Post on 09-Dec-2018
22
A HISTÓRIA DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
FRENTE À EVOLUÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA
Felice Valentino Gaio Filardi12
Para iniciar as primeiras linhas da proposta temática, acredita-se,que
seja de grande valia restabelecer o significado, o grau de interação entre as
expressões. Nesse sentido, o escopo precípuo é dar ao presente estudo uma
seqüência metodológica que possa permitir ao leitor uma melhor compreensão
dos limites desta proposição e, acima disso, realmente permitir um juízo de
reflexão a respeito do tema.
A História das Constituições Brasileiras Frente à E volução da Odem Econômica
Segundo acredita a teoria monista, o Direito interno tende a se confundir
com o Direito internacional. À medida que as relações internacionais se tornam
globalizadas e o mundo mais integrado em suas estruturas, o Direito interno tal
como outros campos do saber como a economia, a política e a sociologia, vai
absorvendo os fluxos externos, sejam estes representados pelo aumento do
comércio, da interdependência financeira, da cultura etc. Assim sendo existem
teses que afirmam que a interdependência entre as esferas externa e interna
dos Estados é um processo, sendo assim há uma continuidade desses
movimentos que acaba por alterar algumas estruturas internas, sem falar nas
conjunturas que facilmente se sujeitam a modificações.
12 Doutor em Direito e Economia. Mestre em Direito das Relações Econômicas pela Universidade GamaFilho. UGF. Professor de Graduação em Direito na UCB e UCAM e Pós-Graduação em Direito FGV.
23
Em nível das relações econômicas internas, um exemplo de aspectos
conjunturais tocados pelos fluxos externos pode ser o controle aduaneiro,
quando, por uma portaria qualquer, se alteram as barreiras tarifárias em
determinado setor. A incidência de taxas alfandegárias maiores ou menores é
uma questão conjuntural. O free trade já é uma questão estrutural. Pode-se dizer
que um conjunto de medidas de cunho neoliberal, que caracterizaria uma
economia liberal de free trade, portanto, ou um conjunto de medidas de cunho
protecionista apresentam-se como questões estruturais; são mais do que uma
opção eventual, são um conjunto de opções que acabam por definir uma
política, uma linha de atuação; daí serem consideradas como estruturais.
Neste trabalho assevera-se que os fluxos que caracterizam a
interdependência na vida dos Estados tocam, inclusive, nas questões
estruturais, mais herméticas e rígidas que as conjunturais. Neste trabalho,
pretende-se analisar em que medida os fluxos econômicos repercutem na vida
interna dos Estados, alterando substancialmente algumas de suas estruturas. A
estrutura repercutida ou alterada é, em última análise, a própria Constituição
Federal brasileira. Pretende-se, neste momento, demonstrar a relação entre a
ordem econômica internacional – entenda-se o também denominado direito
econômico – e o direito constitucional brasileiro, cujo objeto de análise é a
própria Constituição brasileira, pois “O entendimento do Direito Constitucional
vigente pressupõe uma compreensão do seu objeto: a Constituição.”13.
O Direito Constitucional e a Ordem Econômica Intern acional
Segundo Konrad Hesse:
13 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. PortoAlegre: Fabris, 1998, p. 35.
24
A Constituição é a ordem fundamental jurídica da coletividade. Ela
determina os princípios diretivos, segundo os quais deve formar-se
unidade política e tarefas estatais ser exercidas. 14 (sic.)
Para se compreender um Estado deve-se analisar sua Constituição15. A
Constituição expressa sua estrutura, sua composição. É a expressão máxima
de uma ordem estatal.
Ferdinand Lassale, em O Que é uma Constituição?, nos apresenta uma
parábola bastante interessante. Conta o autor que, caso se plantasse uma
macieira e se prendesse ao seu tronco uma placa com a seguinte inscrição:
“Esta árvore é uma Figueira”, bastaria este papel para transformar uma figueira
em macieira? Diz o autor que, embora se conseguisse que os criados, vizinhos e
conhecidos, por uma razão de solidariedade, confirmassem a inscrição existente
na árvore de que o pé plantado seria uma figueira, a planta continuaria sendo o
que realmente era e, quando produzisse seus frutos, estes destruiriam a fábula,
pois teriam produzido maçãs e não figos16.
O mesmo acontece com as Constituições. De nada servirá o que se
escrever em uma folha de papel, se o que estiver escrito não se justificar pelos
14 Ibid., p. 37.15 Santi Romano, em Princípios de Direito Constitucional Geral, pp. 59-61, diz que: “o conceito deEstado é um dos mais controvertidos da hodierna ciência publicística, não porque se compreende entreoutros não menos incertos, mas também, e principalmente, pela sua complexidade, o que dificulta oconhecimento de todas as suas notas essenciais. Esta dificuldade resulta claramente do desenvolvimento dadoutrina que a ele se refere, pois esta teve necessidade de uma lenta e árdua integração para conseguirconstruí-lo; deriva ainda da própria terminologia com que aquele conceito às vezes vem expresso,traduzindo-lhe incompleta ou aproximadamente os vários aspectos. (...) O problema da definição de Estadonão é apenas um problema de definição verbal, mas sobretudo jurídico. Isto significa que ele,primeiramente, deve ser colocado e examinado em relação às várias ordenações positivas, cada uma dasquais, em abstrato, poderia assumir um conceito diverso de Estado. Deve-se considerar, porém, queatualmente estas várias ordenações estatais ou não, por um ponto de vista prático e concreto: asdivergências são, sobretudo, de ordem doutrinária ou teórica e, por sorte, raramente repercutem nalinguagem legislativa ou oficial, dando lugar a incertezas de interpretação. Elas, mais que ao conceito, sereferem ao desenvolvimento de tal conceito ou aos atributos e qualidades do Estado que são necessáriospara individualizá-lo, embora sirvam para esclarecer-lhe a natureza.”16 LASSALE, Ferdinand. O que é uma Constituição? . s/ed., p. 117
25
fatos reais17. Esta visão compreende uma acepção material da Constituição.
Para Lassale, as Constituições são resultados, antes de tudo, de um jogo pelo
poder que rege a sociedade. Desta forma, a Constituição, no seu sentido
material, é o conjunto de forças políticas, econômicas, e ideológicas etc. que
conforma a realidade social de um determinado Estado18. Como ressalta Celso
Ribeiro Bastos, ao se referir à influência destas forças na estruturação escrita do
Estado, que é a Constituição, dizendo: “é o universo do ser, a não do dever ser,
do qual o direito faz parte.”19.
Então, de fato, a Constituição expressa, sobretudo, a composição do
Estado. Reflete em seu conteúdo suas características estruturais. Quando
Lassale diz que a Constituição reflete o conjunto de forças, como a econômica,
pode-se, a partir daí, questionar acerca de quais seriam estas forças
econômicas.
Uma das hipóteses deste trabalho é de que, considerando-se a
globalização das relações internacionais em todos os níveis, os fluxos
decorrentes da ordem econômica internacional acabariam determinando a
constituição da ordem econômica doméstica ou, quando pouco interfere,
determinando algumas práticas conjunturais da política econômica de um
Estado.
Poder-se-ia falar, então, em um direito constitucional econômico, à
semelhança, por exemplo, de novas nomenclaturas como direito constitucional
internacional20. A propósito, considera-se que o Direito Constitucional
Internacional seja a fusão do Direito Constitucional com o Direito Internacional.
Este campo estuda a relação da Constituição com os princípios de Direito
17 Ibid., p. 110.18 Ibid., p. 111.19 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 43.20 Um dos primeiros autores a falar em Direito Constitucional Internacional foi M. A . Caloyanni ao estudara Corte Permanente de Justiça Internacional. Quando estudou o Pacto de Paris (1928) de renúncia à guerraafirmou que o referido pacto ao “proibir o recurso à guerra, domina o direito de declaração de guerrainscrito nas diversas Constituições” e pode ser considerado como um embrião de um direito constitucionalinternacional.
26
Internacional, adotados em seu texto. Estes princípios, não obstante, regem as
relações internacionais dos Estados e representam, grosso modo, a sua forma
de interação com o meio internacional. Deve-se lembrar, ainda, que cada Estado
vai apresentar uma relação própria entre esses princípios e seu Direito
Constitucional, já que, cada Estado, tem um nível de inserção diferente nas
relações internacionais. Como ressalta Pedro Dallari:
O equacionamento dos parâmetros de organização da sociedade insertos
na Constituição – aí incluídos aqueles referentes às relações exteriores do
país – guarda estreita ligação e tem certamente desdobramentos junto à
ordem internacional. 21
Celso de Albuquerque Mello, em Direito Constitucional Internacional,
define direito constitucional internacional como sendo “a norma de ordem pública
do Direito Internacional Público que se imporia às normas constitucionais dos
estados.”22. Mirkine-Guetzévitch, estudando o Direito Constitucional
Internacional, já em 1936 defende um monismo com primazia do Direito
Internacional Público23.
Enfim, o direito Constitucional Internacional é o estudo dos elementos de
Direito Internacional Público no texto Constitucional. Por analogia, pode-se dizer
que o Direito Constitucional Econômico seria, então, o estudo dos preceitos de
economia no texto constitucional. Cabe assinalar, neste contexto, que estes
preceitos referem-se àqueles originados do que se tem denominado por Ordem
Econômica Internacional. Dir-se-ia que, pela interdependência econômica
característica de uma ordem internacional globalizada, se pode observar em que
medida o texto constitucional expressa os princípios de direito econômico. Ao se
21 DALLARI, Pedro. Constituição e Relações Exteriores. Rio de Janeiro: Saraiva, 1994, p. 13.22 MELLO, Celso de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1994,p. 01.
27
analisar a evolução histórica das Constituições vis à vis seus respectivos
contextos histórico-econômicos, pode-se comprovar a tese de que existe, de
fato, uma relação entre o Direito Constitucional e o Direito Econômico.
As Constituições Brasileiras
Se a Constituição representa a constituição de um Estado, seja se por
um prisma de interpretação sociológica, como o faz Lassale, ou estritamente
jurídico, como Kelsen, ou político, como pensa ser Carl Schmitt, então, pode-se
dizer que é analisando esta constituição que se entende um Estado. Também, já
fora dito que existem elementos exógenos à ordem interna influenciando na
composição do Estado, como os princípios de Direito Internacional Público, os
vários conceitos aceitos como verdadeiros, tais como os de direitos humanos e
outros; pois, como bem assevera José Afonso da Silva:
As Constituições têm por objeto estabelecer a estrutura do Estado, a
organização de seus órgãos, o modo de aquisição do poder e a forma de
seu exercício, limites de sua atuação, assegurar os direitos e garantias
dos indivíduos, fixar o regime político e disciplinar os fins sócioeconômicos
do Estado, bem como os fundamentos dos direitos econômicos, sociais e
culturais. 24
Quando o autor se refere aos fins “sócioeconômicos” do Estado, refere-
se àqueles cuja influência na Constituição tem sido discutida. São os aspectos
econômicos que deverão ser abordados na análise do texto constitucional. Para
tanto, segue uma breve análise das Constituições brasileiras até a Constituição
23 Mirkine-Guetzévitch é precursor desta nova concepção. Em 1933 publica Droit ConstitutionnelInternational, onde estuda as relações entre o D. Internacional e o D. Constitucional Internacional.24 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 14ª edição,1997, p.45.
28
de 1988 frente aos seus respectivos cenários econômicos, ressaltando que o
cenário doméstico é relevante para o entendimento da relação entre a
Constituição e os elementos exógenos, pois estes elementos, aqui denominados
por exógenos, são primeiramente catalisados pelos movimentos sociais,
econômicos e políticos.
A História Político-Econômica Brasileira e a Consti tuição de 1824
Para iniciar um estudo acerca da contribuição dos elementos
econômicos no texto constitucional brasileiro de 1824, deve-se melhor entender
o que significou o processo de Independência para o recém criado Estado
brasileiro. Sabe-se que a emancipação política brasileira, formalizada em 1822,
insere-se no quadro mais amplo de desagregação do sistema colonial
português, iniciado no século XVIII. De um lado, com a Revolução Industrial, as
transformações econômicas e políticas no cenário mundial tornaram anacrônico
o sistema baseado no exclusivismo metropolitano; de outro, a própria colônia
experimentava mudanças que traziam consigo a oposição entre os interesses
dos colonos e da metrópole.
No que tange exclusivamente às contribuições internacionais – se é que
se pode assim defini-las – no contexto econômico brasileiro, deve-se ressaltar
um aspecto relevante de um movimento que influenciou diretamente a formação
do novo Estado brasileiro que foi a Revolução Industrial. Ademais, quando se
fala em Estado brasileiro, quer-se remeter à Constituição deste Estado e, como
será demonstrado mais tarde, ao se analisar o texto constitucional de 1824, as
externalidades, ou influências, da Revolução Industrial inglesa, e depois
européia, podem ser nitidamente observadas em vários artigos de nossa
Constituição.
Em princípio, deve-se dizer que a Revolução Industrial ocorrida
primeiramente na Europa, com efeito, foi o elemento mais importante para a
29
transformação do sistema econômico internacional, de um sistema mercantilista
para um crescente neoliberalismo das práticas mercantis25. Quanto à Revolução
Industrial, esta é caracterizada, mormente, pela constituição do sistema fabril
mecanizado26; foi impulsionada pela articulação entre a produção interna inglesa
e as rotas do comércio ultramarino. A criação de novos mercados fornecedores
de matérias primas e de consumidores realizou-se a partir da agressiva política
externa britânica, ditada pelos interesses mercantis e manufatureiros. O sistema
colonial, baseado na exclusividade de trocas mercantis entre colônia e
metrópole, surgia, então, como obstáculo para a expansão do capitalismo
industrial que os ingleses procuraram transpor por meio do contrabando, de
guerras ou de acordos diplomáticos que ampliavam o comércio com as próprias
metrópoles, submetendo-as a uma dependência estrutural.
Como nova potência hegemônica na Europa, a Inglaterra ditava as
novas regras, impondo aos seus aliados acordos e tratados que a beneficiavam.
Como potência decadente, Portugal dependia da parceria inglesa para garantir a
defesa de seu combalido império ultramarino. Dessa forma, as bases do sistema
colonial foram sendo gradativamente, exauridas. Paralelamente, a colônia
passava, também, por mudanças que colocavam em xeque o sistema colonial
devido ao fortalecimento de interesses internos divergentes dos da Metrópole.
0 desenvolvimento econômico e a descoberta de ouro no final do século
XVII tornavam asfixiante a exploração metropolitana, com seus pesados tributos
e determinações monopolistas. Com todas estas transformações, o fim do pacto
colonial tornava-se uma aspiração disseminada por diversos setores da colônia
e esteve na origem das várias revoltas brasileiras ocorridas ao final do século
XVIII, tais como a Inconfidência Mineira (1789), a Conjuração do Rio de Janeiro
(1794), a Conjuração Baiana (1798) e a Inconfidência Pernambucana (1801).
25 KENNEDY, Paul. Ascensão e Queda das Grandes Potências. Rio de Janeiro: Campus, 1991, p. 141 eseg.26 PAN CHACON, Paulo. História Econômica Geral. São Paulo: Atlas, 1991, pp. 141 - 165.
30
Como reflexo direto das mudanças no sistema econômico internacional,
a progressiva desintegração do sistema colonial apontava para a emancipação
política da colônia portuguesa na América27. Com o rompimento do monopólio,
rompe-se também a razão de ser do sistema colonial. Desta forma, rompido o
pacto colonial, invertidas as relações entre metrópole e colônia, alçada que fora
esta última à condição de capital do Império, iniciava-se, já em 1808, o processo
de Independência da antiga colônia lusitana.
A formalização da Independência, em 1822, foi resultado das
dissidências entre os portugueses cujos interesses enraizavam-se nas terras de
além mar e aqueles que haviam permanecido no reino. Expulso o invasor
francês, em 1810, Portugal encontrava-se com sua economia arruinada, não só
pela guerra interna que tivera de travar contra a França Napoleônica, mas,
sobretudo, porque sua principal fonte de renda, o comércio colonial, havia sido
drasticamente reduzida com a abertura dos portos brasileiros ao comércio de
outras nações28.
A situação política portuguesa – entenda-se a do Brasil também – nas
primeiras décadas do século XIX era de intensa crise política. Em 1820, eclodia
a Revolução do Porto com o principal objetivo de instituir em Portugal uma
Monarquia Constitucional. A revolta recebeu, imediatamente, a adesão da elite
colonial, que elegeu deputados para as Cortes reunidas em Lisboa com o
objetivo de escrever a nova Constituição. As intenções dos representantes
brasileiros eram traduzidas pelas propostas levadas pela deputação paulista,
27 No entanto, o caminho percorrido e o modo peculiar como se realizou a independência da Brasil foideterminado pelos acontecimentos que vieram à tona no início do século XIX. Aliado incondicional daInglaterra, Portugal encontrava-se, em 1807, sob ameaça de invasão das tropas francesas, em guerra com oreino britânico. Diante da iminência de invasão, a Corte optou pela fuga para sua colônia, instalando-se noRio de Janeiro, a partir de 1808. A cidade adquiria assim novo estatuto, o de capital de todo o impériolusitano. Para desempenhar as novas funções a colônia não poderia permanecer isolada, restrita aocomércio com uma metrópole que estava agora sob o domínio de tropas inimigas. Assim, tornou-seinevitável a abertura dos portos brasileiros a outras nações, medida também exigida pelos interesses dopoderoso aliado inglês. A transferência da Corte portuguesa para a América fora arquitetada e estimuladapela Inglaterra que obteve, em troca, a assinatura de um tratado em 1810, estipulando taxas alfandegáriaspara os seus produtos inferiores àquelas pagas pelas mercadorias provenientes de outros países, inclusive dePortugal. Rompia-se dessa forma o monopólio metropolitano, cerne do pacto colonial.
31
cuja formulação é atribuída a José Bonifácio de Andrada e Silva: manter o Brasil
unido a Portugal, garantindo-se os privilégios conquistados a partir de 1808,
mediante o estabelecimento de uma monarquia dual, cuja sede deveria
revezar-se entre o Rio de Janeiro e Lisboa29. No entanto, a face liberal da
revolução portuguesa, concretizada no intuito de substituir o absolutismo vigente
por uma monarquia constitucional, tinha sua contrapartida no desejo de
reconduzir as terras de além mar ao estatuto anterior a 180830. Como poderá ser
observado adiante, a Constituição de 1824 vem consolidar os ideais de uma
monarquia esclarecida que se esforçava para se inserir em um contexto
econômico internacional liberal, mas que pecava em manter latente elementos
do ancien regime31.
Apenas a título de ilustração, haja vista a que este trabalho deve
enfatizar os aspectos econômicos, vale dizer que a consolidação de um Estado
Nação, ao molde do que se transcreve o texto constitucional, resultou de uma
confluência de forças políticas e econômicas.
No que tange aos aspectos de uma economia nascente que já buscava
uma multipolaridade de parcerias, a colonização lusitana, em princípio,
estabeleceu uma parceria bipolar, na qual o mercado de trabalho encontrava-se
fora das fronteiras do território de produção escravista na América, impedindo o
desenvolvimento de vínculos significativos entre as diversas zonas de produção
e, paradoxalmente, facilitando o fortalecimento do poder imperial, único capaz
de resistir às exigências britânicas. Conforme nota Luís Felipe de Alencastro:
(...) é a burocracia imperial - e só ela - que dispõe dos meios diplomáticos
e políticos aptos a enfrentar as pressões britânicas, a fim de manter, até
28LEITE, Maria Odila da Silva. "A Interiorização da Metrópole". Carlos Guilherme Mota (org.). 1822:Dimensões. 2a. ed., São Paulo: Perspectiva, 1986, p.133.29 Ibid., p.134.30 Ibid., p. 134.31 Como será analisado e demonstrado mais à frente, a garantia constitucional da continuidade do trabalhoescravo foi considerado um retrocesso da Constituição de 1824.
32
1850, o tráfico negreiro entre os portos africanos e o brasileiro. Um
equilíbrio perverso ergue o trono imperial entre o governo inglês, que
queria acabar logo com o tráfico, e o país real, que queria prolongá-lo o
mais possível. Graças a esta função específica e intransferível o poder
central afirma sua preeminência sobre as regiões e os proprietários
rurais32.
Há de se ressaltar, por fim, que havia, também, razões de ordem
financeira. Evaldo Cabral de Melo assinala como, na década de 1820, o
Centro-Sul ainda não contava com uma atividade econômica altamente rentável.
Só na década seguinte o café se alastraria por todo o Vale do Paraíba,
tornando-se o principal produto da pauta de exportação brasileira33. Desta forma,
tornava-se imprescindível ter como fonte de receita a tributação da economia do
Nordeste, único meio de viabilizar financeiramente o Estado que se procurava
construir. Estabeleceu-se uma organização fiscal pela qual a maior parte da
arrecadação era apropriada pelo governo central. Durante todo o século XIX
houve manifestações de descontentamento nas províncias do Norte contra essa
apropriação fiscal. Em Pernambuco, por exemplo, o desejo de manter na
província o fruto da arrecadação tributária esteve na origem de revoltas como a
Confederação do Equador e a Praieira34.
Foi o interesse em manter a ordem escravista que estimulou a busca de
uma solução negociada entre grupos regionais e elite do Centro-Sul, permitindo
a articulação dos diversos setores dominantes em torno de um único Estado.
Mas essa não foi uma negociação pacífica. A imposição do projeto da elite do
Centro-Sul foi marcada pela resistência armada dos grupos regionais em várias
32 ALENCASTRO, Felipe. “O Fardo dos Bacharéis”, in Revista Novos Estudos CEBRAP. São Paulo,dez./1987, p. 69.Sobre esses movimentos veja-se: Luís Felipe de Alencastro - "Memórias da Balaiada". Revista NovosEstudos. São Paulo, 217-13, março/1989; Spencer Leitmann - Raízes Sócio-Econômicas da Guerra dosFarrapos . Trad. port., Rio de Janeiro: Graal, 1979; e Izabel Marson - 0 Império do Progresso. São Paulo:Brasiliense, 1987.33 MELLO, Evaldo Cabral. O Norte Agrário e o Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.34 Ibid.
33
revoltas reprimidas com maior ou menor violência, a começar pelos movimentos
republicanos do Nordeste. Os grupos regionais dominantes, herdeiros da
autonomia conferida a eles pela organização colonial, relutaram em aceitar a
imposição dos novos padrões de comportamento político e a submissão aos
ditames de um Estado nacional.
Um dos momentos fundamentais do jogo político, assim estabelecido, foi
a instauração do poder provincial, com o Ato Adicional de 1834, por meio do
qual se conferia certo grau de autonomia aos grupos regionais e ao mesmo
tempo vinculava-se sua ação política ao aparelho de Estado. Com essa
iniciativa, delegava-se à província parte do poder tributário, coercitivo e
legislativo, a ser exercido pelo grupo dominante na região. Configurava-se,
assim, uma nova esfera de poder distinto do governo central e do municipal.
Substituía-se o sistema anterior, em que a administração provincial era
totalmente dependente do governo central por outro em que os grupos regionais
encontravam, no interior do Estado, espaço próprio para a defesa de seus
interesses. Ademais, esta distribuição de autonomia está prevista no texto
constitucional de 1824.
Nesta época, durante a primeira metade do século XIX, várias revoltas
eclodiram. Lideradas por proprietários e comerciantes ansiosos por
desvincularem-se do jogo do governo central ou apenas desejosos de, por meio
de armas, fazerem-se ouvir pela elite dirigente. Além disso, a criação de uma
nova instância de poder regional no Rio de Janeiro, com capacidade tributária,
legislativa e coercitiva teve conseqüências decisivas no comportamento dos
grupos de poder regionais: a partir de então, dividiram-se em setores que
disputavam entre si o controle da máquina administrativa provincial, originando
um confronto que resultou muitas vezes em luta armada. Esse foi o caráter dos
34
movimentos como a Farroupilha (1835-1845), no Rio Grande do Sul, a Balaiada
(1838-1841), no Maranhão, e a Praieira (1848), em Pernambuco35.
Com tantas revoltas, tomava-se patente a necessidade de cercear a
capacidade de mobilização dos diversos setores. Era preciso ampliar o grau de
centralização do regime, em especial aumentar o poder de polícia do governo
central nos mais distantes rincões, de forma a manter a população sob controle.
A autonomia regional só poderia existir, sem colocar em risco a integridade
territorial, se houvesse a neutralização dos potentados locais. Nesse sentido,
tornava-se imperativo garantir ao Estado nacional o monopólio da administração
da justiça para a proteção dos interesses nacionais. Tal missão paternalista
exigia, todavia, a criação de um aparato legal capaz de disciplinar a atividade
judicial. Parte importante do esquema de dominação pessoal, a justiça privada
deveria ser substituída pela pública, a moral baseada nos costumes deveria
ceder lugar a um código de regras promulgado pelo Estado. A reforma do
Código de Processo Criminal, em 1841, foi parte do esforço de impor nova forma
de dominação. Os legisladores de 1841 preocuparam-se em reformar o sistema
judiciário de modo a vinculá-lo diretamente ao governo central e, também, a
garantir que a aplicação das leis estivesse a cargo de homens treinados para
tanto e que não se deixariam influenciar pelos costumes. A reforma do Código
esvaziou de poder o cargo de juiz de paz, eleito na localidade e, portanto,
escolhido pelos fazendeiros que manipulavam as eleições, deslocando suas
atribuições para os cargos de delegados e subdelegados, diretamente
vinculados ao presidente da província. Avançava-se, desse modo, na criação de
uma rede estatal visando a substituir a justiça privada pela pública. No entanto,
isso não significa dizer que a ordem pública e a privada eram necessariamente
antagônicas. Tornava-se necessário ao governo central estabelecer uma
espécie de consórcio com os fazendeiros de forma a ter ao seu favor, no jogo
político, sua imensa clientela. Buscava-se, com efeito, adotar um modelo de
35 "' Sobre essas revoltas veja-se: DI PAOLO, Pasquali. Cabanagem. 2. ed., Belém: CEJUP, 1986; REIS,João José. Rebelião Escrava no Brasil. 2a. ed., São Paulo: Brasiliense, 1987; SOUZA, Paulo César. ASabinada. São Paulo: Brasiliense, 1987.
35
Estado moderno europeu, obviamente que estas características deveriam ser
adaptadas à realidade brasileira que era uma sociedade agrária e escravista36.
Em suma, o grupo articulado em torno do governo do Rio de Janeiro
presidiu a construção do Estado nacional visando à continuidade da ordem
escravista. Este grupo, articulou os grupos de dominação regional, reprimiu as
revoltas escravas e de homens livres pobres, impôs uma legislação que permitiu
a acomodação da ordem privada herdada do período colonial no seio de um
Estado pretensamente moderno, promovendo seu ajuste com os novos
mecanismos de dominação. Em meados do século XIX o Estado nacional
consolidava-se revestido pelo regime monárquico que prevaleceria até 1889.
Assim, configurava-se o cenário interno, reflexo em grande medida das
transformações internacionais, que antecedeu à Independência, em 1822, e,
portanto, palco para as transformações que podem ser observadas na
Constituição brasileira de 1824.
A Economia Imperial frente à Ordem Econômica Intern acional
A partir do século XIX, o Brasil passa a se integrar à economia mundial
como país soberano, desempenhando o papel que lhe ficara reservado desde o
período colonial, pautando-se pela Revolução Industrial, como um país
exportador de matérias-primas e gêneros agrícolas e consumidor de produtos
industrializados37. Mantinha-se, assim, no Brasil independente, a estrutura
econômica básica herdada do período anterior: agricultura voltada para a
36 Há de se ressaltar o modelo sobre Estado moderno desenvolvido por Max Weber em Economia ySociedade. México: Fondo de Cultura Económica, 1974. Max Weber sempre é citado por outros autores naárea de Ciência Política. Muitos atribuem a ele a façanha de ter melhor desenvolvido um modelo de Estadomoderno. O próprio Bobbio, em Estado, Governo, Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, apontadois elementos relevantes para a descrição do Estado: “mediante dois elementos constitutivos: a presençade um aparato administrativo com a função de prover a prestação de serviços públicos e o monopóliolegítimo da força”. Estes dois elementos significam, na verdade, a imposição de uma ordem legal, a criaçãode uma burocracia, o monopólio da tributação e o exercício de uma jurisdição compulsória sobre umterritório determinado.
36
exportação, organizada em latifúndios monocultores trabalhados pela mão-
de-obra escrava. Com tal estrutura, organizou-se a produção cafeeira no Vale do
Paraíba que, com a decadência da lavoura açucareira e a crescente demanda
por café no mercado europeu, se tornou a base da economia brasileira no
século XIX. A partir da década de 1840 o café já era o principal produto da pauta
de exportação do país e responsável pela maior parte dos rendimentos
nacionais. A história do Império confunde-se, assim, com a história do café.
Como diz Celso Furtado:
A etapa de gestação da economia cafeeira é também a de formação de
uma nova classe empresarial que desempenhará papel fundamental no
desenvolvimento subsequente do país. 38
A ocupação do Vale pelas fazendas cafeicultoras esteve intimamente
associada ao processo de construção do Estado nacional. A rede de
abastecimento, a integrar Sul e Centro-Sul, gerou o povoamento do Vale do
Paraíba e sua ocupação por famílias que formariam, mais tarde, o restrito grupo
dos barões do café39. Em troca dos serviços prestados para o abastecimento da
Corte, tropeiros, comerciantes, proprietários rurais e altos funcionários do
aparelho estatal foram recompensados, pelo governo, com terras nessa região.
Eles se tornaram os pioneiros da produção em grande escala do café para
exportação e, também, a base de sustentação material e política da Corte40.
0 capital cafeeiro convivia, nesse período, com a intensa presença do
capital inglês, a financiar atividades fundamentais no processo de transformação
por que passava a economia do Império. A expansão da cafeicultura no Oeste
37 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 1967, 7ª edição, pp. 45 -178.38 FURTADO, op. cit., p. 123.39 Ib. Id., pp. 124- 125.40 Ib. Id., pp. 123 - 124.
37
paulista ocorrera à égide de uma nova fase do capitalismo internacional. Ao lado
da troca de mercadorias, a exportação de capitais tornou-se importante fonte de
investimentos para os países industrializados, mormente a Inglaterra.
O Brasil começou a receber, a partir da primeira metade do século XIX,
empréstimos externos. 0 primeiro deles foi realizado logo após a Independência,
com o objetivo de sanar os déficits do tesouro nacional. A partir de então, os
empréstimos concedidos pela Inglaterra acumularam-se e, na segunda metade
do século XIX, serviram, direta ou indiretamente, para o financiamento da
imigração massiva de trabalhadores europeus para a construção de estradas de
ferro e para a implantação de serviços públicos que atendessem as novas
necessidades colocadas pela urbanização. Iluminação a gás, sistema de água e
esgotos, transportes públicos urbanos, quando não foram financiados por
empréstimos foram instalados por companhias britânicas que operavam esses
serviços com grandes margens de lucro. Esta etapa marca o vínculo brasileiro
com o capital internacional.
Mais tarde, o fim do tráfico negreiro foi responsável por outro conjunto
de fatores que propiciaram profundas mudanças na ordem escravista. A
impossibilidade de crescimento vegetativo da mão-de-obra escrava impunha aos
cafeicultores a necessidade de encontrar uma fonte alternativa de braços para
suas fazendas.
0 fim do tráfico significava, a médio prazo, o fim da escravidão. Tomando
a iniciativa, o governo brasileiro implementou a partir de 1871, o projeto da
abolição que parecia menos agressivo para os cafeicultores, que não haviam
encontrado ainda nova fonte de mão-de-obra para substituir os escravos em
suas fazendas. Através da Lei do ventre livre, promulgada naquele ano,
iniciou-se a emancipação gradual, mediante a indenização dos proprietários41.
41 VIOTTI DA COSTA, Emília. Da Senzala à Colônia. São Paulo: Brasiliense, 2 ed., 1989.
38
A necessidade de acabar com a escravidão e integrar o negro, como
condição para viabilizar o Estado nacional, já era clara para José Bonifácio, em
1823 quando apresentou à Assembléia Constituinte um projeto de emancipação
dos escravos42. Para ele, este era o único caminho para o Brasil constituir-se em
nação:
É da maior necessidade ir acabando tanta heterogeneidade física e civil;
cuidemos desde já em combinar sabiamente tantos elementos discordes e
contrários, e em amalgamar tantos metais diversos, para que saia um todo
homogêneo e compacto, que se não esfarele ao pequeno toque de
qualquer nova convulsão política43.
Se em 1823 Bonifácio era uma voz isolada, na década de 1880 seus
argumentos seriam retomados pelos principais líderes abolicionistas. A outra
face do debate sobre o problema da mão-de-obra, que dominou a segunda
metade do século XIX, foi à busca de um substituto para o escravo; pois:
Pela metade do século XIX, a força de trabalho da economia brasileira
estava basicamente constituída por uma massa de escravos que talvez
não alcançasse dois milhões de indivíduos. Qualquer empreendimento
que se pretendesse realizar teria de chocar-se com a inelasticidade da
oferta de trabalho. 44
Na década de 1840 o senador Vergueiro iniciara as primeiras
experiências com imigrantes europeus em suas fazendas de café. A
42 ANDRADE E SILVA, José Bonifácio. “Representação sobre a Escravatura”, in Escritos Políticos, SãoPaulo: Obelisco, 1964, p. 49.43 Ibid., p. 49.44 FURTADO, op. cit., p. 125.
39
implementação de uma política imigratória que satisfizesse os anseios da elite
dirigente em transformar a população à sua imagem e semelhança implicava
reestruturar o sistema fundiário nacional, facilitando aos imigrantes o acesso à
pequena propriedade. O projeto dos cafeicultores, ao contrário, pressupunha
vedar ao imigrante a possibilidade de tornar-se proprietário, oferecendo-lhe,
como única alternativa, o trabalho nas fazendas. Os fundos públicos, nesse
caso, deveriam ser direcionados à subvenção da vinda de imigrantes para as
fazendas de café. Foi essa política a que prevaleceu. Em 1850, os mesmos
legisladores que aprovaram o fim do tráfico aprovaram também a Lei de Terras,
que eliminava todas as formas de apropriação da terra que não fosse a compra
e venda. Dessa maneira, impedia-se que o imigrante pobre (e só esses
aventuravam-se à travessia do Oceano para "fazer a América") se tornasse
proprietário45.
Com efeito, o problema da mão-de-obra foi, no início do século XIX,
considerado um entrave ao crescimento econômico brasileiro. Enquanto a
Inglaterra pressionava a elite dirigente para estabelecer um mercado de
consumidores, pela abolição da escravidão, a Constituição de 1824 vem,
exatamente, de encontro às expectativas de uma economia de mercado, sobre a
qual as potências européias pautavam sua política externa, com vistas a
estabelecer no novos mercados consumidores no mundo novo.
A Constituição de 1824
Como já fora resumidamente abordado, houve um pacto entre as elites
dirigentes e dominantes para a organização do novo Estado. D. Pedro I e
burocracia reinol, embora aliados na Independência, não compartilhavam com
os grandes proprietários de um mesmo projeto. Aos primeiros interessava fundar
na América um novo império absolutista, enquanto para a elite local importava a
45 HALL, Michael e Verena Stockle. “ A Introdução do Trabalho Livre nas Fazendas de Café de SãoPaulo”, in Revista Brasileira de História. São Paulo, set. de 1983, pp. 80 e seg.
40
organização de um novo Estado sob sua hegemonia, o que significava a
instituição de uma monarquia constitucional. 0 confronto era inevitável e teve
como palco, inicialmente, a Assembléia Constituinte, reunida em maio de 1823 e
dissolvida em novembro daquele ano por ordem de D. Pedro I, antes de
encerrados os trabalhos.
A Constituição seria outorgada pelo imperador em 1824 e tinha como
principal característica o alto grau de centralização do regime, graças à
instituição do Poder Moderador. Preconizado pelo pensador suíço Benjamin
Constant, tal instância serviria, em tese, como mecanismo de equilíbrio dos
demais poderes, mas sua aplicação no Brasil serviu como instrumento para a
vontade imperial sobrepor-se às instituições pretensamente representativas46.
Além de conferir ao imperador o direito de nomear e demitir livremente seus
ministros, sem compromisso com a maioria parlamentar, o Poder Moderador
permitia ao chefe do executivo dissolver a Câmara dos Deputados, expediente
utilizado justamente nos momentos em que a troca de ministério não
correspondia à maioria legislativa.
O alto grau de centralização concretizava-se também na determinação
de que as províncias seriam administradas por Conselhos totalmente vinculados
ao governo central. Não estavam dotados de competência tributária que os
habilitasse a implementar autonomamente suas decisões, que, além disso,
deveriam ser sancionadas pela Assembléia Geral e pelo Executivo. A
Constituição, entretanto, consagrava o item de interesse comum que havia
consolidado a aliança em torno da Independência: a exclusão dos demais
setores sociais. Através do artifício de distinguir os cidadãos entre ativos e não-
ativos, manteve-se o monopólio do jogo político para os grupos dominantes.
Apenas eram cidadãos ativos aqueles que possuíam um determinado nível de
renda e mesmo esses eram divididos segundo sua riqueza, conforme o grau de
participação nas eleições. A exemplo, vale citar o inciso I, art. 95 da Constituição
de 1824:
46 CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem. Brasília: UNB, 1981, pp. 51 e seg.
41
Art. 95. Todos os que podem ser Eleitores, são hábeis para serem
nomeados Deputados. Exceptuam-se:
I. Os que não tiverem quatrocentos mil réis de renda líquida, na fórma dos
Art. 92 e 94.47
Durante todo o primeiro reinado, elite local e burocracia reinol
antagonizaram-se na disputa pelo poder. Outorgada a Constituição, eclodiu, em
Pernambuco, a Confederação do Equador, revolta dirigida pelos grupos
dominantes de várias províncias do Norte contra o regime centralizado.
Reprimida a rebelião, o confronto teve prosseguimento na Câmara dos
Deputados, reunida a partir de 1826.
Em 1831, a elite local assumia definitivamente o controle do aparelho de
Estado. Chegava ao fim o processo de independência do país. A emancipação
política brasileira não foi, assim, o resultado da luta do conjunto da nação em
torno de um projeto comum. Em primeiro lugar, tratou-se de movimento restrito
aos setores dominantes em defesa de seus interesses concretos. Além disso, a
própria nação ainda não existia. As possessões portuguesas na América não
possuíam entre si vínculos que permitissem o despertar de uma identidade
nacional. A independência trouxe consigo apenas um elemento novo: a
instalação de um governo no Rio de Janeiro com pretensões de unificar sob sua
direção todo território americano de colonização portuguesa.
Neste cenário, a Constituição de 1824 estabeleceu uma fachada
parlamentarista, que foi mantida durante todo o regime monárquico. Uma vez
consolidado o Estado nacional, o regime atravessou um período de estabilidade
até a década de 1870, quando suas contradições emergiram em uma crise que
teria seu fim com a Proclamação da República em 1889. As reformas de 1840
47 CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. São Paulo: Ed. Atlas, 12ª ed., 1998, p. 822.
42
(em que se reviu o Ato Adicional, de modo a delimitar os poderes das
assembléias provinciais) e de 1841 foram acompanhadas da decretação da
maioridade de D. Pedro II e, conseqüentemente, da volta do Poder Moderador.
A partir de 1837 dois partidos nacionais organizavam-se, o Liberal e o
Conservador, revezando-se no poder ao sabor do desejo imperial.
No que se refere especificamente aos elementos concernentes à ordem
econômica, presente no texto na constitucional de 1824 pode-se observar que
não foi oferecido, pelo Constituinte, ou seja, pelo Imperador, haja vista que fora
outorgado, um título para a ordem econômica do novo Estado, que visasse a
especificar as diretrizes de uma nova ordem econômica para o Brasil. Existem,
todavia, permeando o texto constitucional, disposições que visam a atender às
demandas de uma economia internacional que se encaminhava para o livre
comércio e o livre mercado48. Ao se buscar estas disposições, observa-se que o
texto constitucional já nasce ultrapassado haja vista que consagra o trabalho
escravo e com isso cerceia as perspectivas do surgimento de uma economia de
mercado.
O título 2º da Constituição de 1824 dispõe sobre os cidadãos brasileiros.
Regulamenta, portanto, a situação do mestiço, do estrangeiro, fornecendo
garantias e sanções, quando em seu art. 7º diz “Perde os direitos de cidadão
brasileiro.”. Diz o art. 6º do Título 2º que:
Art. 6º. São cidadãos brasileiros
Os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos, ou libertos, ainda
que o pai seja estrangeiro uma vez que este não resida por serviço de sua
Nação. 49
48 Estes são os dois princípios do GATT que regem o liberalismo econômico.49 CAMPANHOLE, op. cit., p. 813.
43
O art. 6º define quem é cidadão, para que, no Título 8º, em seu art. 173,
venha elencar Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e
Políticos dos Cidadãos Brasileiros. Vale mencionar que o Título 8º se assemelha
ao art. 5º da Constituição de 1988. Lá estão dispostos os direitos e garantias
individuais do cidadão brasileiro. Fato relevante para a perspectiva deste
trabalho é a definição de cidadão. Os escravos não eram cidadãos brasileiros. O
trabalho escravo, garantido pelo texto constitucional, ainda, no início do século
XIX, representava, portanto, um retrocesso para a inserção econômica brasileira
no cenário internacional.
Apesar da Revolução Industrial e das pressões políticas da parceira
comercial inglesa, o trabalho escravo permanece, ou seria melhor dizer,
transcende às revoluções internas e às pressões internacionais, vindo a ser
consolidado na Constituição de 1824. Com efeito, pode-se falar mesmo em um
atraso ou contradição vis à vis os movimentos liberais e econômicos emanados
da Europa. Se por um lado o trabalho escravo atendia às necessidades de uma
elite econômica latifundiária brasileira, por outro, contrariava os movimentos
liberais. Estes movimentos representavam, no campo social, a crescente
demanda por valores democráticos e, no campo econômico, a crescente
liberalização do comércio internacional, seja pela diversificação de parceiros
comerciais, seja pela maior abertura aduaneira. Tem-se como marco a
Revolução Francesa, em 1789, que exportou para o mundo os seus ideais de
liberdade e igualdade50. Ademais, acerca dos impactos de uma nova ordem
econômica internacional no século XIX, as colônias americanas alcançaram sua
independência, exatamente, neste século. Com efeito, as relações internacionais
econômicas mudavam drasticamente. Era o fim do período colonial para as
colônias americanas.
Nesse marco, o trabalho escravo era uma barreira para a consolidação
de um mercado de consumidores para uma sociedade liberal-democrática.
50 É prova desta influência o movimento brasileiro para independência brasileira, denominadoInconfidência Mineira.
44
Mostra-se o texto constitucional atrasado e defasado quanto aos princípios
econômicos internacionais. Primeiro, porque o texto constitucional de 1824 não
elabora diretrizes para a economia brasileira; segundo, porque permite a
prorrogação do status quo das relações de trabalho brasileiras. O trabalho
escravo representava, sobretudo, a subtração de uma parte significativa do
mercado consumidor interno, este de interesse inglês, haja vista a
complementação da balança comercial entre estes dois Estados.
Como fora dito, há uma omissão no que toca a vontade do Imperador de
fornecer um capítulo ou título especialmente para a ordem econômica na
Constituição de 1824. Explica Washington Albino de Souza, a este respeito, que:
A ausência da “Constituição Econômica” nas Cartas liberais de 1824 e de
1891 justifica-se pelas mesmas razões de comportamento semelhante nas
Constituições dos demais países, até a Carta de Weimar, de 1919. 51
Como, também, já fora exposto neste capítulo, apesar da ausência de
um título, capítulo ou mesmo um artigo que mencionasse diretamente alguma
diretriz econômica, existem subsídios nas entrelinhas do texto constitucional
que, por indução, remetem a alguns princípios econômicos. As contradições
com relação aos valores liberais, no que toca às relações de trabalho, são
entendidas como um atraso frente aos movimentos liberais emanados da
Europa. Há, por fim, que se distinguir este liberalismo.
51 SOUZA, Washington Peluso Albino de. “A Experiência Brasileira de Constituição Econômica”, PauloLobo (org.). Antologia Luso-Brasileira de Direito Constitucional. Brasília: Livraria e Editora deBrasília Jurídica Ltda, 1992, p. 378.O mencionado autor também tem os seguintes títulos públicados sobre direito econômico constitucional:“A Experiência Brasileira de Constituição Econômica”, in Revista Brasileira de Estudos Políticos. BeloHorizonte, nº 67/68, 1989, pp 93-132; “Conflitos Ideológicos na Cosntituição Econômica”, in RevistaBrasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte, nº 74/75, 1992, pp. 17-39; “Da Ordem Econômica eFinanceira”, in Revista da Faculdade de Direito de MG. Vol. 33, 1991.
45
São duas as formas de liberalismo. Uma individual remetida à condição
de cidadania do brasileiro. Outra é a do liberalismo nas relações de comércio.
Quanto à primeira forma, inclusive como já fora dito, a Constituição de 1824
consolidou alguns princípios de liberdade individual que, inclusive, estão
presentes até hoje em nossa Constituição.
Assim, o artigo 179 da Constituição de 1824 assegurava aos cidadãos
brasileiros a liberdade, a segurança individual e a propriedade. No seu inciso
XXII complementava-o dizendo que é garantido o Direito de Propriedade em
toda a sua plenitude. Também, no seu inciso XXIV, pode-se verificar uma
garantia típica de economia de mercado que é o livre mercado, ou seja, a livre
iniciativa privada:
Nenhum gênero de trabalho, de cultura, indústria, ou comércio pode ser
proibido, uma vez que não se oponha aos costumes públicos, à segurança, e
saúde dos Cidadãos. 52
Em suma, apesar do trabalho escravo, o liberalismo e o individualismo
ficaram consagrados em fórmulas como a liberdade individual, de propriedade,
iniciativa privada e de comércio, todas representando princípios emanados da
Revolução Francesa e, posteriormente, da Revolução Industrial que foram
sendo, paulatinamente, incorporados pelo ancien regime e pela elite econômica
e reinol em emergência no Brasil do século XIX.
A História Político-Econômica Brasileira e a Consti tuição de 1891
Pode-se iniciar a narrativa histórico-política deste período ressaltando,
que foi a partir do início do século XIX, com a conquista da soberania política e a
construção do Estado nacional, que foram estabelecidas as primeiras diretrizes
52 CAMPANHOLE, op. cit., p. 833.
46
de política externa brasileira. Em princípio, a política externa brasileira esteve
condicionada a quatro variáveis:
(...) o jogo de forças que compunham o sistema internacional no início do
século XIX e os objetivos dos Estados dominantes, a inserção do
continente americano nesse sistema, a herança colonial brasileira tanto
sócioeconômica quanto jurídico-política e, finalmente, o precoce
enquadramento luso-brasileiro no sistema internacional vigente, através
da aliança inglesa53.
Até 1828 esses elementos convergiram para um único ponto: o desejo
do governo imperial de obter reconhecimento internacional da Independência do
país. Essa diretriz influiu, sobremaneira, nas relações exteriores, imobilizando as
decisões até a década de 1840. A importância da política do reconhecimento
está na função que desempenhou, de ponte entre as pressões externas e as
decisões internas: estas se moldaram àquelas, pela via da negociação e do
consentimento final. Há críticas por parte dos historiadores brasileiros que dizem
que, em vez de tirar proveito do quadro internacional e das forças internas, o
governo brasileiro estendeu gratuitamente às nações estrangeiras um
extraordinário poder de barganha por ele criado e por elas utilizado para
realização de seus desígnios. O que se observa nesta fase histórica é que, em
troca do reconhecimento internacional, o governo brasileiro assinou tratados e
fez concessões que agravaram ainda mais a pesada herança colonial. Se a
organização econômica impunha uma inserção subordinada à economia
mundial, de país fornecedor de matérias primas e gêneros alimentícios, as
concessões determinadas pela diplomacia aprofundaram os mecanismos desta
dependência. Pode-se dizer mesmo que foi, a esta época, que surgiu ou se
53 Sobre o posicionamento externo do governo brasileiro frente às potências européias, foi estudada a obrade: CERVO, Amado Luiz e Clodoaldo Bueno. História da Política Exterior do Brasil. São Paulo: Ática,1992.
47
consolidou a relação comercial do Brasil com os países de Primeiro Mundo
baseada nas trocas de matérias primas por industrializados.
Em 1844 expirava o tratado de comércio assinado com a Inglaterra, que
estabelecia taxas alfandegárias privilegiadas para os produtos britânicos que
entravam no país. A partir de então passou a vigorar nova tarifa, elevando a
30% os direitos da maioria dos artigos, sendo que, para aqueles com
equivalentes produzidos no Brasil, as taxas ficavam entre 40% e 60%54. A tarifa
Alves Branco, como ficou conhecida a nova política alfandegária55, foi um
importante passo para o estabelecimento política aduaneira que não tivesse por
meta apenas a obtenção de maiores recursos financeiros, mas, que procurasse,
sobretudo, incentivar quer o trabalho, quer a indústria nacional.
A extinção do tráfico negreiro, em 1850, por sua vez, marcou o fim de
um período turbulento nas relações externas brasileiras. Desde antes da
Independência, a Inglaterra, interessada em ampliar os mercados consumidores
para seus produtos industrializados, pressionava para que fosse extinto o tráfico
de africanos para o Brasil. Realizada a emancipação política, seu
reconhecimento pelo governo britânico foi condicionado à assinatura de um
acordo em que o governo brasileiro comprometia-se em acabar com o tráfico, o
que foi feito por lei promulgada em 1831. A lei, no entanto, permaneceu letra
morta e o comércio de africanos continuou a prosperar nas costas brasileiras
sem sofrer qualquer tipo de empecilho. Enquanto isso, os ingleses valiam-se do
acordo assinado em 1826 para aprisionar os navios negreiros e julgar os
traficantes. A tensão alcançou seu clímax em 1845. 0 governo brasileiro
recusou-se a renovar o tratado de comércio assinado em 1827 e decretou o fim
da convenção sobre o tráfico que permitia os julgamentos de Serra Leoa e o
direito de visita, busca e apreensão de navios negreiros, pelos ingleses. A
resposta britânica foi à aprovação, em 1845, do Bill Aberdeen, lei que autorizava
o governo inglês a mandar julgar pelo alto tribunal do almirantado as
54 DEVEZA, Guilherme. “ Política Tributária do Período Imperial”. Sérgio Buarque de Holanda (org.).História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 4ª ed., 1985, T II, 4º Vol., pp. 40 e seg.
48
embarcações brasileiras que apresentassem indícios de serem utilizadas no
tráfico negreiro, embarcações que poderiam ser capturadas pelos navios
britânicos em qualquer parte do mundo56.
A política externa brasileira no século XIX teve como um dos seus
principais eixos garantir o predomínio do país na região do Prata57. Inicia-se o
processo de integração econômica e política com o Cone Sul, politicamente
estruturado na Constituição de 1988 58.
Por fim, extinto o tráfico negreiro, com a conseqüente normalização das
relações com a Inglaterra, reprimidas as últimas revoltas internas, consolidado o
Estado nacional, o Estado brasileiro conheceu, nas primeiras décadas do século
XIX, um período de estabilidade política que permitiu ao novo Estado expandir
seus interesses para além de suas fronteiras. Adotava o Brasil uma postura
intervencionista59. Este é o cenário que antecede aos trabalhos da Constituinte.
A crise do regime monárquico ensejou um ambiente propício à
Proclamação da República. Não apenas as crises internas, mas as conjunturas
internacionais fomentaram o desmantelamento do sistema Imperial de governo.
55 Alves Branco era o então Ministro da Fazenda e foi quem propôs os novos direitos aduaneiros.56 Embora constituísse uma grave violação do direito internacional e um atentado à soberania brasileira, anova lei era a expressão da vontade da potência então hegemônica, e os protestos brasileiros não foramcapazes de impedir sua aplicação. Em 1850 os ingleses passaram a invadir portos brasileiros e nelesapreender e afundar navios nacionais. Naquele ano o tráfico era definitivamente extinto. Havia sem dúvidainteresses internos a exigir a medida, mas a pressão inglesa foi também elemento decisivo para suaconsumação.57 (CERVO, op. cit., p. 36)58 Após as independências, Rio de janeiro e Buenos Aires vão administrar o secular conflito regional entrePortugal e Espanha, relativo ao domínio do estuário do rio da Prata. Para o Brasil tratava-se de garantir alivre navegação pela bacia platina de modo a proteger seus interesses comerciais na região. Em 1821 d.João VI anexava a Província Oriental do Rio da Prata (atual Uruguai) que, com o nome de Cisplatina,permaneceu como província brasileira até 1828. Com a conquista da independência pelo Uruguai, ogoverno brasileiro preferiu manter neutralidade na região. Opção que prevaleceu até a década de 1850,quando o Brasil adotou uma política de intervenção em que procurou afirmar-se como potência regional.(SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: Escravidão e Cidadania na Formação do Exército. Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1990, p. 47.)59 A nova postura intervencionista concretizou-se na guerra contra Rosas e Oribe, vencida pelo Brasil em1852, e teve seu auge com a guerra empreendida contra o Paraguai (1864-1870), em que o BrasiI contoucom Argentina e Uruguai como aliados. A vitória da Tríplice Aliança significou o fim da opção dedesenvolvimento implementada no Paraguai – em que foi desprezada a aliança com o capitalismo industrialinglês em favor dos investimentos no mercado interno e na industrialização nacional – e a consolidação doBrasil como potência regional.
49
No cenário interno, vários foram os elementos que determinaram a crise
em que submergia o regime monárquico, a partir da década de 1870. Em
primeiro lugar, as contradições inerentes à própria monarquia brasileira tomaram
vulto uma vez vencida a guerra contra o Paraguai. Há de se ressaltar como
elementos determinantes da crise: as contradições entre o princípio moderno da
soberania popular e o da unção divina; entre um sistema nominalmente
representativo e a carência de verdadeira representação; entre um regime de
natureza aristocrática e a inexistência de aristocracias tradicionais; entre um
liberalismo formal e a falta de autêntica democracia; finalmente, entre uma Carta
outorgada, de cunho acentuadamente monárquico, e uma Constituição não
escrita que pendia para o parlamentarismo60. A corrupção, a ausência de
representatividade, o excessivo poder do imperador são exemplos de elementos
que sempre estiveram presentes na monarquia brasileira e que se tornavam
fatores de desgaste do regime, agravados pela prolongada guerra contra o
Paraguai61. Não se deve esquecer do problema da mão-de-obra, pois, a
iniciativa do governo em abolir a escravidão gradualmente, com a Lei do Ventre
Livre, divorciava o Estado de sua principal base de sustentação, que eram os
barões do café.
0 ideal republicano não foi produto do final do século XIX. Antes mesmo
da independência, os movimentos de cunho republicano foram eclodindo a partir
da insurreição de 1817 em Pernambuco, seguida das revoltas contra o governo
central, como na Farroupilha. Mas, foi apenas a partir da década de 1870 que o
movimento republicano encontrou condições propícias para propagar-se.
Devendo-se lembrar que todos os movimentos de cunho republicano e
democrático brasileiros buscaram sua sustentação ideológica nos movimentos
revolucionários europeus, sobretudo na Revolução Francesa.
60 HOLANDA, op. cit., p. 68.61 As despesas com a manutenção do conflito pesavam sobre o Tesouro público e indiretamente, sobre apopulação que enfrentava constante aumento do custo de vida.
50
A guerra do Paraguai conferiu uma importância ao Exército que pode ser
observada por sua influência no cenário político. O esprit de corps militar surgia
por uma espécie de fusão mística entre a corporação e a pátria.
Assim, em novembro de 1889, oficiais do Exército proclamavam a
República, num movimento que, segundo a historiografia, é definido como nada
mais do que uma quartelada, mas, uma quartelada vitoriosa visto que contava
com o decidido apoio da elite econômica mais representativa, os cafeicultores
paulistas. Instaura-se um regime conhecido por regime oligárquico.
Proclamada a República, apenas o Exército, entre os grupos que
lideraram o movimento, estava aparelhado para exercer o poder e o fez até que
as oligarquias cafeeiras reunissem condições para assumir diretamente o
governo federal. A disputa entre cafeicultores e Exército, aliados na
Proclamação da República, em torno da definição das novas regras do regime,
dominou os dois primeiros governos militares, chefiados por Deodoro da
Fonseca (1889-1891). 0 confronto estava centrado na oposição entre a
autonomia regional desejada pelas oligarquias estaduais e o projeto
centralizador dos militares.
As duas rebeliões, Revolução Federalista62 e Revolta da Armada63, que
eclodiram durante o governo de Floriano, foram sintomáticas das dificuldades
das elites dominantes em estabelecer as novas bases para a sua hegemonia no
cenário político interno. As profundas crises dos primeiros anos da República só
seriam superadas com o afastamento definitivo dos militares e a instauração de
62 A Revolta Federalista resultou das dissidências oligárquicas no Rio Grande do Sul. A disputa pelahegemonia no estado entre o grupo de Júlio de Castilhos e o chefiado por Silveira Martins havia sidoresolvida pelo apoio dado ao primeiro por Floriano, restando aos federalistas a opção da luta armada. Defevereiro de 1893 a agosto de 1895 os dois grupos enfrentaram-se, com a vitória dos castilhistas apoiadospelo governo federal. Sem um sistema de regras definidas que sustentasse o regime oligárquico, as lutasentre as facções que disputavam a hegemonia estadual eram resolvidas pela intervenção do governo federale facilmente podiam degenerar em confronto armado.63 Já a RevoIta da Armada (1893) foi fruto das tensões entre Marinha e Exército, que tiveram início aindano governo de Deodoro. A oficialidade da Marinha havia sido uma das principais responsáveis pela quedado primeiro presidente, antes do término de seu mandato. Não conquistou, entretanto, participaçãosignificativa no governo de seu sucessor, acusado por essa mesma oficialidade de comportamento
51
um regime exclusivamente oligárquico, cujas regras seriam definidas no governo
de Campos Sales, no que ficou conhecido como política dos governadores. A
origem dessas crises estava basicamente no confronto entre setores dos grupos
dominantes estaduais que disputavam o apoio presidencial para tomar o
governo ou manter-se nele. Na ausência de regras definidas, além da
Constituição promulgada em 1891, que determinassem os modos de
dominação, o apoio presidencial tornava-se imprescindível. 0 problema estava
em que a primeira Constituição da história republicana brasileira, assim como
sua predecessora, não refletia, em muitos aspectos, a realidade social e
econômica do país e por isso permaneceu como um referencial apenas formal.
Em termos políticos, tem-se apontado como principal contradição o
sistema representativo que consagrava a dominação oligárquica. O sistema
representativo disposto na Constituição de 1891 era expresso pelo predomínio
da vontade popular por meio do voto; mas, o regime oligárquico pressupunha a
manipulação fraudulenta das eleições pelos coronéis. Uma vez que os diversos
grupos dominantes regionais eram igualmente capazes de manipular as
eleições, nenhum deles estava aparelhado para manter uma posição
hegemônica.
A política dos governadores contornaria o problema ao garantir o
domínio permanente da máquina administrativa por um mesmo grupo, em
detrimento dos demais, evitando-se o confronto. Tratava-se de uma espécie de
acordo entre presidente da República e oligarquias estaduais, segundo o qual o
governo federal não apoiaria dissidências nos estados, consentindo na
hegemonia dos setores oligárquicos então nos governos estaduais que, em
troca, garantiriam eleições de deputados e senadores leais ao Executivo da
União, dispostos a aprovar todas as medidas por ele propostas. Além disso, a
política dos governadores pressupunha a supremacia do Executivo sobre os
ditatorial. Após tentativa fracassada de unir esforços com os rebeldes gaúchos, a revolta foi reprimida pelogoverno.
52
demais poderes, de forma a tornar quase absoluto o poder das oligarquias que o
dominavam.
Se o sistema representativo não correspondia à realidade da dominação
oligárquica, a nova Carta consagrava, por outro lado, um princípio que constituía
uma das principais reivindicações das oligarquias cafeicultoras, o federalismo. A
forma federativa garantia-lhes ampla autonomia, com direito a contrair
empréstimos externos, constituir forças militares próprias, elaborar sua
legislação eleitoral, organizar uma justiça estadual e estabelecer tributos sobre
determinados setores, inclusive exportação, decidindo sobre a aplicação da
renda arrecadada.
A Constituição de 1891 estabeleceu uma Federação composta por 20
Estados com alto grau de autonomia econômica e administrativa, responsável
cada um deles em prover suas próprias necessidades, cabendo à União
acudi-los apenas em caso de calamidades. Dessa forma, atendia-se a principal
reivindicação das oligarquias estaduais, de completa liberdade para gerir a
economia e a política de seus Estados.
O regime oligárquico, estabelecido a partir da Constituição de 1891, era
caracterizado pela associação entre poder público e poder privado, fato que
permitia aos grandes fazendeiros exercer intensa dominação sobre os
municípios rurais, enquanto as forças políticas hegemônicas no Estado tinham
nos proprietários de terra importantes aliados para garantir a eleição dos seus
candidatos.
0 regime oligárquico funcionou sem maiores abalos até o início da
década de 1920, quando, neste momento, se estabelece um regime em que a
sucessão presidencial era invariavelmente resultado da vontade das oligarquias
paulista e mineira (política do café com leite). Em 1910 Rui Barbosa disputou a
presidência contra o candidato oficial marechal Hermes da Fonseca. Hermes era
miIitar e Rui apresentou-se como a alternativa civil, na chamada campanha
civilista. Vitorioso, Hermes da Fonseca (1910-1914) implementou durante seu
53
governo o que ficou conhecido como política das salvações. Mas, os
fundamentos da dominação oligárquica não haviam sido alterados e não o
seriam até 1930, quando a rebelião liderada por Vargas poria fim à República
Velha.
0 regime republicano, na sua primeira fase, embora formalmente
representativo, restringia a participação política efetiva aos membros das
oligarquias estaduais. A verdade é que na zona rural predominava a vontade
dos coronéis que impunham seus candidatos através do clientelismo ou da
violência. Sem acesso às instituições republicanas, a população procurou outros
meios para manifestar-se. Revoltas e protestos populares eclodiram por todo o
período. No campo alastraram-se os movimentos messiânicos como o de
Canudos na Bahia64 (1895-1897) e o do Contestado em Santa Catarina65 (1912
-1916), enquanto nas cidades, além de revoltas como a da Vacina no Rio de
Janeiro (1904) e da Chibata66 (1910), os operários começavam a organizar-se,
64 Canudos e Contestado foram a radicalização da luta pela terra de camponeses oprimidos pela exploraçãooligárquica e abandonados pelo Estado. Em Canudos, no interior baiano, uma comunidade organizou-se emtorno de Antônio Conselheiro, líder messiânico que percorria o sertão pregando contra a laicizaçãorepublicana e defendendo uma sociedade mais justa. Acusados de monarquistas, Conselheiro e seusseguidores tiveram que defender-se de sucessivas expedições militares enviadas pelo governo federal paradestruir sua comunidade. A guerra contra Canudos teve profunda repercussão na opinião pública. Atravésdos relatos da imprensa a população do Rio de janeiro e de São Paulo entrava em contato com umarealidade que lhe era totalmente desconhecida. De outro lado, a guerra contra os sertanejos foi exploradapelas diversas facções que disputavam a hegemonia política nesses primeiros anos de República.Considerados fanáticos, monarquistas, ignorantes e selvagens, os seguidores de Conselheiro eram antes detudo homens marginalizados da sociedade republicana, abandonados à sua própria sorte, que procuravamalternativas de sobrevivência.65 Em Santa Catarina, anos depois, os sertanejos também agregaram-se em torno de um líder messiânicopara fundar uma comunidade organizada de acordo com as regras do que consideravam uma sociedadejusta. Desta feita o problema da terra apareceu de modo explícito na origem da revolta que abalou a regiãoconhecida como Contestado. Entre os seguidores do boa parte constituía-se de posseiros expulsos de suasterras por companhias estrangeiras que vieram à região construir uma ferrovia e instalar modernas serrarias.Além deles havia também "ex-trabalhadores da construção da estrada de ferro, que, trazidos das capitais devários Estados, recrutados que haviam sido entre grupos marginalizados, acabaram sendo abandonados àprópria sorte pela empresa, ao terminar a construção da ferrovia. Em todos esses casos, tratava-se de genteque encontrava no ajuntamento uma alternativa de reconhecimento social, uma chance de obter proteção euma possibilidade de eventuais revides. Também na Guerra do Contestado o Exército teve grandesdificuldades, como tivera em Canudos, para destruir a comunidade organizada pelos sertanejos. Os rebeldesforam capazes de resistir durante quatro anos contra as investidas das tropas oficiais.66 Em 1910 os marinheiros dos dois navios da esquadra brasileira, o São Paulo e o Minas Gerais,amotinaram-se, prendendo e expulsando os oficiais que estavam a bordo e matando aqueles que tentaramresistir. Os marinheiros exigiam o fim dos castigos físicos e ameaçavam bombardear a cidade. Eramhomens pobres, em geral negros e mulatos, na sua maioria forçados a se engajarem por órgãos repressivosdo Estado. Derrotados, foram anistiados pelo governo, mas pouco depois, sob pretexto de nova rebelião,
54
realizando greves e manifestações. Os setores populares rebelavam-se contra
um Estado de cuja condução não participavam e que lhes negava qualquer tipo
de assistência. Como manifestações da população pobre e mestiça que habitava
o Rio de janeiro, a Revolta da Vacina e a Revolta da Chibata não conseguiram
ultrapassar os limites de motins circunstanciais contra determinadas medidas
opressivas do Estado. Em contrapartida, outro tipo de movimento, mais
organizado, começava a delinear-se nas principais cidades do país.
Articulando-se em torno de sindicatos, o operariado nascente procurava meios
mais efetivos para satisfazer suas reivindicações.
A Proclamação da República veio acompanhada do primeiro surto
industrial significativo na história brasileira, cujo núcleo básico eram as cidades
de São Paulo e Rio de Janeiro. A fonte inicial para abastecer de mão-de-obra as
fábricas foi a mesma utilizada pelos cafeicultores: a imigração européia. No
início do século, 90% dos operários das indústrias paulistas eram estrangeiros,
principalmente italianos, espanhóis e portugueses. Estrangeiros ou brasileiros
analfabetos, os operários fabris não gozavam de nenhum direito político ou
trabalhista. Para conquistá-los beneficiaram-se da tradição de luta dos
trabalhadores europeus que os imigrantes trouxeram consigo. Socialistas,
anarco-sindicalistas e comunistas sucederam-se na liderança do operariado
paulista e carioca, organizando sindicatos, congressos e greves. Sob a direção
dos anarco-sindicalistas, o movimento operário brasileiro conheceu sua primeira
fase de ascensão.
A Economia na República Velha frente à Ordem Econôm ica Internacional
Quando se fala em economia e ordem econômica internacional na
passagem do período imperial para o republicano, há de se afirmar que a
inúmeros foram presos e muitos deles mortos. Interessante é observar que o mesmo tipo de problemaaconteceu na Rússia. Este episódio da história pré-revolucionária russa pode ser visto no filme de SergueiEiseinstain, denominado Encouraçado Potenkin, uma obra de arte do cinema mudo russo.
55
produção de café para o mercado externo, malgrado as profundas mudanças
políticas, continuou sendo a principal atividade econômica do país durante toda
República Velha. Só que, no novo regime, os cafeicultores conquistaram
hegemonia sobre o Governo Federal, sendo a política econômica adotada pelo
governo, inteiramente voltada para atender às necessidades da cafeicultura.
Mas, em face da crise econômica enfrentada pelos primeiros governos civis, não
restou outra alternativa para os sucessivos governos senão sacrificar alguns
interesses da cafeicultura67.
Os primeiros anos da República foram de crise econômica, gerada pelo
desequilíbrio entre exportação e importação, pelo peso da dívida externa e pela
retração do capital estrangeiro. Para combatê-la foi adotada uma série de
medidas de contenção, por meio das quais se procurava reduzir o déficit
orçamentário e controlar a oferta de moeda. Em relação à dívida externa,
Prudente de Morais firmou, com os credores, em 1898, um acordo que seria
implementado por seu sucessor, Campos Sales68. Em troca desse rolamento da
dívida, os banqueiros exigiam o saneamento da economia do país. Campos
Sales comprometeu-se a queimar papel-moeda na quantidade equivalente aos
títulos da dívida depositados em Londres, para provocar a queda da inflação.
Além disso, seu ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, promoveu uma política
de contenção de gastos e redução do déficit público, que consistiu no aumento
de impostos, paralisação dos investimentos em obras públicas, congelamento de
salários etc. Em consequência houve significativa elevação da taxa cambial,
justamente no momento em que os preços do café caiam no mercado
internacional.
Nos períodos em que não havia crises a serem enfrentadas, o Governo
Federal encontrava condições para implementar uma política mais de acordo
com os interesses da cafeicultura. Tratava-se basicamente de manipular as
67 FAUSTO, Bóris. “Expansão do Café e Política Cafeeira”, in História da Civilização Brasileira. Rio deJaneiro: Bertrand Brasil, 1989, T. III, 1º Vol., pp 193 - 248.
56
taxas cambiais de modo a garantir a lucratividade dos fazendeiros quando
ocorria queda de preços do café no mercado externo. A consequência era o que
Celso Furtado chamou de socialização das perdas: a desvalorização do mil-réis
gerava o aumento dos preços de produtos importados, na época com papel
importante no consumo da população, e a contração no volume das
importações. Assim, a manipulação do câmbio garantia que, em moeda
nacional, não houvesse queda nos lucros dos fazendeiros, mas, em
contrapartida, onerava a população com o aumento do custo de vida e o Estado
com a queda dos rendimentos do seu principal tributo, aquele que incidia
justamente sobre a importação69.
Além da desvalorização cambial, os cafeicultores procuravam proteger
seus lucros utilizando os governos estaduais para implementar a chamada
política de valorização do café. Os governadores de São Paulo, Minas Gerais e
Rio de Janeiro firmaram, em 1906, um acordo, o Convênio de Taubaté, pelo qual
comprometiam-se a empregar o dinheiro público para adquirir e queimar parte
da produção de café70. As políticas de valorização procuravam preservar os
lucros dos fazendeiros ameaçados pela superprodução. A queima foi necessária
haja vista à rápida expansão dos cafezais que acabou gerando uma produção
bem superior à demanda no mercado externo, forçando os preços do café para
baixo. Na verdade, o desequilíbrio entre a oferta de café e a capacidade de
consumo do mercado mundial gerou uma crise.
Com a crise econômica internacional, a progressiva limitação de crédito
em Londres comprometeu a possibilidade brasileira de obter empréstimos
externos. Esta crise representou o choque definitivo para os cafeicultores. Em
68 0 chamado Funding Loan estipulava que o pagamento de todos os empréstimos externos anteriormentecontraídos pelo governo federal seria efetuado até junho de 1901, com novos títulos de dívida que teriam13 anos para serem resgatados.69 FRITSCH, Winston. “Apogeu e Crise na Primeira República: 1900-1930”. Marcelo de Paiva Abreu(org.). A Ordem do Progresso. Rio de Janeiro: Campus, 1992, 4ª ed., pp. 68 e seg.70 O convênio procurava restringir a oferta do produto no mercado internacional, de modo a estabilizar seuspreços, utilizando para isso empréstimos externos feitos pelos governos estaduais. Novas políticas devalorização foram adotadas, em 1917-1920 e 1921-1924, sempre com o apoio ou participação direta dogoverno federal.
57
outubro de 1929, a produção cafeeira entrava em colapso, agravado pela quebra
da Bolsa de Nova York e pela conseqüente crise mundial.
Com o modelo de desenvolvimento baseado no café, a economia
brasileira sofreu profundas transformações: trabalho assalariado, urbanização
crescente, modernização na produção agrícola e industrialização. Na década de
1880 ocorria o primeiro surto industrial do país, financiado pelo capital cafeeiro.
Quanto à indústria nascente, esta permaneceu subsidiária ao café até o
final da década de 1920, quando a quebra da bolsa de Nova York provocou uma
profunda crise mundial, atingindo também a produção brasileira de café, cujos
preços tiveram uma queda drástica no mercado externo. Com o café entrava em
crise o regime oligárquico que ele vinha sustentando. Em 1930 a Aliança Liberal
conquistava o poder e inaugurava um novo regime, em que teriam lugar
destacado os representantes da indústria nacional. Começava o que se chama
de Estado Novo.
A Constituição de 1891
Considerado-se a hipótese de que a Constituição é o espelho dos
movimentos sociais, econômicos e políticos e que reflete a composição de um
ente jurídico que é o Estado, pode-se notar, ao se analisar a Constituição de
1891, que a política econômica brasileira a partir da Proclamação da República,
sofre uma redefinição. Esta redefinição não tem representação no texto
constitucional de 1891. Como ressalta Washington Albino P. de Souza, a Carta
de 1891 não apresenta elementos novos no que tange à área econômica,
diferenciando-se substancialmente no seu aspecto político71. Referindo-se às
Cartas de 1824 e 1891 o autor diz que:
71 SOUZA, op. cit., 387.
58
Confirmam sua marca individualista que, de resto, ainda permanece nesta
mesma disposição nas Cartas posteriores. Reafirmam a presença do
espírito liberal e individualista que continuam mantendo, embora
mitigados. 72
Pode-se observar a redefinição da política econômica ao se analisar a
política externa brasileira. Na primeira fase do regime republicano a política
externa brasileira pautou-se por três características básicas: deslocamento do
eixo diplomático de Londres para Washington, delimitação de fronteiras ainda
controversas e papel mais ativo nos assuntos referentes ao continente. Os
Estados Unidos tornaram-se, no século XX, os principais consumidores dos
produtos brasileiros, substituindo a Grã-Bretanha como mais importante parceiro
externo do país. Além disso, ao final da I Guerra Mundial, Nova York passou a
ocupar, nas finanças internacionais, a posição que antes pertencia a Londres.
Em consequência, Washington, cada vez mais, assumia papel de
preponderância nas relações externas brasileiras. O Brasil aderia, assim ao pan-
americanisrno sob a liderança norte-americana.
Proclamada a República, os novos dirigentes pautaram sua política
externa para busca de alianças políticas e comerciais com os países
americanos, rompendo com a diretriz eminentemente européia que prevalecera
no período anterior. Vale citar um extrato da obra de Amado Cervo que resume
com propriedade os interesses econômicos e políticos brasileiros desta época:
O americanismo marcou a República nascente como que por antinomia
ao europeísmo com o qual se identificara a Monarquia. Se as instituições
monárquicas rendiam o Brasil à Europa, as republicanas integravam-no no
sistema continental americano (...). Um aspecto a ressalvar dessa
‘americanização’ é que ela nem sempre se confundia com ‘norte-
72 Ibid., p. 387.
59
americanização’. Houve preocupação em voltar a atenção do pais para o
contexto sul-americano, inaugurando uma política de fraternidade americana. 73
Estas são as raízes da cooperação regional com os vizinhos do sul que
culminou com a criação do MERCOSUL. Esta reorientação, todavia, não é
definida pela Carta de 1891, permanecendo os pressupostos herdados da Carta
de 1824 e a omissão com relação às diretrizes econômicas do novo Estado.
A História Político-Econômica Brasileira e as Const ituições de 1934, 1937
e 1946
Em princípio, cumpre explicar que as três Constituições estão sendo
estudadas em conjunto em razão de não ter havido um decurso de tempo
significativo, um lapso temporal realmente relevante entre uma e outra
Constituição. Assim, a própria história pode ser contada de forma conjunta.
Pode-se iniciar dizendo que a década de 1920 foi marcada pela crise do
regime oligárquico. As dificuldades enfrentadas pela produção cafeeira, com as
constantes crises de superprodução e a brutal queda do preço do café no
mercado externo quando da quebra da Bolsa de Nova York, em 1929,
fragilizaram o regime que se sustentara na cafeicultura. O surgimento de
dissidências no seio das próprias oligarquias abalaram sua estabilidade, que se
fundamentava no acordo oligárquico. Além disso, alguns dos setores
politicamente excluídos foram capazes de articular-se em oposição organizada e
sistemática. Na década de 20, algumas oligarquias menores, lideradas pelos
gaúchos, passaram a questionar a hegemonia de São Paulo e Minas Gerais no
governo federal. Em 1921, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Estado do
73 CERVO, op. cit., p. 150.
60
Rio formaram a “Reação Republicana” com a candidatura de Nilo Peçanha à
Presidência, em oposição a Artur Bernardes, candidato oficial74.
É interessante ressaltar, ainda que resumidamente, esses aspectos
políticos considerando-se que um dos principais pontos da campanha
oposicionista foi a crítica à política econômica adotada pelos sucessivos
governos, comprometida, apenas com os interesses da cafeicultura. A vitória de
Artur Bernardes refreou temporariamente as divergências regionais, que
ressurgiriam em 1930. Considerando-se que a política é um meio e não um fim,
o jogo de poder das oligarquias regionais em busca do poder político buscava,
na verdade, consolidar os interesses econômicos de um determinado grupo.
Esta crise política-econômica desembocou em um movimento revolucionário que
buscava reestruturar um novo sistema, cujo marco foi a Constituição de 1934.
Vitoriosa a Revolução de 1930, foi organizado um governo provisório
(1930-1934), chefiado por Getúlio Vargas, com a incumbência de convocar uma
Assembléia Constituinte e eleições para a presidência da República. As
primeiras medidas decretadas pelo novo governo já antecipavam as principais
preocupações que norteariam a ação das novas elites que assumiam o poder.
Procurava-se, de um lado, limitar os mecanismos institucionais que serviram de
instrumento para a dominação oligárquica (as oligarquias continuaram a exercer
a dominação a nível local, mas seu poder no Estado já não era hegemônico) e,
de outro, estabelecer as bases de um novo tipo de relação com os setores
populares75.
Nos primeiros anos do novo regime, a ampla aliança que subira ao
poder enfrentou profunda instabilidade política, fruto do confronto interno das
diversas forças que a compunham. Suas oposições e contradições ficaram
patentes logo no início do governo provisório. Além das contradições internas da
74 SOUZA, Maria do Carmo Campello de. “O Processo Político-Partidário na Primeira República.” BórisFausto (org.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, T. III, 2º vol. p. 215 e seg.75 WEFFORT, Francisco. O Populismo na Política Brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 4ª ed., 1994,pp 94 e seg.
61
própria aliança, o governo confrontou-se com movimentos de oposição, levados
a cabo por grupos que permaneceram afastados do poder. Em 1932 eclodia em
São Paulo a Revolta Constitucionalista, liderada pela oligarquia cafeeira que
perdera a hegemonia sobre o Governo Federal. Além disso, setores mais
radicais da classe média agrupavam-se na Aliança Nacional Libertadora (ANL),
com a liderança de Luís Carlos Prestes, enquanto as facções de direita
organizavam-se sob a bandeira do integralismo, movimento de caráter fascista
liderado por Plínio Salgado. A estabilidade do regime, o que significava
preservar os interesses no poder, dependia da derrota desses dois movimentos.
A Constituição de 1934 foi resultado de um ambiente de muitas revoltas,
alianças e golpes, por esta razão faz-se necessário apresentar uma breve
descrição deste cenário que, afinal, foi palco para a Constituinte.
Em 1932, o Partido Democrático paulista, que havia apoiado a
Revolução de 1930, aliou-se à oligarquia cafeeira, representada pelo PRP, em
uma revolta que tinha como pretexto a resistência de Vargas em convocar a
Assembléia Constituinte. Em fevereiro de 1932 era fundada a Frente Única
Paulista (FUP), reunindo os dois partidos, com um programa cujas
reivindicações centrais eram a elaboração de uma nova Constituição e a
restauração da autonomia de São Paulo, governado desde 1930 por
interventores ligados ao tenentismo. A 9 de julho era deflagrada a rebelião.
Embora derrotados três meses depois, seus protagonistas alcançaram seus
principais objetivos: a Assembléia Constituinte foi convocada e a FUP
conquistou o governo do Estado pouco depois.
Também em 1932 era fundada a Ação Integralista Brasileira (AIB),
tornando-se um dos primeiros partidos de massa do país, com um contingente
estimado entre 600 mil e 1 milhão de adeptos em 193676. Tratava-se de uma
concepção corporativista de Estado, na qual cada cidadão estaria representado
na medida em que fizesse parte de uma determinada classe profissional. Os
62
integralistas cortejaram o governo de Vargas e o apoiaram no golpe de 1937,
colaborando ativamente na elaboração do Plano Cohen77. A Vargas, contudo,
não interessava a aliança com um movimento autônomo, com diretrizes próprias
que nem sempre coincidiam com os interesses dos grupos no poder. Em 1937 a
AIB era dissolvida pelo governo e no ano seguinte os integralistas reagiam com
uma tentativa de tomar o Palácio da Guanabara, sede do Governo Federal.
Por fim, o novo regime teve que enfrentar a oposição armada do Partido
Comunista Brasileiro (PCB), em uma revolta que eclodiu em 1935. Neste ano foi
criada a Aliança Nacional Libertadora que reuniu, sob a liderança do PCB, várias
tendências políticas aglutinadas em torno de um programa que privilegiava o
combate ao imperialismo e ao latifúndio e a defesa das liberdades democráticas.
O plano de um levante armado dirigido pela ANL foi elaborado em Moscou, onde
se encontrava Prestes, e contou com o apoio decisivo da Internacional
Comunista. O levante foi deflagrado em novembro e ficou restrito à sublevação
de algumas unidades militares em Natal, Recife e Rio de Janeiro. Facilmente
derrotada, a rebelião serviu de pretexto para intensa repressão aos
oposicionistas do regime. Foram efetivadas milhares de prisões e o Congresso
aprovou uma série de medidas excepcionais solicitadas pelo Executivo,
declarando estado de sítio. O levante foi utilizado também como justificativa para
a instauração de um governo ditatorial, o que ocorreria em 1937.
A instabilidade política que marcou os primeiros anos após a Revolução
de 1930 foi conseqüência da peculiar correlação de forças que se instalou no
poder. Nenhum grupo social estava em condições de impor sua hegemonia ao
conjunto da sociedade, ao contrário do período anterior, quando os cafeicultores,
uma fração da burguesia agrária, estabeleceram seu predomínio por meio do
regime oligárquico. A opção Vargas suplanta uma lacuna de poder organizado
pelas elites, como bem explica Weffort:
76 Profundamente nacionalista, seus adversários centrais eram o capitalismo internacional, o liberalismo, osocialismo e os judeus, e seu principal objetivo a implementação do chamado Estado integral.77 O Plano Cohen foi um documento forjado para fazer crer que havia uma conspiração comunista emandamento e assim justificar a instauração de uma ditadura.
63
O novo governo terá, portanto, que mover-se sempre dentro de uma
complicada faixa de compromissos e conciliações entre interesses diferentes e
por vezes contraditórios. De nenhum dos grupos participantes – as classes
médias, os grupos menos vinculados à exportação e os setores vinculados à
agricultura do café – se poderia dizer que teria assegurado para si as funções de
hegemonia política. Por outro lado, nenhum desses grupos tem condições para
oferecer as bases da legitimidade do novo Estado, para apresentar seus
próprios interesses particulares como a expressão dos interesses gerais da
Nação78.
Instaurou-se assim uma espécie de vazio de poder, solucionado pelo
que Francisco Weffort denominou estado de compromisso, no qual se
articularam burguesia industrial, camadas médias e burguesia rural em torno do
novo governo e, sobretudo, da figura de Getúlio Vargas. O novo regime
caracterizava-se também por um alto grau de centralização e de intervenção na
economia, com o fortalecimento do Governo Federal em detrimento dos
executivos estaduais. Procurava-se, assim, criar um quadro institucional de
abrangência nacional, em substituição ao profundo regionalismo que marcara o
regime anterior. Se a centralização seria levada a extremos a partir de 1937, ela
já estava consagrada na Constituição aprovada em 1934.
O fortalecimento do Executivo, em 1937, foi a fórmula adotada para
viabilizar o estado de compromisso, acomodando os diversos setores
dominantes em um regime ditatorial em que sobressaía a figura de Vargas como
núcleo aglutinador. Eleito presidente em 1934, pelo Congresso Nacional, para
um mandato que expiraria em 1938, Vargas liderou o golpe que inaugurou a
ditadura, alcunhada de Estado Novo. O historiador Eli Diniz descreve o Estado
78 WEFFORT, Francisco. O Populismo na Política Brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 4ª ed., 1989, p.69.
64
Novo como um regime altamente centralizado, de autonomia relativa do Estado,
isto para:
(...) resguardar as posições econômicas dos grupos tradicionais,
favorecendo, ao mesmo tempo, a marcha dos setores emergentes,
particularmente a burguesia industrial. Neste sentido, ter-se-ia um arranjo
para institucionalizar o confronto entre os grupos dominantes, reforçando
os canais de acesso da coalizão vitoriosa ao poder em trinta excluindo ao
mesmo tempo a participação das forças ideologicamente indesejáveis, e
reduzindo, simultaneamente, a influência política dos setores
tradicionalmente dominantes, quer pela impossibilidade de que
readquirissem o controle do sistema decisório, quer pelo aprofundamento
do processo de desestruturação dos recursos de poder que ainda
manipulavam.79
Em 10 de novembro tropas oficiais cercaram o Congresso,
dissolvendo o Parlamento. Ao mesmo tempo, Vargas promulgava uma nova
Constituição que conferia ao chefe do Executivo poderes ditatoriais e cujos
dispositivos eram decalcados dos modelos corporativistas e fascistas de
Portugal e da Itália. Os partidos políticos foram abolidos e uma rigorosa censura
aos órgãos de comunicação passou a vigorar. O fortalecimento do Executivo
residiu também na transferência, para o Governo Federal, de funções antes
reservadas aos governos estaduais. Além disso, uma nova concepção do papel
do Estado determinou sua intervenção profunda na economia, não apenas para
resguardar alguns interesses como ocorrera no período anterior, mas, sobretudo
para promover o desenvolvimento. O Governo Federal tornou-se um importante
agente econômico, inclusive como proprietário:
79 DINIZ, Eli. “ O Estado Novo: Estrutura de Poder, Relações de Classes” , in História Geral daCivilização Brasileira. São Paulo: Difel, T. III, 3º vol., org. Boris Fausto, 1986, p. 84.
65
(...) através da instalação de novas indústrias, estatais, o Estado assumia
o papel de principal investidor. (...) esses investimentos tinham uma
significação intrínseca: em sua maioria canalizados para a indústria
pesada, setor pouco atraente para os investidores particulares, em que a
remuneração dos capitais, se faz a longo prazo, resultaram na instalação
das condições infra-estruturais para o desenvolvimento do capitalismo no
Brasil80.
Tratava-se do aprofundamento das diretrizes presentes a partir de 1930.
Vargas promulgou a Consolidação das Leis Trabalhistas, em 1943, e criou uma
estrutura sindical diretamente ligada ao Estado, em ambos os casos inspirado
pelo corporativismo fascista italiano. Não era mais possível ignorar a existência
de uma classe que avançava na sua capacidade de organização e mobilização.
Era preciso incorporá-la ao jogo político, mas de maneira a não permitir que
colocasse em risco a supremacia dos grupos articulados em torno do Estado.
Para isso adotou-se uma política de concessões que colocava Vargas como o
grande líder dos trabalhadores em detrimento das lideranças independentes.
Uma série de medidas foram implementadas, especialmente a partir de 1937, a
fim de proteger a força de trabalho, promover sua limitada organização
econômica, incentivar o aproveitamento do operário nacional. Uma rede de
sindicatos atrelados ao Estado foi criada e direitos trabalhistas foram
consagrados, ao mesmo tempo em que Vargas procurava falar diretamente aos
trabalhadores por meio de comícios e do rádio, utilizando-se de um eficiente
esquema de propaganda. Estavam lançadas as bases do populismo, tipo
peculiar de relação entre governo e massas populares, que predominaria na
política brasileira a partir de então.
O Estado Novo vigorou até 1945, quando Vargas foi obrigado a
promover a democratização do país, convocando eleições e permitindo a
reorganização partidária. Com a entrada do Brasil na II Guerra Mundial. (1939-
1945) em 1942, na condição de aliado dos Estados Unidos contra o fascismo e o
80 SOLA, Lourdes. “O Golpe de 37 e o Estado Novo”, in Brasil em Perspectiva. Rio de Janeiro: Bertrand
66
nazismo, os movimentos que exigiam o fim da ditadura ganharam peso e foram
capazes de impor a reforma do regime81.
Em 1945 era promulgado decreto que convocava eleições para a
presidência da República e para a Assembléia Constituinte, a serem realizadas
em dezembro do mesmo ano. Vargas acalentava ainda a possibilidade de
permanecer no governo, mas, por um golpe militar desferido em outubro,
assumiu a presidência, em caráter provisório, o presidente do Supremo Tribunal
Federal, José Linhares. Realizadas as eleições, venceu o candidato getulista,
general Eurico Gaspar Dutra(1946-1951).
O novo regime foi marcado por profunda instabilidade política cuja
extensão pode ser avaliada pela dificuldade de vários presidentes em terminar
seus mandatos. Vargas, mais uma vez eleito para ocupar a presidência em
1950, suicidou-se em 1954, antes do término de sua gestão – Jânio Quadros
(1961) renunciou ao cargo apenas sete meses após sua posse e seu sucessor,
João Goulart (1961-1964), foi deposto por um golpe militar em 1964. O
crescimento do movimento operário ocupava o centro das preocupações dos
setores dominantes, especialmente porque Vargas havia recorrido à mobilização
popular para tentar evitar sua volta ao poder, no chamado movimento
queremista. Além disso, a nova conjuntura internacional favorecia o
fortalecimento do PCB, já que a URSS havia sido uma aliada importante na luta
contra o nazismo. No pleito de 1945 o PCB conseguira eleger alguns deputados
e um senador (Luís Carlos Prestes), tornando-se o quarto partido do país. O
número de greves aumentava significativamente, registrando-se mais de 60, só
nos dois primeiros meses de 1946.
O crescimento do movimento de massas, em especial da luta operária e
sindical, faria o governo pender para uma solução repressiva, cujo alvo básico
Brasil, (org.) Carlos Guilherme Mota, 16ª ed., 1987, p. 275.81 Em 1943 latifundiários e empresários mineiros lançavam o Manifesto dos Mineiros, reivindicando ademocratização do país. No ano seguinte setores de oposição fundavam a União Democrática Nacional(UDN) e lançavam o Brigadeiro Eduardo Gomes candidato à Presidência da República. Em janeiro de 1945
67
seria o Partido Comunista, considerado - parcialmente de forma verdadeira -
como responsável por essa conjuntura82.
A repressão foi favorecida pela mudança da conjuntura internacional,
com o desenvolvimento da guerra fria. Em 1947 o PCB tinha seu registro
cassado pelo Superior Tribunal Eleitoral, grande número de sindicatos sofria
intervenção governamental e a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil
(CGTB) era fechada. A profunda preocupação com os rumos que tomava o
movimento popular tinha por pano de fundo a presença do populismo como
principal elemento da democracia que se instaurava em 1946. Esses
movimentos populistas têm um desfecho em 1964 e será observado que, mais
uma vez, história e Constituição caminham juntas quando se analisar o texto
constitucional de 1967.
A Economia no Período Entre-Guerras e no Pós-II Gue rra Mundial e a
Ordem Econômica Internacional
A partir da década de 1930 o Brasil passou por transformações
econômicas e sociais profundas que foram responsáveis pela radical mudança
do perfil do país a partir de então. As mais significativas foram, com efeito, a
industrialização em larga escala e a substituição da mão-de-obra imigrante, nas
regiões econômicas mais ativas, notadamente em São Paulo, pelo trabalhador
nacional vindo de outras partes do país, principalmente do Nordeste. Em ambos
os casos o Estado desempenhou papel decisivo ao investir nas indústrias de
base e promover o enquadramento dos migrantes nordestinos, criando uma teia
legislativa e institucional que delimitava claramente seus direitos e,
consequentemente, impunha limites às suas reivindicações.
o 1 Congresso Brasileiro de Escritores divulgava manifesto em favor das liberdades democráticas.
82 ALMEIDA JÚNIOR, Antonio Mendes de. “Do Declínio do Estado Novo ao Suicídio de GetúlioVargas”, in História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, T.II, 3º vol., 3ª ed., org. BórisFausto, 1986, p. 242.
68
A Revolução de 30 inaugurou uma nova fase na economia brasileira.
Seu eixo deslocou-se da agricultura exportadora para as atividades industriais.
Se no período anterior podia ser detectado um importante crescimento industrial,
na década de 30 o país passou por um processo de industrialização efetivo.
Uma das principais alavancas da industrialização brasileira foi o
estrangulamento do mercado externo em decorrência da crise instalada com a
quebra da Bolsa de Nova York, em 1929. Como assinala a economista Maria da
Conceição Tavares:
O largo período que transcorreu até a recuperação mundial logo seguido
da Segunda Guerra Mundial obrigou a economia do país a voltar-se sobre si
mesma desenvolvendo novas atividades produtivas, com apoio em faixas de
demanda interna até então atendidas pelas importações. Sob a pressão de uma
redução drástica na capacidade para importar iniciou-se, assim, um processo de
substituição de importações que se manteve até a época atual levando a um
grau de diversificação industrial e a taxas de crescimento bastante mais
acentuadas do que as de quase todas as nações Latino-americanas. 83
Nesse processo predominou o Estado intervencionista, considerado o
único capaz de vencer rapidamente a distância que separava o país das nações
industrializadas.
A substituição de importações foi a diretriz básica que orientou a política
de desenvolvimento no período. Seu fundamento residia na crença em que a
viabilidade econômica do Brasil dependia do crescimento e fortalecimento do
mercado interno. Acreditava-se que era preciso produzir no país os produtos
consumidos por sua população. Diz, a este respeito, o renomado economista
Paul Singer, que o problema estava em que a implementação dessa nova
política teve início já sob a égide do capitalismo monopolista e da Segunda
Revolução industrial, o que significava, segundo ele, que:
83 TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro. Rio deJaneiro: Zahar, 1972, p.59.
69
(...) a produção de automóveis ou caminhões, derivados de petróleo ou
produtos farmacêuticos, eletrodomésticos ou material de comunicação não
poderia ser feita em pequena escala, por empresas familiares, que
cresceriam paulatinamente mediante a acumulação de seus próprios
lucros. A substituição de importações que se impunha, a partir do anos 30,
requeria uma reestruturação em profundidade das relações de produção.84
Para a produção de mercadorias eram necessários vultosos
investimentos e um mercado de capital que não existia no Brasil, o que
inviabilizava a passagem do país para a fase do capitalismo monopolista sob a
égide do capital privado nacional. A alternativa adotada foi fazê-lo mediante
intervenção do capital estatal.
Desde o Estado Novo, o governo esforçou-se em investir na indústria de
base de forma a garantir a infra-estrutura de que o capitalismo nacional
necessitava para expandir-se. Capitalistas e governo compartilhavam da mesma
visão sobre o caminho a ser adotado para industrializar o país. Ambos
compartilhavam da crença na “necessidade da interferência estatal como fator
de correção de distorções, de organização de disciplina dos mecanismos
econômicos”85.
A política econômica voltada para a industrialização foi implementada
pela primeira vez por Vargas, que deixou como obra emblemática de seu
governo a Siderúrgica de Volta Redonda, construída na década de 1940 com
capital norte-americano86.
Foi no governo JK que a política de industrialização chegou ao seu
auge. A preocupação básica de investir em infra-estrutura e indústria de base,
de modo a garantir o desenvolvimento industrial, se concretizaria no Plano de
84 SINGER, Paul. “ Interpretação do Brasil: uma Experiência Histórica de Desenvolvimento”, in HistóriaGeral da Civilização Brasileira, Boris Fausto (org), São Paulo: Difel, 1986, T. III, 4º vol., p.223.85 DINIZ, op. cit., p. 9286 Obtido em troca da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, ao lado dos aliados. No entanto, issonão significa dizer que o novo regime tinha uma política econômica claramente industrialista.
70
Metas, por meio do qual o novo presidente prometia 50 anos de
desenvolvimento em 5 anos de mandato87. Era a política desenvolvimentista que
se materializava. Como descreve Maria da Conceição Tavares, tratava-se de
uma política de investimento que, em continuação à fase dos investimentos
pioneiros como Volta Redonda e a Petrobrás, avançou:
(...) para a eliminação sistemática dos principais pontos de
estrangulamento nos setores de infra-estrutura e o financiamento e
orientação de outros investimentos de base, através de uma agência
financeira estatal o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico. Essa
política foi consubstanciada num programa de metas, que representou a
primeira tentativa com certo êxito, de planejamento em escala nacional,
embora em termos setoriais e com todos os defeitos inerentes à falta de
uma visão global e integrada da economia88.
Para viabilizar seu Plano de Metas, Juscelino contou com a entrada
massiva de capital externo. Além do capital externo, JK utilizou largamente a
expansão monetária para financiar déficits orçamentários - decorrentes das altas
taxas de investimento sem retorno imediato, bancar aumentos salariais e
estimular as atividades produtivas. A industrialização foi acompanhada por outra
transformação fundamental nas relações econômicas, sociais e políticas: a
entrada em cena do trabalhador nacional. Se o primeiro surto industrial do país,
no final do século XIX, havia sido alimentado pelo fluxo de imigração européia
que viera substituir o tráfico negreiro para as fazendas de café, a partir da
década de 20 os imigrantes nordestinos substituíram paulatinamente os
87 O Plano de Metas, implementado a partir de 1956, elegeu 5 setores prioritários de investimento: energia.onde sobressaíam energia elétrica e petróleo; transportes, com ênfase na construção e melhoramentos deferrovias e rodovias; alimentação, com prioridade para mecanização da agricultura, produção defertilizantes e construção de armazéns; indústria de base, com investimentos em siderurgia, produção dealumínio, cimento, borracha, celulose e papel, indústria de automóveis, indústria mecânica e de materialelétrico pesado; educação, priorizando a formação de pessoal técnico. Ao final do governo a maioria dasmetas havia sido atingida, se não na sua totalidade, pelo menos em grande parte.88 TAVARES, op. cit., p. 62
71
europeus na composição do operariado paulista. As diferenças econômicas
entre as diversas regiões brasileiras acentuavam-se cada vez mais com a
industrialização do Sudeste e o empobrecimento crescente do Nordeste. O
processo de urbanização, articulado à industrialização, oferecia aos habitantes
das regiões mais pobres uma ampla gama de empregos que estimulava a
migração interna. Pela primeira vez na história do país, os setores mais ricos e
ativos da economia eram abastecidos majoritariamente por um fluxo constante e
sistemático de trabalhadores nacionais.
Por volta de 1930, pela primeira vez, como nota o historiador Luiz Felipe
de Alencastro, “o mercado de trabalho se territorializa”89. Como conseqüência, o
Estado assume nova tarefa em relação ao fornecimento de trabalhadores. A
partir de 30, ao Estado caberá a função de manter o controle sobre os
trabalhadores e legitimar sua exploração. Não se tratava mais de escravos ou de
estrangeiros e sim de cidadãos brasileiros que se empregavam nas fazendas e
nas indústrias, o que refletirá, necessariamente, nas relações entre Estado e
trabalhadores:
Enquanto o mercado de trabalho foi predominantemente alimentado pelo
tráfico negreiro e pela imigração (,..), o poder político encontrava-se em
face de trabalhadores mantidos em situação de infracidadania. Nessas
condições o discurso ideológico resumia-se praticamente ao diálogo entre
as classes dirigentes (a burocracia imperial e republicana) e as classes
dominantes (as oligarquias regionais). A partir do momento que a
reprodução ampliada da força de trabalho se territorializa (...), o discurso
ideológico não pode mais evoluir intramuros no estreito espaço do poder.
Doravante era preciso uma ‘linha de massa’, uma ideologia que
encobrisse o sentido e a orientação do cotidiano, que justificasse as
relações complexas unindo dominantes e dominados. Nacionalismo e
patriarcalismo fornecerão o esteio ideológico da nova fase do mercado de
trabalho brasileiro. A emergência de uma administração federal reforçada,
89 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. “A Pré-Revolução de 30”, Novos Estudos CEBRAP. São Paulo,set./1987, p. 17.
72
o trabalhismo, o populismo varguista eficazmente propulsado pelo rádio
(pela primeira vez todo o povo brasileiro ouve a ‘voz do dono’) veiculam o
nacionalismo90.
Desta forma, o Estado passa a desempenhar papel fundamental na
organização do trabalho e o faz por meio da criação de um aparato legal e
burocrático (legislação trabalhista, criação do Ministério do Trabalho,
organização de uma estrutura sindical oficial) que garante para as indústrias um
trabalhador barato.
Internacionalmente, a Guerra Fria estabeleceu uma dicotomia de blocos
que se estruturam sob a rivalidade ideológica entre capitalismo e comunismo. O
alinhamento quase incondicionado aos EUA permitiu ao Brasil vantagens seja
em termos de empréstimos seja pela gama de parcerias e tratados bilaterais91. É
bem verdade que houve um excesso de liquidez internacional, fato que
favoreceu o acesso a grandes montantes de empréstimos não apenas com o
FMI, mas com os banqueiros privados, como aqueles do Clube de Paris.
As Constituições de 1934, 1937 e 1946
A partir da Constituição de 1934 tem-se a inclusão de um título
especialmente dedicado à ordem econômica e social. As demais Constituições
brasileiras que se seguem também se orientam pela mesma fórmula, com uma
crescente atenção dada à parte econômica:
As diversas Constituições brasileiras, a partir de 1934, ao cuidar da
“ordem econômica”, caracterizando a Constituição Econômica, o fizeram
90 Ibid., p. 20.91 Denomina-se esta parceria preferencial entre Brasil e EUA, durante a Guerra Fria, por alinhamentoautomático.
73
garantindo-lhe a mais alta expressão hierárquica em termos de disposição
formal da matéria, pois que a trataram como “Título”. Seu enunciado
apresentou variações não muito importantes até que se chegou ao texto
de 1988.92
Como já fora estudado, as duas Constituições anteriores não
apresentaram um título dedicado à ordem econômica; mas, ainda assim, pôde-
se observar a existência de alguns elementos dispostos por todo o texto
constitucional que tratam dos direitos econômicos como aqueles da garantia à
propriedade privada, da política comercial e outros. Há de se questionar, no
marco desta Constituição, a iniciativa do Constituinte em incluir um título
especialmente direcionado às questões de ordem econômica e social.
Durante as quatro décadas que se seguiram à Constituição de 1891,
paulatinamente, foi se consolidando uma miríade de leis que regulavam
atividades econômicas, fazendo surgir uma verdadeira legislação nesta
matéria93. A inclusão do tema econômico na Constituição de 1934 foi um
resultado desta evolução normativa. Por seu turno, pode-se dizer que a
legislação também surgiu para atender às demandas das elites emergentes e
das conjunturas internacionais. Como já fora visto na parte histórico-econômica
deste trabalho, a partir de 1891, houve uma alteração substancial da política
externa brasileira, sobretudo pelas novas orientações para a política comercial
brasileira:
A Carta de 1934 absorveria em grande parte as inovações daquela
legislação e apresentaria uma estrutura inteiramente nova, com a adoção
pela primeira vez, como dissemos anteriormente, da Constituição
Econômica na História do constitucionalismo brasileiro. 94
92 SOUZA, op. cit. p.378.93 Ib. Id., p. 381.94 Ib. Id., p. 382.
74
Há de se ressaltar que a temática incorporada na Constituição de 1934
já havia sido introduzida em grande parte na legislação brasileira por meio de
Decretos do Governo Provisório, isso quer dizer, pelo poder discricionário do
governo que foi assegurado pelo Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de
193095. Vale citar o que Washington Peluso de Souza diz sobre este episódio:
Antes de chegarmos à Carta de 1934, verificamos que, após pressões
irresistíveis, foi expedido pelo Chefe do Governo Provisório o Decreto nº
21.402, de 14 de maio de 1932, que marcara as eleições para a
Assembléia Constituinte. A metodologia adotada por este próprio diploma
foi a da criação de uma Comissão Especial, que em nome do Governo
elaborasse o anteprojeto da futura Constituição, o que se deu pelo Dec. nº
22.040, de novembro de 1932.
Desde logo são detectados elementos fascistizantes e socializantes no
trabalho das Comissões, os quais se incorporariam ao texto final.
Apresentavam-se como o resultado da influência da Constituição alemã de
Weimar, de 1919; da espanhola, de 1931; bem como das idéias em
ascensão do fascismo italiano e dos demais países que se enveredavam
por este rumo político. 96
Assim, em seu Título IV, a Constituição de 1934 estabelece “Da Ordem
Econômica e Social” e, pela primeira vez, o tema econômico ganha um título,
apesar de o título referir-se também à ordem social. O Título IV compreende os
artigos 115 - 143, que dispõem acerca das atividades econômicas e das
relações sociais.
O princípio do liberalismo econômico é garantido no seu artigo 115,
quando este fala que é “garantida a liberdade econômica”. No seu artigo 116,
todavia, já se pode observar a possibilidade de o governo monopolizar setores
95 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. Rio de Janeiro:Forense, 1960, p. 172.
75
considerados de interesse público. O que é curioso é que a monopolização de
alguns setores da atividade econômica, entretanto, contradiz os pressupostos de
uma economia de free trade. Assim, pode-se dizer que se tem no texto
constitucional de 1934 um tipo de liberalismo intervencionista, onde o Estado
evoca pressupostos do liberalismo smithsoniano combinado a um pragmatismo
econômico que lhe garantia a possibilidade de intervir, quando achasse
necessário, em setores econômicos chaves para o desenvolvimento econômico
brasileiro:
Art. 115 – A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios
da justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a
todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade
econômica.
Art. 116 – Por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, a
União poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica,
(...).
O interesse público, mencionado no artigo 116, é uma expressão que,
por seu subjetivismo conceitual, possibilita o empreendimento de intervenções
em vários setores econômicos a qualquer tempo. Quanto ao monopólio ao qual
se refere o artigo 116, complementa-o o parágrafo 4º do artigo 119:
A lei regulará a nacionalização progressiva das minas, jazidas mineraes e
quedas d’água ou outras fontes de energia hydraulica, julgadas básicas ou
essenciais à defesa econômica ou militar do pais.
96 SOUZA, op. cit., pp. 382, 383.
76
Desta forma, a Constituição de 1934 define a possibilidade da
estatização de setores considerados essenciais, estrategicamente falando, para
a segurança nacional brasileira. É o que ocorre com o petróleo e com outros
minerais que passaram a ser monopolizados pelo governo brasileiro; também a
criação da siderurgia de Volta Redonda foi uma medida que visava a atender
aos interesses nacionais de uma potência em emergência, como era definido o
rótulo da política externa brasileira aquela época.
Ainda dentro deste título, encontram-se as normas legais para a
organização trabalhista no que tange à atividade econômica, haja vista a que o
trabalho, na literatura econômica, é um fator de produção e assim sendo é
matéria dos estudos econômicos. A organização dos sindicatos, a legislação
trabalhista, os trabalhos agrícolas e urbanos estão dispostos nos artigos 120 –
123. Como foi demonstrado na parte histórica deste período, no final do século
XIX e início do século XX, houve um desenvolvimento dos movimentos
populares, seja pela contribuição dos emigrantes europeus, pelas exigência das
parcerias comerciais ou pelas conjunturas políticas internas, que fizeram com
que os trabalhadores rurais e urbanos, cada um dentro de suas respectivas
demandas, se organizassem politicamente. Dessa organização nasceram muitos
movimentos de mobilização social, alguns deles bastante estruturados
politicamente, cujas demandas suscitaram a inclusão no texto constitucional de
alguns tópicos especialmente para atender às reivindicações destes grupos.
Enfim, pode-se resumir o espírito deste título IV, da Constituição de
1934, como sendo de um tipo de liberalismo intervencionista, valendo observar o
que nos diz o constitucionalista Afonso da Silva:
Adotou, ao lado da representação política tradicional, a representação
corporativa de influência fascista (art. 23). Instituiu, ao lado do Ministério
Público, e do Tribunal de Contas, os Conselhos Técnicos, como órgãos de
cooperação nas atividades governamentais . Ao lado da clássica
declaração de direitos e garantias individuais, inscreveu um título sobre a
77
ordem econômica e social e outro sobre a família, a educação e a cultura,
com normas quase todas programáticas, sob a influência da Constituição
alemã de Weimar. Regulou os problemas da segurança nacional e
estatuiu princípios sobre o funcionalismo público (arts. 159 e 172). Fora,
enfim, um documento de compromisso entre o liberalismo e o
intervencionismo. 97 (grifos nossos)
Após a Constituição de 1934, os partidos políticos posicionaram-se
diante dos conflitos ideológicos que emergiram na Europa do pós-I Guerra
Mundial e que, somados às conjunturas internas, se refletiam no cenário político
brasileiro provocando sérios distúrbios a um governo centralizador como era o
de Vargas. Como já fora tratado na parte histórica deste trabalho, diante de uma
gama de movimentos políticos como a Ação Integralista Brasileira, o Partido
Comunista e de líderes como Plínio Salgado, Prestes e os paradigmas destes
movimentos como Hitler e Mussoline, Vargas, sob pressão, eleito que fora pela
Assembléia Constituinte para o quadriênio constitucional, assim como o fez
Deodoro, dissolve a Câmara e o Senado, revoga a Constituição de 1934 e
promulga a Carta Constitucional de 10.11.193798.
Disse o próprio Vargas em discurso ao povo brasileiro, tentando
fundamentar seu golpe, entre outras coisas, que:
Por outro lado, as novas formações partidárias surgidas em todo o mundo,
por sua própria natureza refratária aos processos democráticos, oferecem
perigo imediato para as instituições, exigindo, de maneira urgente e
proporcional à virulência dos antagonismos, o reforço do poder central. 99
97 SILVA, op. cit., p. 84.98 Diz Pontes de Miranda, em Comentários à Constituição de 1937, pp. 13-14, que a Constituição de 1937veio de outros sistemas. Resume a Constituição de 1937 como um meio termo entre o sistemaconstitucional norte-americana do século XVIII e o europeu do período pós-II Guerra Mundial.99 TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o Fascismo Brasileiro da Década de 30. São Paulo: Difel, 1974, p.45.
78
Assim, defendendo uma bandeira ultranacionalista, se implantou a nova
ordem denominada por Estado Novo, que também já fora bosquejada neste
trabalho. É interessante citar o preâmbulo da Constituição de 1937, pois ele
expressa toda a ideologia contida no texto constitucional, é uma síntese da
política externa de Getúlio Vargas:
Atendendo às legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política e
social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem,
resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários, que uma
notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e
da extremação de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu
desenvolvimento natural, a resolver-se em termos de violência, colocando
a Nação sob a funesta iminência da guerra civil.
Atendendo ao estado de apreensão criado no país pela infiltração
comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo
remédios de caráter radical e permanente.
Atendendo a que, sob as instituições anteriores, não dispunha o Estado
de meios normais de preservação e de defesa da paz, de segurança e do
bem estar do povo.
Com o apoio das forças armadas e cedendo ás inspirações da opinião
nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos
que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem
processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas.
Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e á sua
independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e
social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem estar e à
sua prosperidade,
Decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo
o país:
79
O preâmbulo da Constituição de 1937, acima citado, bem expressa a
ideologia do Estado Novo. O intervencionismo do governo é assegurado no seu
artigo 9º, que dispõe que: “O Governo Federal intervirá nos Estados, mediante a
nomeação, pelo Presidente da República, de um Interventor, (...)”. O aspecto
autoritário que permeia o texto constitucional é ressaltado por Celso Ribeiro de
Bastos quando diz que a Constituição de 1937 é “(...) inspirada no modelo
fascista e, em conseqüência, de cunho eminentemente autoritário.”100. Este
aspecto pode ser observado, entre muitos outros dispositivos, no seu artigo 73,
que diz o seguinte101:
Art. 73 – O Presidente da República, autoridade suprema do Estado,
coordena a atividade dos órgãos representativos, de grau superior, dirige
a política interna e externa, promove ou orienta a política legislativa de
interesse nacional, e superintende a administração do país. 102
Há quem tenha uma opinião mais enfática ainda, dizendo que “Houve
ditadura pura e simples, com todo o Poder Executivo e Legislativo concentrados
nas mãos do Presidente da República, que legislava por via de decretos-lei que
ele próprio depois aplicava, como órgão do Executivo.”103. Inclusive, o Judiciário
também sofreu uma perda substancial no que diz respeito à constitucionalidade
das leis. Nos termos do artigo 170, durante o estado de emergência o Judiciário
100 BASTOS, op. cit., p. 118.101 Discorda Francisco Campos com este caráter autoritário atribuído à Constituição de 1937: “AConstituição de 1937 não é uma Constituição fascista. Aliás, está muito em moda acoimar-se de fascista atodo indivíduo ou instituição que não coincide com as nossas opiniões políticas. No tempo em que ocomunismo representava la bête noire, a moda era inversa. Comunista era todo indivíduo ou a instituiçãoque julgávamos em desacordo com as nossas convicções políticas. A ascensão do comunismo e o declíniodo fascismo no horizonte político mundial determinaram essa inversão. Basta o exame superficial daslinhas gerais da Constituição, para que qualquer indivíduo da mais elementar cultura política verifique queo sistema da Constituição de 1937, que assegura ao Poder judiciário as prerrogativas constantes daConstituição de 1937, nada tem de fascista. Não se conceberia, com efeito, pudesse ser acoimada defascista uma Constituição que assegura ao Poder Judiciário as prerrogativas constantes da Constituição de1937, que abre no próprio texto constitucional todo um capítulo destinado a garantir a estabilidade dosfuncionários públicos.” . (BASTOS, op. cit., p. 119)102 A Lei Constitucional nº 9, de 28 de fevereiro de 1945, suprimiu o artigo 73.
80
era posto fora de atuação na medida em que não podia conhecer dos atos
governamentais: “Durante o Estado de emergência ou estado de guerra, dos
atos praticados em virtude deles não poderão conhecer os juízes e tribunais”.
Daí, a afirmação pertinente de Celso Bastos:
A Constituição, portanto, era na verdade uma tomada de posição do Brasil
no conflito ideológico da época pela qual ficava nítido que o país se
inseria na luta contra os comunistas e contra a democracia liberal.104
Quando Bastos fala do conflito ideológico, refere-se ao ocorrido na II
Guerra Mundial, quando os movimentos fascistas se defrontaram com a
ideologia democrática-liberal. Em suma, mais uma vez, pode-se observar em
que medida as conjunturas internacionais e os eventos históricos decorrentes da
inserção das variáveis externas no cenário interno determinaram os rumos do
conteúdo da Constituição de 1937.
No tange ao tema econômico, a Constituição de 1937 inova trazendo o
título Do Conselho da Economia Nacional, artigos 57 - 63, que se compõe de
representantes dos vários ramos da produção nacional e se divide em várias
seções destinadas às várias áreas econômicas. Seu objetivo principal é
estabelecer a organização civil da economia nacional, funcionando como um
órgão auxiliar. Visa a promover a organização corporativa, emitir pareceres
sobre iniciativas do governo, organizar inquéritos sobre as condições do
trabalho, estudar os problemas econômicos, enfim, contribuir com uma visão
crítica e alternativa para os problemas econômicos junto ao governo.
Outro título Da Ordem Econômica, artigos 135 - 155, pela primeira vez
aparece isolado e se tem uma seção dedicada exclusivamente à temática
103 SILVA, op. cit., p. 85.104 BASTOS, op. cit., p. 120.
81
econômica. Pelo caráter controlador do governo Vargas expresso, a propósito,
por todo texto constitucional, observa-se nas disposições referentes à ordem
econômica nacional também a intenção de intervir no domínio econômico e nas
relações de trabalho. Revestido de uma intenção protecionista contra os
inimigos internos, assegura o artigo 135 que:
Art. 135 – (...) A intervenção do Estado no domínio econômico só se
legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os
fatores de produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e
introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos
interesses da Nação, representados pelo Estado.
A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata,
revestindo a forma do controle, do estímulo ou da gestão direta.
Assim, esta disposição garante ao Governo, em nome dos interesses da
nação, intervir, quase que livremente, nas relações econômicas e nas relações
de trabalho. O intervencionismo se mescla a um exacerbado paternalismo que
possibilita a paulatina estatização de algumas atividades produtivas
consideradas essenciais à defesa econômica, apesar do texto de 1934 já
mencionar esta prática:
Art. 144 – A lei regulará a nacionalização progressiva das minas, jazidas
minerais e queda d’água ou outras fontes de energia, assim como das
indústrias consideradas básicas ou essenciais à defesa econômica ou
militar da Nação.
Pode-se entender melhor esta preocupação se considerar que, à época,
o cenário internacional era marcado pela insegurança econômica e política
82
advindas da instabilidade gerada pela II Guerra Mundial. A própria noção de
soberania nacional justificava a preocupação dos Estados em desenvolver e
controlar alguns setores chaves para a economia de guerra. Foi o caso do
petróleo, da borracha, do aço e outros.
Quanto aos direitos do trabalhador, permanecem basicamente iguais
aos já dispostos na Constituição de 1934, inclusive diz o artigo 138 que “A
associação profissional ou sindical é livre”; mas, o artigo 139 já diz que “A greve
e o lock-out são declarados recursos anti-sociais, nocivos ao trabalho e ao
capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional”.
De forma geral, essas foram as principais orientações para a definição,
ao nível constitucional, de uma ordem econômica que estabelecia as linhas
gerais para um regime de governo intervencionista. Mas, “A Carta de 1937
nunca chegou a viger. Ela dependia de um plebiscito que nunca se realizou.”105.
Com efeito, a Constituição de 1937 não perdurou e foi a partir da Emenda
Constitucional nº 9 que, de fato, o processo para a elaboração da Carta de 1946
se iniciou. Foram convocadas eleições para o Parlamento e instalado um
governo de transição submetido ao Poder Judiciário na pessoa do presidente do
Supremo Tribunal Federal. As preparações para a nova Constituição tomaram
por base o texto de 1934 e não houve anteprojeto, apenas a consideração de
alguns aspectos dos trabalhos desenvolvidos pelas subcomissões. Ademais,
quando a II Guerra Mundial se aproximava de seu término, Getúlio Vargas,
vislumbrando a vitória dos países democráticos, altera sua política interna e
externa visando a compatibilizar sua agenda à nova realidade internacional.
Reflete-se esta mudança no texto constitucional de 1946:
Pela própria circunstância em que se dá aprovação da Constituição de
1946, não poderiam restar dúvidas de que ela tinha um endereço muito
certo: tratava-se de pôr fim ao Estado autoritário que vigia no País sob
105 Ib. Id., p. 125.
83
diversas modalidades desde 1930. Era, pois, a procura de um Estado
democrático que se tentava fazer pelo incremento de medidas que melhor
assegurassem os direitos individuais. 106
Assim, pode-se dizer que, em linhas gerais, a Constituição de 1946 é
mais liberal, porém mais engajada às causas sociais; daí, alguns autores
dizerem que “A Constituição de 1946 se insere entre as melhores, senão a
melhor, de todas que tivemos.” 107.
Em suma, com a Constituição de 1946, o Brasil procurou se inserir no
contexto internacional pautado por uma política externa de cunho democrático e
liberal, politicamente afinada aos preceitos democráticos então consagrados
pela consolidação das Nações Unidas e economicamente liberal, como
signatário de arranjos internacionais pró-capistalismo, tal como fora o GATT nos
anos subsequentes à II Guerra Mundial.
No que tange aos direitos individuais, muito se assemelha à Constituição
de 1934108. Houve de fato um alargamento dos direitos individuais e coletivos,
inclusive a revogação de institutos como o banimento, o confisco e a pena de
morte, o que demonstra a preocupação do Constituinte com o aspecto
humanitário.
Estas modificações também se refletem no âmbito econômico. A ordem
econômica descrita pela Constituição de 1946 é muito mais voltada para o lado
social do que as suas predecessoras o foram: “Do ângulo da ordem econômica
a Constituição de 1946 pode ser vista como uma tentativa de conciliar o princípio
106 Ib. Id., p. 126.107 Ib. Id., p. 126.108 Foram incluídos alguns dispositivos relevantes como o parágrafo 4º, artigo 141, que assegura o acessoincondicionado à Justiça quando afirma que nenhuma lesão de direito individual poderá ser subtraída a suaapreciação. Este artigo representa uma garantia de grande alcance que compõe um dos pilares sobre osquais se erige o estado de direito. Também, o parágrafo 13 do mesmo artigo dispõe, pela primeira vezacerca da organização patidária, sua liberdade e criação.
84
da liberdade de iniciativa com o princípio da justiça social.” 109. Como bem
destaca Bastos, a Constituição econômica de 1946 assegura a liberdade de
iniciativa apenas restrita aos casos em que possa haver intervenção por parte da
União, mas, mesmo assim, esta intervenção deve ser sustentada pelo interesse
público cujo fundamento é limitado pelo próprio texto constitucional. O texto
constitucional é cauteloso quanto à liberdade conferida às empresas, ou seja, à
iniciativa privada, pois entendia o Constituinte de 1946 que uma liberdade sem
limites e regras poderia acabar comprometendo o próprio desenvolvimento das
bases sociais e consequentemente econômicas. Por esta razão o artigo 148
prescreve seguinte:
Art. 148 – A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder
econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais
ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os
mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente
os lucros.
Assim, o Constituinte procurou defender um tipo de desenvolvimento
econômico combinado à justiça social. Estes aspectos podem ser observados
no Título V da Constituição de 1946, principalmente se a comparar com a
Constituição de 1937.
O Título V diz Da Ordem Econômica e Social, vinculando a ordem
econômica ao social, devendo-se notar que, na Constituição de 1937, o título
dizia apenas Da Ordem Econômica. Talvez seja mera coincidência, mas, de
fato, parece que o texto de 1946 coaduna os princípios econômicos às
necessidades sociais, como se juntos viessem a estabelecer os paradigmas e as
diretrizes para o desenvolvimento nacional. Este título compreende os artigos
145 - 162 e, de forma geral, expressam a preocupação do Estado com o
109 BASTOS, op. cit., p. 130.
85
desenvolvimento econômico associado ao desenvolvimento social. Diz o artigo
145, que abre este título e os artigos seguintes que complementam a idéia do
Estado assistencialista:
Art. 145 – A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios
da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do
trabalho humano.
Parágrafo único: A todos é assegurado trabalho que possibilite existência
digna. O trabalho é obrigação social.
Art. 146 – A União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio
econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade. A
intervenção terá por base o interesse público e por limite os direitos
fundamentais assegurados nesta Constituição.
Art. 147– O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A
lei poderá, com observância do disposto no art. 141, parágrafo 16,
promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para
todos110.
A mera leitura dos artigos supra suscita a compreensão do que se diz
acerca da Constituição de 1946. Pode-se dizer que ao mencionar, logo no artigo
145, a expressão princípios da justiça social, o Constituinte procurou determinar
que seriam estes os princípios maiores e, portanto, os norteadores da ordem
econômica e, portanto, o fundamento que sustenta a orientação disposta nos
artigos seguintes sobre a relação econômica e social. Os artigos supra
mencionados resumem o que Francisco de Assis Alves diz sobre este aspecto,
que mais lembra a base teórica da justiça distributiva de Ralws:
110 A Emenda Constitucional nº 10 de 9 de novembro de 1964 acrescentou ao art. 147 mais seis parágrafosque tratam da desapropriação rural pelo Estado, do Imposto Territorial Rural, da regulamentação dasemissões monetárias, títulos, taxas de juros e outros, da reforma agrária e de sua regulamentação, no caso adesapropriação seria por decreto presidencial.
86
Ao lado desse escrupuloso respeito pelos direitos individuais, a
Constituição Federal de 1946 soube prestigiar também os valores
coletivos que gradualmente marcavam presença nos textos básicos da
época de seu surgimento.
Nesse passo, proclamou que a ordem econômica haveria de ser
organizada conforme os princípios da justiça social e a liberdade de
iniciativa conciliada com a valorização do trabalho humano. Conclamou
que a todos seria assegurado trabalho que possibilitasse existência digna.
Alçou o trabalho à obrigação social. 111
Neste título vê-se consagrado o princípio da intervenção do Estado no domínio
econômico, fundamentando esta intervenção no interesse público e limitando-a
aos direitos fundamentais assegurados pela própria Carta, como diz o artigo
145. O uso da propriedade é vinculado ao bem-estar social e, ainda no
parágrafo único do art. 145, pode-se observar um humanismo digno das sociais-
democracias européias. O artigo 146 preceitua que, por lei, o Estado pode
reprimir toda e qualquer forma de abuso de poder econômico, até mesmo as
uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua
natureza, que passam vir a dominar os mercados nacionais, eliminar a
concorrência e fomentar os lucros excessivos. É a garantia constitucional para o
surgimento de leis antitrustes:
Art. 148 – A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder
econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais
ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os
mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente
os lucros.
111 Ib. Id., p. 130.
87
O artigo 157 e seguintes tratam das relações de trabalho. Vale, mais
uma vez, relembrar que o trabalho é considerado, na literatura econômica, como
um fator de produção, assim como outros fatores que compõem um produto
final, tais como bens de produção, intermediários e outros. Desta forma, o
Constituinte tem mantido junto ao tema econômico a matéria do trabalho.
Preocupado com a melhoria de condições do trabalhador, os artigos 157 e
seguintes dispõem sobre salário mínimo, isonomia das funções, repouso
semanal, férias, segurança no trabalho, o direito da gestante, assistência
previdenciária e outros. Interessante notar que o direito de greve, pela primeira
vez é reconhecido:
Art. 158 – É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará.
Ademais, ficam garantidos, no artigo 159, os direitos à livre associação e
os sindicatos podem se reorganizar sob outras bases, mais democráticas.
Ao se analisar apenas este título já se pode verificar a preocupação do
Constituinte em combinar o liberalismo econômico com um certo
intervencionismo, sobretudo aquele para preservar os direitos sociais. Ao se
analisar a parte histórico-econômica deste período, pôde-se observar que o
período Pós-II Guerra Mundial inaugurou uma nova fase para as relações
internacionais. A partir do término de 1945 até a década de 60, ou seja, mais ou
menos entre os 15 anos subsequentes organizou-se uma nova ordem
internacional que compreendia a restruturação das relações de poder. Duas
esferas dicotomizadas pela rivalidade ideológica foram estabelecidas: a ordem
Ocidental, capitalista, liderada pelos EUA e uma ordem Oriental, comunista,
liderada pela então URSS112. O Brasil se posicionou dentro do arranjo Ocidental,
112 Há de se observar que os conceitos de Ocidentalismo e Orientalismo são geopolíticos. Assim, o Japão,apesar de estar localizado no hemisfério oriental, é parte do arranjo Ocidental. E Cuba, ao contrario, éOriental.
88
daí a necessidade de se entender os pressupostos ideológicos que guiaram a
política externa dos Estados partes do bloco Ocidental.
Quando finda a II Guerra Mundial, os EUA lideraram a estratégia de
atuação do bloco Ocidental e estabeleceram quais seriam as suas bases
ideológicas de sustentação. Em termos econômicos, impera o liberalismo. O
Brasil perseguia uma estratégia, como já fora ressalvado, de desenvolvimento
com crescimento. A política externa brasileira se pautava em disputar a
preferência norte-americana em suas parcerias com a América Latina e em
estabelecer um tipo de subimperialismo no Cone Sul. Esta política gerou
grandes conflitos com a Argentina, que também disputava a mesma preferência,
culminando em conhecidos conflitos como o da hidroelétrica de Itaipu.
Para o Brasil naquele momento, interessava estabelecer um modelo
engajado com o liberalismo, mas consistente com os propósitos
desenvolvimentistas. Era a meta crescimento com desenvolvimento que, aliás,
pode ser identificada no próprio texto constitucional, no título da ordem
econômica.
A História Político-Econômica Brasileira e a Consti tuição de 1967
Terminada a II Guerra Mundial, o Brasil permaneceu como aliado
incondicional dos Estados Unidos. Iniciava-se a era do que se denominou por
guerra fria, quando os novos sistemas de poder estavam consolidados e não
havia lugar para uma política externa independente, como aquela praticada na
década de 30. A política externa brasileira entrava numa fase de alinhamento
sem compensações. E a rigidez dos sistemas de poder no plano internacional,
nos 20 anos que se seguiram ao término da II Guerra Mundial, sufocou as
tentativas de autonomia da política externa brasileira entre 1951-54 e 1961-64.
Com o fim da guerra, prevaleceria o alinhamento automático da política externa
brasileira às diretrizes estabelecidas pelos Estados Unidos.
89
Deve-se explicar que o alinhamento significava colaboração política na
Guerra Fria e colaboração econômica no fornecimento de matérias primas para
os norte-americanos. No contexto da disputa com a URSS, a América Latina
desempenhava papel secundário e os objetivos básicos dos americanos para o
subcontinente restringiam-se à manutenção da estabilidade interna, fluxo
ininterrupto de matérias-primas para a indústria norte-americana, padronização
das forças armadas segundo o modelo de Washington e, evidentemente, apoio
latino-americano à política internacional dos EUA.
Essa orientação básica permaneceria inalterada durante o governo de
Juscelino Kubistchek, apesar de mudanças importantes no cenário internacional
abrirem brechas pelas quais o governo brasileiro poderia afirmar alguns de seus
interesses. Na segunda metade da década de 1950, a aparentemente sólida
unidade dos dois blocos que polarizavam as relações internacionais, liderados
pelos Estados Unidos e União Soviética, apresentou fissuras internas com
manifestações de rompimento como a ocorrida na Hungria em 1956. Ao mesmo
tempo, a luta pela independência de diversos países africanos, até então
colônias européias, introduzia no cenário internacional novas nações. No final da
década 50 começava a surgir o movimento dos países que se auto-
classificavam como não-alinhados, movimento que se tornaria oficial na
Conferência de Belgrado em 1961.
Também na América Latina alguns interesses próprios, divergentes
daqueles que norteavam a política dos EUA, manifestaram-se, embora
debilmente, na segunda metade da década de 50. As reivindicações eram de
caráter econômico e incluíam pontos como preços mais altos e estáveis para as
matérias-primas exportadas, créditos para a industrialização e estabelecimento
de um mercado integrado latino-americano. No caso brasileiro estava em curso
a política desenvolvimentista implementada por Juscelino e a política externa de
então refletia o interesse fundamental de obter capitais para financiar a
industrialização do país. Vale citar o que o historiador e analista internacional
Gerson Moura diz sobre este período histórico:
90
Em função dessa perspectiva, o governo JK procurou atrair maciçamente
para o Brasil capitais estrangeiros, tanto privados quanto públicos. Para os
primeiros, estabeleceu uma política cambial extremamente favorável (...).
Quanto aos capitais públicos estrangeiros, a possibilidade era muito
menor. (...) Prevalecia a noção de que, dada liberdade de ação aos
capitais privados norte-americanos, o desenvolvimento econômico latino-
americano seria uma decorrência natural, prescindindo portanto de
injeções maciças de recursos públicos norte-americanos (...). Foi para
quebrar a indiferença norte-americana nesse particular que o governo JK
lançou em 1958 uma vasta ação político-diplomática conhecida por
Operação Pan-Americana (OPA) cujo objetivo econômico era o aporte de
recursos em larga escala para projetos de desenvolvimento na América
Latina. 113
Procurava-se, assim, uma nova forma de atuação na política externa,
sem, no entanto quebrar os velhos laços que uniam o continente à potência
norte-americana. Alheio aos movimentos de ruptura dos blocos que se
confrontavam na Guerra Fria, o governo brasileiro em nenhum momento
questionou seu alinhamento aos Estados Unidos. No entanto, a necessidade de
compatibilizar desenvolvimentismo e as diretrizes norte-americanas impunha
algumas iniciativas que escapavam a essas mesmas diretrizes, como foi o caso
da OPA114. Iniciativas tímidas que não caracterizavam uma política externa
independente como a implementada por Vargas na década de 30 e como seria
novamente tentado pelo sucessor de JK.
Em 1960, pela primeira vez, desde o estabelecimento da democracia
populista, o resultado das eleições presidenciais não favoreceu o arranjo que
orquestrara a política brasileira desde o final do Estado Novo. Integrando a
113 MOURA, Gerson. O Brasil de JK. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 1991, p.578.Nesta obra, Gerson Moura analisa a política externa brasileira do governo Juscelino Kubitschek,considerando as transformações ocorridas no plano internacional e as necessidades do desenvolvimento, noplano interno. Alinhamento aos Estados Unidos e necessidade de capital externo para financiar aindustrialização do país foram as duas diretrizes, nem sempre plenamente compatíveis, que prevaleceramentão.114 OPA: Operação Panamericana criada por JK.
91
coligação que conseguiu levar Jânio Quadros à vitória, a UDN quebrava a
hegemonia da aliança PSD/PTB ao derrotar o candidato governista Teixeira
Lott115. As tensões sociais ocorridas ao longo da década de cinqüenta
evidenciavam uma profunda crise que não decorria das ações dos governos que
se sucederam: tratava-se do gradativo esgotamento do regime e do modelo
econômico de substituição de importações116.
As tentativas golpistas que procuraram impedir a posse de Vargas e
Juscelino Kubitschek, a crise de 1954, bem como as sublevações militares de
1956 e 1959 em Jacareacanga e Aragarças expunham a precariedade do
equilíbrio institucional. Acentuava-se o enfrentamento das forças sociais, em
virtude da ampliação das pressões populares sobre o Estado colocando em
xeque o compromisso político-social que lhe dava sustentação. O golpismo
tornava-se um recurso de que setores da direita lançavam mão para deter o
avanço popular e compensar suas perdas eleitorais. A instabilidade e as tensões
políticas eram marcas estruturais do populismo.
A forte aceleração econômica, baseada na expansão da indústria de
bens de consumo duráveis, promovida pelo governo JK, havia deixado como
herança o descompasso entre o crescimento industrial e a produção agrícola. O
rápido aumento da população urbana e de sua demanda, além da
desorganização de determinadas áreas agrícolas, acabou por redundar em
seguidas crises de abastecimento e inquietações sociais generalizadas. Por
outro lado, o financiamento do Plano de Metas ampliou o endividamento externo
e o déficit orçamentário da União, coberto por emissões monetárias que
ocasionaram elevados índices de inflação. O crescimento desigual dos diversos
setores da economia e das várias regiões consolidou o processo de
concentração de renda, estimulando a onda de reivindicações sociais.
115 A respeito da postura da UDN, afirma o sociólogo Francisco Weffort que os liberais tradicionais nãoescondiam seu desapontamento frente ao regime democrático onde era necessário cortejar as massas e suanostalgia pelas práticas políticas da República Velha. WEFFORT, Francisco. O Populismo na PolíticaBrasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 22.116 TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro. Rio deJaneiro: Zahar, 1972.
92
Interligada à crise econômica, desenvolvia-se um realinhamento político
que punha em xeque o frágil equilíbrio populista. Gradativamente, os dois
maiores partidos conservadores (PSD e UDN) foram perdendo terreno para o
PTB. Assim, na segunda metade da década de 50, surgia a Frente Parlamentar
Nacionalista (FPN), que procurava ser a expressão dos chamados
“progressistas” do PTB, PSB, e setores minoritários da UDN e PSD. No campo
conservador, nos primeiros meses de 1961, era constituída a Ação Democrática
Parlamentar, apoiada sobre a maioria do PSD, UDN, PSP e outros pequenos
partidos. Vale citar o que a cientista política Maria do Carmo diz sobre estes
arranjos partidários que podem bem elucidar o cenário político interno:
(...) embora registrassem aquelas mudanças de maneira mais abrupta e
dramática, condensando-as nos diversos estilos personalistas, distinguiam
menos o eleitorado em termos socioeconômicos, não só em virtude da
obrigatoriedade de se mobilizar uma maioria nacional, como também pelo
fato de que essa maioria não poderia ser obtida por nenhum partido ou
candidato senão através de acordos com as máquinas e oligarquias
estaduais. Um candidato presidencial efetivamente competitivo tinha
obrigatoriamente que ter estes dois componentes em sua votação: de um
lado, um apelo generalizado, ultrapassando fronteiras geográfico-sociais,
a começar pela quase unificação de seu próprio estado; de outro, a
conquista maciça de alguns dos estados menores, através de acordo com
os dirigentes locais. 117
Assim, ao mesmo tempo em que ocorria uma certa simplificação do jogo
político parlamentar, o Executivo mantinha as ambigüidades populistas calcadas
no compromisso de grupos sociais díspares e de articulação partidária conflitiva.
As tensões entre o Executivo e o Legislativo implicaria, portanto, a diferença de
tempos “segundo os quais a mudança econômica incidia sobre a formação dos
117 SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930 a 1964). SãoPaulo: Alfa-Ômega, 1976, p. 148.
93
dois poderes”118. A reação conservadora no Legislativo e o realinhamento
ideológico criavam obstáculos para a constituição de uma base parlamentar
governista e aumentavam, por outro lado, as pressões populares e as demandas
sociais.
A década de 60 apontava, portanto, para duas transformações políticas
fundamentais no país: primeiramente, a já referida eleição de um presidente
apoiado pela UDN; em segundo lugar, a progressiva desarticulação da aliança
PSD/PTB no campo parlamentar, substituída pela conservadora aproximação
PSD/UDN.
Jânio Quadros era a expressão do realinhamento ideológico. Jânio
estimulou a elaboração de uma ideologia ambígua, “indecisa ainda entre seus
conteúdos operários e pequeno-burgueses”, como afirmou Weffort119. Mas,
Jânio define-se com um alinhamento discreto à ideologia comunista, fato que o
levou, rapidamente, para o isolamento político.
Eleito por uma coligação conservadora, Jânio contrariava-a com sua
política externa. Carlos Lacerda, o maior tribuno udenista e articulador de sua
candidatura, vociferava contra a esquerdização do país e contra supostas
tramas golpistas organizadas pelo presidente.
Quanto às medidas econômicas adotadas pelo novo governo, com
exceção do projeto de lei de remessa de lucros para o exterior, opunha-se aos
setores nacional-reformistas120. Com isso restou ao Presidente o episódio da
renúncia. João Goulart, vice-presidente que deveria sucedê-lo, era tido como um
comunista por amplos setores militares e estava ausente do país em viagem
oficial à China. Jânio acreditava que o povo sairia às ruas para reconduzi-lo ao
poder - como ocorrera com Fidel Castro em Cuba - e que os militares não se
118 Ibid., p. 153.119 WEFFORT, op. cit., p. 35.120 TOLEDO, Caio Navarro de. O Governo Goulart e o Golpe de 64. São Paulo: Brasiliense, 1984. Nestelivro o autor fornece os elementos fundamentais para a análise da última fase do período populista noBrasil desde a renúncia do presidente Jânio Quadros até a destituição de João Goulart. Combinando deforma apropriada as questões políticas e econômicas.
94
oporiam a uma saída golpista. De fato, setores militares vetaram a posse de
Jango. Em decorrência, significativas manifestações populares ocorreram no Sul
e nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia pelo cumprimento da
Constituição. No Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, então governador, liderou o
Movimento de Resistência Democrática, que exigia a posse de João Goulart,
obtendo o apoio do III Exército.
Com o retorno ao presidencialismo, aprovado pelo plebiscito de janeiro
de 1963, Jango retomou o controle e a responsabilidade pelos destinos
nacionais e procurou
implementar o Plano Trienal, com o intuito de combater a inflação sem
recessão e com redução das desigualdades regionais121. Durante a campanha
pelo presidencialismo, João Goulart prometera tornar-se o presidente das
reformas sociais. Em seis meses de governo ocorreu aumento da inflação sem
que houvesse desenvolvimento econômico.
Quanto ao aspecto jurídico, ou seja, no que toca às reformas
constitucionais, Jango, ao meio da crise, enviou ao Congresso um anteprojeto
de reforma constitucional que possibilitaria o inicio das discussões acerca das
propaladas reformas. A UDN e o PSD assumiram um posicionamento contrário a
qualquer alteração na Constituição brasileira122. Há de se notar que, apesar de a
Constituição de 1946 ter fornecido as bases para a realização de uma reforma
agrária, todos os esforços no sentido de realizá-la foram impedidos pela maioria
conservadora e pela intensa mobilização dos proprietários rurais. A autoridade
do presidente era posta em questão tanto pela direita quanto pela esquerda. Os
primeiros denunciavam a esquerdização do País e a desordem provocada pelo
governo e pelas forças subversivas. A esquerda, por seu turno, reclamava da
omissão de Goulart que poderia decidir algumas questões concretas sem
121 LABAKI, Amir. 1961, A Crise da Renúncia e a Solução Parlamentarista. São Paulo: Brasiliense,1986. Neste livro o autor analisa a renúncia de Jango e a implementação do sistema parlamentarista.122 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.Vale dizer ressaltar que a história partidária brasileira é resumida de forma clara e objetiva por Skidmore e
95
recorrer aos labirintos parlamentares. Manifestações e greves tomavam as
grandes cidades brasileiras.
A direita organizou uma série de movimentos cujos objetivos eram frear
o avanço das reivindicações populares, financiar agrupamentos e políticos de
feições anticomunistas e destituir Jango da presidência, fosse por meio do
recurso legal do impeachment, fosse por meio de um golpe de estado.
Com efeito, neste período, o cenário político brasileiro foi tomado por
revoltas urbanas123, rurais124, estudantis125 e militares126 em todas as áreas
sociais127.
Procurando mobilizar as forças de esquerda e nelas apoiar-se, Jango
lançou a definitiva cartada do regime populista. A incorporação das massas ao
jogo político chegava ao seu clímax e deveria garantir as profundas reformas
sociais e institucionais, para além do próprio Poder Legislativo. Por outro lado, a
ação do presidente também mobilizava a oposição permitindo a composição
entre a UDN e o PSD na defesa de seus privilégios sociais e a gradativa coesão
serviu como fonte relevante para o entendimento das coligações partidárias, enfim, da história dosmovimentos políticos no Brasil. Também foi consultado o livro De Getúlio a Castelo, do mesmo autor.123 Asseguram os historiadores que, em nenhum momento da história brasileira, as pressões popularesforam tão intensas. A política deixava de ser privilégio do jogo parlamentar e absorvia as universidades,escolas, fábricas, quartéis e áreas rurais. O Brasil assistia a uma intensa mobilização sindical que levava aum número crescente de greves de caráter político. Contando muitas vezes com o apoio tácito de setoresmilitares, tais movimentos acabaram por incendiar as camadas subalternas das Forças Armadas.124 No campo ocorria a formação de diversos sindicatos cujas direções eram disputadas por grupos católicosde direita e esquerda e pelo PCB, ainda na clandestinidade, reclamando a reforma agrária e o cumprimentodas leis trabalhistas aprovadas no início de 1963. Mas, o movimento dos trabalhadores rurais tinha nastemidas Ligas Camponesas o seu braço mais radical. Organizadas por Francisco Julião como forma deresistência dos pequenos agricultores e trabalhadores, as Ligas recorreram muitas vezes às armas contra osdesmandos de latifundiários e defendiam uma reforma agrária radical.125 Os estudantes divididos em diversos agrupamentos de esquerda defendiam uma aliança operário-estudantil-camponesa. Era criada a FMP, Frente de Mobilização, que procura congregar a UNE, a FPN, oCGT (Comando Geral dos Trabalhadores), e as Ligas Camponesas.126O Movimento Nacional dos Sargentos, por exemplo, insurgia-se contra a severidade disciplinar dosregulamentos militares e reclamava melhores salários e plenos direitos políticos.127 É interessante observar a análise crítica de Florestan Fernandes sobre a relevante contribuição dosintelectuais frente aos movimentos de democratização da América Latina. O autor analisa, compropriedade, o papel das universidades e dos movimentos estudantis desempenhado durante a repressãopolítica e a ditadura militar. Foi consultada a obra: FERNANDES, Florestan. “A Ditadura Militar e osPapéis políticos dos Intelectuais na América Latina”, in Circuito Fechado. São Paulo: Hucitec, 1977, 2ªed., pp. 122-131.
96
militar em resposta às manifestações populares. Iniciam-se os preparativos para
o golpe128.
Vale resumir a situação de crise política brasileira imediatamente antes
do golpe que instituiu no Brasil uma ditadura que perduraria por 20 anos,
inaugurada por mais uma Constituição que vai representar ou fundamentar o
regime rígido que se instaurava a partir da década de 60. Neste cenário, a
intervenção militar era anunciada, segundo alegavam, como passageira e
saneadora das mazelas deixadas pela infiltração esquerdista no país129. Para
ocupar a Presidência foi escolhido, por meio de eleição indireta, o líder do grupo
da “Sorbonne”, General Castelo Branco, tendo como vice-presidente o político
do PSD mineiro, José Maria Alkmim.
Em termos econômicos, foram adotadas, por meio do Programa de Ação
Econômica do Governo (PAEG), medidas liberalizantes, que franqueavam a
entrada e saída de capitais estrangeiros no Brasil, e fórmulas de contenção de
salários e redução do déficit público como meios de conter a inflação. Como
afirmou Otávio lanni, o golpe militar assinalou “a transição efetiva para o modelo
de desenvolvimento econômico associado” em lugar do anterior modelo de a
substituição de importações, acentuando “a interdependência econômica,
política, cultural e militar, na América Latina e com os Estados Unidos”130.
128 Menos de uma semana após o Comício das Reformas, setores conservadores organizaram umaestrondosa manifestação contra o governo federal reunindo, em São Paulo, mais de 250 mil pessoas naMarcha da Família com Deus pela Liberdade.129 Quando iniciada a intervenção, os primeiros alvos foram os ativistas de esquerda e nacionalistas e suasorganizações sindicais. Ocorreram diversas cassações políticas, algumas lideranças simplesmente“desapareceram” e outras foram torturadas. Foram depredadas e destruídas as sedes de órgãos de imprensa,centros culturais e universitários. O primeiro Ato Institucional, de 9 de abril, fortalecia o Executivo econcedia ao Presidente poderes para suspender direitos políticos, cassar mandatos e exonerar funcionáriospúblicos.130IANNI, Otávio. A Sociedade Global. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1992, p. 56.
97
A Economia Brasileira na Década de 60 e a Ordem Eco nômica
Internacional
A partir da década de 60, o Brasil começa a sentir fortemente crise
internacional que se prenunciava, combina à desfavorável conjuntura interna,
sobretudo a conjuntura de instabilidade política. Além da herança inflacionária e
do aumento da dívida externa, o desenvolvimento industrial não manteve o
mesmo ímpeto registrado no governo de Juscelino Kuhitschek. De um animador
índice de pouco mais de 10% ao ano entre 1956 a 1962, o crescimento médio
variou para cerca de 3% ao ano entre 1962 e 1967131. Os desequilíbrios na
Balança de Pagamentos e no orçamento público, e a conseqüente alta
inflacionária, alimentada ainda mais pelas malogradas tentativas do governo de
João Goulart de estabilização e retomada do crescimento, evidenciavam o
esgotamento do dinamismo da industrialização baseada na substituição de
importações132.
Entretanto, no lugar de estagnação, um novo modelo econômico,
responsável por uma nova forma de desenvolvimento capitalista, foi sendo
implementado pela ditadura militar. Foi estabelecido um modelo de produção
baseado no capital monopolista, um desenvolvimento associado ao capital
externo, que mantinha a dependência financeira e tecnológica dos principais
centros da economia mundial. Este modelo levou a uma maior integração do
Brasil ao mercado internacional, tanto pela exportação de manufaturados quanto
pela entrada de capitais (diretos e indiretos).
Os primeiros arranjos econômicos do regime militar valeram-se do
fortalecimento do Executivo. De um lado, o grau de coesão dos grupos
dominantes em torno dos novos dirigentes permitiu a adoção de uma política de
equilíbrio fiscal que reduziu o déficit público e acabou por favorecer o grande
capital, seja por meio das imposições de tributos e registros contábeis, que
131 SINGER, Paul. “Interpretação do Brasil: Uma Experiência Histórica de Desenvolvimento”, in HistóriaGeral da Civilização Brasileira. Boris Fausto (org), São Paulo: Difel, 1986, 2ª ed., T. III, 4º vol., p. 228.
98
dificultaram a vida das pequenas e micro empresas, seja pelas isenções e
favorecimentos concedidos principalmente aos setores exportadores. A política
creditaria, que também beneficiava as grandes empresas, promoveu a formação
de grandes conglomerados financeiros industriais, que diversificaram suas
atividades pelos mais variados ramos, sob o custeio e a égide do capital
financeiro. Por outro lado, uma política de repressão aos trabalhadores
(casacões políticas, intervenções nos sindicatos, prisões e intimidações dos
principais líderes, fim da estabilidade no emprego, eliminação do direito de greve
etc.) determinou uma nova correlação de forças na sociedade, absolutamente
diversa da do período anterior. Assim, foi possível implementar uma política que,
além do achatamento salarial dos trabalhadores de menor qualificação, alterou
qualitativamente as relações de trabalho no país, gerando “maior subordinação
do trabalhador à disciplina da empresa, maior dependência face às autoridades
patronais, sindicais, previdenciárias, policiais, etc. e menor atenção às
necessidades e direitos do trabalhador”133. Como conseqüência desses ajustes,
a inflação decaiu de cerca de 100% no primeiro trimestre de 1964 para 20% em
1969 e o PIB passou a uma taxa de crescimento de 9,8% em 1968 no lugar de
apenas 0,6% de 1963134.
A partir de 1968 a economia brasileira passava a integrar uma nova
divisão internacional do trabalho, redefinida pelo capital monopolista. A
expansão industrial brasileira foi sendo dominada pelo capital multinacional,
aumentando a tendência à desnacionalização, presente desde o governo de
Juscelino Kubitschek. Incentivos a exportadores de manufaturados alteraram a
composição da pauta de exportações. Ao contrário do desenvolvimento vivido
nos anos da democracia populista, as prioridades industriais passavam a ser
ditadas pelas necessidades do mercado mundial e não mais pelo mercado
132 TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro:Ensaios sobre a Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1972, pp. 167-168.133 SINGER, Paul. ”A Economia Brasileira depois de 64”, in A Crise do Milagre: Interpretação Crítica daEconomia Brasileira. P. 77134 RESENDE, André Lara. “Estabilização e Reforma: 1964 – 1967”, Da Ordem do Progresso: Cem Anosde Política Econômica Republicana, 1889-1989. Marcelo de Paiva Abreu (org.), Rio de Janeiro: Campus,1992, p. 213.
99
interno. Sobre essa alteração afirmou Paul Singer, um dos principais críticos das
políticas econômicas implementadas durante a ditadura militar:
O país vendeu por um prato de lentilhas – a ‘ajuda’ externa – o seu direito
de primogenitura no sentido de procurar alcançar a fronteira tecnológica e,
um dia, tornar-se uma nação plenamente desenvolvida. Pois que outra
coisa significa uma estratégia que leva a expandir a produção e
exportação de calçados ou mesmo componentes de sistemas de
processamento de dados e a importar as máquinas de fabricar calçados e
os computadores? Não há dúvida que uma divisão de trabalho à base da
‘vantagens comparativas’ – cada um se especializa no que pode produzir
a custo mais baixo – entre países adiantados e países atrasados só pode
ter por resultado a consolidação do desnível e o aprofundamento da
dependência dos últimos em relação aos primeiros. 135
Com efeito, as taxas de crescimento econômico eram mantidas também
pela expansão da linha de crédito ao consumidor – privilegiando a classe média,
ávida por bens de consumo duráveis – e pelo estimulo à poupança interna,
corrigida pela correção monetária das taxas de juros. Dirigido por
tecnoburocratas civis e militares, o Brasil era anunciado pelas campanhas
oficiais como um iminente integrante do Primeiro Mundo.
A alocação do capital externo não era algo novo na economia nacional.
Buscando o mercado interno, empresas estrangeiras estabeleceram-se no país
durante a década de 50. No entanto, com as condições criadas pelo golpe
militar, a motivação residia nas possibilidades do mercado externo. Assim, o
grande capital dirigia-se a determinados países subdesenvolvidos atraídos pelos
baixos custos dos fatores de produção, principalmente da mão-de-obra e pelos
incentivos concedidos às exportações. Dessa forma, o crescimento verificado
135 SINGER, Paul. ”A Economia Brasileira depois de 64”, in A Crise do Milagre: Interpretação Crítica daEconomia Brasileira. P. 115.
100
voltava-se para fora, para o mercado mundial, ao contrário de fases anteriores,
em que o crescimento operava-se para dentro, buscando o mercado interno.
Com as novas instituições do mercado mundial criadas após a II Guerra (FMI,
GATT, BIRD) abriu-se a possibilidade da “diversificação de exportações,
aproveitando as oportunidades de um mercado mundial em forte expansão”136.
Para o Brasil, naquele momento, interessava estabelecer um modelo
engajado com o liberalismo, mas consistente com os propósitos
desenvolvimentistas. Era a meta crescimento com desenvolvimento, que pode
ser identificada, aliás, no próprio texto constitucional, quando se analisar o título
da ordem econômica.
A Constituição de 1967
Como fora tratado na parte histórica, o golpe militar de 31 de março de
1964 instituiu o que se denominou por Governo Revolucionário. Também pôde
ser observado que foi por meio dos Atos Institucionais que o novo governo
empreendeu sua política de dominação. Pelo AI nº 1, foi consagrado o poder
constituído originário, expresso no preâmbulo do AI nº 12, que diz: “a Revolução
investe-se, por isso, no exercício do Poder Constituinte, legitimando-se si
mesma” e que “o seu Poder Constituinte não se exauriu, tanto é ele próprio do
processo revolucionário, que tem de ser dinâmico para atingir os seus
objetivos”137. Mais a frente, em dezembro de 1966, foi editado o AI nº 4 que tinha
por finalidade convocar o Congresso Nacional para que, em reunião
extraordinária, pudesse votar e promulgar o projeto de Constituição apresentado
pelo Presidente da República e que se transformou na Constituição de 1967.
Ocorreu o seguinte:
136 SINGER, Paul. “ Interpretação do Brasil: uma Experiência Histórica de Desenvolvimento”, in BorisFausto (org.). História Geral da Civilização Brasileira. cit., p.239.137 SOUZA, op. cit., p. 384.
101
Em lugar de convocação de uma Assembléia Constituinte, o Governo
concedeu ao Congresso Nacional, diretamente, o poder constituinte
delegado, no uso de uma faculdade que reputou inerente à revolução. (...)
o AI 4 determinou que o Presidente da República apresentasse projeto ao
Congresso Nacional. Recebido este, o Presidente do Senado convocou as
duas Casas para, em sessão conjunta, sendo designada Comissão Mista
composta de 11 senadores e 11 deputados, dar parecer pela aprovação
ou rejeição do projeto, submetido a discussão em sessão extraordinária.
As emendas eram submetidas à discussão do Plenário e votadas em
único turno. 138
Com efeito, a Constituição de 1967 surge em um cenário extremamente
conturbado. Surgiu em um período da história brasileira que foi marcado por
uma série de pequenos flancos que faziam oposição à política de alinhamento à
potência hegemônica ocidental. Todos estes movimentos políticos ensejaram
uma forte instabilidade na governabilidade, fato que se reflete na própria
Constituição. Houve uma redução da autonomia individual, permitindo a
suspensão de direitos e garantias constitucionais, tornando a Constituição de
1967 a mais autoritária que as anteriores.
Para se entender melhor os reflexos deste autoritarismo na Constituição
é necessária uma abordagem histórica do tema. Daí este trabalho enfocar, ainda
que de forma tão resumida, alguns eventos históricos que podem explicar os
rumos escolhidos pelo Constituinte. Também é verdade que, sobretudo neste
período, caberia uma análise mais atenta aos aspectos históricos, o que não é
possível haja vista a que o recorte deste trabalho está na análise do texto
constitucional no que tange, apenas, à influência destes movimentos, nacionais
e internacionais, no título que diz respeito à ordem econômica.
Há de se ressaltar que, se comparar o caráter autoritário das
disposições constitucionais referentes às garantias e liberdades individuais e
138Ib. Id., pp. 384, 385.
102
aquelas referentes à ordem econômica, tem-se nesta apenas uma discreta
intervenção. Paulo Bonavides ressalta esta liberdade econômica vis à vis o
cerceamento dos direitos e garantias individuais dizendo que:
Na Ordem econômica a Constituição de 1967 se afigura menos
intervencionista porque ela estreita as hipóteses de cabimento de
intervenção no domínio econômico, enquanto que no que atina ao direito
de propriedade dá-lhe um tratamento mais limitativo, na medida em que
autoriza desapropriação mediante pagamento de indenização por títulos
da dívida pública, para fins de reforma agrária. 139
Dado à crise econômica interna, o Governo brasileiro aproveita a
demanda internacional dos países pobres por empréstimos e se endivida ainda
mais. Este fenômeno ocasionou “o desenvolvimento de todo o sistema financeiro
extremamente sofisticado e bastante abastecido por uma poupança que era
estimulada a toda força” 140. Assim como os PEDs se beneficiaram com a
liquidez do capital internacional, contrariamente apresentaram um
recrudescimento do crescimento interno a partir de 1973, com a crise
internacional do petróleo, deflagrada em virtude de uma estratégia de atuação
dos países membros da OPEP em elevar o preço do barril.
Pode-se afirmar que a Constituição de 1967 no que diz respeito aos
preceitos econômicos permaneceu liberal, pouco intervencionista,
diferentemente do que ocorreu quanto aos direitos e garantias individuais, como
já fora demonstrado.
As disposições Da Ordem Econômica e Social estão compreendidas no
título III, artigos 157-166. Assim, inicia o título III, em seu artigo 157:
139 BASTOS, op. cit., p. 134.140 BASTOS, op. cit., p. 135.
103
Art. 157 – A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social com
base nos seguintes princípios:
I - liberdade de iniciativa;
II - valorização do trabalho como condição da dignidade humana;
III - função social da propriedade;
IV - harmonia e solidariedade entre os fatores de produção;
V - desenvolvimento econômico;
VI - repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio
dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos
lucros.
Em princípio, o caráter social e de justiça distributiva permanece
presente na Carta de 1967, afirmação que pode se observada quando se lê nos
seus incisos expressões como “liberdade de iniciativa”, “desenvolvimento
econômico” ao lado de expressões como “função social da propriedade”,
“repressão ao abuso do poder econômico” e a “valorização do trabalho” que
fornecem um teor próprio das economias de sistemas como o da social-
democracia européia. A diferença é obvia, pois o sistema de governo na
Constituição de 1967 se pautava pelos caminhos inversos ao da democracia;
todavia, a contradição está exatamente na sustentação de uma ordem
econômica neoliberal em face de disposições antidemocráticas e liberais, como
disposto no título II, capítulo V, cujo título é Do Estado de Sítio. Neste capítulo, o
Constituinte tratou de garantir poderes especiais ao Presidente da República,
como enuncia o seu artigo 152: “ O Presidente da República poderá decretar o
estado de sítio nos casos de: (...)”.
Ademais, sabe-se que quando se fala em liberalismo econômico não se
está querendo dizer a mesma coisa que liberalismo no campo das relações
sociais. Pode haver a coexistência de um liberalismo econômico com um regime
104
autoritário e antidemocrático sem que um interfira no outro, mantendo-se
autônomos em suas bases ideológicas.
Considerando-se a inclusão dos direitos sociais nos econômicos, a
Constituição ainda trata, neste título, da situação do trabalhador. O artigo 158
enseja a garantia dos trabalhadores baseada na melhoria de sua condição
social. Seguem-lhe vinte e um incisos que dispõem sobre o salário-mínimo,
salário família, jornada de trabalho, repouso semanal, direitos e garantias
previdenciárias e outros. A relação do trabalhador com o social e sua inserção
no mercado de trabalho é apresentada em um texto progressivo, preocupado
com a justiça social e com os valores morais ocidentais.
Também estão incluídas neste título, em seu artigo 160 e seguintes,
disposições sobre o regime das empresas que atuam na economia nacional,
sobre as jazidas, minas e outros recursos minerais e potenciais hidráulicos.
Nesta matéria, a Constituição de 1967 não inova, permanecendo os preceitos já
consagrados na Constituição de 1946.
Pode-se dizer que, até este ponto, a Constituição de 1967, no que tange
às relações econômicas, apresenta um teor liberal, mas intervencionista ao
mesmo tempo, característica que confere rótulos como neoliberalismo e neo-
intervencionismo. Na verdade, trata-se de um tipo de liberalismo moderado,
comprometido com o desenvolvimento social e não apenas com o crescimento
econômico. Observa-se o liberalismo em expressões do tipo “liberdade de
iniciativa”, art. 157, I, que é uma característica de uma economia de mercado e o
intervencionismo ou protecionismo em disposições como “a repressão ao abuso
do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados”. Neste, fica
manifestamente clara a intenção do constituinte de proteger o mercado e o
trabalhador do laissez faire desmesurado de uma economia internacional cada
vez mais interdependente e liberal em suas estruturas.
Ocorre que, dado à crise política, que foi um dos acontecimentos
históricos relevantes para a instabilidade do governo brasileiro à época, também
105
o direito constitucional refletiu estas transformações. Houve uma intensificação
na campanha contra o governo que vinha sendo movida pela oposição, que
pleiteava e estimulava um verdadeiro movimento pela convocação de uma nova
Assembléia Constituinte com vistas a reformar os elementos anti-democráticos
presentes no texto de 1967, sobretudo, os referentes às garantias e direitos
individuais. Em 1968, sobretudo, a situação política se agrava. As reedições dos
Atos Institucionais causam, cada vez mais, insatisfação à população, que reage
reclamando a democratização do sistema. É bem verdade que grande parte da
população brasileira não se engajou nesta manifestação, por isto terem sido tão
heterogêneos os movimentos de oposição que surgiram para combater o
crescente recrudescimento do sistema governamental baseado no militarismo e
no autoritarismo. A este respeito, Paulo Paes de Andrade chama a atenção para
o fato de que a Constituição de 1967 procurava institucionalizar o Estado
conseqüente do golpe por meio da ilegítima delegação de poderes constituintes
ao Legislativo Federal e, assim, organizar a legislação do novo governo que, nos
anos de 1965 e 1966, editou 4 Atos Institucionais, 36 Atos Complementares, 312
Decretos-leis e 3.746 atos punitivos141. Desta forma, na nova Carta, toda esta
legislação tornava-se, então, disposta de modo a conferir uma certa legalidade
ao regime militar, baseado no autoritarismo, típico dos tempos da Guerra Fria.
A Carta de 1967 recebeu uma Emenda Constitucional, nº 1 de 07 de
outubro de 1969, que fora considerada, por muitos, como uma nova
Constituição. Diz o professor Washington acerca desta Emenda que:
A metodologia adotada para tal emenda não obedeceu ao disposto nos
arts. 49, I e 50. Ao contrário, baseou-se no art. 3º do Ato Institucional nº
16, de 14-10-69, combinado com o parágrafo 1º do art. 2º do AI 5, de 13-
12-68, que decretou o recesso do Congresso Nacional. Foi interpretado
que caberia ao Executivo “legislar sobre todas as matérias”. Alegou-se
entre os “considerando” apresentados, que a elaboração de emendas à
141 PAES DE ANDRADRE, Paulo. História Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 3ª ed.,
106
Constituição, compreendida no processo legislativo (art. 49, I) estava na
atribuição do Poder Executivo Federal, embora tal não coincidisse com o
texto. E, assim, a emenda contendo dispositivos modificativos,
supressivos e mandando que a Constituição passasse a ser publicada de
acordo com o novo texto, foi promulgada pelos Ministros da Marinha, da
Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar. 142
Na verdade, a sucessão de Atos Institucionais foi preparando o terreno
para a cartada final, que foi a Emenda nº 1. Como bem observa o autor na
citação acima, a fundamentação nos AI143 proporcionou ao governo a
elaboração de uma Emenda que dispunha sobre muitas matérias que ainda se
encontravam regulamentadas pelos Atos Institucionais e que passaram a ser
matéria de texto constitucional, inserindo-se peremptoriamente no direito
brasileiro.
Quanto ao título da ordem econômica, a Emenda forneceu-lhe apenas
uma nova restruturação, permanecendo o mesmo texto, sem alterações quanto
à matéria.
A História Político-Econômica Brasileira e a Consti tuição de 1988
A Constituição de 1988 é um marco na história brasileira. Determina a
transição de um regime militar e autoritário para um regime civil e democrático.
Ocorre um corte também na política internacional que inaugura uma nova era
para as relações internacionais. A verdade é que o mundo mudou e a
restruturação interna se tornou uma necessidade para todos os Estados-partes
deste sistema internacional.
1991, p.432.142 SOUZA, op. cit., p. 385.143 Atos Institucionais
107
No cenário político brasileiro, a década de 80 foi marcada, sobretudo,
por um movimento de democratização do regime. A democracia fora o elemento
de referência de uma nova era para a história do Brasil. Todos os conceitos
formulados à égide do regime militar como, por exemplo, as teorias da
segurança nacional, do interesse nacional, segurança hemisférica, do dominó144,
do cordão sanitário145, da cortina de ferro e conceitos como inimigo interno, low
profile146, foram suplantados por valores da democracia liberal, com a
consolidação dos direitos humanos e, sobremaneira, pelo primado do
capitalismo sobre o comunismo.
A era Tancredo Neves, marcada pela campanha das diretas já,
inaugurou esta nova fase. Seguindo-se os governos Collor de Mello e FHC, o
Brasil entra no novo milênio tendo como paradigma dois valores que parecem
insuperáveis historicamente, como, aliás, assegura Francis Fukuyama: a
democracia e a economia de mercado.
Com o término da Guerra Fria no final da década de 80, inicia-se um
novo período para as relações internacionais, assim como ocorrera na ordem do
Pós-II Guerra Mundial. Tem-se denominado esta nova fase, que na verdade
caracteriza uma nova macroestrutura internacional, por Nova Ordem
Internacional, também denominada por Ordem Pós-Guerra Fria. A Constituição
de 1988 surge exatamente no momento de transição entre a antiga e a nova
ordem internacional.
Vale lembrar que é ponto culminante deste trabalho é o estudo da
Constituição de 1988, servindo a breve análise dos textos constitucionais
anteriores como um estudo comparado. Com efeito, o que se quer demonstrar
com isto é que as conjunturas externas influenciam no cenário doméstico de um
Estado e que acabam se refletindo na sua Constituição, visto que é a
Constituição a forma expressa, formal, de representação do próprio Estado.
144 Teoria desenvolvida pela inteligência norte-americana para designar a conversão em escala dos paísespara o socialismo, um após o outro, em efeito de dominó.145 É um tipo de isolamento ao comunismo.
108
Segue, portanto, um capítulo destinado apenas à analise da relação entre estes
dois contextos, o interno e o internacional, e sua relação com a Constituição de
1988.
Conclusão
Como foi especificado o objetivo principal foi apontar os princípios de
Direito Econômico no texto Constitucional de todas as Constituições brasileiras e
estabelecer uma relação entre este Direito e os desdobramentos internacionais
que muitas das vezes se viram refletidos na própria história do Estado brasileiro.
A ênfase, todavia é para a Constituição de 1988 frente ao que se tem
denominado Nova Ordem Internacional - NOI. Em outras palavras, seria de se
questionar em que medida o texto constitucional de 1988 estaria em sintonia ou
desacordo com as tendências e princípios encontrados na ordem econômica
internacional do Pós-Guerra Fria, considerando-se que o próprio cenário interno
reflete em grande medida, as transformações sofridas internacionalmente.
Para tanto, foi, ademais, apresentada uma breve descrição de todas as
Constituições brasileiras, no que toca à disposição do texto que trate da ordem
econômica e também sua relação com os eventos histórico-econômicos.
Entendeu-se que, assim, porder-se-ia fornecer uma visão diacrônica da
evolução dos princípios econômicos presentes no texto das Constituições
brasileiras até a Carta de 1988.
Desta análise, pôde ser observado que, de fato, as conjunturas
internacionais acabam por interferir no cenário doméstico, seja econômico ou
político, brasileiro, dos países com baixo potencial de inserção. Estes países são
classificados como PEDs e sendo o Brasil um PED (País em Desenvolvimento),
observou-se que em todos os momentos de sua história, o cenário internacional
146 low profile significa presença discreta.
109
acabou por definir importantes configurações internas. Estas configurações
podem ser de natureza econômica, política, cultural etc.
Quando neste trabalho se privilegiou o estudo da história brasileira, se
procurou demonstrar em que medida o contexto sócio-político e, sobretudo, os
desdobramentos econômicos acabaram por definir os princípios norteadores
presentes nas Constituições. Com efeito, sendo o Brasil um PED, o contexto
internacional acabou influenciando muito mais seu ordenamento interno do que
o contrário, ou seja, ter havido repercussões representativas de sua atuação
externa. Certamente, seu potencial de negociação é bastante reduzido se
comparado, por exemplo, aos países do G7147.
Quanto à Constituição de 1988, o que se observou ao se analisar o seu
ordenamento econômico, foi uma grande influência dos acontecimentos
internacionais em seu texto, não apenas no econômico, mas em todos os seus
capítulos. Como foi demonstrado, a NOI tem como sua característica mais
marcante a globalização das relações internacionais em todos os seus níveis,
econômico, político, cultural etc. É sobre esta característica que se procurou
verificar correspondentes no texto constitucional. Assim, se observou que o
liberalismo econômico, ainda que atado ao protecionismo paternalista,
característico nas democracias latino-americanas, é um preceito importante e
garantido na Carta Maior. Também os valores econômicos relacionados ao
aspecto social, como por exemplo, a propriedade privada, foram preservados,
haja vista a que se trata de uma herança constitucional e que alguns dos valores
remontam mesmo à primeira Constituição.
Nesta análise encontrou-se, todavia, um aspecto anacrônico às novas
tendências internacionais. Enquanto os países europeus primam por uma
unificação de um ordenamento supranacional, em torno da unidade européia,
cujo sustentáculo teórico é formado pela clássica crença de Kelsen em um
monismo radical com prevalência do direito internacional sobre o direito interno,
147 O Grupo dos sete países mais ricos do mundo.
110
na Constituição brasileira de 1988, vê-se um dispositivo que prima pela
prevalência do direito interno sobre o internacional. O Tratado de Maastrich só
poderia ser efetivamente implementado e ter alcançado o sucesso que, apesar
das dificuldades estruturais, tem alcançado se este prevalecesse sobre as
demais normas internas dos seus Estados membros. No contexto da integração
européia, o respeito aos compromissos assumidos internacionalmente é o cerne
do sucesso de seus resultados, haja vista que a União Européia é uma ficção
criada a partir de um arcabouço jurídico-institucional formalizado por uma
miríade de acordos.
Desta forma, a crítica remetida ao artigo 192 é pertinente considerando-
se o que se sustentou desde o início deste trabalho. O monismo radical ratifica
os principais desdobramentos no cenário internacional e qualquer ato que
contrarie esta tendência pode ser apontado como retrógrado. Ademais, sendo o
Brasil um PED, qualquer ato em dissonância com o todo, ao invés de gerar uma
repercussão exógena de alteração do status quo internacional, pode provocar
um recrudescimento de seu potencial de negociação e afetar, portanto, sua
capacidade de inserção nas relações internacionais, mormente nas relações
econômicas, nesta ordem que vai emergir neste novo milênio.
111
Referências Bibliográficas
ABREU, Marcelo. “Developing Countries and the Uruguay Round of Trade
Negotiations”. First Annual World Bank Conference on Development Economics,
Washington D.C., 1989.
------. “O Brasil e o GATT: 1947-1991”. Projeto “60 Anos Anos de Política Externa
Brasileira”, Mimeo, 1991.
------. O Brasil na Rodada Uruguai do GATT: 1982 - 1983. Departamento de
Economia, PUC/ RJ, Texto para a Discussão nº. 311, 1993.
------. “Aspectos Comerciais da política Externa Brasileira”, in Boletim de
Diplomacia Econômica. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, nº. 13, nov.,
1992.
AKEHURST, Michael. Introducción al Derecho Internacional. Madrid: Alianza,
1972.
ALBUQUERQUE, Pedro A da Matta e. Elementos do Direito das Gentes
Segundo as Doutrinas dos Autores mais Modernos.s/ editora, 1851.
ALENCASTRO, Felipe. “O Fardo dos Bacharéis, in Revista Novos Estudos
CEBRAP. São Paulo, dez., 1987.
------. “A Pré-Revolução de 30”, in Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, set.,
1987.
ALEXIDZE, Levan. “Legal Nature of Jus Cogens in Contemporary International
Law” in RDC, Paris, vol. III, t. 172, 1981.
ALMEIDA, Paulo. O MERCOSUL no Contexto Regional e Internacional. São
Paulo: Ed. Aduaneiras, 1993.
112
ALMEIDA JÚNIOR, Antonio Mendes de. “Do Declínio do Estado Novo ao
Suicídio de Getúlio Vargas”. Bóris Fausto (org.). História Geral da Civilização
Brasileira. São Paulo: Difel, T.II, 3º Vol., 3ª ed., 1986.
ANDRADE E SILVA, José Bonifácio. “Representação sobre a Escravatura”, in
Escritos Políticos, São Paulo: Obelisco, 1964.
ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações. Brasília: UNB, 2a. ed., trad. de
Sérgio Bath, 1986.
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Globo, 28a. ed., 1990.
BARNET, Richard J. e Muller Ronald. Poder Global: A Força Incontrolável das
Multinacionais. Rio de Janeiro: Record, s/data.
BARROSO, Luíz Roberto. A Interpretação de Aplicação da Constituição. São
Paulo: Saraiva, 1996.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva,
1998.
BELLI, Pedro. “Globalizing the rest of the World”, in Harvard Business Review,
Boston, junho /agosto, vol. 69, nº 4, 1991,
BEVILAQUA, Clóvis. Direito Público Internacional. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 2 vol.,1939.
BHAGWAIT, J. Aggressive Unilateralism America’s 301 Trade Policy and the
World Trading System. Ann Harbor: The University of Michigan Press, 1990.
BITTAR, Orlando. “O Presidente dos Estados Unidos e o Controle dos Atos
Internacionais de sua Competência” in Revista de Ciência Política, vol. III, no. 2.,
jun., 1969.
BITTENCOURT, Lúcio. O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis.
Rio de Janeiro: Forense, 1968.
113
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. S/editora, 1990.
BOCCO, Héctor E. "La Política Exterior de Brasil en 1989: el Último Capítulo del
Gobierno Sarney", in América Latina/Internacional, 1990, Vol. 7, n° 23.
BOLEWSKI, Wilfried M. “Les Certificats Gouvernamentaux Relatifs à
l´Application du Droit International par le Juge Anglais”, in RGDIP, nº 3,
juillet/sept, 1973, pp. 672 e segs.
BRIERLY, J. Direito Internacional. Lisboa: Caloustre Gulbenkian, 2o. ed., 1963.
CAFLISCH, Lucius. Cour Permanent et Justice International: 1922 - 1945.
Gevève, s/ ed., 1973.
CALVO, M. Charles. Manuel de Droit International. Paris: Librarie Nouvelle de
Droit et de Jurisprudence, 1884.
CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. São Paulo: Atlas, 12º ed.,
1998.
CARNEIRO, Levi. “Acordo por Troca de Notas e Aprovação pelo Congresso
Nacional”, in BSBDI, jan./dez., 1951.
CARVALHO, José Murilo de. A Construção da Ordem. Brasília: UNB, 1981.
CASSESE, A . “Modern Constitutions and International Law”, in RDC, Vol. III, T.
192, 1985, pp. 333 e segs.
CAVALCANTI, Themístocles Brandão. A Constituição Federal Comentada. Rio
de Janeiro: José Konfino, vol II, 1952.
CERRONI, Umberto. “A Recomposição do Moderno”, in Novos Rumos, São
Paulo, nº 20, 1991.
CERVO, Amado Luiz e Clodoaldo Bueno. História da Política Exterior do Brasil.
São Paulo: Ática, 1992.
114
CERVO, Amado Luiz. O Parlamento Brasileiro e as Relações Exteriores (1826-
1889). Brasília: UNB, 1981.
CHARLES, Calvo. “A Propos du Projet de la Commission du Droit International
des Nations Unies Relatif au Droit des Traités”, in RGDIP, Paris, abril/junho, no.
2, t. 38, 1967.
CHOSSURDOVSKY, Michel. “Coment Éviter la Mondialisation de la Pauvreté?”,
in Le Monde Diplomatique, Paris, set., nº 450, 1991.
COLLIARD, Claude-Albert. “Égalité ou Spécificité des États dans le Droit
International Public Actuel”, in Mélanges Louis Trotabas, 1970.
CONSTANTINESCO, Vlad. Compétences et Pouvoir dans les Communautés
Européenes. Paris, Général de Droit et de Jurisprudence, 1974.
COURTEIX, Simone. Recherche Scientifique et Relations Internationales. Paris,
Librarie Générale de Droit et Jurisprudence, 1972.
COX, Robert. “Globalization, Multilateralism and Social Change”, in Work in
Progress, United Nations University, Tokyo, jul., vol. 13, no. 1, 1990.
CRETELA Junior, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Rio de
Janeiro: Forense, 1993.
DALLARI, Pedro. Constituição e Relações Exteriores. Rio de Janeiro: Saraiva,
1994.
DEVEZA, Guilherme. “Política Tributária do Período Imperial”. Sérgio Buarqie de
Hollanda (org.). História geral da Civilização Brasileira . São Paulo: Difel, 4ª ed.,
T. II, 4º Vol., 1985, pp. 40 e segs..
DINIZ, Eli. “O Estado Novo: Estrutura de Poder, Relações de Classe”. Bóris
Fausto (org.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, T. III, 3º
Vol., 1986.
115
DOLINGER, Jacob. Direito dos Tratados. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
FARIA, José E. O MERCOSUL: Princípios, Finalidades e Alcance do Tratado de
Assunção. Brasília: MRE, 1993.
FAUSTO, Bóris. “Expansão do Café e Política Cafeeira”, in História da
Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, T. III, 1º Vol., 1989, pp.
193 - 248.
FERNANDES, Florestan. “A ditadura Militar e os Papéis Políticos dos
Intelectuais na América Latina”, in Circuito Fechado. São Paulo: Hucitec, 2ª ed.,
1977.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de
1988. São Paulo: Saraiva, 1990.
FIGUEIREDO, Paulo. A Dimensão Interorganizacional e o Efeito Rede na
Construção do MERCOSUL. Rio de Janeiro: EBAP, 1993.
FOIGNET, René. Manuel Élémentaire de Droit International Public. Paris: Arthur
Rousseau, 18o. ed., 1913.
FRANCESCHINI, José Inácio. “Conflito entre os Tratados Internacionais e as
Normas de Direito Interno que lhe foram Posteriores” in Revista dos Tribunais,
vol. 556, fev – abril, s/data.
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. Rio
de Janeiro: Forense, 1960.
FRITSCH, Winston. “Apogeu e Crise na primeira República: 1900 - 1930”.
Marcelo Paiva Abreu (org.). A ordem do Progresso. Rio de Janeiro: Campus, 4ª
ed., 1992, pp. 68 e segs.
FUKUYAMA, Francis. O Fim da História e o Último Homem. Rio de Janeiro:
Rocco, 1992.
116
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Ed. Nacional, 7º
edição, 1967.
GADDIS, Jonh K. “Toward the Post-Cold War World”, in Foreign Affairs, New
York, vol. 70, no. 2, 1991.
GILPIN, Robert. The New World Political and Economic Order. New York:
Princeton University, 1987.
HALL, Michael e Verena Stockle. “A Introdução do Trabalho Livre nas Fazendas
de Café de São Paulo”, in Revista Brasileira de História. São Paulo, set., 1983.
HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da
Alemanha. Porto Alegre: Fabris, 1998.
HIRST, Mônica. A Reação do Empresariado Argentino Diante da Formação do
MERCOSUL. Brasília: IPEA, Texto nº. 337, 1994.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
HOFFMANN. “A New World and it´s Troubles”, in Foreing Affairs, New York, vol.
69, nº 4, 1990.
IANNI, Otávio. A Sociedade Global. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.
JEAN-FRANÇOIS. O Pós-Moderno. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986.
KAPLAN, Morton. Fundamentos Políticos do Direito Internacional. Rio de
Janeiro: Zahar, 1964.
KELSEN, Hans. “Les Rapports de Système entre le Droit Interne et le Droit
International Public” in RDC, Paris, vol. IV, t. 14, 1926, pp. 260 e segs.
----- Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2a. ed.,
1992.
117
KENNEDY, Paul. Ascensão e Queda das Grandes Potências. Rio de Janeiro:
Campus, 1992.
----- Preparando-se para o Século XXI. Rio de Janeiro: Campus, 1993.
KORFF, C. “L’Introduction à L’Histoire du Droit International”, in RDC, Paris,
1923.
LEITE, Maria Odilia da Silva. “A Interiorização da Metrópole”. Carlos Guilherme
Mota (org.). 1822: Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 2º ed., 1986.
MACIEL FILHO, Erico. Direito Internacional e Direito Interno: Desafio e
Afirmação. Porto Alegre: Globo, 1973.
MAGALHÃES, João Paulo de Almeida. “Modelo Neoliberal e a Procura de
Modelos Alternativos”, in Política Externa, dez-fev, vol. 4, nº. 3, 1995-96.
MARTINS, Luciano. “O Brasil e as Tendências Econômicas e Políticas
Contemporâneas”, Seminário de Brasília, Brasília: FUNAG, 1994.
MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX: O Espírito do Tempo. Rio de
Janeiro: Forense, 1969.
LABAKI, Amir. 1961, A Crise da Renúncia e a Solução Parlamentarista. São
Paulo: Brasiliense, 1986.
LEITMANN, Spencer. Raízes Sócio-Eonômicas da Guerra dos Farrapos. Rio de
Janeiro: Graal, 1979.
MAGALHÃES, José Carlos. “O Supremo Tribunal Federal e as Relações entre o
Direito Interno e o Tratado Internacional”, in Boletim Brasileiro de Direito
Internacional, vol. 53, 1975-1979.
MARTINS, Pedro Baptista. Da Unidade do Direito e da Supremacia do Direito
Internacional. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
118
MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição Brasileira. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 5ª ed., 1954.
MEDEIROS, A Cachapuz de. O Poder Legislativo e os Tratados Internacionais.
Porto Alegre: L&M, 1983.
-----. Tratado Internacional. Porto Alegre: Fabris, s/d.
MELLO, Celso D. de Albuquerque. “A Norma Internacional”, in Revista de
Ciência Política, jan-mar., 1972.
----- “Constituição e Relações Internacionais”, in A Nova Constituição e o Direito
Internacional. Coordenação de Jacob Dolinger, Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1987.
----- Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro: Renovar, 9o. ed. rev.
e aum., 1992.
----- Direito Constitucional Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1994.
MELLO, Evaldo Cabral. O Norte Agrário e o Império. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984.
MESTRE, Achille. “Les Traités et le Droit Interne”, in RDC, Paris, vol. IV, t. 38,
1931, pp. 237 - 306.
MIELE, M. “Les Organisations Internationales et le Domaine Constitutionel des
États”, in RDC, Vol. II, T. 131, 1970, pp. 309 e segs.
MOSLER, H. “L’Application du Droit International Public par les Tribunaux
Nationaux” in RDC, Paris, 1957, vol. I, t. 91, pp. 620 - 711.
MOURA. Gerson. O Brasil de JK. Rio de Janeiro: FGV/ CPDOC, 1991.
PAES DE ANDRADE, Paulo. História Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 3ª ed., 1991.
119
PAN CHACON, Paulo. História Econômica Geral. São Paulo: Atlas, 1991.
PANHUYS, H. F. “Relations and Interactions Between International and National
3 Scenes of Law”, in RDC, Paris, vol. II, t. 112, 1964.
PEDERNEIRAS, Raul Paranhos. Direito Internacional Compendiado. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, rev. e aum. por Oscar Tenório, 13o. edição, 965.
PEREIRA, Antônio Celso Alves. O Direito Internacional do Desenvolvimento
como Instrumento de Mudança na Sociedade Contemporânea. Rio de Janeiro,
Tese/UERJ, 1988.
PEREIRA, Luiz Bresser. Economia Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 7ª ed.,
1988.
PINTO COELHO, Pedro Motta. “O Tratamento Multilateral do Meio Ambiente:
Ensaio de um Novo Espaço Ideológico”, in Temas de política Externa Brasileira
II, vol I, pp. 260-261.
PUIG, Juan Carlos. “Derecho de la Comunidade Internacional y Derecho
Interno”, in Estudios de Derecho y politica Internacional, 1970.
RANGEL, Vicente Marotta. “A Constituição Brasileira e o Problema da
Conclusão dos Tratados Internacionais”, in Problemas Brasileiros, Conselho
Regional do Serviço Social do Comércio, São Paulo, out., no. 31, 1965.
----- “Os Conflitos entre o Direito Interno e os Tratados Internacionais”, in
BSNDI, jan. - dez., nos. 45, 46, 1967.
----- “Primeiros Escritos sobre Direito Internacional no Brasil”, in Problemas
Brasileiros, out., 1977.
REIS, João José. Rebelião Escrava no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1987.
120
REIS, Fernando G. “O Brasil e a América Latina”. Gelson Fonseca Jr e S. H.
Nabuco de Castro (Orgs). Temas de Política Externa Brasileira. São Paulo-
Brasília: Paz e Terra/ FUNAG, vol. 4, pp. 9-29, 1994.
RESENDE, André Lara. “Estabilização e Reforma: 1964-1967”, Marcelo de
Paiva Abreu (org.). Da Ordem do Progresso: Cem Anos de Política Econômica
Republicana, 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
RICUPERO, Rubens. “O Desafio Latino Americano”, in Política Externa.
set./nov., vol. 2, nº. 2, 1993.
RODAS, João Grandino. “Alguns Problemas de Direito dos Tratados
Relacionados com o Direito Constitucional à Luz da Convenção de Viena”, in
Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra XIX, Coimbra, 1972.
----- “A Constituinte e os Tratados Internacionais”, in Revista dos Tribunais, São
Paulo, out., vol. 624, ano 76, 1987.
----- “Jus Cogens”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, São Paulo, vol. LXIX, fasc. II,1974.
----- Tratados Internacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.
SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: Escravidão e Cidadania na Formação do
Exército. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo:
Malheiros, 14º ed., 1997.
SINGER, Paul. “Interpretação do Brasil: uma Experiência Histórica de
Desenvolvimento”. Bóris Fausto (org.). História Geral da Civilização Brasileira.
São Paulo: Difel, T.III, 4º Vol., 1986.
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1989.
121
------. De Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
SOLA, Lourdes. “O Golpe de 37 e o Estado Novo”. Carlos Guilherme Mota
(org.). Brasil em Perspectiva. Rio de Janeiro: Berthrand Brasil, 16ª ed., 1987.
SOUZA, Maria do Carmo Campello. “O Processo Político-Partidário na Primeira
República”. Bóris Fausto (org.). História Geral da Civilização Brasileira. São
Paulo: Difel, T.III, 2º Vol., 1985, pp. 215 e segs.
------. Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo: Alfa-
ômega, 1976.
SOUZA, Paulo César. A Sabinada. São Paulo: Brasiliense, 1987.
SOUZA, Washington Peluso Albino de. “A Experiência Brasileira de
Constituição Econômica”, Paulo Lobo (org.). Antologia Luso-Brasileira de Direito
Constitucional. Brasília: Livraria e Editora de Brasília Jurídica Ltda, 1992.
-------. “A Experiência Brasileira de Constituição Econômica”, in Revista
Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte, nº 67/68, 1989, pp 93-132.
-------. “Conflitos Ideológicos na Constituição Econômica”, in Revista Brasileira de
Estudos Políticos. Belo Horizonte, nº 74/75, 1992, pp. 17-39.
-------. “Da Ordem Econômica e Financeira”, in Revista da Faculdade de Direito
de MG. Vol. 33, 1991.
SUR, Serge, “Quelques Observations sur les Normes Juridiques Internationales”
in RGDIP, Paris, nº. 4, 1985.
----- “L’interprétation en Droit International Public”, in Archives de Philosophie du
Droit, Paris, 1979.
----- “Système Juridique International et Utopie”, in Archives de Philosophie du
Droit, Paris, 1987, t. 32.
122
TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de Importações ao Capitalismo
Financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.
TOLEDO, Caio Navarro de. O Governo Goulart e o Golpe de 64. São Paulo:
Brasiliense, 1984.
TRIEPEL, Henrich. “Les Rapports entre le Droit Interne et le Droit International”,
in RDC, Paris, T.1, 1923, pp. 76 - 119.
TRINDADE, Hélgio. Integralismo: O Fascismo Brasileiro da Década de 30. São
Paulo: Difel, 1974.
VASQUEZ, Maria C. Estudios Multidisciplinares sobre el MERCOSUL.
Montevidéo: Faculdade de Direito, 1995.
VERDROSS, Alfred. Derecho Internacional Público. Madrid: Aguilar, 1969.
VIOTTI DA COSTA, Emília. Da Senzala à Colônia. São Paulo: Brasiliense, 2º
edição, 1989.
VITTA, Edoardo. “International Conventions and National Conflict Systems”, in
RDC, Vol. I, T. 126, 1969, pp. 111 e segs.
WALTZ, Kenneth. Man, the State, and the War. New York: Columbia University
Press, 1959.
WEBER, Max. Economia y Sociedade. México: Fondo de Cultura Económica,
1974.
WEFFORT, Francisco. O Populismo na Política Brasileira. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1989.
WENGLER Wilhelm. “ Réfleion sur l´Apllication du Droit International Public par
les Tribunaux Internes”, in RGDIP, nº 4, oct./dec., 1968, pp. 921 e segs.
123
WORCWL, Glória. El MERCOSUR en el Periodo de la Transicion:
Funcionamiento Institucional, Participacion Empresarial e Impacto sobre el
Comercio. Buenos Aires, CEPAL, 1992.
ZICCARDI, Piero. “Les Caractères de l’Ordre Juridique International”, in RDC,
Paris, Vol. III, T. 95, 1958.
----- Diritto Internazionale Odierno. S/ed., 1964.