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A HISTÓRIA DA DISCIPLINA DE ARTE NO BRASIL (1950-1990): UMA ESCRITA DA SUA HISTÓRIA POR MEIO DA AUTOBIOGRAFIA DE UMA
ARTE/EDUCADORA Lucirene Andréa Catini Lanzi;
Rosane Michelli de Castro Faculdade de Filosofia e Ciências UNESP “Júlio de Mesquita Filho”
Campus Marília-SP lu_lanzi@hotmail.com-rosanemichelli@marilia.unesp.br
Linha de pesquisa: Filosofia e História da Educação no Brasil
RESUMO
Nas últimas décadas, a história da educação vem passando por um verdadeiro
processo de renovação, porque a historiografia vem se desenvolvendo a partir de
novas abordagens, novos objetos e, portanto, de novas fontes. No Brasil, esse campo de estudos possibilitou uma nova leitura principalmente da escola. Os estudos passaram a ser mais pontuais e em busca da recuperação de aspectos constitutivos de dado objeto nos vários tempos e espaços históricos. Avaliando dessa forma, este projeto de tese tem como objetivo geral analisar e interpretar aspectos da história da disciplina de Arte no Brasil, entre 1950-1990, por meio da biografia de uma arte/educadora. Tal formulação é decorrente de experiências pessoais e familiares, que conviveram com o campo da Arte no Brasil, formando a pesquisadora, sujeito privilegiado da pesquisa, como arte/educadora que possui um discurso teórico alinhado à aplicação prática docente na disciplina de Arte, atualmente em escola de Ensino Fundamental II. O quadro teórico-metodológico é constituído por referenciais da Nova História Cultural centralmente por aqueles que permeiam
as formulações teóricas sobre a História das Disciplinas Escolares e as quais
ressaltam e justificam a importância da autobiografia como fonte privilegiada
para as pesquisas nesse campo de conhecimento. Trata-se de pesquisa histórica,
documental quanto às fontes, sendo que a fonte privilegiada é o relato
autobiográfico do qual decorrerão os documentos, corpus da investigação. Os
procedimentos metodológicos serão os da pesquisa histórica com base na
recuperação, sistematização, análise e interpretação dos dados e informações
contidos nos documentos produzidos a partir do relato autobiográfico. Portanto
é também um dentre os demais objetivos específicos da pesquisa a produção de
documentos para uma história da disciplina de Arte no Brasil no período em
questão. Palavras-chave: História das Disciplinas Escolares. Nova História Cultural. Autobiografia. 1 INTRODUÇÃO
"Se você não voltar a ser como uma criança...Não entrará no reino encantado da
pedagogia (...)" Freinet
Estando como professora de Arte no Ensino Fundamental II, deparo-me
cotidianamente com questões sobre a identidade dessa disciplina, sua função e seu
compromisso com a formação de alunos e alunas nessa escola ainda considerada da
infância.
O ensino de Arte legitimado no contexto da escola ainda se apresenta entre as
amarras do tradicionalismo e formalismo de um ensino voltado para a reprodução de
saberes decorrentes de uma pré seleção, ocorrida de acordo com os critérios
mercadológicos. A exemplo disso temos circulando nos colégios renomados do Brasil
sistemas apostilados por meio dos quais se materializa propostas para o ensino de
Arte desvinculadas do campo de conhecimento das Artes. Tais afirmações vão contra
as formulações de Ana Mae Barbosa:
[...] a educação é mediatizada pelo mundo em que se vive, formatada pela cultura, influenciada por linguagens, impactada por crenças, clarificada pela necessidade, afetada por valores e moderada pela individualidade. Trata-se de uma experiência com o mundo empírico, com a cultura e a sociedade personalizada pelo processo de gerar significados, pelas leituras pessoais auto-sonorizadas do mundo fenomênico e das “paisagens interiores”. (BARBOSA, 2005, p. 12)
De acordo com essa pesquisadora, seja qual for o campo do conhecimento, as
pessoas somente serão levadas a se apropriar desses conhecimentos se a elas forem
oferecidas condições para se deixar afetar pela necessidade dessas apropriações.
A escola, historicamente, tem sido produzida e pensada como lócus
privilegiado para oferecimento sistematizado dessas condições, por meio de corpus de
saberes que constituem as disciplinas escolares. Entretanto, segundo Chervel (1990) a
constituição e o funcionamento das disciplinas colocam ao pesquisador alguns
problemas, a saber: Como a escola começa a agir para produzi-las? Se a escola se
limitasse a adaptar os conteúdos das ciências para seu público, mediante disciplinas,
seria possível fazê-lo totalmente? Para que tais disciplinas serviriam? Quais
expectativas dos pais ou do poder público, as disciplinas atenderiam? De que maneira
as disciplinas realizam a formação desejada sobre o espírito do aluno? Qual é o
resultado do ensino?
Segundo Chervel (1990), para responder esses e outros questionamentos, é
preciso que se compreenda a amplitude da noção de disciplina e que se reconheça que
uma disciplina escolar comporta não somente as práticas docentes da aula, mas
também as grandes finalidades que presidiram sua constituição e o fenômeno de
aculturação da massa que ela determina. Então, a História das Disciplinas Escolares
pode desempenhar um papel importante não somente na História da Educação, mas
também na História Cultural. Para essa pesquisadora, a disciplina escolar seria, então,
resultado da passagem dos saberes da sociedade para a outra, sendo “[...] o preço que
a sociedade paga à cultura para passá-la de uma geração à outra.” (CHERVEL, 1990,
apud PESSANHA; DANIEL; MENEGAZZO, 2004, p. 58).
Pelo exposto, surgiram as seguintes problematizações: Como a disciplina de
Arte no Brasil foi se constituindo no âmbito escolar? Quais saberes foram se
legitimando como sendo propriamente de Arte? Quais as possibilidades de pensar um
ensino de Arte na escola a partir de conhecimento e não de saberes? Qual o papel das
experiências de vida e formação do professores da de Arte nesse processo?
A hipótese norteadora do projeto que ora se apresenta é a de que o relato
autobiográfico representa uma promissora base para a pesquisa em História das
Disciplinas Escolares, considerando que os testemunhos históricos são testemunhos
de vida e formação de professores que vivenciaram possibilidades de apropriação de
conhecimentos, no nosso caso, no campo das artes, capazes de oferecer condições
para uma história da disciplina de Arte no Brasil diferente da história desse ensino a
partir de relatos produzidos por esferas do poder distanciados do “chão da escola” e
do campo de conhecimento das Artes.
2 JUSTIFICATIVAS
A História das Disciplinas Escolares tem se configurado, na atualidade
brasileira, como uma importante área de estudos e tem buscado prover um novo olhar
para a escola do passado, permitindo perceber que a história vai além da história dos
idealistas e dos discursos pedagógicos. Estudos nesse campo permitem, ainda,
intrincar a noção de tempo, na medida em que o estudo das transformações de um
saber que se torna escolar não obedece a uma linearidade lógica, mas resulta de uma
série de imposições que assumem características específicas em cada espaço social e
em cada época.
A História das Disciplinas Escolares aqui é vista a partir de uma possibilidade
que implica o entendimento do trabalho histórico juntamente com a ação reflexiva.
Por muito tempo, a História da Educação, nos países europeus (COMPÈRE, 1995) e
no Brasil, ocuparam-se de estudar a história das instituições e disciplinas escolares,
baseando-se em fontes como leis, regulamentos, reformas educacionais e obras de
grandes pensadores. Para comprovar esses dados, Lopes e Galvão nos apresentam:
A História da Educação tratou muito pouco, até recentemente, das práticas escolares e do cotidiano escolar, pois, via de regra, procurou obter de tais fontes e objetos como o passado educacional se projetou [...] Nesse sentido, configurou-se como uma história do que deveria ser a realidade e não do que a realidade efetivamente foi. (LOPES;GALVÃO, 2001, p. 37)
No entanto, atualmente, a História da Educação vem passando por um
verdadeiro processo de renovação. No Brasil, esse campo de estudos aproximou-se de
uma nova forma de escrever a história, possibilitando uma nova leitura
principalmente da escola. De acordo com as pesquisadoras Lopes e Galvão (2001), os
estudos passaram a ser mais localizados e contextualizados, lidando com períodos de
tempo mais curtos. Ainda segundo essas pesquisadoras, essa área passou a se
preocupar com a organização e o funcionamento interno das instituições escolares,
com a expressão e/ou construção cultural no dia a dia escolar, com o estabelecimento
do conhecimento, do currículo, das disciplinas escolares. Além das fontes oficiais,
que têm recebido um novo olhar e um novo tratamento, outras fontes passaram a ser
usadas, tais como a fotografia, os manuais escolares, diários de classes, os jornais e
revistas da época, e a história oral1 etc.
Avaliando dessa forma, esse estudo visa, por meio de uma narrativa
autobiográfica, analisar a interpretação e produção de uma história da disciplina de
Arte no Brasil, entre 1950-1990. Tal formulação é decorrente de experiências pessoais
e familiares, que conviveram com o campo das artes no Brasil, formando a
pesquisadora, sujeito privilegiado da pesquisa, como arte/educadora que possui um
discurso teórico alinhado à aplicação prática docente na disciplina de Arte, atualmente
em escola de Ensino Fundamental II.
Cada vez mais, existe uma preocupação com a melhoria da qualidade do
ensino que requer bons professores para exercer a difícil tarefa de ensinar, nos
diferentes contextos sociais e culturais. Existe por parte dos pesquisadores de todas as
áreas do conhecimento, a inquietação de como tornar a docência uma profissão
interessante e que os professores continuem aprendendo ao longo da carreira. A
escrita autobiográfica por meio da narrativa de formação tem sido evidenciado como
1Pretendemos analisar a história sob a ótica da hermenêutica , no seu modo de interpretar por representação e vivência, que a presentaremos mais detalhadamente no item metodologia.
uma possibilidade, de investigação sobre as trajetórias profissionais de docentes por
meio de diferentes abordagens metodológicas. Neste estudo busco refletir sobre a
importância da narrativa enquanto possibilidade de transformação das políticas
educacionais vigentes e do estatuto cultural e social da imagem do professor de Arte.
A Arte aqui apresentada enquanto disciplina do início do século XX até
meados dos anos 1960 , será a Arte como e “artes domésticas e industriais” em cujas
aulas, as meninas aprendiam bordado, tricô, roupas de bebê, aulas de etiqueta, e os
meninos aprendiam a trabalhar com a madeira, manusear o serrote, martelo para
confeccionar objetos utilitários.; a Arte como “atividade”, concepção enfatizada por
meio da Lei 5692/71, que institui a Reforma Educacional do ensino de 1º e 2º graus,
até meados dos anos 1980, onde a disciplina de Arte estava relacionada a festas,
comemorações de datas cívicas, folclóricas e típicas da região; a Arte como
“conhecimento”, que visava desenvolver o potencial criador do educando e, não a
formação do artista, atividades essas situadas por volta dos anos 1990 aos dias atuais.
É importante frisar, porém que a localização no tempo dessas concepções
situam de forma mais ampla, o período em que elas se fizeram mais evidentes na
educação, o que é preciso atentar-se para evitar a rigidez das classificações e marcos
definidos numa ideia de história linear. A intenção aqui é utilizar esses marcos
temporais como facilitadores para a percepção da existência dessas concepções que
permearam a Arte no sistema educacional, no caso brasileiro. Isso não impede no
entanto a coexistência e permanência das mesmas, no decorrer do tempo.
Destaco a importância de uma reflexão de uma história que se escreve
considerando as formas como nos educamos. Aqui, destaco o valor de compreender o
próprio processo educativo percorrido como educanda e educadora de Arte, o que
possibilita a abertura de novos espaços de pesquisa e o surgimento de outras questões
importantes para investigação:
Como exemplo, como foram as minhas experiências e contatos com a Arte na
minha trajetória pessoal e escolar? No meu convívio familiar eu tive oportunidades
significativas de contato com a Arte? Meus familiares frequentaram ou me deram
acesso a espaços promotores de divulgação e socialização da Arte? Que importância
meus familiares davam à Arte? A Arte era considerada passatempo, hora de lazer?
Que influências eu tive para seguir como profissional nesse campo? Minha
determinação em seguir a docência da Arte foi uma escolha pessoal ou outros fatores
contribuíram para isso?
A História da Disciplinas Escolares nos ajuda a pensar nessas questões, pois
tem como principal preocupação de pesquisa explicar as transformações ocorridas em
uma disciplina ao longo do tempo. Assim, torna-se possível identificar os fatores mais
ligados às mudanças de conteúdo e métodos de ensino, observar e analisar ideias e
ideologias impressas e veiculadas no período também por meio dessas disciplinas.
Isso possibilita a articulação de propostas mais consistentes de alteração ou
implementação de mudanças curriculares.
Estudiosos como Goodson (1990), Chervel (1990), Julia (2002), em suas
investigações têm buscado compreender o momento histórico de inserção dos saberes
que já circulavam na sociedade, quando eles se tornaram propriamente escolares,
como se deu esse processo e desenvolvem reflexões significativas a serem observadas
nesses estudos.
De acordo com alguns pesquisadores brasileiros, as pesquisas em História das
Disciplinas Escolares e dos saberes escolares influenciadas, sobretudo, pelos trabalhos
realizados no âmbito da História da Cultural, têm sido consideradas fundamentais
para melhor compreender o papel dos contextos culturais na definição daquilo que
deve ser ensinado na escola e, por outro lado, o papel da escola na produção e na
reelaboração do conhecimento, principalmente mediante os vários processos
didáticos.
Por meio de um primeiro trabalho de revisão da literatura sobre a temática,
realizado no grupo de pesquisa “GP Forme – Formação do Educador2, foi possível
localizar alguns resultados dos primeiros trabalhos em História das Disciplinas
Escolares.
Um dos primeiros artigos brasileiros denomina-se “História das Disciplinas
Escolares: perspectivas de análise”, de Santos (1990). Publicado, igualmente, em
1990, o livro intitulado “Pátria, civilização e trabalho: o ensino de história nas
escolas paulistas” (1917-1939), de Circe Maria Fernandes Bittencourt, foi
considerado pelo nosso grupo de pesquisa, também como em Gatti Jr. (2009, p. 48), o
resultado de um trabalho revelador de um pioneirismo em História das Disciplinas
Escolares no Brasil. Também centrados em aspectos da História das Disciplinas
Escolares no Brasil, ainda na década de 1990, foi possível recuperar os livros
2GP Forme – Grupo de pesquisa certificado pela Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC – Unesp/Marília-SP e cadastrado junto ao Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. Trata-se de um grupo de pesquisa do qual faço parte como pesquisadora.
“Caminhos da história ensinada” (FONSECA, 1993), “Introdução à História da
Educação Matemática” (MIORIM, 1998), “História do Ensino de História do
Brasil” (MATTOS, 1998) e “Uma história da Matemática Escolar no Brasil (1730-
1930)” (VALENTE, 2002).
A esses trabalhos seguiram-se outros3, constituindo o que pode chamar de uma
tendência de pesquisa em História das Disciplinas Escolares, os quais vêm sendo
desenvolvido por pesquisadores brasileiros, sobretudo junto aos grupos de pesquisa,
dentre os quais: grupo de pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul –
MS-Brasil, coordenado por Eurize Caldas Pessanha; o Núcleo de Estudos de
Currículo (NEC), da Universidade Federal do Rio de Janeiro-RJ-Brasil, coordenado
por Antônio Flávio Moreira; Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa e História
da Educação – CDAPH, da Universidade São Francisco, em Bragança Paulista-SP-
Brasil, por meio do qual foram publicados resultados de alguns trabalhos sobre a
temática, dentre eles o de Oliveira e Ranzi (2003), intitulado“História das disciplinas
escolares no Brasil: contribuições para o debate”, o qual reúne trabalhos de
importantes pesquisadores que têm se dedicado à temática, como os de Bittencourt
(2003), intitulado “Disciplinas Escolares: história e pesquisa”.
Para os trabalhos de análise e de interpretação cujos resultados encontram-se
nos trabalhos mencionados, foi possível observar que foram recuperados, reunidos,
selecionados e sistematizados dados e informações materializadas discursivamente
em fontes manuscritas como em atas escolares, registros de professores diplomados
nas várias escolas de formação e/ou fontes impressas, em especial, anais e anuários
oficiais e não-oficiais, inquéritos, jornais, legislação, programas de ensino, revistas
educacionais periódicas, bibliografia variada e sobre as várias épocas, no formato de
livros ou coletâneas e os livros escolares ou didáticos, tomados como cartilhas,
quando direcionado à alfabetização, ou como manuais de ensino, “[...] quando do
conhecimento das ciências ou da profissionalização adulta, na universidade”
(LAJOLO; ZILBERMAN, 1999, p. 121). Também, é possível afirmarmos que outras
fontes viabilizaram os estudos mencionados e ainda viabilizam os trabalhos dos
pesquisadores em História das Disciplinas Escolares, como as fontes decorrentes da
oralidade, no formato de relatos, histórias de vida, depoimentos e entrevistas.
3Consultar Gatti Jr (2009), trabalho intitulado “A escrita brasileira recente no âmbito de uma história
das disciplinas escolares (1990-2008)”.
Entretanto, no campo da pesquisa em História das Disciplinas Escolares ainda
há pouco investimento em uma modalidade de fonte documental, a autobiografia,
voltada para a abordagem de aspectos das disciplinas escolares pelo sujeito vivente e
conhecedor no tempo de uma vida, por meio das atividades docentes, dos contextos
de vida, dos encontros, acontecimentos de sua vida pessoal e social e das situações
que ele considera formadoras e muitas vezes fundadoras. De um lado, como uma
trajetória que é feita da colocação em tensão entre heranças sucessivas e novas
construções e, de outro lado, feita igualmente do posicionamento em relação dialética
da aquisição de conhecimentos, de saber fazer, de saber pensar, de saber ser em
relação com o outro, de estratégias, de valores e de comportamentos, com os novos
conhecimentos, novas competências, novo saber fazer, novos comportamentos, novos
valores que são visados por meio do percurso educativo escolhido.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Com base no quadro teórico-metodológico apresentado, concordamos com
Toulmin (1977, p. 17), quando diz que “o problema da compreensão humana é duplo.
O homem conhece e é também consciente do que conhece”. Esta reflexão nos leva a
entender que a atividade do conhecimento pressupõe um esforço na direção da
descoberta dos desafios próprios da natureza, bem como a preocupação pela
essencialidade do ser humano.
Desse modo, duas posições podem ser analisadas e avaliadas com
extraordinário cuidado: trata-se de olhar e enxergar para fora de nós mesmos e tentar
dominar os problemas que nos coloca o mundo em que vivemos; olhar e enxergar
para dentro de nós mesmos e ver os nossos dinamismos pessoais e as repercussões do
mundo, da sociedade e da cultura.
Nesse sentido, a fim de que o trabalho biográfico realizado em na pesquisa ora
projetada não seja confundido e/ou reduzido a uma ação exclusivamente
introspectiva, algumas observações sobre momentos históricos da História das
Disciplinas Escolares permitirão precisar as modalidades de elaboração da história e
do trabalho de análise da disciplina Arte. O dispositivo cenário parte da ideia de que a
compreensão do processo de formação implica um processo de conhecimento ao
longo do qual o participante, no caso específico uma arte/educadora, construirá sua
história, a partir de uma série de etapas, alternando trabalho individual de
reminiscência e trabalho de material bibliográfico e fontes. Assim, a reflexão sobre os
processos de formação só é produtiva na medida em que a pesquisadora invista
ativamente em cada etapa de trabalho, bem como nas interações do memorial
individual e memorial coletivo.
Não é por acaso que Geertz (1978), citando Susanne Langer, nos chama a
atenção a respeito de certas ideias que surgem com grande ímpeto no panorama
intelectual e que elas parecem resolver todos os problemas que nos angustiam. Crê
esse autor que o abre-te-sésamo da ciência positiva tem sido, durante muito tempo, a
panaceia do refletir e do fazer científicos.
O que Geertz nos propõe, com esta reflexão, nos deveria angustiar e fazer
refletir sobre o sentido mais provocativo do elaborar científico, pois as falácias
podem, como de fato o fazem, nos levar à rigidez intelectual e a rituais que são
considerados os únicos, os melhores e, saindo deles, não há salvação. Onde fica, pois
a criatividade? A divergência?
Para poder elaborar uma dimensão mais completa seria necessário o
conhecimento da história da Ciência, o que suporia as grandes linhas de pensamento e
ação. Japiassu (1978, p. 81), nos sintetiza, o corpus cognitivo do entendimento
científico por meio de três conjuntos:
Quadro 1 – Corpus cognitivo do entendimento científico
1ºConjunto: Ciência da discursividade Lógica Nível Lógico- formal matemático Ciência das idealidades Matemática objetivas
2ºConjunto: Ciência da realidade aquém Física, etc. Nível psico- da organicidade biológica fisiológico Ciência do grau biológico Biologia da organização material propriamente dita 3ºConjunto: Ciência do psicológico Psicologia e Nível psico- infra-humano Ciências do homem antropológico enquanto tal e da ação do Fonte: Baseado no livro “Nascimento e morte das ciências humanas” – H. Japiassu
O autor nos chama a atenção de que cada conjunto equivale a formas de
proceder humano, como aparece no esquema do quadro 1 acima. O primeiro está
ligado aos aspectos formais mais específicos: idealidade matemática e projetividade
discursiva lógica.
O segundo conjunto se caracteriza por conter as ciências da realidade, que se
preocupariam pelo fenômenos detectáveis experimentalmente.
O conjunto terceiro se refere às chamadas ciências do homem, em que se trava
uma grande luta para, especificamente, entender e levar a efeito um projeto
epistemológico válido e coerente.
Por meio da análise sintetizada de Japiassu, podemos sentir que a dificuldade
maior radica no desconhecimento do verdadeiro escopo das ciências do homem.
Ladrière (1977), como Japiassu, distingue três grupos de ciências. São:
� As ciências formais (Matemática e Lógica). podem ser designadas como
ciências dos sistemas formais, enquanto se mantenha a ideia de sistema tanto
para a Matemática como para Lógica;
� A ciências empírico formais. São aquelas construídas segundo o modelo da
Física. Visam uma realidade empiricamente apreensível, utilizando recursos
fornecidos pelas ciências do primeiro tipo;
� As ciências hermenêuticas. São as ciências da interpretação.
Ladrière nos diz que se pode definir a hermenêutica como a ciência que se
ocupa da interpretação dos signos em geral e dos signos em particular. Acrescenta que
todo processo interpretativo busca pôr em evidência uma significação não
imediatamente aparente. Chama a atenção que a significação é uma relação entre um
signo e uma entidade pertencente ao mundo real ou ao mundo ideal (indivíduo, classe,
propriedade, relação). Podemos dizer, com Ladrère, que as ciências hermenêuticas
visam a realidade humana, apreensível nos traços por ela deixados na natureza, isto é,
nas ações registráveis e efetivamente registradas e nas obras. Tanto nas ações do
homem quanto em suas obras atesta-se a presença de significações.
As dimensões apontadas evidenciam a temática ainda não muito explorada da
identidade humana por meio dos tempos, que emana das expectativas, intenções e,
principalmente, valores em uma determinada cultura.
Podemos afirmar, com razoável segurança, que a história não é simplesmente
uma sequência de fatos à mercê de fatores simplesmente externos, mas a real história,
nem sempre contada, se alicerça na pessoalidade e na compreensividade dos atores
humanos.
4 OBJETIVOS
4.1 OBJETIVO GERAL: analisar e interpretar aspectos da história da disciplina de
Arte no Brasil, entre 1950-1990, por meio da biografia de uma arte/educadora.
4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
� Contribuir para a produção de quadros teóricos metodológicos para a
disciplina escolar, Arte;
� Reunir material bibliográfico e fontes que apresentem e/ou comprovem dados
e situações de disseminação da disciplina Arte;
� Contribuir para uma história da disciplina de Arte no Brasil.
5 ATIVIDADES E CRONOGRAMAS DE EXECUÇÃO
Primeiramente, será realizado uma revisão da literatura a fim de situar a
pesquisa que ora se propõe, quanto a sua importância, relevância e ineditismo, no
conjunto das pesquisas em História da Disciplina de Arte no Brasil e a opção teórico-
metodológica da autobiografia dentre as demais possibilidades exploradas nas
pesquisas mencionadas. Concomitante, procederei a um trabalho de recuperação,
sistematização e análise dos dados e informações para a produção de um documento
autobiográfico. Na etapa seguinte farei uma reflexão sobre os processos de formação
juntamente com as interações do meu memorial individual e coletivo, e finalmente,
realizarei um trabalho de interpretação dos dados e informações analisadas para fazer
a apresentação do texto de qualificação perante a banca examinadora e posteriormente
conferir o texto final da tese de doutorado, perante a banca.
Torna-se necessário expor que a reflexão sobre os processos de formação só é
produtiva na medida em que a pesquisadora invista ativamente em cada etapa de
trabalho, bem como nas interações do memorial individual e memorial coletivo.
5.1 Plano de trabalho e cronograma
A execução do projeto está prevista para o período de 2015 a 2017, como se
segue:
ANO
2015 2016
MESES J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D
Cumprimento dos créditos exigidos para obtenção do título de doutorado
X X X X X X X X X X
Cumprimento das atividades programadas
X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X
Produtos previstos: resumos e artigos os quais se espera comunicar em eventos científicos e em periódicos especializados
\
X X X X X X X X X X X X X
Analise e interpretação dos dados e informações coletados e sistematizados – elaboração do texto de qualificação
X X X X X X X X X X X X X X X X X X
ANO
2016 2017
MESES J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D
Produtos previstos: resumos e artigos os quais se espera comunicar em eventos científicos e em periódicos especializados
X X X X X X X X X X X X X X
Sistematização dos dados e informações, mediante material, procedimentos e método explicitados
X X X X X
Apresentação do texto de qualificação, perante banca examinadora
X
Apresentação do texto final da tese de doutorado, perante banca examinadora
X
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ana Mae. Arte/Educação contemporânea. São Paulo: Cortez, 2005. BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Pátria, civilização e trabalho: o ensino de História nas escolas paulistas (1917-1939). São Paulo: Edições Loyola, 1990. CHERVEL, André. História das Disciplinas Escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria e Educação. Porto Alegre. n. 2, 1990, p. 177-229. COMPÈRE, Marie-Madeleine. L’histoire de l’éducationenEurope: essaicomparatifsurlafaçondont ele s’écrit. Paris: INRP/Peter Lang, 1995. FONSECA, Selva Guimarães. Caminhos da história ensinada. Campinas: Papirus, 1993. GATTI JR, Décio. A escrita brasileira recente no âmbito de uma História das Disciplinas Escolares (1990-2008). Currículo sem Fronteiras, v. 9, n. 1, jan/jun, 2009. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978 GOODSON, Ivor. Tornando-se uma matéria acadêmica: padrões de explicação e evolução. Porto Alegre. n. 2, 1990, p. 230-254. _________. Currículo: teoria e história. Petrópolis: Vozes, 1995. JAPIASSU, Hilton. Nascimento e morte das ciências humanas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978. JULIA, Domenique. Disciplinas Escolares: objetivos, ensino e apropriação. In: LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth (Orgs.) Disciplinas e Integração Curricular: História e Políticas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. LADRIÈRE, Jean. A articulação do sentido. São Paulo: EPU/EDUSP, 1977. LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1999. LOPES, Eliane Marta Santos Teixeira; GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. História da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. MATTOS, Ilmar Rohloff de (Org.) Histórias do ensino da História no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Access, 1998. MIORIM, Maria Ângela. Introdução à História da Educação Matemática. São Paulo: Atual, 1998.
OLIVEIRA, Marcus Aurélio Taborda; RANZI, Sirlei Maria Fischer. História das disciplinas escolares no Brasil: contribuições para o debate. Bragança Paulista: EDUSF, 2003. PESSANHA, E. G.; DANIEL, M. E. B.; MENEGAZZO, M. A. “Da história das disciplinas escolares à história da cultura escolar: uma trajetória de pesquisa”. Revista Brasileira de Educação, n. 27, set./out./nov./dez., 2004. SANTOS, Lucíola. História das disciplinas escolares: perspectivas de análise. Teoria e Educação, n. 2, 1990, p. 21-29. TOULMIN, Stephen. La comprensíon humana. I – El uso colectivo y laevolución de los conceptos. Madrid: Alianza, 1977. VALENTE, Wagner Rodrigues. Uma História da Matemática Escolar no Brasil (1730-1930). São Paulo: Annablume: FAPESP, 2002.