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INSTITUTO BRASILEIRO DE ESTUDOS TRIBUTÁRIOS – IBET
RIO DE JANEIRO - RJ CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO TRIBUTÁRIO
A INCLUSÃO DAS PLATAFORMAS MARÍTIMAS NO CONCEITO DE EMBARCAÇÕES E A INTERPRETAÇÃO DO FISCO FEDERAL
JULIANA ANDRADE COSTA
RIO DE JANEIRO 2012
JULIANA ANDRADE COSTA
A INCLUSÃO DAS PLATAFORMAS MARÍTIMAS NO CONCEITO DE
EMBARCAÇÕES E A INTERPRETAÇÃO DO FISCO FEDERAL
Monografia de conclusão de curso apresentada ao Instituto Brasileiro de Estudos Tributários como requisito para obtenção do título de Pós-graduado em Direito Tributário.
RIO DE JANEIRO 2012
RESUMO
COSTA, Juliana Andrade. A natureza jurídica e o conceito das plataformas marítimas utilizadas na extração e produção de petróleo e gás natural e o regime jurídico aplicável a tais estruturas. 2012. 38 f. Monografia (Curso de Especialização em Direito Tributário) – IBET Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, Rio de Janeiro, 2012.
O presente trabalho tem por escopo analisar, à luz da Constituição Federal, do Código
Tributário Nacional e da legislação ordinária pertinente, a natureza jurídica das plataformas
marítimas utilizadas na extração e produção de petróleo e gás natural, bem como o regime
jurídico aplicável a tais estruturas, em especial a possibilidade de fruição do benefício da
alíquota zero do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) em relação aos pagamentos
decorrentes de contratos de afretamento de embarcação celebrados com residentes ou
domiciliados no exterior. Para tanto, será analisada a definição do conceito de plataformas de
petróleo e sua inserção no conceito de “embarcações”, a polêmica quanto à interpretação das
regras contidas na Lei nº 9.537/97 e a evolução da jurisprudência brasileira sobre a questão.
Palavras-chave: IRRF; alíquota zero; embarcações; plataformas marítimas; natureza jurídica;
interpretação tributária.
ABSTRACT
COSTA, J. A. The legal nature and concept of the offshore rigs used in the extraction and production of crude oil and natural gas and the legal regime applicable to such structures. 2012. 37 p. Monograph (Curso de Especialização em Direito Tributário) – IBET Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, Rio de Janeiro, 2012.
The scope of this study is to analyze, in light of the Brazilian Federal Constitution, Brazilian
Tax Code and the applicable legislation, the legal nature of the offshore rigs used in the
extraction and production of crude oil and natural gas, as well as the legal regime applicable
to such structures, specially with respect to the possibility of being benefited by the zero tax
rate of the Withholding Income Tax (IRRF) levied on payments arising out of rigs’ charter
international agreements. For such, it will be analyzed the definition and concept of the oil
rigs and its classification as “vessels”, the discussion regarding the rules of Law No. 9,537/97
and the evolution of the Brazilian case law in connection thereto.
Key words: Withholding Income Tax - IRRF; zero tax rate; vessels; offshore rigs; legal nature; tax understanding.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 06
2 ASPECTOS GERAIS DO IRRF E DO BENEFICIO DO ART. 691 DO
RIR/99 ....................................................................................................................
08
2.1 O Histórico Sobre a Tributação de IRRF sobre Contrato de Afretamento 10
3 A POLÊMICA ACERCA DA CLASSIFICAÇÃO DAS PLATAFORMAS
MARÍTIMAS PETROLÍFERAS COMO “EMBARCAÇÕES” .....................
14
3.1 O conceito de “Embarcação” e as regras de interpretação da legislação
tributária ...............................................................................................................
15
3.2 O conceito de embarcação em seu uso comum e o conceito de plataforma 18
3.3 Qualificação jurídica da plataforma marítima como embarcação: Análise
da Lei nº 9.537/97 .................................................................................................
21
3.4 Interpretação literal ou gramatical do inciso V, do art. 2º, da Lei nº
9.537/97 .................................................................................................................
23
3.5 Interpretação histórica do conceito de embarcação ................................... 24
3.6 Interpretação sistemática do conceito de embarcação ............................... 26
4 DA CONTRADITÓRIA INVOCAÇÃO DO ARTIGO 111 DO CTN ......... 30
5 DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS ..................... 32
6 CONCLUSÃO.................................................................................................... 35
REFERÊNCIAS ................................................................................................. 37
6
1. INTRODUÇÃO
Nos dias atuais cada vez mais os temas atinentes à exploração, prospecção e ao
transporte de petróleo e gás natural vêm se mostrando de suma importância para a economia
mundial. O grande desenvolvimento na área repercute diretamente no sistema tributário dos
países, que se encontram em busca constante para adequar-se às imposições da ordem
econômica mundial, colocando-se à altura da competitividade internacional gerada pela
globalização.
Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho consiste em analisar a natureza
jurídica das plataformas marítimas utilizadas na extração e produção de petróleo e gás natural
e o regime jurídico aplicável a tais estruturas. Mais especificamente, o presente trabalho se
propõe a analisar a definição do conceito de plataformas de petróleo e sua inserção no
conceito de “embarcações”, para fins da regra do artigo 1º, I, da Lei nº 9.481/1997 (artigo
691, I, do Decreto nº 3.000 de 26 de março de 1999, que aprovou o Regulamento do Imposto
de Renda (RIR/99), segundo o qual contratos de afretamento de embarcação celebrados com
residentes ou domiciliados no exterior sujeitam-se à alíquota zero do Imposto de Renda
Retido na Fonte (IRRF).
Embora a matéria não seja propriamente nova – se considerarmos que a regra de
desoneração do IRRF sobre o rendimento decorrente de contrato de afretamento de
embarcações remonta de 1965 (Lei nº 4.862) e que a primeira legislação especializada em
direito marítimo que traz a definição de embarcação é datada de 1940 – e em que pese sua
relativa estabilidade (considerando que desde 1997 não há mudanças legislativas sobre a
aplicação da alíquota zero de IRRF nos contratos de afretamento de embarcações), é certo que
a partir de 2003 sua interpretação vem sendo discutida pelas empresas do setor petrolífero, em
reação a tentativa da Receita Federal do Brasil de restringir a aplicação da regra do artigo 1º,
I, da Lei nº 9.481/1997, excluindo de seu âmbito as plataformas móveis de petróleo sob a
alegação de que estas não estariam inseridas no conceito de embarcação.
Resta evidente, portanto, a importância da delimitação do conceito de embarcações e
plataformas marítimas para definição do regime jurídico aplicado a estas últimas.
O exame do tema envolve não apenas a análise de aspectos ligados à norma tributária
em questão, mas também pressupõe considerações ligadas à linguagem e a regras de
7
interpretação, além da correlação de elementos que compõem o ordenamento jurídico como
um todo.
A estrutura do presente trabalho procura obedecer a ordem segundo a qual os pontos
fundamentais da matéria foram apresentados nesta Introdução. Serão estudados, assim, na
seqüência de temas a serem abordados, (i) os aspectos gerais do benefício previsto no artigo
691, I, do RIR/99; (ii) análise dos aspectos semânticos dos termos plataforma e embarcações e
do tratamento atualmente dispensado pelo direito positivo brasileiro à matéria; (iii)
apontamentos acerca da polêmica quanto quanto às diferentes formas de interpretação das
regras contidas na Lei nº 9.537/97; (iv) análise da matéria a luz do artigo 111 do CTN; (v) a
evolução da jurisprudência brasileira sobre a questão e; (vi) exposição de considerações
conclusivas, pretendendo-se coordenar e sintetizar, em proposições objetivas, o resultado das
ponderações apresentadas.
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2. ASPECTOS GERAIS DO IRRF E DO BENEFICIO DO ART. 691 DO RIR/99
O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza encontra-se previsto no art.
153, inciso III, da Constituição Federal, que dispõe que:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: ...... III - renda e proventos de qualquer natureza; ..... § 2º - O imposto previsto no inciso III: I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei;
Em sede infraconstitucional, a matéria é tratada nos artigos 43 a 45 do CTN. Da
conjugação dos referidos artigos, o antecedente da regra-matriz de incidência do imposto
sobre a renda pode ser assim composta1:
Critério material: Consiste na “aquisição da disponibilidade econômica e jurídica de
renda e proventos de qualquer natureza”. Em outras palavras, o critério material da regra
matriz de incidência consiste em auferir renda ou proventos de qualquer natureza.
Tanto a aquisição efetiva de “renda ou proventos de qualquer natureza” quanto a mera
disponibilidade dos mesmos – ou ainda, o direito subjetivo à percepção daqueles – compõem
o indicador verbal do critério material da regra-matriz de incidência.
O segundo elemento do critério material consiste no complemento (objeto direto)
renda e proventos de qualquer natureza. Do art. 43 do CTN, decorre claramente que só há
renda tributável quando ocorrer uma variação patrimonial positiva, ou seja, quando o
patrimônio do contribuinte no momento subseqüente à ocorrência do fato gerador for superior
ao que existia no momento imediatamente anterior.
Critério espacial: no caso do imposto sobre a renda, o critério espacial permite
localizar no espaço quais sujeitos podem ser alcançados pela incidência da regra-matriz de
incidência. Muito embora o §1º do art. 43 do CTN, acima transcrito, estabeleça que o imposto
incide independentemente do local de origem da fonte pagadora, o critério espacial limita no
espaço a identificação do contribuinte na obrigação tributária.
1 A regra matriz de incidência tributária é a estrutura contida na norma jurídica tributária (geral e abstrata), rica na descrição de todos os seus elementos qualificadores essenciais (critérios material, espacial e temporal), que prescreve uma hipótese (tributária), a qual, quando subsumida por fato jurídico (tributário), faz nascer uma obrigação tributária conseqüente, estabelecendo o vínculo obrigacional entre sujeitos ativo e passivo, i. e. o fisco e o contribuinte.
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Critério temporal: No caso do imposto de renda, o critério espacial de suma
importância na medida em que informa os marcos temporais necessários que comporão o
intervalo de tempo que permitirá verificar se houve ou não algum acréscimo patrimonial.
Em alguns casos, contudo, o imposto de renda das pessoas jurídicas pode ser recolhido
sob o regime de retenção pela fonte pagadora. Trata-se do mesmo imposto, guardada sua
exata identidade, contudo sujeito a regimes de recolhimento diferentes, conforme a natureza
da hipótese tributária.
A tributação na fonte, como explica Mary Elbe Queiroz2, representa apenas uma
antecipação do imposto que é considerado devido por parte do contribuinte, no momento do
ajuste ou da apuração da base de cálculo. Em suas palavras: “O contribuinte do imposto é o
beneficiário. Entretanto, a lei impõe uma obrigação à fonte pagadora de, no momento do
pagamento, crédito, emprego, remessa etc. de rendimentos a pessoas físicas (assalariadas,
(sic) ou não) e a pessoas jurídicas nos termos da lei, efetuar a retenção e, (sic) o subseqüente
recolhimento do imposto”.
A incidência na fonte do imposto de renda foi adotada, historicamente, por uma série
de razões, ora de conveniência para a administração tributária (p.ex. coibir ou dificultar a
sonegação e estimular a adimplência), ora imperiosas (casos em que essa é a única forma
possível de recolhimento).
Constitui exemplo de razão imperiosa a tributação na fonte de rendimentos pagos a
pessoas domiciliadas fora do território nacional. Uma vez que o contribuinte de direito
encontra-se fora do território nacional – e, portanto, fora do alcance do poder de coerção
exercido pelo Estado nacional soberano – não resta outra alternativa para a administração
tributária garantir o recolhimento do tributo devido senão que a responsabilidade por este
recolhimento seja atribuída a um terceiro domiciliado no Brasil, in casu, a fonte pagadora.
Dentre estas situações, importam para o presente estudo as situações de remessa para o
exterior de receita decorrente do pagamento de afretamento de embarcações marítimas, para
as quais a legislação específica reduziu para zero a alíquota do imposto devido3.
2 QUEIROZ, Mary Elbe. Curso de especialização em direito tributário – Homenagem a Paulo de Barros Carvalho, 1ª ed., p. 471 3 Apenas para fins de referência, a alíquota zero nada mais é do que uma modalidade de isenção, que impede a percussão tributária. Com efeito, o legislador muitas vezes dá ensejo ao mesmo fenômeno jurídico que caracteriza a isenção, mas atribui à norma mutiladora da regra-matriz nomes outros que não “isenção”. Sobre a alíquota zero, leciona Paulo de Barros Carvalho: “Que expediência legislativa será essa que, reduzindo a alíquota a zero, aniquila o critério quantitativo do antecedente da regra-matriz do IPI. A conjuntura se repete: um preceito é dirigido à norma padrão, investindo contra o critério quantitativo do conseqüente. Qualquer que seja a base de cálculo, o resultado será o desaparecimento do objeto da prestação. Que diferença há em inutilizar a regra de
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O benefício fiscal cuja aplicação ora se analisa se encontra disposto no artigo 1º, I da
Lei nº 9.481/1997, atualmente consolidado no artigo 691, I do RIR/9, que assim dispõe:
Art. 691. A alíquota do imposto na fonte incidente sobre os rendimentos auferidos no País, por residentes ou domiciliados no exterior, fica reduzida para zero, nas seguintes hipóteses: I - receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas ou fluviais ou de aeronaves estrangeiras, feitos por empresas, desde que tenham sido aprovados pelas autoridades competentes, bem assim os pagamentos de aluguel de containers, sobrestadia e outros relativos ao uso de serviços de instalações portuárias; (Lei nº 9.481/97, art. 1º, e Lei nº 9.537/97, art. 20)
Apesar de existir tratamento fiscal diferenciado para contratos como o presente desde
1965, somente a partir do ano de 2003 a Receita Federal passou a defender que plataformas
não se enquadrariam no conceito de embarcação, de modo que os pagamentos decorrentes de
contrato de afretamento de plataformas não poderiam aproveitar o benefício da alíquota zero
em comento.
Diante deste cenário, o presente estudo envolve definir se plataformas de petróleo se
inserem no conceito de “Embarcações”, eis que, caso positiva a resposta, devem os contratos
de afretamento celebrados com residentes ou domiciliados no exterior se beneficiar da
alíquota zero do IRRF.
2.1 O Histórico Sobre a Tributação de IRRF sobre Contrato de Afretamento
O Decreto-Lei nº 5.844/43, em sua redação original, previa a desoneração tributária do
IRRF em determinadas operações com o estrangeiro, nos seguintes termos:
Art. 97. Sofrerão o desconto do imposto à razão da taxa de 10% os rendimentos percebidos: a) pelas pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no estrangeiro; b) pelos residentes no país que estiverem ausentes no exterior por mais de doze meses, salvo os referidos no art. 73;
incidência, atacando-a num critério ou noutro, se todos são imprescindíveis à dinâmica da percussão tributária? Nenhuma. No entanto, o legislador designa de isenção alguns casos, porém, em outros, utiliza fórmulas estranhas, como se não se tratasse do mesmo fenômeno jurídico.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 16ª ed. São Paulo: Noeses, 2004, 487).
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c) pelos residentes no estrangeiro que permaneceram no território nacional por menos de doze meses. (...) § 2º Excetuam-se das disposições dêste artigo as comissões pagas pelos exportadores de café nos seus agentes no exterior.
A desoneração fiscal sobre as atividades de navegação vinculadas com pessoas jurídicas
do estrangeiro foi inserida no Ordenamento Jurídico Brasileiro, através do Decreto-Lei nº
7.855, de 21.08.1945, o qual alterou a redação do § 2º acima transcrito, que passou a dispor o
seguinte:
§ 2º Excetuam-se das disposições dêste artigo: (...) b) as comissões pagas pelas emprêsas de navegação nacionais aos seus agentes no exterior, em razão dos serviços que êstes lhes prestam naquela qualidade.
Em 1947, a Lei nº 154 majorou a alíquota do IRRF para 15%, ao passo que, em 1965, a
Lei nº 4.862, alterou novamente o § 2º em comento e, pela primeira vez, isentou
expressamente do IRRF os rendimentos de residentes ou domiciliados no exterior decorrentes
de contrato de afretamento de embarcações. O referido dispositivo possuía a seguinte
redação:
§ 2º Excetuam-se das disposições dêste artigo: (...) b) os rendimentos atribuídos a residentes ou domiciliados no exterior, correspondentes a receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas e fluviais ou de aeronaves estrangeiras, feitos por emprêsas nacionais, desde que tenham sido aprovados pelas autoridades competentes.
O dispositivo acima foi modificado pela Lei nº 7.713, de 1988, de forma a também
incluir na norma isentiva do IRRF operações com containers e outros serviços portuários4. A
isenção em comento vigorou até a entrada em vigor da Lei nº 9.430, de 27.12.1996, eis que o
seu artigo 88, I, expressamente, a revogou. Sendo certo que o artigo 87 da Lei nº 9.430/96
determinou que essa lei apenas produziria efeitos financeiros a partir de 01.01.1997, pode-se
dizer que a desoneração fiscal sobre as operações em comento sequer chegou a vigorar. Isso
porque, já em 31.12.1996, foi editada a Medida Provisória nº 1.563, cujo artigo 1º, inciso I,
agora sob a roupagem da alíquota zero, manteve a desnecessidade de recolhimento do IRRF
nos seguintes termos:
4 § 2º Excetuam-se das disposições dêste artigo: (...) b) os rendimentos atribuídos a residentes ou domiciliados no exterior, correspondentes a receitas de fretes, a fretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas e fluviais ou aeronaves estrangeiras, feitos por empresas, desde que tenham sido aprovados pelas autoridades competentes, bem como ao pagamento de aluguel de "containers", de sobrestadia ou outros pagamentos relativos ao uso de serviços de instalações portuárias.”
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Art. 1° Relativamente aos fatos geradores ocorridos no ano-calendário de 1997, a alíquota do imposto de renda na fonte incidente sobre os rendimentos auferidos no País, por residentes ou domiciliados no exterior, fica reduzida para zero, nas seguintes hipóteses: I - receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas ou fluviais ou de aeronaves estrangeiras, feitos por empresas, desde que tenham sido aprovados pelas autoridades competentes, bem assim os pagamentos de aluguel de containers, sobrestadia e outros relativos ao uso de serviços de instalações portuárias;
A referida Medida Provisória foi reeditada algumas vezes, até que a sua versão nº
1.563-7, de 22.07.1997, veio a ser convertida na Lei nº 9.481, de 13.08.1997. Considerando
que a regra da alíquota zero em comento apenas vigoraria até 31.12.1997, em 14.11.1997, foi
editada a Medida Provisória nº 1.602/97, cujo artigo 20 alterou a redação do artigo 1º da Lei
nº 9.481/97, de forma a retirar a limitação temporal para a aplicação da alíquota zero do
IRRF, pelo que a redação do mencionado dispositivo, vigente até hoje, é a seguinte:
Art. 1º A alíquota do imposto de renda na fonte incidente sobre os rendimentos auferidos no País, por residentes ou domiciliados no exterior, fica reduzida para zero, nas seguintes hipóteses: I - receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas ou fluviais ou de aeronaves estrangeiras, feitos por empresas, desde que tenham sido aprovados pelas autoridades competentes, bem assim os pagamentos de aluguel de containers, sobrestadia e outros relativos ao uso de serviços de instalações portuárias;
A leitura do histórico acima denota de forma clara que a regra de desoneração tributária
em comento traduz uma consciente e intencional preocupação do legislador de assim fazer, a
qual vigora por quase meio século.
Não obstante, em nenhum momento as normas jurídicas acima expostas cuidaram de
definir o significado de “embarcações”. Esta circunstância é relevante se comparada ao fato
de que em muitas outras situações a legislação tributária veicula definições não apenas de
conceitos jurídicos, mais também de atividades materiais e outros assuntos e termos
quotidianos.
No presente caso, o fato de a legislação tributária não ter tido tal preocupação, ainda
mais considerando que se trata de regra de desoneração tributária, nos leva a uma conclusão
bastante lógica: ao editar a referida norma, nem o legislador, nem o aplicador (Receita Federal
do Brasil) tiveram qualquer dúvida quanto ao seu sentido.
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Seja pelo uso corrente do termo, seja por sua acepção lógica ou ainda pela análise
sistêmatica da legislação especializada, não há dúvidas de que plataformas de petróleo são
espécies do gênero embarcação e, portanto, as receitas decorrentes de contrato de afretamento
de plataformas com pessoas jurídicas domiciliadas no exterior devem ser alcançadas pelo
benefício fiscal a que faz referência o artigo 1º da Lei nº 9.481/97. É o que se passa a
demonstrar.
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3. A POLÊMICA ACERCA DA CLASSIFICAÇÃO DAS PLATAFORMAS
MARÍTIMAS PETROLÍFERAS COMO “EMBARCAÇÕES”
A nova interpretação da Receita Federal do Brasil sobre o assunto em análise pode ser
verificada a partir da ementa da decisão administrativa nº 4.484/03 referente ao auto de
infração nº 18471.001620/2003-36, lavrado contra a empresa Petrobrás S.A., em 27 de junho
de 2003, segundo a qual:
Acórdão nº 4484, de 12 de novembro de 2003 Assunto: Imposto sobre a Renda Retido na Fonte –IRRF Ementa: Remessas de Aluguéis para o exterior. Incidência do IR Fonte. Plataforma e embarcação são gêneros distintos de bens, portanto, os valores pagos a título de arredamento de plataformas estão sujeitos ao recolhimento do IRRF. Ano-Calendário: 1999, 2000, 2001, 2002 (...) Resultado do Julgamento: Lançamento Procedente
A discussão administrativa perpetuou até 2011, por ocasião do acórdão proferido pela
Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (CSRF), órgão máximo da
jurisdição administrativa em matéria tributária em âmbito federal, que decidiu por não aceitar
recurso interposto pela Petrobrás contra o acórdão da Sexta Câmara do antigo Primeiro
Conselho de Contribuintes (o atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF), o
qual decidiu pela validade da autuação fiscal e, por decorrência, pela possibilidade de
cobrança do IRRF sobre os pagamentos decorrentes de contratos de afretamentos de
plataformas utilizadas na atividade de exploração do petróleo.
O entendimento da Receita Federal parte de três premissas: (i) a Lei nº 9.537/97 deve
ser aplicada para fins da determinação da amplitude do conceito de embarcação utilizado pela
lei tributária; (ii) a definição constante no artigo 2º, V, da Lei nº 9.537/97 excluiria as
plataformas de petróleo, em razão da exigência de que, para ser considerada embarcação,
determinada construção flutuante deveria se destinar ao transporte de pessoas e/ou cargas e
(iii) o artigo 111 do CTN determina a interpretação literal de normas que concedem
benefícios fiscais, razão pela qual o termo “embarcações marítimas” previsto no artigo 1º, I,
da Lei nº 9.481/1997 deve ser interpretado restritivamente, de forma a excluir as plataformas
móveis de petróleo.
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No entanto, trata-se de premissas construídas de forma equivocada e bastante
superficiais.
Em primeiro lugar, porque sendo certo que a legislação tributária (que já trata da
desoneração fiscal em comento por quase meio século) não traz a definição legal de
embarcação, esta, nos termos dos artigos 109 e 110 do CTN, deve ser buscada com base nos
princípios e regras de direito privado. A análise dos conceitos de plataforma e embarcação em
seu uso corrente, por si só, são suficientes para concluir-se que plataformas constituem
espécie de embarcação.
Em segundo lugar, em razão da interpretação equivocada do Fisco Federal em relação à
delimitação do conceito de embarcação contido na Lei nº 9.537/97 (que regulamenta o
Tráfego Aquaviário), nitidamente contrária à própria literalidade lei. Isto porque, esse
dispositivo não exige que, para ser considerada embarcação, determinada construção flutuante
tenha que ser destinada ao transporte de pessoas e/ou cargas.
Em terceiro lugar, independentemente da definição de embarcação trazida pelo artigo
2º, V, da Lei nº 9537/97, o fato é que os artigos 109 e 110 do CTN permitem a utilização de
outras fontes para a definição do conceito de embarcação, que, como se analisará adiante,
ratificam a inclusão das plataformas no conceito de embarcações.
Por fim, porque o artigo 111 do CTN não é norma de competência que autorize a
autoridade administrativa a interpretar e construir a seu critério o conteúdo semântico dos
termos utilizados pela Lei tributária. Ao contrário, conjugando o artigo 111 do CTN com a
regra prevista no artigo 1º, I, da Lei nº 9.481/1997, a conclusão a que se chega é de que a
alíquota zero do IRRF só se aplica a embarcações e não a outros objetos. Sendo um
determinado objeto caracterizado como embarcação, não há como negar a aplicação da
alíquota zero do imposto.
3.1 O conceito de “Embarcação” e as regras de interpretação da legislação tributária
A Constituição Federal e, em especial, a legislação tributária prescrevem limites que
devem ser obedecidos pelo legislador tributário quanto aos conceitos, formas e institutos de
outros ramos jurídicos, mormente ao direito privado. O tratamento de delimitação dos
conceitos e da demarcação de seu campo semântico de significação decorre do princípio de
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certeza do direito que se impõe como medida da tributação e do espaço dos direitos dos
contribuintes a uma tributação com base em efetivo princípio de legalidade, como respeito aos
direitos de liberdade e de propriedade dos cidadãos.
Nesse sentido, vale mencionar o artigo 11, inciso I, “a” da Lei Complementar nº 95/98
que assevera que as disposições normativas serão redigidas com clareza e usarão “as palavras
e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto técnico,
hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando.”
O Código Tributário Nacional, ao estabelecer as regras de interpretação e integração da
Legislação Tributária, dispôs em seus artigos 109 e 110 o seguinte:
Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários. Artigo 110 – A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
Em comentários sobre os artigos 109 e 110 do CTN, Sacha Calmon Navarro Coelho e
Misabel Abreu Machado Derzi5 esclarecem que
os princípios gerais de Direito Privado prevalecem para a pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance dos institutos de Direito Privado, de tal sorte que ao aludir a tais institutos sem lhes dar definições próprias para efeitos fiscais (sujeito à limitação do art.118), o legislador tributário ou o aplicador ou intérprete da lei tributária deverá ater-se ao significado desses princípios como formulado no Direito Privado, mas não para definir os efeitos tributários de tais princípios.
O saudoso Mestre Aliomar Baleeiro6 confirma tal entendimento ao lecionar que:
Combinado o art. 109, o art. 110 faz prevalecer o império do Direito Privado-Civil ou Comercial – quanto à definição, conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas daquele direito, sem prejuízo de o Direito Tributário modificar-lhes os efeitos fiscais. Por ex., a solidariedade, a compensação, o pagamento, a mora, a quitação, a consignação, a remissão etc. podem ter efeitos tributários diversos. A quitação fiscal, p. ex., é dada sob a ressalva implícita do crédito fiscal (cf. CTN, art. 158). Para a maior clareza a regra interpretativa, o CTN declara que a inalterabilidade das definições, conteúdo e alcance dos institutos, conceitos e formas do Direito Privado é estabelecida no que interessa à competência tributária.
5 COELHO, Sacha Calmon Navarro e DERZI, Misabel Abreu Machado. Valor Contábil dos Bens e Direitos do Ativo da Pessoa Jurídica Entregues a Acionista a Titula de Devolução de sua Participação no Capital Social. in Revista Dialética de Direito Tributário (RDDT) nº 92, Maio de 2003, p. 119. 6 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 444 e 445
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Da leitura das lições acima resultam duas inevitáveis conclusões: (i) a lei tributária pode
ser compreendida e aplicada sem que todos os seus termos sejam redefinidos por ela e (ii) a
norma tributária pode alterar os efeitos fiscais de institutos de direito privado, devendo,
contudo respeitar as suas definições.
Havendo silêncio da norma tributária, devem os seus respectivos efeitos ser buscados
conforme as regras de direito privado, sendo vedado à lei tributária e também ao intérprete
alterar conceitos de direito privado.
Bem a propósito, vale lembrar os preciosos ensinamentos de Carlos Maximiliano7,
advertindo sobre o perigo da ampliação ou restrição indevida das normas:
Cumpre evitar, não só o demasiado apego à letra dos dispositivos positivos, como também o excesso contrário, o de forçar a exegese e deste modo encaixar a regra escrita, graças a sua fantasia do hermeneuta, as teses pelas quais este se apaixonou, de sorte que vislumbra no texto ideias apenas existentes no cérebro, ou no sentir individual, desvairado por ojerizas e pendores, entusiasmos e preconceitos. A interpretação deve ser objetiva, desapaixonada, equilibrada e às vezes audaciosa, porém não revolucionária, aguda, mas sempre atenta, respeitadora da lei.
É exatamente o que ocorre no caso em exame, na medida em que o disposto no artigo
1º, I, da Lei nº 9.481/97 não definiu e nem alterou o conceito de embarcação.
Apesar disso, não se trata de um conceito vazio, que demande qualquer “construção”
pelo intérprete e aplicador. Ao contrário, trata-se de conceito com conteúdo definido, tanto é
assim que foi utilizado por décadas, sem maiores questionamentos. A própria Constituição
Federal faz uso do termo em seu artigo 178, § 2º8, sem que lhe faça qualquer restrição ou
alteração de conteúdo para fins fiscais ou quaisquer outros.
Este conteúdo pode ser encontrado por diversas formas: (i) uso comum da palavra; (ii)
uso técnico, que supõe qualificação existente em alguma área específica; e (iii) uso legal,
quando a lei tributária se refere a um conceito jurídico contido em outra seara do direito
privado ou quando a norma remete para outro dispositivo legal que veicula seu conceito.
A busca dos conceitos em seu uso comum (corrente) é a regra, afastada apenas quando
houver remissão expressa na lei tributária ou qualquer forma de conexão material. Após a
análise do uso comum de determinado conceito, pode e, não raro, deve o intérprete ampliar 7 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 103 8 Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 7, de 1995) Parágrafo único. Na ordenação do transporte aquático, a lei estabelecerá as condições em que o transporte de mercadorias na cabotagem e a navegação interior poderão ser feitos por embarcações estrangeiras. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 7, de 1995)
18
sua análise para outras áreas do Direito privado, cuidando sempre para que, ao invés de
interpretar o conteúdo da lei, acabe por integrá-la com finalidade ou conceito por ela não
prevista. Não é outra a lição de Ricardo Lodi Ribeiro9:
De cada conceito, podemos extrair um âmbito nuclear, represnetado pelo sentido que, em primeiro lugar, é utilizado na linguagem corrente. No entanto, em tal conceito ainda estão abrangidas outras acepções, só algumas vezes levadas em conta no uso linguístico geral ou apenas utilizadas no uso especial. São os fenômenos contidos na chamada francha marginal do conceito. O limite da francha marginal nos é dado pela interpretação extensiva. Além desta, não há mais que se falar em interpretação, mas integração do Direito. (grifos no original)
A regra disposta no artigo 1º, I, da Lei nº 9.481/97 não faz remissão a nenhuma área de
conhecimento específica e nem a outra lei. Assim, o conceito de embarcação deve ser buscado
em seu uso comum e nas demais áreas do Direito Privado, tal qual preveem as normas acima
mencionadas.
3.2. O conceito de embarcação em seu uso comum e o conceito de plataforma
Considerando o exposto acima, antes de adentrarmos na discussão acerca do alcance
das regras trazidas pela Lei nº 9.537/97, cumpre observar que o conceito de embarcação é
diverso do conceito de navio. Oportuna a transcrição dos respectivos significados lingüísticos,
extraídos do Dicionário Aurélio10:
Embarcação (...) 2. Ant. Bras. Designação comum a toda construção destinada a navegar sobre água. Navio (...)1. Embarcação de grande tamanho.
Como se verifica, embarcação não é sinônimo de navio. Embarcação caracteriza-se
como gênero, enquanto navio é espécie, juntamente com transatlânticos, barcos de pesca,
rebocadores, navios-fábrica, plataformas de petróleo11 etc.
9 RIBEIRO, Ricardo Lodi. Justiça, interpretação e elisão tributária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 97. 10 Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão : 5ª. Edição do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 11 A doutrina é unânime nesse sentido, conforme demonstra Maria Augusta Paim:
19
O elemento essencial pra o conceito de embarcação está relacionado com sua
capacidade de navegar, ou seja, em sua navegabilidade, assim entendida como a possiblidade
de viajar sobre a água utilizando veículo apropriado12.
Portanto, de acordo com o uso corrente do conceito, para ser reconhecido como
embarcação, é necessário que tal objeto tenha aptidão para conduzir-se pela água, interferindo
de algum modo nesse ambiente.
Por sua vez, as plataformas se definem como qualquer estrutura marítima que possua
áreas planas acima do nível do mar, e que permitam o alcance de reservas no fundo do mar,
usadas para operações de exploração (prospecção e perfuração), produção e armazenamento
de petróleo e gás natural.
Dentre as classificações, existem plataformas fixas e móveis (plataformas
submersíveis, auto-elevatória, semi-submersível, navio-sonda etc). De acordo com os
significados definidos pelas autoridades marítimas brasileiras, constantes das Normas de
Autoridade Marítima para Embarcações Empregadas na Navegação de Mar Aberto –
NORMAM 01 (aprovadas pela Portaria nº 09, de 11 de fevereiro de 2000), Plataforma
Marítima Móvel é definida como a embarcação capaz de realizar a lavra de recursos minerais,
líquidos ou gasosos, abaixo do leito marinho, em mar aberto. Plataforma Marítima Fixa é
definida como uma estrutura de aço ou concreto, apoiada no fundo do mar e sobre a qual são
instalados equipamentos de perfuração e/ou produção de óleo ou gás, em mar aberto.
As plataformas móveis são aptas a deslocar-se a reboque ou por propulsão própria e
suas unidades são projetadas para flutuar e navegar com segurança, embora suas
características estruturais não se assemelhem às embarcações tradicionais. Seu emprego na
exploração ou prospecção de petróleo exige e presume habitual locomoção para alcançar o
poço que será prospectado e perfurado a fim de colher informações sobre a viabilidade
econômica de futura atividade de produção.
“É consenso na doutrina que embarcação é gênero que compreende várias espécies de estruturas marítimas, que têm em comum o fato de se locomovem (sic) ou flutuarem sobre as águas. Nesse sentido: Dizemos que embarcação é o gênero do qual o navio é uma espécie. (ANJOS, Haroldo dos; GOMES, Carlos Rubens Caminha. Curso de direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992.p.28). (...) Parece que o termo “embarcação” designa uma variedade de estruturas marítimas, enquanto o termo “navio” é limitado para poucas espécies do mesmo gênero. (LAZARATOS, George. The definition of ship in international law. Revue Hellénique de Droit International, p.64, 1969).” (PAIM, Maria Augusta. Plataforma marítima é embarcação. In Revista Direito Aduaneiro, Marítimo e Portuário, nº 8, p.10, mai/jun 2012 12 Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão : 5ª. Edição do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
20
As plataformas fixas têm colunas fincadas no fundo do mar e, regra geral, podem ficar
estacionadas em determinado local por anos, durante todo o período de produção da jazida,
que pode variar entre 20 a 40 anos. Ainda assim tais plataformas podem desenvolver a
navegação, sobretudo para a instalação e remoção da estrutura.
Esta distinção entre plataformas móveis e fixas vem sendo cada vez mais relativizada,
pois com o avanço da tecnologia mesmo as estruturas para produção do petróleo (antigamente
entendidas como fixas) vem se modernizando e, não raro, passam a dispor de dispositivos de
mobilidade, como é o caso, por exemplo, das unidades FPSO (Floating, Production, Storage
and Offloading), que apesar de agregar atribuições de produção, estocagem e transferência de
petróleo, preservam alto grau de navegabilidade.
Desse modo, apesar de fisicamente não se assemelharem aos tipos tradicionais e
corriqueiros de embarcação, pode-se concluir que as plataformas de petróleo preenchem todos
os requisitos necessários para seu enquadramento como “embarcação”, pois, além de serem
dotadas com aptidão de navegabilidade, possuem tripulação, o que indica serem, de alguma
forma, controladas e operadas quando no mar. Corroborando esta conclusão, vale mencionar a
lição de Luciene Strada13 que, em estudo específico sobre a natureza jurídica das plataformas
marítimas afirma que “as plataformas móveis de perfuração marítima perante a legislação
brasileira são consideradas EMBARCAÇÃO para quaisquer fins e sob qualquer modo de
operação”.
Há quem defenda que enquanto estão operando, as plataformas de petróleo (móveis ou
fixas) deveriam ser consideradas como estruturas fixas, excluindo-se do conceito de
embarcação. No entanto, tal entendimento não pode prosperar, uma vez que em nenhum
momento as plataformas perdem sua condição de navegabilidade.
No caso das plataformas móveis, tal condição é evidente, porque a função típica das
plataformas móveis e também das FPSOs é uma função itinerante, de deslocar pessoas e
equipamentos de um lugar para o outro em busca de poços suscetíveis de exploração. No
entanto, mesmo as plataformas fixas são capazes de se locomover, ao menos para alcançar e
se afastar do local de produção.
A prevalecer este entendimento, navios ancorados ou em períodos de reparação, por
exemplo, não seriam considerados embarcações pela simples razão de não estarem navegando
naquele momento.
13 STRADA, Luciene. Natureza Jurídica das Plataformas Marítimas. Rio de Janeiro/RJ: Cemart, 1986.
21
3.3. Qualificação jurídica da plataforma marítima como embarcação: Análise da Lei nº
9.537/97
De acordo com o entendimento da Receita Federal do Brasil, a definição trazida pelo
artigo 2o, inciso V, da Lei n. 9.537/97 leva a conclusão de que plataforma não se inseriria no
conceito de Embarcação, não podendo, portanto, se aproveitar da desoneração trazida pelo
artigo 691, I, do RIR/99, sob pena de violação do artigo 111, I, do CTN.
A primeira impropriedade que merece destaque diz respeito à aplicação isolada da Lei
nº 9.537/1997 para fins da definição do termo embarcação contido na legislação tributária.
Com efeito, a Lei nº 9.537/1997 tem por objeto a segurança do tráfego aquaviário em
águas sob jurisdição nacional. Em relação especificamente aos fins a que se propõe, referida
lei oferece diversos conceitos sobre a matéria em tela, dentre eles, os conceitos de
“embarcações” e “plataforma”, como segue:
Art. 1° A segurança da navegação, nas águas sob jurisdição nacional, rege-se por esta Lei. ... Art. 2° Para os efeitos desta Lei, ficam estabelecidos os seguintes conceitos e definições: ..... V - Embarcação - qualquer construção, inclusive as plataformas flutuantes e, quando rebocadas, as fixas, sujeita a inscrição na autoridade marítima e suscetível de se locomover na água, por meios próprios ou não, transportando pessoas ou cargas; .... XIV - Plataforma - instalação ou estrutura, fixa ou flutuante, destinada às atividades direta ou indiretamente relacionadas com a pesquisa, exploração e explotação dos recursos oriundos do leito das águas interiores e seu subsolo ou do mar, inclusive da plataforma continental e seu subsolo;
Conforme exposto no item 3.1 acima, para que a referida lei pudesse ser considerada
como ponto de partida para interpretação do conceito, seria necessário que a Lei nº
9.481/1997 o tivesse expressamente remetido para sua análise.
Assim não sendo, não há razão que justifique a utilização específica do conceito da Lei
nº 9.537/1997 de forma dissociada do restante do ordenamento jurídico e, principalmente do
uso corrente, para fins de interpretação do conceito de “embarcações” contido na legislação
tributária.
22
Não bastasse isso, é de se notar que a Lei nº 9.537/1997 é bastante explícita ao afirmar
que os conceitos nela definidos possuem aplicação restrita aos fins específicos da própria Lei,
qual seja a segurança do tráfego aquaviário. Noutras palavras, não se trata de legislação geral
para fins de definição ou classificação ontológica do termo, mas sim de legislação baseada em
conceitos definidos em função da matéria nela regulada.
Se a lei não tratou de ampliar seu âmbito de atuação para além da matéria nela regulada,
não cabe ao intérprete fazê-lo. Nesse sentido, vale trazer à baila as lições de Marco Aurélio
Greco14 que, fazendo uso dos ensinamentos de Eros Grau, assim leciona:
Aliás, transplantar a definição de um termo (signo) existente numa norma, como se fora definição de um conceito (expressão mental de um objeto) utilizado por outra norma é uma grave hipótese de equívoco, como denuncia expressamente Eros Roberto Grau:
“Outro aspecto a enfatizar é o relativo à circunstância de que a estipulação de uma definição legal pode inúmeras vezes nos conduzir a conclusões equivocadas. Isso ocorre quando, enganosa ou enganadamente, substituímos o conceito pela definição do seu termo, estipulada no âmbito e para os efeitos de um determinado contexto normativo”
Superada esta colocação inicial, passemos a demonstrar a abrangência do conceito de
“embarcação” definido no art. 2º, V, da Lei nº 9.537/97 e utilizado pela Receita Federal de
modo a restringir a regra referente à aplicação da alíquota zero do IRRF aos contratos de
afretamento de plataformas, nos termos do artigo 691 do RIR/99.
Em que pese o fato de o referido dispositivo ser expresso em inserir as plataformas
flutuantes no conceito de embarcação e, ainda, ser catedrático ao estabelecer os requisitos que
definem determinado objeto como uma embarcação, a Receita Federal tem utilizado como
fundamento o referido dispositivo legal para concluir que o elemento destinação seria
fundamental para a definição do conceito de “embarcação”, no qual se inseririam apenas
aquelas construções flutuantes destinadas ao transporte de pessoas ou cargas.
Trata-se, contudo, de interpretação nitidamente contrária à literalidade da Lei. Isto
porque, esse dispositivo não exige que, para ser considerada embarcação, determinada
construção flutuante tenha que ser destinada ao transporte de pessoas e/ou cargas.
A mais simples leitura do referido dispositivo evidencia que o mesmo, expressamente,
insere plataformas flutuantes no conceito de embarcação. Além disso, para se caracterizar
14 GRECO, Marco Aurélio. In parecer emitido para a Petrobras e apresentado nos autos da ação ordinária nº 2008.51.01.007040-8, às fls. 126 a 174.
23
como embarcação, apenas exige que determinada coisa preencha três elementos principais: (i)
elemento estrutural – ser uma construção (ii) elemento funcional – ser suscetível de se
locomover na água transportando pessoas e/ou coisas e (iii) elemento formal – sujeitar-se ao
registro no órgão competente.
O elemento estrutural se representa pela idéia de construção de qualquer natureza ou
modalidade, independentemente de suas dimensões, do material utilizado ou do meio de
propulsão. Por sua vez, o elemento funcional reflete o uso comum da palavra “embarcação” e
se refere a sua navegabilidade, ou seja, sua capacidade de locomover-se na água. Por último, o
elemento formal respeita ao respectivo registro junto às autoridades marítimas competentes.
Diante do conceito de plataforma já mencionado no item 3.1 acima, é evidente que
todos estes elementos são preenchidos, considerando-se que as plataformas de petróleo são
construções com plena capacidade de locomoção na água, característica esta que é intrínseca a
própria atividade desenvolvida pelas plataformas de petróleo.
A necessidade de registro junto às autoridades marítimas competentes decorre
diretamente de lei, mas sua verificação depende da análise dos casos concretos, quer dizer, se
determinada plataforma cumpriu ou não com esta determinação.
Assim, tem-se que o elemento destinação suscitado pela Receita Federal nunca foi – e
ainda não é – critério para definir o conceito de Embarcação. É o que se passa a demonstrar
através da interpretação da norma em quaisquer de suas modalidades.
3.4. Interpretação literal ou gramatical do inciso V, do art. 2º, da Lei nº 9.537/97
A utilização do verbo “transportando” constante na parte final do inciso V, do art. 2º,
da Lei nº 9.537/97 na forma de gerúndio, seguida da expressão “qualquer construção (...)
suscetível de se locomover na água (...)” indica claramente que o legislador apenas exige que
a construção seja capaz de, ao mesmo tempo, ser movida de um ponto a outro na água e
também transportar pessoas e/ou cargas.
Não se trata de uma condição finalística ou da efetividade do transporte, mas, sim, de
sua suscetibilidade, tal como expressamente está contido na norma: suscetível de se
locomover na água transportando pessoas e cargas. O uso do verbo transportar no gerúndio
(transportando) é gramaticalmente incompatível com a idéia de finalidade ou destino.
24
Ao afirmar que plataformas não se destinam ao transporte e, por isso (somente por isso)
não poderiam ser equiparadas às embarcações, a Receita Federal está interpretando o conceito
de embarcação de acordo com o elemento de finalidade ou destinação.
Ocorre que, fosse esta a vontade da lei, ela o teria feito de forma expressa, tal qual o vez
por ocasião da definição de plataforma, que, conforme exposto acima, define como
“instalação ou estrutura, fixa ou flutuante, destinada às atividades direta ou indiretamente
relacionadas com a pesquisa, exploração e exploração dos recursos oriundos do leito das
águas interiores e seu subsolo ou do mar, inclusive da plataforma continental e seu subsolo”.
Como se vê, enquanto a definição legal de plataforma é uma definição finalística, que
tem por elemento principal sua destinação econômica, a definição de embarcação prescinde
do elemento de finalidade, bastando para sua conceituação a aptidão para navegar,
independentemente de seu fim.
Além disso, excluir as plataformas móveis do conceito de embarcação pela única razão
de que esta não é empregada com a finalidade de transporte de pessoas e cargas representa
nítida contradição considerando que, por um lado, o inciso V do artigo 2º da Lei nº 9.537/97
incluiu expressamente as plataformas em sua definição de embarcação, enquanto por outro
define de forma categórica que as plataformas têm como função precípua a pesquisa,
exploração e prospecção de petróleo e não o transporte de cargas ou pessoas, ainda que as
plataformas de petróleo, em quaisquer de suas modalidades, sejam suscetíveis de transportar
os profissionais que nela trabalham, como também os equipamentos de perfuração e produção
de óleo e gás, atendendo, portanto, ao conceito contido na norma.
3.5. Interpretação histórica do conceito de embarcação
Tal qual decorre da interpretação gramatical, o elemento histórico da hermenêutica
aponta de forma decisiva para o fato de que o emprego ou destino no transporte de pessoas
não é elemento essencial do conceito de embarcação.
No que tange à legislação especializada, já em 1940, o Decreto nº 5.798, de 11.06.1940,
o qual aprovou o antigo Regulamento das Capitanias dos Portos, definia embarcação como
sendo “toda construção suscetível de se locomover n’água, quaisquer que sejam as suas
características.”
25
O Decreto nº 87.648, de 24 de setembro de 1982, que aprovou um novo Regulamento
para o Tráfego Marítimo (atualmente revogado) dispunha que “o termo “embarcação”,
empregado neste Regulamento, abrange toda construção suscetível de se locomover n’água,
quaisquer que sejam suas características.” Noutro artigo, referido decreto definia o conceito
de embarcação mercante, que abrangia “embarcações destinadas ao comércio marítimo,
fluvial ou lacustre, e ao transporte de carga e/ou de passageiros.”
Esta mesma definição é contemplada pelo art. 5º, parágrafo 2º, da Lei n. 7.273, de
10.12.1984, que tratava das regras de “busca e salvamento de vida humana em perigo no
mar”. Veja-se:
“Art. 5 o Todo Comandante é obrigado, desde que o possa fazer sem perigo sério para sua embarcação, tripulação, passageiro ou para outra pessoa, a utilizar sua embarcação e meios sob sua responsabilidade para prestar auxílio a quem estiver em perigo de vida no mar, nos portos ou nas vias navegáveis interiores. (...) § 2o Para efeitos desta lei, a palavra "embarcação" é empregada, genericamente, para designar toda construção suscetível de se locomover na água, quaisquer que sejam suas características.”
O que se verifica, portanto, é que a definição de “embarcação” considerava tão somente
o elemento estrutural referente a existência de uma construção e ao elemento funcional,
consistente na navegabilidade ou suscetibilidade de locomoção na água. Note-se que não
havia qualquer alusão ao transporte de pessoas ou bens, excetu para um refinamento do
conceito em torno da “embarcação mercante”, espécie da qual embarcação é gênero.
Em 1992, o artigo 1º do Decreto nº 511/92 alterou o artigo 10 do Decreto nº 87.648/82,
para definir embarcação como sendo “qualquer construção, capaz de transportar pessoas ou
coisas, suscetível de se locomover na água por meios próprios ou não”.
A redação do dispositivo, contudo, não deixa margem para dúvidas: a referência ao
transporte de cargas ou pessoas, quando reportada às embarcações em geral, não tem o caráter
de finalidade ou destinação, mas tão somente de suscetibilidade ou capacidade de transporte,
tal qual dispõe o artigo 2º, V, da Lei nº 9.537/97.
A evolução legislativa acima evidencia que, primeiramente, bastava a simples
locomoção na água para se caracterizar como embarcação. O Decreto nº 87.648/97, por sua
vez, acrescentou a necessidade da construção ser capaz de transportar pessoas ou cargas e, a
legislação atualmente em vigor apenas acrescentou a necessidade da construção estar sujeita à
inscrição na autoridade marítima. Valendo destacar, ainda, a sua expressa menção ao termo
“plataformas flutuantes”.
26
Resta, assim, evidente que, histórica e literalmente, as plataformas constituem espécie
de embarcação desde que (i) possam se locomover em água, por meios próprios ou não; (ii)
sejam capazes de transportar pessoas ou cargas, e; (iii) estejam sujeitas à inscrição junto à
autoridade marítima. Nada mais.
Por oportuno, a fim de afastar qualquer dúvida quanto ao fato de que a Legislação
Brasileira considera plataforma como uma espécie de Embarcação, vale esclarecer que oito
dias após a edição da Lei nº 9.537/97 foi publicada a Lei nº 9.578/97, a qual dispõe sobre o
Tribunal Marítimo (Lei n. 2.180, de 05.02.1954) e cujo art. 10, “m”, reconhece a sua
jurisdição sobre ilhas artificiais, instalações estruturas, bem como embarcações de qualquer
nacionalidade empregadas em operações relacionadas com pesquisa científica marinha,
prospecção, exploração, produção, armazenamento e beneficiamento dos recursos naturais,
nas águas interiores, no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma
continental brasileiros, respeitados os acordos bilaterais ou multilaterais firmados pelo País e
as normas do Direito Internacional.
Neste mesmo diapasão também dispõe o artigo 4º, § 2º, V, da Lei n. 11.786/08, o qual
expressamente considera plataforma espécie de embarcação, ao afirmar que: “(...) das
operações relacionadas à construção ou à produção, em estaleiro brasileiro, de embarcação
especializada do tipo navio ou plataforma flutuante semi-submersível, destinada às operações
de exploração, perfuração e completação petrolíferas e as relacionadas ao desenvolvimento da
exploração e produção de petróleo e gás natural oriundas de reservas localizadas no mar
territorial brasileiro”.
3.6. Interpretação sistemática do conceito de embarcação
Não bastasse a clareza da legislação trazida no item acima, que de forma expressa traz o
conceito de embarcação, afastando-o da limitação quanto à sua finalidade, a análise das
demais leis especializadas sobre o assunto também demonstra a não essencialidade do critério
de destinação para fins do conceito de embarcação, o qual pode abarcar diversas finalidades
distintas, e não apenas o transporte de bens e pessoas.
Nesse sentido, a Marinha do Brasil, órgão designado pela própria Lei nº 9.537/97 para o
registro das embarcações, por meio da Portaria nº 9, de 11 de fevereiro de 2000, que aprova a
27
NORMAM 1 (Normas da Autoridade Marítima para Embarcações Empregadas na Navegação
de Mar Aberto), reconhece expressamente que as plataformas devem ser consideradas como
embarcações, sendo, portanto, passível de registro, sem qualquer distinção quanto a sua
finalidade. Veja-se:
INSCRIÇÃO E REGISTRO DE EMBARCAÇÕES 0201 - APLICAÇÃO Todas as embarcações brasileiras estão sujeitas à inscrição nas Capitanias dos Portos (CP), Delegacias (DL) ou Agências (AG), excetuando-se as pertencentes à Marinha do Brasil. As embarcações com arqueação bruta maior ou igual a 100, além de inscritas nas CP, DL ou AG, devem ser registradas no Tribunal Marítimo. As plataformas móveis são consideradas embarcações, estando sujeitas à inscrição e/ou registro. As plataformas fixas, quando rebocadas, são consideradas embarcações, estando, também, sujeitas a inscrição e/ou registro.
Por outro lado, a mesma Portaria lista no item 0215 do Capítulo II, os tipos de
embarcações de acordo com seus tipos, suas atividades ou serviços e formas de propulsão, da
seguinte forma:
0216 - CLASSIFICAÇÃO DAS EMBARCAÇÕES As embarcações serão classificadas como abaixo descrito: a) Tipos de Navegação de mar aberto: 1) Longo Curso; 2) Cabotagem; e 3) Apoio Marítimo. b) Atividades ou Serviços 1) Passageiro; 2) Carga; 3) Rebocador e empurrador; 4) Pesca; 5) Esporte e/ou Recreio; e 6) Outra atividade ou serviço. c) Propulsão 1) Com propulsão; e 2) Sem propulsão. d) Tipo de Embarcação 1. Balsa 21. Outras embarcações 2. Barcaça 22.Outros graneleiros 3. Bote 23. Passageiro/carga geral 4. Cábrea 24. Passageiro/roll-on roll-off
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5. Carga geral 25.Passageiro6. Carga refrigerada 26.Pesqueiro7. Chata 27.Pesquisa8. Cisterna 28. Petroleiros9. Dique flutuante 29.Plataforma10. Draga 30.Porta - contentor 11. Escuna 31.Quebra-gelo12. Ferry boat 32.Químicos13. Flutuante 33.Rebocador/empurrador 14. Gases liquefeitos 34.Roll-on roll-off 15. Graneleiro 35.Saveiro16. Graneleiro (ore oil) 36.Sonda17. Hovercraft 37.Supridores de plataformas
marítimas (supply) 18. Jangada 38. Traineira19. Lancha 39. Veleiro20. Lancha do prático
Deste dispositivo decorrem duas conclusões: primeiro, que as embarcações podem ter
finalidades múltiplas, distintas daquelas relacionadas ao transporte, sem que percam a
natureza de embarcação, o que significa dizer que todos os tipos de embarcação estão
abrangidos e englobados tanto pelo artigo 2º, V, da Lei nº 9.537/97, quanto pela regra
desonerativa do artigo 1º, I, da Lei nº 9.481/1997; segundo, que plataformas são sim uma
espécie do gênero Embarcação, conforme expressamente disposto no subitem 29 da tabela
acima transcrita.
Tais conclusões, inclusive, são prestigiadas pelo Ministério de Minas e Energia e
também pela Diretoria de Portos e Costas da Marinha do Brasil. Neste particular, convém
destacar que o Ministério de Minas e Energia, compartilhando o entendimento do Instituto
Brasileiro de Petróleo e Gás no sentido de ser plataforma uma espécie de embarcação,
formulou uma consulta formal à Marinha do Brasil, o qual emitiu o Parecer nº 023/06, cujas
conclusões são transcritas a seguir:
Por todo o exposto, considerando não só questões técnicas envolvendo as plataformas móveis, como também os costumes, a doutrina, a jurisprudência e o ordenamento jurídico, aqui contidas as normas internacionais, haveremos de concluir que a natureza jurídica da plataforma móvel é de uma embarcação especial, que se constitui, na forma do inciso XIV, do art. 2º, da Lei 9.537/97, de instalação ou estrutura flutuante, destinando-se às atividades direta ou indiretamente relacionadas com a pesquisa, exploração e explotação dos recursos oriundos do leito das aguas interiores e seu subsolo ou do mar, inclusive da plataforma continental e seu subsolo. Nessa análise teleológica aqui feita, buscando a resposta para a indagação formulada, tivemos em vista o fim da lei na sua busca para uma atuação prática. Não ficamos aquém, nem fomos além do que informam as normas
29
de navegação. Concluímos com o pensamento de que a norma foi feita para atingir um objetivo, considerando mesmo que a lei não existem palavras inúteis. (...) Uma coisa não pode ser e deixar de ser ao mesmo tempo. Ou ela é ou não é. Legis quo volet dixit, quod non volet tacet ( A lei diz o que quer exprimir, e se cala sobre aquilo que não quer dizer. Logo se a lei diz que plataforma móvel é uma embarcação, por certo ela será sempre, até que venha a perder as suas características como tal.
Nada obstante a conclusão acima, a qual traduz o entendimento oficial de órgãos
públicos competentes para (i) tratar de questões relacionadas à exploração de petróleo, e (ii)
estabelecer a ordem no transporte marítimo, a doutrina nacional também já teve a
oportunidade de se debruçar sobre o assunto.
Sobre o assunto, vale observar os entendimentos de Marco Aurélio Greco, o qual, em
parecer emitido para a Petrobras e apresentado nos autos da ação ordinária nº
2008.51.01.007040-8, às fls. 126 a 174, teve a oportunidade de se debruçar sobre o tema e
concluir, com clareza, que plataformas são uma espécie do gênero embarcação:
a) A Lei n. 9.537/97 não é invocável para determinar o sentido e o alcance do termo “embarcação” utilizado pela Lei n. 9.481/97; b) o sentido corrente do termo “embarcação” utilizado no Brasil alcança as plataformas móveis; c) o artigo 111 do Código Tributário Nacional (CTN) dispõe sobre interpretação dos dispositivos que concedem isenções ou exclusões do crédito tributário, mas não autoriza o Fisco a reduzir a amplitude da respectiva previsão legal; e (...)
Por fim, não custa repetir que, apesar da regra de desoneração fiscal aqui analisada
existir no ordenamento jurídico brasileiro desde 1965, até hoje (passados quase meio século),
o legislador tributário não se preocupou em definir o que seria uma Embarcação para fins de
aproveitamento do benefício fiscal de IRRF em comento.
Esse silêncio do legislador tributário, claramente, indica que o mesmo está satisfeito
com a definição que é dada pela legislação específica e pelos órgãos competentes, a qual
reflete com precisão o senso comum.
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4. DA CONTRADITÓRIA INVOCAÇÃO DO ARTIGO 111 DO CTN
Em defesa da exclusão das plataformas móveis do conceito de embarcações previsto no
artigo 2o, inciso V, da Lei n. 9.537/97, a Receita Federal do Brasil recorre ao artigo 111 do
CTN, segundo o qual: “Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: I
– suspensão ou exclusão do crédito tributário;”
O artigo 111 do CTN tem sido objeto de críticas freqüentes sob o argumento de que a
interpretação não seria uma forma de interpretação jurídica, mas apenas uma compreensão
simplista de determinado dispositivo legal.
Neste contexto, pode-se destacar as lições de Ricardo Lobo Torres15, segundo o qual:
“Do ponto de vista do limite do processo interpretativo, o art.111 constitui uma demasia e uma redundância, posto que a interpretação literal se confunde com a própria interpretação; por outro lado, é ambíguo e insuficiente em virtude da imprecisão do limite de expressividade da letra da lei, que antes examinamos”
Apesar das muitas críticas, trata-se de dispositivo em vigor e cuja regra vem sendo
entendida como a vedação de que as normas que prevejam a suspensão ou exclusão do crédito
tributário, a outorga de isenção, ou a dispensa do cumprimento de obrigações tributárias
acessórias não devem comportar nenhuma forma de integração prevista no artigo 108 do
CTN. Ao contrário, tais regras devem ser interpretadas literalmente.
Trazendo os ensinamentos acima para o caso sob análise, o objetivo do artigo 111 do
CTN é que as normas tributárias que tratam sobre a exclusão do crédito tributário sejam
interpretadas literalmente, não podendo, consequentemente, ser restringido, tampouco
ampliado, o conceito do termo “embarcação” disposto no artigo 1º, I, da Lei nº 9.481/1997.
Assim, sendo certo que o artigo 111, I, do CTN impõe interpretação restritiva para as
normas que disponham sobre a exclusão do crédito tributário, e que o elemento destinação
não se faz presente no artigo 2o, inciso V, da Lei n. 9.537/97, não poderia a conjugação de
ambos culminar na restrição imposta pelo fisco. Justamente o contrário.
O artigo 111 do CTN busca uma posição neutra do intérprete em relação à lei, no
sentido de nada acrescer ao que ela determina e também nada retirar. Cabe-lhe, portanto, dizer
15 TORRES. Ricardo Lobo. Normas de interpretação e integração do Direito Tributário, 2ª Ed. Forense: Rio de Janeiro, 1994, p.103.
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somente o que está na lei e não ampliá-la para abranger casos nela não previstos ou restringi-
la, a ponto de limitar-lhe seu conteúdo e efeitos, tal qual ensina Luciano Amaro16: “Nessas
matérias, quer o Código que o intérprete se guie preponderantemente pela letra da lei, sem
ampliar seus comandos nem aplicar a integração analógica ou a interpretação extensiva.”
No presente caso, ao ampliar o conceito de embarcações para fins da concessão do
benefício fiscal, impondo-lhe a condição de destinação exclusiva ao transporte de cargas e
pessoas, a interpretação defendida pela Receita Federal do Brasil acaba por fugir da
literalidade da norma tributária excludente de crédito tributário, em clara violação ao artigo
111, I, do CTN. Ora, se a lei que concedeu o benefício não estabelece qualquer tipo de
restrição dessa natureza, jamais poderia o fisco fazê-la a título meramente de interpretação da
norma, sob pena de violar também os mais basilares princípios de direito tributário, tais como
a estrita legalidade tributária e a tipicidade cerrada.
Conforme exposto no item 3.4 acima, mesmo a interpretação literal ou gramática da
regra disposta no artigo 2o, inciso V, da Lei n. 9.537/97 já revela, por si só, a inexatidão do
entendimento defendido pela Receita Federal que, ao contrário de interpretar o conceito de
“embarcação” de forma literal, acaba por construir uma restrição que, além de estranha à letra
da Lei, sequer possui coerência com os demais argumentos por ela invocados.
16 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, São Paulo, 1997, p.209.
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5. DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS
A questão de saber se uma plataforma constitui ou não embarcação foi suscitada em
nossos Tribunais Superiores em 1974, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº
76.133, em 13/09/74, no qual figuraram como recorrentes as empresas Petróleo Brasileiro
S/A- Petrobras - e Companhia Comércio de Navegação e recorrida a União Federal.
À ocasião discutia-se de uma plataforma auto-elevadora para perfuração submarina
constituía embarcação, estando, consequentemente isenta de IPI (em face à legislação vigente
à época).
De acordo com o voto do Relator, Exmo. Sr. Ministro Antonio Neder, caberia tão
somente ao Ministério da Marinha confirmar se plataforma de petróleo é (ou não) uma
embarcação, mediante a expedição do respectivo certificado, no qual a conceituasse como tal,
in verbis:
Com efeito, os documentos de f. 46 e 47, ambos expedidos pelo Ministério da Marinha, constituem prova indiscutível de que a plataforma a que se refere este processo é uma embarcação, tanto que ambos esses papéis contêm indicação de todos os dados técnicos que autorizam defini-la como tal. (...)
No âmbito dos Tribunais Regionais Federais, apenas se tem notícia de alguns
precedentes do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, o qual, ao apreciar questões
relacionadas ao IPI, concluiu categoricamente que plataforma é uma espécie do gênero
embarcação. Inclusive, tal conclusão foi pautada no mesmo artigo 2º, V, da Lei nº 9.537/97,
cujo v. acórdão recorrido utilizou para defender opinião oposta. Veja-se:
É assente em doutrina e jurisprudência que a interpretação da norma concessiva de isenção deve ser feita no sentido de não ampliar as hipóteses para além daquelas previstas pelo legislador. Isso não quer dizer que se deva ater aos termos específicos da legislação, de forma a ignorar similitude que exista entre a situação fática e a norma legal. A despeito da redação legal não fazer referência expressa à plataforma, o exame da legislação nacional permite verificar que, em realidade, o termo embarcações foi utilizado pela legislação concessiva da isenção de modo a abranger plataformas. (...) esse sentido, destaca-se o artigo 2º da Lei nº 9.537/97: “Para os efeitos desta Lei, ficam estabelecidos os seguintes conceitos e definições: V – embarcação: qualquer construção, inclusive as plataformas flutuantes e, quando rebocadas, as fixas, sujeita à inscrição na autoridade marítima e
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suscetível ou não transportando pessoas e cargas; (...) (AC nº 1998.51.01.041362-6. Rel. Des. Tania Heine. 3ª Turma Especializada do TRF/2ª Região)
O conceito de embarcação englobaria as plataformas petrolíferas, e para tanto, basta analisar tal conceito à luz do art. 10 do Decreto nº 87.648/82 (Regulamento para Tráfego Marítimo), posteriormente revogado pelo Decreto nº 2596/98, e , pela análise do art. 2º , V da Lei 9.537/97 (Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário). (...) Destarte, descabe invocar ofensa ao artigo 111 do CTN quanto à outorga de isenção, eis que atribui à legislação tributária interpretação literal. (...) A concessão de isenção, portanto, não se deu discricionariamente e sim obedecendo ao princípio da legalidade, atendendo de forma declarativa o disposto no art. 111 do CTN. A isenção tem sempre como fonte a lei, não podendo, portanto, ser outorgada fora dos limites da legalidade. No caso em tela, o ora apelante pleiteia a concessão de isenção numa hipótese prevista em lei, porquanto, seu objetivo se coaduna com o dispositivo acima mencionado, que não comporta interpretação elástica e sim literal. (AC nº 1998.51.03.300161-4. Rel. Juiz Federal Convocado José Antonio Lisbôa Neiva. 3ª Turma Especializada do TRF/2ª Região)
Anos mais tarde, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região voltou a julgar questão,
desta vez sob a ótica específica da abrangência das plataformas de petróleo no conceito de
embarcação para fins da regra desonerativa do artigo 1, inciso I da Lei nº 9.481/97, levando
em consideração as definições trazidas pela Lei nº 9.537/97.
Trata-se de precedente referente a discussão judicial travada pela empresa Petrobras
S/A, que tem por origem um processo administrativo fiscal, no qual a decisão final foi
contrária ao contribuinte.
Em seu voto, a Desembargadora Federal Salete Maccalóz analisou muito bem a questão,
passando por todos os pontos essenciais para o deslinde da questão, como se depreende de sua
leitura:
Conforme relatado, a questão deduzida em juízo cinge-se à legitimidade da remessa de numerário para o exterior, para fins de pagamento de afretamento de plataformas petrolíferas móveis, sem o recolhimento do Imposto de Renda Retido na Fonte, com fundamento na subsunção de tal fato na hipótese prevista na Lei nº 9.481/97, que contempla com o beneplácito fiscal da alíquota zero as operações de frete, afretamentos, aluguéis ou arrendamento de embarcações marítimas ou fluviais. (...) O cerne da controvérsia, portanto, reside no enquadramento, ou não, das plataformas petrolíferas no conceito de embarcação. (...) Como se pode inferir, o art. 109 dá ao legislador o poder de atribuir efeitos tributários próprios, pela via do raciocínio tipológico, analógico e presuntivo, aos princípios, conceitos e formas de direito privado. Contudo, se a lei tributária não redefinir para fins fiscais expressamente tais institutos, estes ingressarão no direito tributário mantendo seu significado original.
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Deste modo, como a norma tributária, ao tratar das operações de fretamento para fins de imposto de renda retido na fonte não modificou expressamente o conceito de embarcação, apenas se referindo aos seus efeitos tributários, este deverá ser buscado na seara privada. No que tange ao conceito de embarcação, a Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997, que regula a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional, em seu art. 2º, dispõe: (...) Pela leitura e interpretação sistemática de tais dispositivos depreende-se que enquanto o elemento estrutural do conceito de embarcação é dado pela idéia de construção de qualquer natureza, no qual o único exemplo dado pela lei consiste nas plataformas, o elemento funcional consiste na suscetibilidade de locomoção na água, ou seja, de navegabilidade, seja qual for a forma de locomoção (por meios próprios ou não), o que afasta, de plano, as plataformas fixas que não podem ser rebocadas. Dentro de uma interpretação literal ou gramatical, a alusão ao transporte de pessoas ou cargas não constitui elemento finalístico da norma, pois o verbo foi utilizado no gerúndio, significando tão apenas a suscetibilidade do transporte de pessoas ou cargas, e não a efetividade do mesmo ou a sua utilização como única finalidade econômica. (...) Logo, pela interpretação histórica do conceito de embarcação também se verifica que o art. 2º, V, in fine, da Lei nº 9.537/97 se reporta, na verdade, à capacidade, e não à finalidade de transporte de pessoas e cargas, pois as embarcações, incluindo-se aí as plataformas móveis e fixas, quando rebocadas, podem ter múltiplas finalidades distintas da do transporte. (...) Como analisado anteriormente, a destinação para o transporte de pessoas ou cargas não constitui elemento essencial para o enquadramento das plataformas móveis no conceito de embarcação, impondo-se, deste modo, o reconhecimento da subsunção destas na alíquota zero do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte prevista no art. 1º da Lei nº 9.481/97, com a redação dada pelo art. 20 da Lei nº 9.537/97. Ainda que o princípio da capacidade contributiva seja um vetor na interpretação das leis tributárias, não se pode ignorar os demais métodos de hermenêutica e a opção do legislador ordinário. É certo que a renúncia fiscal no caso em comento é de grande vulto e causa certa revolta até mesmo ao aplicador do direito, que, como pessoa física, é contribuinte de uma carga tributária elevadíssima. Todavia, o que se verifica é que a aplicação da alíquota zero às operações de afretamento de plataformas móveis foi uma opção legislativa, e, como tal, somente pode ser alterada pelo próprio legislador, na medida em que, apesar de implicar em grande renúncia fiscal por parte do governo, encontra-se em perfeita consonância com o ordenamento jurídico em vigor. (AC nº 200851010070408. Rel. Des. Federal Salete Maccalóz. 3ª Turma Especializada do TRF/2ª Região)
Inevitável, portanto, é a conclusão de que plataforma é, sim, uma espécie de
Embarcação.
Destarte, sendo certo que tal afirmação pauta-se no elemento histórico, técnico e literal
da norma, não há como se admitir que o termo embarcação, previsto no artigo 1º, I, da Lei nº
9.481/97, seja interpretado de forma a não contemplar as plataformas de petróleo, sob pena de
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violação não só ao próprio artigo, mas também ao artigo 2º, V, da Lei nº 9.537/97 e aos acima
mencionados artigos 109, 110 e 111, I, todos do CTN.
6. CONCLUSÃO
O artigo 1º, I, da Lei nº 9.481/97 (artigo 691, I, do RIR/99) é claro ao definir que
contratos de afretamento de embarcação celebrados com residentes ou domiciliados no
exterior estão sujeitos à alíquota zero do IRRF. Trata-se de benefício concedido em caráter
geral, sem qualquer restrição ou discriminação.
Nos últimos anos, contudo, a Receita Federal e os contribuintes, em especial, empresas
atuantes do setor petrolífero, vêm discutindo sua aplicação para as receitas decorrentes dos
contratos internacionais de afretamento de plataformas marítimas de petróleo. O centro da
discussão está na definição do conceito de “embarcações” contido na norma e sua abrangência
quanto às plataformas de petróleo, em razão da inexistência de uma definição da Lei nº
9.481/97.
A Receita Federal defende que as plataformas não são embarcações marítimas, uma vez
que não se destinam precipuamente ao transporte de cargas e/ou pessoas, como exigido pelo
artigo 2º, V, da Lei nº 9.537/97 e, sendo assim, os pagamentos relativos aos contratos que
envolvem seu afretamento não poderiam beneficiar-se da alíquota zero do imposto de renda,
nos termos do artigo 1º, I, da Lei nº 9.481/97.
Por outro lado, não apenas o senso comum, mas também a interpretação literal, histórica
e sistemática da legislação levam a conclusão de que o conceito de embarcação é amplo o
suficiente para incluir as plataformas marítimas ou quaisquer outras coisas que preencham os
elementos essenciais do conceito.
A mais simples leitura do artigo 2º, V, da Lei nº 9.537/97 que, ressalte-se, trata da
segurança do tráfego aquaviário em águas sob a jurisdição nacional, evidencia que o mesmo,
expressamente, insere plataformas flutuantes no conceito de embarcação. Além disso, para se
caracterizar como embarcação, apenas exige que determinada coisa seja (i) uma construção
(ii) sujeita ao registro no órgão competente (iii) suscetível de se locomover na água
transportando pessoas e/ou coisas.
Independentemente da definição de embarcação trazida pelo artigo 2º, V, da Lei nº
9537/97, o fato é que os artigos 109 e 110 do CTN permitem a utilização de outras fontes para
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a definição do conceito de embarcação. Neste cenário, além de haver diversos outros
dispositivos legais que apontam no mesmo sentido, também corroboram este entendimento:
(i) a interpretação histórica, literal e sistemática da norma; (ii) o único precedente do Eg.
Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, datado de 1974, que afirmou que plataforma auto-
elevadora para perfuração submarina constitui embarcação; (iii) o senso comum e,
principalmente; (iv) a Marinha do Brasil e o Ministério de Minas e Energia.
Ao condicionar a fruição do benefício tributário em tela ao fato de a embarcação
marítima ser destinada ao transporte de cargas e pessoas, a Receita Federal amplia e distingue
um conceito que a lei não discrimina.
Diante deste contexto, é possível afirmar que a posição defendida pela Receita Federal
termina por violar a literalidade da Lei tributária excludente do crédito tributário, em clara
afronta a princípios basilares de nosso sistema jurídico, como o princípio constitucional da
legalidade e da estrita legalidade em matéria tributária (arts. 5º, II e 150, I, da CRFB/88) e da
tipicidade cerrada e a legislação pertinente (artigo 1º, I, da Lei nº 9.481/97 (art. 691, I, do
RIR/99) e ao art. 2º, V, da Lei nº 9.537/97).
Ademais, segundo o artigo 111, I do CTN, as normas tributárias que tratam sobre a
exclusão do crédito tributário, hão de ser interpretadas literalmente, não podendo,
consequentemente, ser restringido, tampouco ampliado, o conceito do termo “embarcação”
em comento. Modificar a determinação do conceito de embarcação para algo diferente do
senso comum e daquilo definido pela legislação especializada, configuraria afronta ainda aos
artigos 109 e 110 do CTN.
Por fim, vale ressaltar que, consoante as Exposições de Motivos das Medidas
Provisórias nos 1.602/97 (posteriormente convertida na Lei n. 9.537/97) e 1.563/97
(posteriormente convertida na Lei n. 9.481/97), a norma desonarativa em comento foi
proposital em não fazer qualquer restrição quanto ao conceito de embarcação, na medida em
que a sua finalidade foi reduzir o custo de contratos como o presente, para melhor inserir o
Brasil na atual política econômica globalizada. A prevalecer o entendimento da Receita
Federal, e considerando a relevância econômica do tema ora discutido, este objetivo restará,
ao fim, frustrado.
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