado do
sujeito.
Percebe-se, porém, que a leitura não ocupa um lugar de destaque nas
salas de aula. Isto é, a verdadeira leitura, não a leitura mecanizada, realizada sem
mérito algum e sem implicações positivas para o desenvolvimento do aluno.
Entretanto, as estratégias tradicionais de muitos profissionais
obedecem a essa mecanização, e não atendem as necessidades reais dos
28
alunos, ignorando suas potencialidades, impedindo assim que a leitura torne-se
realmente cerne na relação ensino-aprendizagem.
Se isso ocorre com a maioria dos professores em sala de aula, alguém
poderia ainda modificar este quadro. Seria o professor de leitura.
Atualmente, a rede pública estadual de São Paulo, implementou aulas
de leitura no ensino fundamental II, de quinta a oitava série, designando para
essas aulas profissionais da área de Linguagem, cuja formação se dá em cursos
de Letras.
Então, tem-se a formação e profissionais adequados para as aulas de
leitura. Conseqüentemente, leitores para incentivar e oportunizar a formação de
novos leitores. Estratégias novas e sem resquícios de atividades mecânicas que
não levam em conta o real desenvolvimento do aluno. É perfeito. Mas por que
isso não ocorre nas atitudes praticadas na sala de aula?
Primeiramente é preciso que os educadores percebam a existência de
uma relação mútua entre a leitura de mundo e a leitura da palavra. Essa é a
condição essencial do ato da leitura. Não devem ficar limitados a atividades
prontas e iguais para todos os alunos, não devem esperar prescrições dogmáticas
para realizarem suas aulas. Devem ter sensibilidade e perspicácia diante de
situações diversas do dia-a-dia. “O comando da leitura e da escrita se dá a partir
de palavras e temas significativos à experiência comum dos educandos e não de
palavras e de temas ligados à experiência do educador”. (FREIRE, 1992, p. 29)
É necessário, então, relacionar a prática pedagógica com a prática de
leitura, e evidencia Zilberman (1991) que
a fragmentação do objeto de investigação, no caso da leitura, repercute no comportamento do professor e, portanto, no espaço por onde começa a trajetória do indivíduo na situação de leitor: a sala de aula. Porque, mais que o pesquisador, o professor está distanciado do volume de conhecimentos a respeito das concepções diferenciadas da leitura, dependendo, de um lado, da formação obtida – que é antes metodológica que teórica – e, de outro, das vivências acumuladas. Por esta razão, seguidamente ele desiste em definitivo da teoria e hipervaloriza a experiência, afastando-se cada vez mais dos fundamentos que lhe ajudariam a entender e provavelmente alterar sua prática. (p.16)
29
A realidade é complexa, então é necessário dispor para os alunos
estratégias adequadas de leitura como variação, gradação, seqüenciação, de
modo que ocorram desafios cognitivos ao leitor.
Propor desafios é irrelevante diante de algo que já está pronto e mais
fácil de ser utilizado. Esta é uma das causas de ocorrer a automatização da
leitura, pois o professor não possui, muitas vezes, intimidade com o texto, o que o
impede de selecionar textos adequados para um devido momento. Ou não possui
recursos estruturais que possibilitem esta seleção e variação de textos, motivo
pelo qual, muitas práticas recaiam apenas nos textos trazidos pelos livros
didáticos.
O professor deve ser o agente de mudança, deve conhecer as
condições sócio-históricas que o cercam na sala de aula, para elaborar e definir
suas estratégias. Entretanto não se pode negar que a leitura está intrinsecamente
ligada às condições de poder da escola, que interferem na metodologia adotada
pelo professor. Por isso não é preciso mudar apenas os métodos, mas também a
estrutura da escola.
Sawaya (2002) aponta que a importância da dimensão cotidiana do
fazer escolar com sujeitos concretos, envolvidos na relação educativa para
realizar possíveis transformações e ressalta que
A matéria-prima dessa transformação não são os métodos ou modelos pedagógicos tomados a priori como inovadores e transmitidos ao professor pelo ensino a distância, mas sim a experiência vivida dos próprios sujeitos – alunos e professores –, que de sua reflexão e formação permanentes se apropriam desses conhecimentos e reconstroem suas práticas. (p.205)
É através da prática consciente dos sujeitos envolvidos no processo
que é possível tornar a leitura um meio de transformação crítica da realidade, a
fim de modificá-la e reescrevê-la. Pois “compreender o que está em jogo na
leitura também seria, talvez, reconstituir as memórias históricas em obra nos
diversos momentos da história cultura”. (GOULEMOT, 2001, p.112).
CAPÍTULO II PERCALÇOS DAS AULAS DE LEITURA
31
“Dizer-lhes sempre a nossa palavra sem jamais nos expormos e nos oferecermos à deles, arrogantemente convencidos de que estamos aqui para salvá-los, é uma boa maneira que temos de afirmar o nosso elitismo, sempre autoritário. Este não pode ser o modo de atuar de uma educadora ou de um educador cuja opção é libertadora”.
Paulo Freire
Neste capítulo serão abordadas, sucintamente, algumas das contribuições
teóricas de Bakhtin e Vygotsky, na tentativa de estabelecer uma relação harmônica
entre elas, como uma maneira de sustentar as aulas de leitura e evitar o fracasso
escolar dos alunos.
Para Vygotsky, de acordo com Proença (2002), o processo educacional
envolve uma relação que transcende o aspecto individual do aluno ou apenas o
âmbito do professor e refere-se a um conjunto de relações presentes na educação,
nas quais aluno e professor são sujeitos e estão em permanente relação de troca e
de aprendizagem social.
Segundo Goulemont (2001, p. 112) “assim como existe dialogismo e
intertextualide, no sentido que Bakhtin dá ao mesmo, há dialogismo e
intertextualidade da prática da própria leitura”. Para este autor, a leitura proporciona
uma emersão de uma memória de leituras anteriores e de dados culturais. Os
aspectos sócio-sulturais são trazidos à tona durante o processo de leitura, o que
permite diferentes produções de sentido pelo sujeito-leitor.
Diante disso, é possível ancorar-se nas contribuições de Bakhtin, que
influenciou ou antecipou as principais orientações teóricas dos estudos sobre o texto
e o discurso, através de suas reflexões sobre o princípio dialógico. De acordo com
Barros (1997), Bakhtin aponta duas concepções diferentes do princípio dialógico, a
do diálogo entre interlocutores e a do diálogo entre discursos.
Em relação ao primeiro, deve-se considerar que a interação entre
interlocutores é princípio fundamental para a linguagem; o sentido do texto e a
significação das palavras dependem da relação entre sujeitos, ou seja, são
32
construídos na produção e na interpretação dos textos; a relação entre os
interlocutores não apenas funda a linguagem e dá sentido ao texto, como também é
responsável pela construção do próprio sujeito produtor do texto, conseqüentemente
a intersubjetividade é anterior à subjetividade.
No que se refere ao diálogo entre discursos enfatiza-se o aspecto de que
o discurso não é individual, primeiramente porque se constrói entre pelo menos dois
interlocutores que, por sua vez, são seres sociais; outra razão é porque mantém
relações com outros discursos.
Assumimos a concepção de dialogismo, como processo de interação
entre textos; tanto na escrita quanto na leitura, o texto não é visto isoladamente, mas
sim correlacionados com outros discursos.
A concepção de linguagem de Bakhtin é dialógica, se a ciência humana tem método e objeto dialógicos, também suas idéias sobre o homem e a vida são marcadas pelo princípio dialógico. A alteridade define o ser humano, pois o outro é imprescindível para sua concepção: é impossível pensar no homem fora das relações que o ligam ao outro. (BARROS, 1988, p. 30)
Para Bakhtin (2003), a linguagem é uma forma de ação entre sujeitos, o
ouvinte, com sua comunicação passiva, não corresponde ao participante real da
comunicação discursiva, pois o discurso só existe de fato em enunciações
concretas, de modo que é para o outro que se constrói o discurso, caracterizando o
caráter dialógico da linguagem. Para Goulemont (2001, p. 108) “ler é, portanto,
constituir e não reconstituir um sentido. A leitura é uma revelação pontual de uma
polissemia do texto literário. A situação da leitura é, em decorrência disso, a
revelação de uma das virtualidades significantes do texto”.
Nessa perspectiva, o papel do outro é fundamental no processo de ensino
e aprendizagem, como interlocutor ativo e não ouvinte passivo, na visão bakhtiniana,
as relações entre o sujeito da cognição e o sujeito a ser conhecido, pois procura
interpretar ou compreender o outro em lugar de buscar conhecer apenas um objeto.
Em relação ao ensino, interessa ao aluno a linguagem, como produto da
vida social que estabelece uma relação de sentido entre o que se diz e para quem
se diz, pois é vista de modo dinâmico e heterogêneo. O papel da linguagem,
33
especificamente o da leitura, é interagir entre os sujeitos. O aluno não é mais
receptáculo e o professor não é transmissor. Ambos são interlocutores.
Recorremos aos pilares do pensamento de Vygotsky3 para explicitar
alguns aspectos que fundamentam este trabalho. São eles: as funções psicológicas
superiores; as relações sociais; e por fim a mediação simbólica. De acordo com a
teoria de Vygotsky, ocorre a formação de funções mentais superiores, ou seja, o
pensamento abstrato, a memorização, as ações conscientes controladas, as
associações, planejamento e comparações, presentes apenas nos seres humanos e
não são desenvolvidas solitariamente.
Para que esse desenvolvimento possa ocorrer, é necessário que existam
relações sociais e mediação simbólica, cujos elementos mediadores são signo –
instrumento psíquico interno –; e instrumento – externo, sendo este nas aulas de
leitura, o professor. “A função de instrumento é servir como um condutor da
influência humana sobre o objeto da atividade; [...] constitui um meio pelo qual a
atividade humana externa é dirigida para o controle da natureza” (Vygotsky, 1994, p.
62). Já o signo “não modifica em nada o objeto da operação psicológica”, pois
“constitui um meio da atividade interna dirigida para o controle do próprio indivíduo; o
signo é orientado internamente” (VYGOTSKY, 1994, p. 62).
Segundo OLIVEIRA (1997, P.48) “São os significados que vão propiciar a
mediação simbólica entre o indivíduo e o mundo real, constituindo-se no ‘filtro’
através do qual o indivíduo é capaz de compreender o mundo e agir sobre ele”.
Para isso, é necessário que se tenha uma concepção clara de que a
linguagem é interação, o aluno é um sujeito e o professor é um mediador no
processo de aquisição, desenvolvimento e aprendizagem, pois “todas as funções
superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos” (VYGOTSKY,
1994, p. 64) e da interação entre sujeitos como explicita Bakhtin (2003).
Para evidenciar uma aproximação entre Bakhtin e Vygotsky, Emiliano
(2006) ressalta
Ambos têm como base a linguagem como ação e vêem o percurso do social para o individual, diferenciando Bakhtin, apenas no que diz respeito ao
3 Cf. OLIVEIRA (1997), p. 12
34
caráter dialógico da fala, mesmo quando monologizada. No entanto, o que Bakhtin chama de monologização da consciência e que Vygotsky chama de internalização possuem o mesmo pressuposto teórico da precedência do social para o individual. (p. 33)
Através das interações dos homens que os signos se originam, vindo a
constituir instrumentos que permitem a troca e a comunicação entre as pessoas,
pois os signos são palavras, e a palavra é inerente à linguagem. A incorporação dos
signos à atividade prática, cotidiana, permite a transformação de funções biológicas
elementares, de origem biológica, em funções psicológicas superiores, de origem
sociocultural.
É a partir dessa abordagem que se estende a inquietação sobre as aulas
de leitura, que hoje são estabelecidas na rede estadual de ensino, no ciclo
fundamental II. As relações dos sujeitos envolvidos no processo constituem em
fatores primordiais para o sucesso da aprendizagem. Para que isso ocorra, é
necessário que todos os que estão envolvidos nesse processo estejam conscientes
da finalidade e da importância do ato de ler.
Os sujeitos envolvidos devem considerar que a leitura, o mundo da
escrita, leva o aluno a tornar-se parte da sociedade, para enfrentar situações e não
se acomodar. E nas aulas de leitura, cabe ao professor fazer uma intermediação
cognitiva entre o aluno e o texto.
Nesse contexto, defrontamo-nos e lutamos contra a acomodação e o
contentamento com aquilo que simplesmente é imposto pela instituição, na sala de
aula: a perda da naturalidade do ato de ler. Isso é a mecanização ou automatização
da leitura, que se torna inútil e ineficaz para qualquer sujeito.
Diante disso, defendemos condições de aprendizagem diferenciadas
daquelas que ainda resistem e comungam com tendências tradicionais. Perrenoud
(2000, p.55) baseia tal idéia ao mencionar que “Diferenciar é romper com a
pedagogia frontal – a mesma lição, os mesmos exercícios para todos –, mas é,
sobretudo, criar uma organização de trabalho e dos dispositivos didáticos [...]”.
É relevante então, ressaltar o que Foucambert (1994) aborda sobre a
questão do poder que o verdadeiro ato de ler adquire na sociedade, sendo que
35
A defasagem entre leitores e não leitores reproduz a divisão social entre o poder e a exclusão, entre as classes dominantes e os que são apenas executores. Nesse confronto, a leitura aparece também como instrumento de conquista de poder por outros atores, antes de ser meio de lazer ou evasão. (p.121)
A leitura enquanto instrumento de poder, conforme afirma Foucambert
(1994), torna-se elemento transformador para romper com formas hegemônicas de
controle, desde que, sua relação com o sujeito seja significativa, conduzindo-o para
o desenvolvimento de suas habilidades cognitivas. Para tornar-se esse elemento, é
necessário recorrer aos aspectos teóricos para fundamentar uma prática adequada
nas aulas de leitura. Buscar, através da leitura, recursos e condições de aproximar o
sujeito de um novo conhecimento.
CAPÍTULO III PAPEL DO PSICOPEDAGOGO
37
(...) o psicopedagogo precisa contribuir com uma visão diferente, precisa ampliar o campo de observação em relação àquele aluno e precisa ajudar a elaborar respostas pertinentes.
Eulália Bassedas
A Psicopedagogia busca as causas de fracasso escolar e resgata o
prazer de aprender em uma visão multidisciplinar. Pode orientar as instituições
escolares e seus professores e atender também pais e alunos na perspectiva de
transformar as relações do aprendizado, enfim auxilia todos os que estão
envolvidos na área da educação com a problemática do aprender.
Sabemos que a sociedade em que vivemos está cada vez mais
evoluída e complexa, com mudanças drásticas e rápidas em diversas áreas
(tecnológica, cultural, social etc), enfim, mudanças que afetam o comportamento e
a forma de viver das pessoas. As informações são as mais variadas e velozes, e
por isso a sociedade é estimulada constantemente a participar desse dinamismo.
Pode-se perceber, então, o que os alunos ao entrarem na sala de aula trazem e o
que desejam saber, enquanto sujeitos dispostos a aprender. Libâneo (2002)
confirma que o dinamismo é inerente à sociedade, e não se pode negar o quanto
a realidade vivenciada pelos alunos faz parte da sala de aula. Segundo ele, os
alunos estão na escola
“ sabendo muitas coisas ouvidas no rádio, vistas na televisão, em apelos de outdoors e informes de mercado e shopping centers que visitam desde pequenos. Conhecem relógios digitais, calculadoras eletrônicas, vídeo-games, discos a laser, gravadores e muitos outros aparelhos que a tecnologia vem colocando à disposição para serem usados na vida cotidiana.
Estes alunos estão acostumados a aprender através dos sons, das cores, das imagens fixas das fotografias ou, em movimento, nos filmes e programas televisivos. (...) O mundo desses alunos é polifônico e policrômico. É cheio de cores, imagens e sons, muito distante do espaço quase que exclusivamente monótono, monofônico e monocromático que a escola costuma lhes oferecer.” (p. 58)
Diante disto, é importante transformar a relação que se estabelece
entre o aluno e a diversidade do aprender, mas existe uma dificuldade de
aprender que muitas vezes vem associada ao sentimento de incapacidade, de
38
baixa auto-estima e da não vontade de aprender, pelo fato de sentir medo ou
vergonha de crescer, desenvolver-se, e de enfrentar um mundo dinâmico e
exigente.
O aluno traz consigo uma bagagem de diversas informações que
precisa ser organizada, compreendida, explicada, e transformada em
conhecimento dentro da sala de aula.
O professor poderia usar esses conhecimentos que o aluno traz de
forma a articula-los com conhecimentos escolares, não simplesmente ignorá-los
como se não tivessem significado.
A psicopedagogia contribui para a questão do aprender, o
psicopedagogo avalia usando os recursos que dispõem, o olhar e a escuta
psicopedagógica, que o auxiliam na verificação da causa do não aprender, é
interessante conhecer a vida do aluno dentro da família, considerar como é a
família, a escola e o professor, sendo que estes podem agir de maneira positiva
ou negativa no desenvolver do aprender. Além de considerar e avaliar a
organização e estruturação da escola, para orientar trabalhos de maneira ampla e
completa, detectando os conflitos e desencontros internos e a aplicação do
projeto pedagógico.
O psicopedagogo auxilia o professor a investir numa prática
pedagógica diferenciada, cuja preocupação deve ser com a forma que o aluno
aprende.
“O professor deverá cumprir com o seu papel de facilitador da aquisição de informações como mediador do processo ensino-aprendizagem e conduzir à aquisição de ideologias e conteúdos libertadores”. (SCOZ, 2004, p.29)
Para que o professor cumpra seu papel de mediar, é preciso agir
psicopedagogicamente, antes de organizar e realizar seus planejamentos. O
professor deve considerar as vivências, os conhecimentos e as informações que o
aluno possui, como vive, como vê o mundo moderno, para que possa transmitir
uma aprendizagem significativa.
39
Outro aspecto que o professor deve estar atento e ter como ferramenta
para a sua prática é a avaliação, que deve ser justa, formativa, humana, não-
excludente, mas que leve os alunos a encarar os resultados e falhas, para que
prossiga sem medo de errar, de aprender, de crescer
“O erro não é um corpo estranho, uma falha na aprendizagem. Ele é essencial, faz parte do processo. Ninguém aprende sem errar. O homem tem uma estrutura cerebral ligada ao erro, é intrínseco ao saber-pensar a capacidade de avaliar e refinar, por acerto e erro, até chegar a uma aproximação final.” (DEMO, 2003, p.18).
A psicopedagogia institucional pode levar os professores a serem
elementos transformadores da sociedade e contribuir na formação de cidadãos
comprometidos com o mundo e que são capazes de aprender de modo
prazeroso.
Isto tudo poderá beneficiar o professor e fazê-lo perceber os caminhos
do aprendizado do aluno. Deve ter uma visão mais aguçada do processo de
aprendizagem, adotar uma nova postura avaliativa, conhecer melhor os valores
de cada aluno dentro do âmbito familiar e escolar, que vise a real necessidade do
aluno para prepará-lo a ter autonomia para pensar em alternativas, elaborar
hipóteses, encontrar soluções para os problemas que encontra dentro da
comunidade e sociedade, e que possa agir para o bem comum, assim a educação
pode cumprir seu papel.
40
3.1 PLANO DE INTERVENÇÃO
A atuação psicopedagógica necessita de uma fundamentação teórica e
prática para compreender e lidar com fenômenos cognitivos que fazem parte da
aprendizagem. A fundamentação teórica se dá a partir das diversas áreas de
conhecimento como a Pedagogia, Psicologia, Psicanálise, Lingüística, entre
outras, recorridas de acordo com as especificidades encontradas durante o
processo da aprendizagem. Em relação à prática, a atuação é realizada de forma
investigativa, deve ser precisa diante das situações encontradas e sensível para
se adaptar às condições adversas que por vezes emanam durante o processo de
intervenção.
No entanto é imprescindível que ocorra a práxis psicopedagógica
durante todo o processo de “olhar psicopedagógico”, principalmente no que tange
à intervenção, pois é o momento que direciona o processo de aprendizagem ao
sucesso.
Ao ser abordada a importância da intervenção, é fundamental também
que seja ressaltada a sua relação com o diagnóstico psicopedagógico, cujo papel
norteador interfere diretamente na proposta de intervenção. É através do
diagnóstico que se torna possível traçar metas e planejar as ações futuras que
contribuirão para resultados positivos.
Para Rubinstein o diagnóstico sob a ótica da psicopedagogia é um
processo de investigação. “O psicopdegago é como um detetive que busca pistas, procurando selecioná-las, pois algumas podem ser falsas, outras irrelevantes, mas a sua meta fundamentalmente é investigar todo o processo de aprendizagem levando em consideração a totalidade dos fatores nele envolvidos, para, valendo-se desta investigação, entender a constituição da dificuldade de aprendizagem”. (RUBINSTEIN, 1996, p. 128)
A definição adotada neste trabalho é baseada em Souza (1996, p. 114)
ao estabelecer que intervir é a “interferência que um profissional (educador ou
terapeuta) realiza sobre o processo de desenvolvimento e/ou aprendizagem do
sujeito, o qual pode estar apresentando problemas”.
41
O objetivo de realizar este ato de interferência é desvelar relações
harmoniosas entre o sujeito e o conhecimento, introduzindo maneiras
diversificadas que levem o sujeito a pensar em novas maneiras de descobrir
essas relações.
3.1.1 METODOLOGIA DA PROPOSTA
O plano de intervenção será aplicado aos alunos de quinta série, nas
aulas de leitura. Para tanto, será necessário destacar alguns aspectos para a
efetivação da proposta e obtenção pretendida dos resultados.
Primeiramente é fundamental que ocorra uma observação detalhada
das aulas de leitura, para estabelecer critérios de mudança. Perceber e
reconhecer as necessidades do ambiente, dos alunos e dos professores é
primordial para nortear uma proposta adequada.
Após a observação das aulas, será necessário definir e registrar as
dificuldades encontradas a fim de estabelecer um diagnóstico diante do contexto
observado. Então, a partir dessa análise, será indicada uma proposta de
intervenção que considere as possíveis causas das dificuldades e estabeleça
estratégias de mudança para o processo da aprendizagem nas aulas de leitura.
3.1.2 OBSERVAÇÃO DAS AULAS
Para analisar as estratégias utilizadas pelos professores e diagnosticar
possíveis dificuldades existentes durante as aulas de leitura, foram realizadas
observações de dezessete h/aulas, em duas turmas de quinta série, A e B, ambas
com trinta e quatro alunos. Respectivamente, denominamos professores A e B.
Como critérios de análise foram definidos os conteúdos desenvolvidos
em sala de aula, o tipo de aula, as manifestações dos alunos em relação a
42
dúvidas e dificuldades e a maneira adotada pelos professores de atender a essas
manifestações.
Antes de serem iniciados os relatos das aulas, é importante ressaltar
os apontamentos em relação ao conteúdo abordado pelos professores e ao plano
de ensino realizado por eles.
Os professores de leitura traçaram objetivos comuns para o
desenvolvimento das aulas. Ambos estavam seguindo o planejamento anual, o
qual estabelecia para o ciclo I (quinta e sexta séries) os temas: Poesia (abordado
no primeiro semestre) e Contos e Fábulas para o segundo semestre. Não foi
possível especificar detalhadamente o plano anual, pois não foi apresentado para
a pesquisa deste trabalho.
No início do segundo semestre, os professores, após a decisão comum
dos objetivos da disciplina, estabeleceram como prioridade:
• Desenvolver a oralidade dos alunos nas aulas de leitura;
• Fazer com que o aluno perceba a diferença entre contos e
poesias;
• Resgatar contos clássicos.
A partir desses objetivos cada professor poderia adotar a metodologia
das aulas e a maneira de avaliar que preferisse.
É importante ressaltar que esses dados foram repassados após um
relato oral de um dos professores que se dispôs a fornecer informações
necessárias à pesquisa. Infelizmente, não foi disponibilizado pelos professores ou
pela escola o plano anual referente à disciplina de leitura.
O material utilizado para as aulas consistia em cópias reprográficas do
conto de fadas “Cinderela”. Nas cópias não havia referência bibliográfica e foram
fornecidas em parte pela escola, em parte pela colaboração dos alunos.
As aulas de leitura foram ministradas semanalmente com duração de
cinqüenta minutos.
43
3.1.3 RELATO DAS AULAS
TURMA – QUINTA SÉRIE A – PROFESSOR A
A aula foi iniciada com a solicitação do professor A para que os alunos
pegassem o material de leitura para dar continuidade à atividade. Tal atividade
consistia em ler oralmente trechos da história “Cinderela”. O professor A cobrou o
material dos alunos, uma cópia reprográfica da história. Muitos alunos não
estavam com o material em mãos. Neste momento o professor formou duplas
para que todos acompanhassem a leitura. Os alunos foram chamados
individualmente, até a frente da sala, para que cada um lesse oralmente um
parágrafo da história. Enquanto alguns liam, muitos conversavam ou faziam
desenhos nos cadernos ou até mesmo nas carteiras. A aula continuava dessa
maneira. Quase no final da aula, um dos alunos perguntou se eles encenariam
aquela história, como tinham feito no semestre anterior. O professor A respondeu
que ainda não havia decidido. Em nenhum momento da aula, ocorreram dúvidas,
referências ou outras manifestações por parte dos alunos em relação ao texto; e
nenhuma explicação ou questionamentos por parte do professor, que nesta aula,
limitou-se a corrigir aspectos da oralidade (entonação, pontuação, velocidade)
durante a leitura.
Dando continuidade ao trabalho, nas duas aulas que seguiram, o
professor A continuou com a leitura oral realizada pelos alunos da mesma
história.
Apenas na quarta aula observada, foi realizada uma atividade
diferenciada. O professor A explicou que após a leitura do conto de fadas, os
alunos deveriam redigir um texto que narrasse a história, mas o final deveria ser
diferente. Citou alguns exemplos, como “a Cinderela não quis ficar com o
príncipe”, “o príncipe não encontrou a Cinderela e se casou com outra moça”.
Durante o desenvolvimento da atividade alguns alunos questionaram o professor
sobre vocabulário, em relação ao significado de algumas palavras que estavam
na história e se poderiam desenhar algo sobre a história.
44
Enquanto os alunos faziam a atividade, o professor A sugeriu a
possibilidade de encenar o conto da “Cinderela” a partir dos textos produzidos
pelos alunos. A maioria aprovou a idéia, mas nada ficou acertado entre eles,
concretamente. No final da aula o professor A recolheu os textos de quase todos.
Quatro alunos não fizeram a atividade proposta, não participaram das aulas
ativamente e não realizaram nenhuma das outras atividades propostas.
TURMA – QUINTA SÉRIE B – PROFESSOR B
A aula foi iniciada pelo professor B com a solicitação para que os
alunos formassem um semicírculo com as cadeiras e ficassem com o texto já
iniciado na aula anterior. O texto a ser lido era o conto “Cinderela”. Os alunos
organizaram as cadeiras como o professor havia pedido e quase todos possuíam
o material em mãos. Cinco alunos que não estavam com o texto pediram ao
professor se poderiam emprestar de colegas de outras salas; o professor permitiu
que um deles fosse buscar os textos rapidamente para não incomodar as outras
aulas.
O professor B esperou que todos estivessem acomodados e iniciou um
questionamento sobre alguns pontos interessantes da história, os quais os alunos
destacaram, como aspectos fantásticos (varinha de condão, o fato de a abóbora
virar carruagem, o sapatinho de cristal). Os alunos estavam convictos de que era
impossível que tais fatos na história pudessem ter acontecido. O professor B
explicou que tais acontecimentos faziam parte da narrativa, do conto de fadas, e
tais aspectos eram fantásticos. Questionou os alunos sobre o que eles lembravam
de gênero textual e destacou algumas características do conto (personagens
como herói e vilão, final feliz, história curta). Durante essa atividade, poucos
alunos estavam dispersos, a maioria queria participar da discussão sobre a
história. Alguns não participaram, em momento algum, pareciam alheios ao que
estava ocorrendo. O tempo da aula se esgotou e o professor B pediu que
organizassem a sala como estava antes da aula e que todos trouxessem o
material de leitura.
Na aula seguinte, o professor B solicitou novamente o semicírculo e
continuaram a atividade de leitura de maneira oral e individual, orientada pelo
45
professor. Nessa aula, um dos alunos não quis ler ao chegar sua vez. Os colegas
começaram a insinuar que ele não sabia ler e por isso não queria participar. O
professor chamou a atenção destes alunos e pediu para que outro aluno
continuasse a leitura. (Após o episódio, o professor, dirigindo-se a mim, tentou
explicar rapidamente que tal aluno não sabia escrever e ler direito e freqüentava o
reforço. Em seguida, após este comentário, continuou a aula).
No final da aula, o professor dirigiu-se a mim, novamente, relatando que
vários alunos faziam aula de reforço, mas os resultados não foram significativos e
para poucos tinha resolvido, pois estavam no 3º bimestre e não apresentavam
melhoras em relação às suas dificuldades. A aula foi encerrada com a arrumação
da sala de aula.
Nas duas aulas seguintes, o professor B selecionou alunos para
realizarem a leitura dramatizada das falas dos personagens, a fim de representar
a história. Muitos alunos não quiseram participar e então o professor pediu para
que eles ajudassem na improvisação do cenário. Mesmo assim, muitos
permaneceram sem participar das atividades propostas e ficaram conversando ou
rabiscando. As duas aulas foram parecidas, ocorrendo as mesmas atividades,
permitindo que a maioria pudesse participar.
Já na quinta aula observada, o professor B não pediu aos alunos que
reorganizassem as carteiras, as quais permaneceram enfileiradas. Expôs a
atividade da aula, uma reescrita do conto, mas que o final deveria ser diferente. O
professor avisou aos alunos que era uma das avaliações e que todos deveriam
fazer e entregar. Os alunos produziram os textos, alguns perguntaram sobre a
escrita de algumas palavras, outros perguntaram se poderiam desenhar sobre a
história. Todos entregaram, mesmo aqueles que, segundo o professor B,
apresentavam dificuldades.
Na última aula assistida nesta turma, o professor B devolveu os textos
corrigidos os aspectos gramaticais e sem aferir nota ou conceito. Pediu que
alguns alunos lessem o texto em voz alta para a turma. Sugeriu que todos
prestassem atenção, pois deveriam escolher um dos textos para ser dramatizado
46
por eles. Quase todos leram, fizeram brincadeiras com os textos dos colegas.
Após a leitura e a escolha do texto o professor começou a passá-lo na lousa, pois
todos deveriam copiá-lo para a dramatização. Não foi possível concluir a cópia
nesta aula.
47
3.2 DIAGNÓSTICO
Com intuito de identificar algumas características das condições de
aprendizado dos alunos nas aulas de leitura e sua relação com o professor,
pretende-se constituir um processo diagnóstico em relação as observações
realizadas.
Rubinstein (1996, p. 131) ressalta que “o aprendiz reconstrói o
conhecimento por um processo de identificação com o ensinante, enquanto
representante do conhecimento, e isso remete ao processo de constituição
subjetiva do sujeito”.
É possível verificar nos relatos que a maioria das estratégias utilizadas
pelos professores se tornam vazias de significado e distantes para os alunos, não
possibilitando ao aluno a constituição do conhecimento, mais especificamente, ao
conhecimento que a atividade da leitura pode proporcionar. Apontamos algumas
dessas estratégias:
a) A escolha do texto a ser lido pelos alunos: o conto de fadas “Cinderela” foi
o texto selecionado para ser trabalhado durante um bimestre. O aspecto
positivo da leitura do texto foi comprimido por alguns fatores negativos: um
texto que não despertou curiosidade dos alunos, pois já era conhecido; o
tempo de permanência e utilização do texto foi extenso; não houve
referências bibliográficas para esclarecimentos necessários durante as
aulas.
b) Leitura individual e oral: realizada por quase todos os alunos; os critérios
observados pelo professor foram a entonação, pontuação e velocidade da
leitura.
c) Leitura realizada pelo professor: não foi realizada em nenhuma aula
d) Leitura silenciosa: os alunos que não estavam lendo “para o professor”
deveriam acompanhar o texto silenciosamente, o que não ocorreu, devido
ao desinteresse observado nas turmas.
48
e) Produção de texto: foi a solicitação de uma paráfrase do conto de fadas, no
entanto apenas o final deveria ser diferente. Os alunos deveriam ser
criativos para elaborar os textos.
f) Houve interesse dos alunos em dramatizar a história, porém esse interesse
não foi aproveitado pelo professor como um fator motivador, protelando-o
para outro momento.
g) Muitos alunos que recusaram e não participaram das atividades propostas,
não realizaram outras atividades durante as aulas, ficaram alheios ao que
estava acontecendo, e não houve nenhuma tentativa de aproximar esses
alunos com a leitura. Observando as atitudes do professor, percebemos
um olhar distanciado em relação aos alunos, uma rotulação de “incapaz” já
estabelecida para alguns e uma tolerância com uma situação, o que
deveria incomodar o educador.
h) A leitura se tornou uma atividade mecânica sem uma verdadeira produção
de sentido por parte dos sujeitos envolvidos.
Percebemos também que dos três objetivos elencados pelos
professores ao iniciarem o trabalho com o conto de fadas, os quais eram:
desenvolver a oralidade dos alunos nas aulas de leitura; fazer com que o aluno
perceba a diferença entre contos e poesias; e resgatar contos clássicos; apenas o
primeiro deles foi explorado com mais afinco. Os outros dois acabaram se
perdendo diante das estratégias utilizadas em sala de aula.
49
3.3 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO
Diante da análise do diagnóstico realizado com base em observações e
relatos na sala de aula, indicamos algumas atividades de intervenção
psicopedagógica, tendo como pressuposto teórico as modalidades de intervenção
indicadas por Souza (1996).
Inicialmente seria importante considerar o papel do professor na sala
de aula, pois “ a escola e os professores são também importantes mediadores, pois interpõem-se entre a criança e o mundo social mais amplo e se responsabilizam por ensinar-lhes conteúdos, por faze-la aprender, por desenvolver sua inteligência e sua afetividade” (Souza, 1996, p.114).
Para que a conscientização desse papel aconteça é necessário que o
psicopedagogo realize procedimentos de orientação de estudo com os
professores, fornecendo parâmetros adequados diante da realidade vivenciada
por eles em sala de aula. A partir desse contexto, primeiramente serão
necessários momentos de orientação aos professores em relação à importância
da atividade desenvolvida por eles, na tentativa de resgatar o objetivo da aula de
leitura e conhecer os possíveis caminhos do aprendizado dos alunos.
Estas orientações deverão acontecer semanalmente, cabíveis no
horário de trabalho pedagógico coletivo nas escolas. Momento propício para
discussão teórica e prática das atividades desenvolvidas, envolvendo todo o
grupo de professores, não apenas os responsáveis pelas aulas de leitura.
Após o período de orientação, estudo e conscientização dos docentes,
será estabelecido um direcionamento específico ao professores das aulas de
leitura, em relação à metodologia adotada. Este direcionamento ocorrerá
inicialmente com a discussão e apontamentos de novas estratégias que eles
poderiam elaborar para a sala de aula, considerando os aspectos sócio-culturais
que permeiam o processo de aprendizagem dos alunos.
Ainda em relação às estratégias que os professores poderiam recorrer,
nas atividades de leitura, seriam ideais aquelas que valorizassem o conhecimento
que o aluno traz para ampliá-lo durante as aulas. Desta forma, os professores
50
seriam estimulados a oferecer aos alunos propostas que exigissem uma
participação e interação maior entre eles, enquanto grupo, e futuramente, entre
eles o texto. Assim, atividades como histórias fantásticas, neste caso, os contos
de fadas, deveriam ser narrados pelos alunos, buscando atingir alguns objetivos
como, enfatizar a oralidade, resgatar os contos de fadas, mas principalmente,
valorizar a leitura que os alunos conhecem, produzindo por vezes sentidos
diferentes, o que os levaria a leituras diferenciadas de um mesmo texto.
Outras estratégias que o educador poderia utilizar são adaptação de
textos e outras versões de uma mesma história, a fim de atingir uma afinidade
maior com os alunos, pois o professor de leitura deve conhecer e saber selecionar
gêneros textuais apropriados para as classes com características diferentes.
Assim poderá mediar o aluno e o texto, preocupando-se com os sentidos
produzidos na leitura e como poderá despertar a criticidade em seus alunos. Deve
estar atento e perceber o entusiasmo dos alunos diante de atividades que possam
manifestar suas impressões e seus pensamentos como dramatizações,
desenhos, pinturas, enfim, conduzir o aluno a um aprendizado e não impor isto a
ele.
O professor será orientado a realizar o registro do planejamento de
suas aulas e também as percepções que ele teve após o término de cada aula. É
importante que o registro feito seja um parâmetro para sua reflexão na tentativa
de mudar ou melhorar suas ações. O registro também poderá ser realizado pelos
alunos, no final das aulas, como maneira de observar o que foi significativo para
eles, podendo ser uma outra forma de auxiliar o professor no planejamento e
desenvolvimento de outras aulas.
Uma outra maneira de conduzir o aluno ao aprendizado é propondo a
ele jogos de regras que visem o desenvolvimento de algumas habilidades
necessárias à prática de leitura como memória, concentração, atenção, análise,
síntese, antecipação e estratégia. Dessa forma o professor pode gerar práticas
mais consistentes, que respeitem a singularidade de seus alunos e promovendo
uma ação interdisciplinar, pois o professor de leitura pode recorrer a assuntos e
temas variados para o desenvolvimento de suas aulas.
51
Essas atividades diversificadas, a princípio podem parecer distantes da
atividade de leitura, mas ao contrário, podem trabalhar as habilidades necessárias
ao ato de ler, bem como despertar as potencialidades que ainda não foram
percebidas no decorrer das aulas.
Alguns jogos, como “jogo da memória” e “jogo da forca”, os quais
trabalham estratégias de atenção, concentração, memória e antecipação, todas
necessárias à leitura, são jogos simples e popularmente conhecidos, podendo ser
facilmente aplicáveis em sala de aula. Porém, cabe ao professor perceber as
dificuldades reais dos alunos e procurar diversificar, adaptando os jogos que ele
tem acesso ou criando seus próprios jogos junto de seus alunos.
Em relação ao texto escrito, o contato entre ele e o aluno deve ser
mediado de forma cuidadosa e adequada, proporcionando uma atividade
significativa. O professor deve instigar o aluno a descobrir as curiosidades e os
sentidos que o texto possui, isso acontece gradativamente na sala de aula. Após
esse momento, o aprofundamento do texto deve ser feito e as várias sistemáticas
de leitura devem ser abordadas (leitura silenciosa, oral, jogral) além das formas
de registro adequadas para cada situação de leitura, para que os aspectos
semânticos, sintáticos e morfológicos possam ser trabalhados dentro do texto,
pois é importante destacar a relação entre a leitura e a escrita.
No final de um processo como este, é desejável que as situações e
condições encontradas fossem modificadas positivamente. Que as posturas
passivas tivessem cedido espaço para posturas ativas e críticas. É o
posicionamento dessas atitudes que conduz às práticas mais distanciadas do
fracasso escolar.
Todo esse processo deve ser constante, revisto sempre que houver
necessidade, buscando condições de crescimento e autonomia, tanto para os
alunos quanto para professores e a escola.
Para o psicopedagogo, esta atividade de orientação, fornecendo
parâmetros teóricos e práticos aos professores, pode ser considerada uma ponte
entre professor e aluno, pois é a mediação no processo de ensino-aprendizagem
que conduz à sua eficácia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
53
LER é pensamento, valor, emoção LER é sentimento, poder, antecipação LER é prosa, poesia, cognitivAÇÃO LER é a alma da CRIAÇÃO
Francisco Gomes de Matos
A leitura como instrumento de aprendizagem foi o ponto-chave deste
trabalho. Diante de nossa preocupação em tratar da sua importância e sua relação
com o fracasso escolar é possível estabelecer um paralelo com o papel do
psicopedagogo, cuja preocupação refere-se principalmente com o ensinar e o
aprender.
É preciso reconhecer que a leitura não é apenas uma disciplina que deve
ser aprendida de forma isolada, é ela a ponte para todas as outras disciplinas e
principalmente para a inserção do sujeito na realidade social, ou seja, no convívio
com os outros. Se trabalhada isoladamente poderá provocar anulação do próprio
sujeito, interferindo assim, em seu provável desenvolvimento e crescimento
cognitivo.
Defendemos então a prática de leitura resgatando sua função social e não
marginalizada ou automatizada, principalmente nas salas de aula, onde deveria
ocorrer a interação do sujeito com o texto. Segundo Soares (1988, p.26) “é no
processo de interação desencadeado pela leitura que o texto se constitui”.
Apontamos alguns aspectos que interferem nesse processo e
conseqüentemente levam ao fracasso escolar, mas também na tentativa de
modificá-los, indicamos nossa proposta psicopedagógica, a fim de contribuir com um
desenvolvimento de um trabalho satisfatório em sala de aula. Partimos do
pressuposto de que as dificuldades ou causas do fracasso não estão presentes
somente no aluno, são constituídas dentro da prática escolar pedagógica que não
atingem ou se desvirtuam de seus objetivos. A reversão deste quadro diminuiria as
situações de fracasso e possibilitaria ao aluno êxito em suas atividades.
Verificamos durante a realização deste trabalho que as estratégias
adotadas pelos professores pouco repercutiram no processo de aprendizado dos
alunos, em decorrência de dificuldades estruturais e também de formação
54
profissional. A preocupação em amparar as condições das metodologias adotadas
pelos professores, a fim de evitar o fracasso escolar, foi a questão abordada e
discutida no decorrer da pesquisa, evidenciando que a fundamentação teórica sobre
a aprendizagem é necessária ao docente, para que modifique suas atitudes, mesmo
enfrentando dificuldades estruturais do sistema escolar.
É necessário que o professor reconheça que não está desamparado e
solitário neste percurso, deve mobilizar-se e buscar esclarecimentos sobre situações
de problemas de aprendizagem e conseqüentemente de fracasso escolar.
Cabe então ao psicopedagogo ajudar a promover mudanças, tanto
quando intervimos diante de problemas que a escola nos coloca, como também
quando colaboramos para melhorar as condições, os recursos de ensino, realizando
a tarefa preventiva que leve a uma diminuição dos problemas que enfrentamos. Pois
integrar e sintetizar as várias áreas do conhecimento junto à comunidade escolar a
fim de prevenir o fracasso escolar, sempre considerando para isso as dimensões
pedagógicas, sociais e políticas.
Especificamente neste trabalho, a prioridade dos trabalhos
psicopedagógicos referiu-se à intervenção dirigida à leitura, no âmbito da
simbolização, produção de sentido do texto, da capacidade reflexiva e da função
social do ato de ler.
Para o psicopedagogo, não é possível pensar utopicamente para buscar
tentativas de melhoria e tão pouco esperar mudanças; é preciso agir com as
condições existentes, investigá-las e pensar na dimensão e importância de suas
ações. No caso da leitura, enfrentar a prática automatizada é um desafio que deve
ser superado, pois a leitura é um dos principais caminhos para a aprendizagem.
Entendemos então, que a prática de leitura deve proporcionar uma
relação com o saber instigante, para reconhecer os vários sentidos que o texto pode
trazer. É neste sentido que compactuamos com Silva (1993, p.25) ao afirmar que
“não é preciso mudar o mundo, mas a sua posição diante do mundo”.
55
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BARROS, D.L.P Contribuições de Bakhtin às teorias do discurso. IN: BRAIT, B. (org.) Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas, UNICAMP, 1997, p. 27 – 38. BOSSA, N.A. Fracasso escolar: um olhar psicopedagógico. Artmed, 2002. CHARTIER, R. Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2001. DEMO, P. É errando que a gente aprende. Rio de Janeiro, Abril, 2003. Sessão Fala Mestre. Revista Nova Escola EMILIANO, S. R. O ensino da gramática no curso de letras: diagnóstico de uma realidade. Maringá, 2006. 145 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Estadual de Maringá. Disponível em http://www.ple.uem.br/defesas/pdf/sremiliano. pdf>. Acesso em 31 out. 2006. FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 42ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. FREITAS, L. C. de. Ciclos, seriação e avaliação: confronto de lógicas. São Paulo: Moderna, 2003. GOULEMOT, J. M. Da leitura como produção de sentidos. IN: CHARTIER, R. Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 2001, p. 107 – 116. GERALDI, J. W. Prática da leitura na escola. IN: GERALDI, J. W. (Org.) O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997, p. 88-103. KATO, M. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1990. KATO, M. A. Como a criança aprende a ler: uma questão platoniana. IN: ZILBERMAN, R.; SILVA, E. T. (Org.) Leitura: perspectivas interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1988, p. 30-37. (Série Fundamentos, 42)
56
LAJOLO, M. O texto não é pretexto. IN: ZILBERMAN, R. (Org.) Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1991, p. 51-62.
LIBÂNEO, J.C. Adeus Professor, Adeus Professora?: Novas exigências educacionais e profissão docente. São Paulo: Cortez, 2002.
MASINI, E.F.S (org.) Psicopedagogia na escola: buscando condições para a aprendizagem significativa. 3ª ed.São Paulo: Ed. Loyola, 2002. MINAYO, M. C. S. (org.) Pesquisa social. Teoria, método e criatividade. 18. ed., Petrópolis, R. J.: Vozes, 2001 OLIVEIRA, M.K. Vygotsky – Aprendizado e desenvolvimento – Um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1997. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. PROENÇA, M. Problemas de aprendizagem ou problemas de escolarização? Repensando o cotidiano escolar à luz da perspectiva histórico-cultural em Psicologia.. IN: OLIVEIRA, M.K.; SOUZA, D.T.R; REGO, T.C (org.). Psicologia, Educação e as temáticas da vida contemporânea. São Paulo: Moderna, 2002 – Educação em Pauta: Teorias e Tendências. p. 177-196. RUBINSTEIN, E. A especificidade do diagnóstico psicopedagógico. IN: SISTO, F.F [et al]. Atuação psicopedagógica e aprendizagem escolar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. p.127-139. SAWAYA, S.M. Novas perspectivas sobre o sucesso e o fracasso escolar. IN: OLIVEIRA, M.K.; SOUZA, D.T.R; REGO, T.C (org.). Psicologia, Educação e as temáticas da vida contemporânea. São Paulo: Moderna, 2002 – Educação em Pauta: Teorias e Tendências. p. 197-214. SILVA, E. T. da. Leitura na escola e na biblioteca. 4ª ed. Campinas: Papirus, 1993. SILVA, M.T.C.C de S. Intervenção psicopedagógica:como e o que planejar?. IN: SISTO, F.F [et al]. Atuação psicopedagógica e aprendizagem escolar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. p.113-126. SCOZ. Psicopedagogia e realidade escolar: o problema escolar e de aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 2004.
57
SMOLKA, L.; NOGUEIRA A.L.H. O desenvolvimento cultural da criança: mediação, dialogia e (inter-regulação). IN: OLIVEIRA, M.K.; SOUZA, D.T.R; REGO, T.C (org.). Psicologia, Educação e as temáticas da vida contemporânea. São Paulo: Moderna, 2002 – Educação em Pauta: Teorias e Tendências. p. 77-94. SOARES, M. As condições sociais da leitura: uma reflexão em contraponto. IN: ZILBERMAN, R.; SILVA, E. T. (Org.) Leitura: perspectivas interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1988, p. 18-29. (Série Fundamentos, 42) VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1994. VIGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993. ZILBERMAN, R. A leitura na escola. In: ZILBERMAN, R. (Org.) Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1991, p. 9-22. ZILBERMAN, R.; SILVA, E. T. (Org.) Leitura: perspectivas interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1988. (Série Fundamentos, 42) ZILBERMAN, R.; SILVA, E. T. Leitura: por que a interdisciplinaridade?. IN: ZILBERMAN, R.; SILVA, E. T. (Org.) Leitura: perspectivas interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1988, p. 11-17. (Série Fundamentos, 42) ZILBERMAN, R. (Org.) Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1991.