Post on 29-Jul-2015
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS – UFMG
Curso de Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais – FDUFMG
Carlos Eduardo Simões Daniel Matheus de Souza
Eduarda Lorena de Almeira Gabriel Rotsen
João Otávio Guimarães Becker Johaber Rivas Mendonça Lucas de Oliveira Gelape
Lynthian Cardoso Paulo Henrique Ferreira
Pedro Conrado Alves de Assis Taís Noronha Tourinho Yara Emanuele Costa
A CRUZADA CONTRA O TERROR: os conflitos entre o oriente e o ocidente sob o olhar contemporâneo
Belo Horizonte 2012
Carlos Eduardo Simões - C
Daniel Mateus - C Eduarda Lorena de Almeira - C
Gabriel Rotsen - C João Otávio Guimarães Becker - D
Johaber R. Mendonça- C Lucas de Oliveira Gelape - D
Lynthian Cardoso - D Paulo Henrique Ferreira- D
Pedro Conrado Alves de Assis - C Taís Noronha Tourinho - D Yara Emanuele Costa – D
(5º Período)
A CRUZADA CONTRA O TERROR: os conflitos entre o oriente e o ocidente sob o olhar contemporâneo
Trabalho escrito sobre pesquisa apresentada em Seminário de Processo Penal, "O Direito de Punir versus o Direito de Liberdade para os Povos do Livro de Allah", correspondente à disciplina de Direito Processual Penal I ministrada pelo Professor Doutor Sergio Luiz Souza Araujo no Quinto (5º) Período do Curso de Graduação de Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Orientador: Sergio Luiz Souza Araujo e Ari Benedito Junior
Belo Horizonte 2012
SUMÁRIO
SUMÁRIO .................................................................................................................................... 3
Agradecimentos .......................................................................................................................... 4
A Palavra “CRUZADA” ................................................................................................................. 5
A Primeira Cruzada ..................................................................................................................... 5
Contexto Histórico da Primeira Cruzada ..................................................................................... 5
O Concílio de Clermont e o Papa Urbano II ................................................................................ 7
As Motivações ........................................................................................................................... 10
A Campanha da Primeira Cruzada ........................................................................................... 16
A Perspectiva Árabe sobre a Primeira Cruzada ........................................................................ 19
As cruzadas na atualidade: A “Cruzada” contra o terror .......................................................... 22
Literatura acerca da Guerra ao Terror ...................................................................................... 25
Teoria da Guerra Justa .............................................................................................................. 27
Semelhança nos discursos iniciais ............................................................................................ 29
A jurisprudência brasileira com o cotejo de discursos religiosos ............................................. 33
Bibliografia ................................................................................................................................ 42
Filmografia ............................................................................................................................... 43
4
Agradecimentos
O grupo agradece ao Professor Doutor Sergio Luiz Souza Araujo pela oportunidade tão
distinta que nos trouxe, com a amplitude de seus desdobramentos, a sensação de que o
trabalho desenvolvido com harmonia e tolerância fortalece e enobrece a convivência .
5
A Palavra “CRUZADA”
Cruzada. Esta palavra não era reconhecida no momento histórico para o qual ela é
empregada e, de fato, o termo aparece de forma muito esporádica apenas em meados do século XIII,
quando aquele fenômeno histórico já perdia a sua força. Os textos medievais falam geralmente em
“peregrinação”, 'guerra santa”, “expedição da cruz” e “passagem”. A expressão “Cruzada”, quando
surgiu, derivava do fato de seus participantes considerarem-se “soldados de Cristo”, “marcados pelo
sinal da cruz”, e por isso bordarem uma cruz na sua roupa.
Simplificadamente pode-se dizer que foram expedições militares empreendidas contra
os inimigos da Cristandade e por isso legitimadas pela Igreja, que concedia aos seus participantes
privilégios espirituais (o perdão dos pecados) e materiais (suspensão do pagamento de juros).
Portanto, as lutas contra os muçulmanos do Oriente Médio e da Península Ibérica, contra os eslavos
pagãos de Europa Oriental e contra os heréticos de qualquer parte da Europa Ocidental eram
Cruzadas.1
A Primeira Cruzada
A Primeira Cruzada foi apenas o início, a primeira de muitas outras batalhas que viriam
adiante. Todavia, esse conflito inicial abre um novo precedente ao criar um movimento que não vai
apenas contra um povo, mas que tem também como objetivo o fortalecimento do catolicismo frente
ao islamismo, que avançava sobre a Europa. Para tanto, foi preciso estimular um povo que vivia um
contexto de miséria e falta de perspectivas de possibilidade de ascensão social.
Contexto Histórico da Primeira Cruzada
Sem embargo de ousar analisar o período com demasiada simplicidade,
contextualizaremos brevemente o período.
Se por pelo menos duzentos anos houve um fluxo constante de ocidentais dirigindo-se
1 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 8.
6
para a periferia da Cristandade Latina (Oriente Médio, Peninsula Iberica, e Europa Oriental), devem
ter existido razões profundas para isso. Assim, certamente um conjunto de fatores provocou as
cruzadas, que representaram originalmente uma espécie de saída, de solução para os problemas
colocados pelo início da desestruturação feudal.
A economia feudal era fundamentalmente agrária, possuindo assim suas unidades de
produção, o senhorio, procurando ser autossuficiente na produção não só de alimentos, mas de
roupas, armas e utensílios. As atividades mercantis encontravam-se assim, bastante reduzidas,
recorrendo-se a elas apenas quando as condições locais não permitiam a obtenção de uma
determinada mercadoria.
Quanto ao tipo de mão de obra utilizada na estrutura feudal, essa não era mais escrava
como na Antiguidade, nem assalariada como na Modernidade, mas sim um tipo intermediário, a
servidão, na qual o trabalhador presta serviços compulsórios mas não é considerado um objeto,
estando vinculado a um lote de terra, e não a uma pessoa, não podendo ser desapossado dele.
Demograficamente, o numero de trabalhadores era pequeno, em função das epidemias,
das invasões, das escassas colheitas e da fraca propensão à reprodução. Procurava-se dar ao
camponês alguma condição de vida, na esperança de que houvesse um crescimento populacional.
Politicamente, no período feudal, houve a fragmentação do poder central, o que entoava com a
situação econômica de auto suficiência de cada região, fazendo com que o detentor de um senhorio
assumisse a defesa de seu patrimônio e de seus dependentes, ganhando poder político em seu
território.2 Socialmente, a desorganização que se seguira à queda do Império Romano e a insegurança
provocada pelas invasões germânicas pediam uma nova estrutura. Houve, assim, um
desaparecimento quase completo das camadas médias e a formação de uma poderosa camada
formada por clérigos e guerreiros. A aristocracia detentora de terras, de poder econômico e político
construiu uma sociedade de ordens com a finalidade de que o status quo da época se mantivesse: A
condição social de cada indivíduo estava definida por uma ordem de Deus logo ao seu nascimento,
dai o termo “sociedade de ordens”, que imputava aos seus membros a impossibilidade de mudança
de extrato social, devendo estes resignadamente aceitarem seus destinos, pois rebelar-se seria
comprometer sua Salvação, sua Vida Eterna.3
Já a aristocracia detentora de terras era também guerreira, caminho naturalmente
2 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 12 3 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 13
7
traçado no sentido de defender suas terras dos invasores, e, para que tal atividade fosse exercida, era
necessário que fosse despendido muitos gastos em equipamentos e muito treinamento. Encarregado
de proteger também a população, o guerreiro acabava por receber a obediência dos seus
protegidos.4
As mutações do feudalismo, cujas origens se encontram nas suas próprias estruturas,
criaram condições ao surgimento das Cruzadas, sendo estas uma válvula de escape para as tensões
sociais, econômicas e políticas da época. Isso porque, com o declínio das epidemias, o maior
isolamento entre as regiões ocidentais e o fim das invasões estrangeiras e das grandes batalhas,
seguido da grande quantidade de recursos naturais a serem explorados e a melhoria nas técnicas de
produção, deu-se um crescimento demográfico significativo, sem o qual não seria possível nem
necessário o acontecimento das Cruzadas.5 A expansão demográfica fez com que fosse reduzida, ao
longo do tempo, a parcela de terra de cada família camponesa, obrigando muitos indivíduos a
tentarem um novo gênero de vida.
Quanto ao contexto comercial, o excedente advindo da prática da monocultura e do
aumento da produtividade estimulou o retorno das trocas comerciais e o contato com os mercados
bizantino e muçulmano.
Nesse contexto, Veneza e Gênova, polos comerciais com tradições comercial e urbana,
desempenharam importantes papéis nas cruzadas, pois tinham no Oriente interesses à defender e
estender. O mesmo ocorria com os comerciantes alemães, que tinham interesse em ocupar e
colonizar os territórios eslavos. Houve nessa época, portanto, uma transformação da sociedade de
ordens para uma sociedade estamental, em que era possível se vislumbrar uma mudança de classe
social, rompendo-se com a condição divina estabelecida no nascimento.
Nesse sentido, houve um direcionamento populacional para as cidades, que ofereciam
as vantagens da vida comercial e da liberdade quanto à servidão, mas que também acabava por
acolher aqueles que não obtiveram êxito, tornando-se marginalizados.
O Concílio de Clermont e o Papa Urbano II
4 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 14 5 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 18
8
Na Idade Média, de uma maneira geral, todos os assuntos concernentes à paz e à guerra,
fosse no âmbito interno ou externo, competiam ao rei. Destarte, a função de lançar-se à batalha era
atribuída, preponderantemente, à realeza. Contudo, no período que antecede às Cruzadas, tal
camada da sociedade estava enfraquecida, sobretudo na França, em decorrência de furtos dos bens
da Igreja, sugiram as “Milícias da Paz”, o que demonstra que, na ausência de um poder secular, o
clero organizou-se de modo a consolidar seus dogmas através de uma guerra contra a guerra.6
A ideia de reagir aos invasores pagãos não era nova, todavia, apenas foi concretizada
pelo Papa Urbano II, ao combinar a necessidade de uma guerra santa com a peregrinação à
Jerusalém.7
Essa tradição, entretanto, estava abalada desde o momento quem o Império Bizantino
fora derrotado por tropas turcas, que expandiam seus domínios por aqueles territórios, além de
manterem o domínio sobre a Terra Santa. Nesse momento, o imperador solicita auxílio ao Papa
Urbano II para que envie seus cavaleiros, que tinham a imagem sacralizada de protetores dos bens
dos pobres, das viúvas e da Igreja. Tal fato representou a união entre Igreja Cristã do Ocidente e do
Oriente, que agora tinham um inimigo em comum, o que também possibilitou o início das cruzadas.8
Isso posto, em 1095, foi aberto o Concílio de Clermont pelo Papa Urbano II. Uma
multidão se pôs a ouvir os dizeres do papa, seu apelo para que fosse dada início à marcha de
reconquista das terras sagradas, retirando das mãos dos muçulmanos, tidos como infiéis. 9 Tal
discurso mobilizou uma grande parcela da população que, vítima da fome e da baixa perspectiva de
vida, aliadas ao espírito de eliminar aqueles que não professassem a mesma fé, decidiu lançar-se à
batalha, embora completamente despreparada para tal situação.
No Concílio (que aconteceu de 18 a 28 de novembro), o destaque foi mesmo Papa
Urbano II e seu discurso na presença de 400 abades, 250 bispos, 14 arcebispos, tendo este evento,
portanto, grande participação. A íntegra do discurso foi preservada por quatro (4) cronistas: Robert, o
Monge, 23 Baudri de Dol, Fulquer de Chartres18 e Guibert de Nogent; cada versão com pequenas
6 LENZENWEGER, Josef et. al. História da Igreja Católica. Tradução: Fredericus Stein. São Paulo:
Loyola, 2006.Título Original: Geschichte Der Katholischen Kirshe. Pg. 180. 7 LENZENWEGER, Josef et. al. História da Igreja Católica. Tradução: Fredericus Stein. São Paulo:
Loyola, 2006.Título Original: Geschichte Der Katholischen Kirshe. Pg. 181. 8 LENZENWEGER, Josef et. al. História da Igreja Católica. Tradução: Fredericus Stein. São Paulo:
Loyola, 2006.Título Original: Geschichte Der Katholischen Kirshe. Pg. 190. 9 UJVARI, Stefan Cunha. A História e suas epidemias - A convivência do homem com os
microorganismos. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio: Editora Senac São Paulo, 2003. Pg 246.
9
diferenças entre as outras.10 Nesse sermão, Urbano II usou a alegação de que os turcos maculavam os
lugares santos cristãos além de perturbar os peregrinos - isso quando tal ato era permitido - como
justificativa para motivar a população a se alistar em tal jornada.11
Já no início da pregação, o Para salienta a necessidade de reunir esforços contra a
ameaça turca que avançava contra o Império Bizantino, ou seja, contra os cristãos do Oriente,
afirmando ser dever os católicos ocidentais restaurar a eles o que perderam ou o que poderiam
perder. Do mesmo modo, recordou as dificuldades impostas à peregrinação até Jerusalém em função
do domínio árabe sobre a região, proclamando assim, a necessidade de uma guerra santa, justa,
guiada por Deus, como forma de demonstração de fé.12
Urbano II encerrou o discurso convocando a todos para que se preparassem para o
próximo verão, em que seriam conduzidos por Deus ao resgate da Terra Santa, sendo ovacionado
pela multidão, qual aderiu à causa logo após o pedido de permissão ao Sumo Pontífice do bispo de Le
Puy, Ademar, para juntar-se a expedição. A partir de então uma marca foi consolidada: “Os
voluntários da expedição deveriam usar o sinal da13 cruz, em vermelho, sobre o ombro, prometer ir a
Jerusalém e, caso voltassem antes, poderiam ser excomungados.” 14
Somado à tudo que foi dito, insta salientar ainda, que, a reconquista de Jerusalém não se
pautou apenas nos preceitos de uma guerra justa, na proibição da violência desnecessária, vez que
existia permissão para pilhagem de riquezas, desenvolvendo nos cruzados um entendimento de que
havia, na verdade, uma permissão para extorquir, matar e pilhar, fato que acabou contribuindo, não
surpreendente, para a apresentação de uma "brutalidade sem limites" na, dita, guerra santa15.
10 FALBEL, Nachman. Kidush HaShem: crônicas hebraicas sobre as Cruzadas. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2001. Pg. 27. 11 YENNE, Bill. 100 Homens que mudaram a História do Mundo. Tradução: Roger Maiole. São Paulo:
Ediouro, 2004. Título Original: 100 men Who shaped the world history. Pg. 56. 12 FALBEL, Nachman. Kidush HaShem: crônicas hebraicas sobre as Cruzadas. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2001. Pg. 30. 13 (O’SULLIVAN, John, 1845) http://web.grinnell.edu/courses/HIS/f01/HIS202-
01/Documents/OSullivan.html 14 FALBEL, Nachman. Kidush HaShem: crônicas hebraicas sobre as Cruzadas. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2001.Pg. 35. 15 DUCHANE, Sangeet. O Pequeno Livro do Santo Graal. Tradução: Carmen Fischer. São Paulo:
Pensamento, 2006. 159p. Título Original: The Little Book of the Holy Grail.Pg. 125.
10
As Motivações
Considerando, de início, as motivações materiais que levaram às cruzadas, podemos
dizer, como anteriormente explicitado, que o fim das epidemias que assolavam a população, bem
como a diminuição das invasões que desestruturavam os feudos existentes favoreceu a expansão
populacional europeia. Tal crescimento demográfico foi fator crucial para o surgimento e manutenção
das Cruzadas, uma vez que essa população, agora dividida em estamentos, era constituída, na sua
maioria, por aqueles que não dispunham de riqueza, ou não vislumbravam, devido às regras de
sucessão, a possibilidade de controlarem as terras da família.
A transformação da sociedade de ordens para uma sociedade estamental, apesar de
lenta e gradual, permitiu a mobilidade social, mantendo a divisão em “camadas”. Destas a maior era
formada pela plebe, pessoas que abandonaram os feudos assolados pela miséria e governados ao
arbítrio dos senhores feudais, e migraram para as cidades em busca de ascensão social. Todavia, isso
nem sempre ocorria como esperado.16
Os ex-camponeses passaram a ver no comércio uma alternativa de trabalho mais
compensadora. Muitos se aventuraram nesta nova atividade, mas, é claro, nem todos foram bem
sucedidos, gerando um grupo de marginalizados que ansiavam por uma melhoria em sua situação
econômica17. Desse modo, a primeira Cruzada, quando proposta pelo Papa Urbano II, em 1095, na
França, fez com que essa parcela da população enxergasse na conquista da Terra Santa, dominada
pelos chamados “infiéis”, a chance adquirir riquezas e propriedades, deixando para trás todo o
histórico de miséria e privação.
Os ex-camponeses passaram a ver no comércio uma alternativa de trabalho mais
compensadora. Muitos se aventuraram nesta nova atividade mas, é claro, nem todos foram bem
sucedidos gerando um grupo de marginalizados que ansiavam por uma melhoria em sua situação
econômica. 18 Desse modo, a primeira Cruzada, quando proposta pelo Papa Urbano II, em 1095, na
França, fez com que essa parcela da população enxergasse na conquista da Terra Santa, dominada
pelos chamados “infiéis”, a chance adquirir riquezas e propriedades, deixando para trás todo o
16 FRANCO JR, Hilário. As Cruzadas. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984. Pg. 19 17 Cfr. Michaud, História das Cruzadas, Joseph-Fraçois, Vol. 1, p. 105, Editora das Américas, S. Paulo,
1956.Pg. 54 18 WOLKMER, Antonio Carlos (org.). Fundamentos de História do Direito. 2 ed. Belo Horizonte: Del
Rey, 2007. Pg. 240.
11
histórico de miséria e privação.
Por outro lado, as Cruzadas representavam, ainda, vantagens para a nobreza
secundogênita, já que apenas os primogênitos teriam direito de herança sobre a terra e os bens da
família. Desse modo, o movimento cruzadista permitia a esses nobres a chance de possui as terras à
que não teriam direito, fato que funcionava como incentivo para que esses cavaleiros rumassem ao
Oriente no intuito de livrar Jerusalém do Domínio dos muçulmanos. 19
Impende considerar, ainda, no que tange às motivações materiais, o contexto comercial
da época. Todo o período de redução de epidemias e invasões favoreceu não só o crescimento
demográfico como permitiu a evolução das técnicas de produção, o que gerou uma produção agrícola
excedente.
Assim, o Ocidente pôde voltar a obter produtos do Oriente, que por sua vez, necessitava
de gêneros alimentícios e matérias-primas oferecidas pela Europa.
Enquanto Veneza mantinha estreitas relações mercantis com as terras ocidentais através do Egito e
do Império Bizantino, de forma estável e segura, Gênova, sua maior rival, financiava os cruzados,
através de empréstimos, transporte e provisões providenciando transporte e provisões, patrocinando
os conflitos em troca de privilégios comerciais nas cidades que viessem a conquistar.
Situação muito semelhante acontecia em relação à ocupação da Europa Oriental, onde a
Hansa Teutônica, liga de comerciantes alemães, mantinha o predomínio no tráfico mercantil do norte
europeu, sendo extremamente conveniente dominar, ocupar e colonizar, a pretexto de propagar a
religião cristã, os territórios dos eslavos, considerados pagãos e, sobretudo, para que seu império
comercial fosse expandido.20
As Motivações Materiais
Nesse sentido, houve um direcionamento populacional para as cidades, que ofereciam
as vantagens da vida comercial e da liberdade quanto à servidão, mas que também acabava por
acolher aqueles que não obtiveram êxito, tornando-se marginalizados. Interessante destacar, aqui,
19 WOLKMER, Antonio Carlos (org.). Fundamentos de História do Direito. 2 ed. Belo Horizonte: Del
Rey, 2007. Pg. 240. 20 FRANCO JR, Hilário. As Cruzadas. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984. Pg. 20
12
dois tipos de marginalidade: a heresia e a pobreza, uma porque será combatida pelas cruzadas, outra
porque fornecerá elementos para elas. Numa sociedade religiosa como a feudal, pensar
diferentemente da igreja era cometer ao mesmo tempo um pecado e um crime. Mas apesar disso
surgiam doutrinas contestando as verdades oficiais, proclamadas e defendidas pela igreja, criticando
toda a organização social e negando os valores religiosos socialmente aceitos. Combater as heresias
era, para as camadas dirigentes, combater um elemento desagregador da sociedade feudal. Ao
mesmo tempo, com o aumento populacional, muitos indivíduos deixaram de ter o mínimo para a
subsistência, garantido anteriormente através das relações servis, passando a depender da caridade
alheia, de serviços eventuais ou do crime. 21
Naquele momento falou-se então de uma tranquilidade que ocorrera na França, com os
ladrões e bandoleiros partindo para o oriente, motivados por novidades, pela pobreza, por estarem
em situação difícil na sua terra, oprimidos por dívidas com outros, ou esperando o castigo merecido
pelas suas infâmias; estes homens foram para combater não apenas os inimigos da cruz de Cristo,
mas mesmo cristãos, desde que vissem oportunidade de aliviar sua pobreza. 22
Um dos elementos sociais de mais ativa participação nas cruzadas foram os
secundogênitos de família nobre, que geralmente se tornavam clérigos e recebendo, portanto, terras
da igreja. Com o surto populacional, esta tradição revelou-se insuficiente, sobretudo porque a igreja
não tinha condições de enfeudar a todos aqueles nobres sem senhorio. A pequena nobreza sem terra
via nas Cruzadas a oportunidade para tal. Na sua tentativa de obter terras, muitos nobres atacavam
os feudos vizinhos e invadiam mesmo feudos da igreja, que sofria também com a diminuição dos
dízimos arrecadados.
A igreja era a maior interessada nos movimentos de paz, sendo as Cruzadas uma boa
oportunidade de pacificar a cristandade latina e de desviar para outros empreendimentos a nobreza e
seu espírito guerreiro e inquieto. Muitas vezes os próprios reis participavam de Cruzadas, levando
consigo para fora do país boa parte da aristocracia guerreira. A igreja tinha ainda outra razão: tentar a
reunificação da cristandade, fragilizada por uma série de divergências jurídicas, eclesiásticas,
teológicas e políticas que existia entre as igrejas de Roma e Constantinopla. O papado via nas
Cruzadas uma arma de pressão que poderia submeter a igreja oriental à Roma, dando-lhe a
supremacia sobre todos os territórios cristãos.
Após ter prometido a Deus manter a paz em suas terras e ajudar fielmente a
Igreja a conservar seus direitos, vocês poderão ser recompensados
21 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 21. 22 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 22
13
empregando sua coragem noutro empreendimento. Trata-se um negócio de
Deus. [...] Que tenha uma dupla recompensa os que se esgotavam em
detrimento do corpo e da alma. A terra que habitam é estreita e miserável,
mas no território sagrado do Oriente há extensões de onde jorram leite e
mel.
(Discurso do papa Urbano II no Concílio de Clermont, em 1095)23
As Motivações Psicológicas
Ao mesmo tempo em que o movimento das Cruzadas foi marcado por um forte caráter
econômico, se fundava também em profundas diferenças religiosas entre a Igreja Católica, que se
sentia ameaçada pelo avanço dos árabes pelas terras do Império Bizantino, e o islã, que já havia
chegado à península Ibérica e tomado todo norte da África, além de manter domínio sobre a Terra
Santa desde o século VII.
Importa, portanto, ressaltar a mentalidade da época, baseada em uma reciprocidade de
direitos e obrigações entre o senhor feudal e seu vassalo. Tal entendimento se estendida também às
relações entre o homem e Deus. Segundo essa concepção, àquele recebia a terra do seu senhor,
assim como recebia a vida de Deus e, em troca, devia prestar serviço militar lutando contra os infiéis,
numa demonstração de fé e fidelidade aos preceitos religiosos. 24
Quando se fala do contexto psicológico em que as Cruzadas ocorreram, destacam-se três
elementos fundamentais da mentalidade da época: a contratualidade, a belicosidade e a
religiosidade. A realidade social do feudalismo estava fortemente baseada na ideia de contrato, de
reciprocidade de direitos e obrigações. A desigualdade social e a exploração de uma camada pelas
outras eram interpretadas como uma troca equilibrada de serviços, oferecidos pelo clero, pelos
guerreiros e pelos camponeses. O que era de início uma justificativa para a desigualdade social,
acabou se enraizando na mentalidade da população das pessoas no decorrer do tempo. Desta forma,
a contratualidade ultrapassou o nível das relações inter-humanas para atingir as próprias relações
com Deus, coexistindo com barganhas, negociações e relações com o mundo sobrenatural. As
23 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 27 24 Williams, Paul L.. O Guia Completo das Cruzadas. São Paulo: Madras. 2007.Pg. 97.
14
relações homem-Deus passaram a ser concebidas como relações vassalo-senhor feudal. 25
Essa relação de obediência devida ao senhor feudal e, ao mesmo tempo, a Deus,
expressa a cultura da época em que os significados religiosos se fundiam aos sociais, como ilustrado
pelo relevante ato de unir as mãos ao orar, que fora introduzido no ritual cristão a partir do século X,
reproduzindo o gesto do vassalo ao prestar homenagem e reverenciar o senhor do feudo. A
religiosidade desse período estava impregnada destes conceitos, e tinha como baluarte o ideal de
vida cristã um estilo heroico, visando atingir a santidade através do esforço. 26
A belicosidade foi outro componente da mentalidade que se originou na prática social
para depois ganhar lugar no consciente coletivo. As invasões estrangeiras e lutas internas foram
frequentes após a crise do império Romano no século III, e o feudalismo fora, em parte, uma forma
de resistir aos invasores, fragmentando o ocidente em pequenas unidades. Procurando limitar as
lutas internas, a igreja promovera a Paz e a Trégua de Deus, proibindo guerras em certos períodos.
Um vassalo que quebrasse a sua contratualidade era entendido como demoníaco. As igrejas eram
semelhantes a castelos senhoriais com a função de se defender das forças demoníacas. Os clérigos e
os guerreiros formavam a elite dirigente e cada um com a sua especialidade em proteger a sociedade:
os guerreiros com seus cavalos, armaduras e espadas, assim como os clérigos com suas armaduras
simbólicas, as batinas e suas armas espirituais, enfrentavam os inimigos da fé, as forças do mal. Os
inimigos eram vistos como exércitos demoníacos, e portanto combatê-los era ao mesmo tempo obra
política e religiosa, como fica bem claro através das próprias Cruzadas.27
A religiosidade, por fim, era o grande traço mental da época das Cruzadas, traço formado
a partir do contato com a realidade. O homem da idade feudal vivia muito próximo e dependente de
uma natureza rude que o primitivismo e a pobreza de seu instrumental não podia controlar. Isso dava
ensejo a uma religiosidade concreta, presa ao palpável, pois esse íntimo contato com a natureza
apresentava-lhe mistérios que só poderiam ser explicados pela atuação de forças sobrenaturais. As
forças do bem poderiam ajudar o homem a dominar a natureza fazendo-a trabalhar para seu
benefício, as forças do mal poderiam ser subjugadas impedindo a ocorrência de fenômenos naturais
violentos.28
Juntamente com o aspecto contratual e bélico, a religiosidade feudal apresentava como
25 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 29 26 Williams, Paul L.. O Guia Completo das Cruzadas. São Paulo: Madras. 2007.Pg. 99 27 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 30 28 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 31
15
ideal de vida cristã o estilo de vida heroico, de busca de proezas acéticas, de luta contra o próprio
corpo, sendo a santidade acessível pelo esforço: era como se uma maior violência para com o próprio
corpo compensasse as deficiências de conhecimento e reflexão religiosas. Tal espiritualidade levava a
uma religião de obras que representavam o conjunto de obrigações dos vassalos e homens para com
o senhor-Deus: preces, esmolas, jejuns e sobretudo peregrinações. Estas eram viagens e santuários
onde se veneravam relíquias e objetos sagrados. Assim as peregrinações cumpriam seu duplo papel,
ser uma forma de penitência e levar o indivíduo ao contato com relíquias. Os grandes centros
peregrinatórios estavam próximos a territórios muçulmanos – Jerusalém e Compostela. Portanto os
peregrinos que se dirigiam para aqueles locais passavam por maiores dificuldades do que se
visitassem santuários mais próximos, e assim purificavam-se mais de seus pecados.29
Ter contato com estes objetos sagrados era um importante objetivo dos peregrinos, pois
atribuía-se a eles poder mágico, protegendo ou curando seu portador. Porém o número de relíquias
não chegava a satisfazer a imensa necessidade do sagrado que havia na sociedade medieval. Tal fato
ensejou o culto de imagens que também se tornaram objetos de peregrinação. As cruzadas portanto
devem ser entendidas nesse contexto psicológico, sendo elas próprias “peregrinações armadas”. Era
este o espírito das Cruzadas: a) Deus é o senhor do mundo e os homens como os seus vassalos devem
servi-Lo, recuperando as regiões roubadas pelos infiéis, pagãos e heréticos; b) a Cruzada é um
exército de penitentes, de pecadores, buscando indulgência; c) a honra cavaleiresca que se buscava
numa Cruzada não poderia ser obtida de outra forma, nem ao longo de toda uma vida; d) o caráter
sagrado dos locais disputados reforçava a obrigação dos homens para com o seu Senhor e tornava-os
“soldados de Cristo”; e) a caridade fraterna do cristianismo seria praticada ao se ajudar os cristãos
oprimidos pelos muçulmanos na Terra Santa e na Península Ibérica. Os cruzados eram vistos portanto
como homens generosos, desprendidos e verdadeiros mártires, sendo a Cruzada uma obra aprovada
por Deus, sendo esta uma visão ocidental.30
Os bizantinos entretanto não aceitavam aquela ideia, já que para eles nenhuma guerra
era santa, mas apenas necessária, pois os mártires enfrentam o inimigo apenas com as armas da fé.
Para São Bernardo a Cruzada antes de um fato política militar era uma liturgia, devendo por isso estar
aberta a todos, e não apenas a uma elite. Dela deveriam participar de preferência os maus cristãos,
os grandes pecadores. A Cruzada iria vingar a honra ultrajada de Jesus, transformando a atividade
guerreira de algo condenável a uma virtude, quase santidade. O verdadeiro cruzado não lutaria
apenas com a espada, mas também com a fé – era imposta assim uma concepção de mundo em
29 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 33 30 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 34
16
proveito das elites, sobretudo da clerical, criadora deste modelo ideológico.31
Nesse sentido, as peregrinações a lugares santos faziam parte de um conjunto de
obrigações que deviam ser observadas e, quanto mais difícil e inacessível fosse o local da
peregrinação, maior era o interesse dos peregrinos por consubstanciar o caráter heroico e de
provação incutido nas formas de se demonstrar a fé. Dentro deste contexto psicológico, as Cruzadas
eram vistas como “peregrinações armadas” e faziam com que os cruzados fossem vistos como
homens generosos, desprendidos, verdadeiros mártires à serviço de Deus, dispostos à abandonar sua
terra natal para retirar Jerusalém do domínio dos infiéis, de modo que tais conflitos fora justificados e
legitimados pela Igreja, através do conceito de Guerra Santa, ou seja, a guerra divinamente
autorizada, voltada ao combate dos infiéis, dos hereges e dos demais que renegassem os dogmas do
cristianismo. 32
Assim, além da promessa de terras a conquistar, os cruzados, cujos conceitos religiosos
estavam fortemente interiorizados, se lançaram ao combate visando também às premiações na vida
eterna. A Igreja se valeu desse fator, portanto, ao pregar sobre o conflito, pela primeira vez em
Clermont, prometendo aos que se lançassem à batalha, a redenção dos pecados, a purificação e a
salvação da alma.
A Campanha da Primeira Cruzada
A primeira cruzada aconteceu entre os anos de 1095 e 1101, a partir do Concílio de
Clermont, como anteriormente citado. A batalha foi assumida por uma nova ordem de cavaleiros,
que, em parceria com a Igreja, financiavam o conflito. 33
Todavia, antes que os nobres, militarmente preparados, partissem à frente de batalha,
uma massa de camponeses se lançou ao conflito. Essa primeira incursão terminou em tragédia,
quando cinquenta mil desses camponeses foram massacrados na Ásia menor.
31 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 37 32 Williams, Paul L.. O Guia Completo das Cruzadas. São Paulo: Madras. 2007.Pg. 99 33 BINGEMER, Maria Clara Lucchetti (org.). Violência e Religião: Cristianismo, Islamismo, Judaísmo :
três religiões em confronto e diálogo. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2001. Pg. 148.
17
A Cruzada Popular
Embora o Papa tivesse a intenção de convocar apenas cavaleiros bem preparados, seu
discurso impeliu à batalha, inicialmente, camponeses pobres que tinham pouco a perder, seduzidos
pela ideia de enriquecer. Essa camada da população foi, deste modo, a primeira a se lançar à guerra
contra os infiéis, liderada por um pregador conhecido como Pedro, o Eremita. 34
Dirigindo-se ao leste, os cruzados passam por Constantinopla, aonde conseguem o apoio
do Império Bizantino, para a dura marcha que ainda teriam que enfrentar, até Jerusalém. Em agosto
de 1096, após deixarem a capital bizantina, a turba liderada por Pedro, o Eremita, a primeira a se
lançar à empreitada, se vê cercada em Nicéia, pelo exército do sultão turco Kilij Arslan. Mal armados
e preparados, além de isolados, os cruzados tiveram os canais que levavam água a eles cortados. Os
que não morreram de sede, foram exterminados pelo exército muçulmano.35
Iludidos pela fácil vitória, os muçulmanos tranquilizaram-se quanto às próximas tropas
cristãs que, eventualmente, viessem a atacar e voltaram suas atenções para disputas internas.
As Vitórias Cristãs
Posteriormente, em uma expedição mais organizada, cem mil componentes
provenientes da França e Sicília chegaram, em abril de 1097, à Constantinopla, retomando a cidade.
Em julho do mesmo ano reconquistaram Edessa, seguidamente de Antioquia e, finalmente,
Jerusalém. 36
O conde Hugo de Vermandois foi o primeiro líder nobre a chegar em Constantinopla, em
1096, chegando à cidade pelo mar, com seus cavaleiros e soldados. Em seguida, também pelo mar,
aportou o duque da Baixa-Lorena, Godofrede de Bouillon que , acompanhado de irmãos e primos,
encorajou figuras proeminentes tanto de regiões vizinhas do lugar, como do lugar, “a se juntarem à
empreitada até Jerusalém. Nem todos que o seguiram eram seus vassalos, mas como duque da
região de onde muitos deles vinham, [ele] portava a maior autoridade no exército lotaríngio, mais até
34 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 45. 35 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 49. 36 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 52.
18
que seu irmão mais velho.” 37 Bouillon contribuiu, assim, para aumentar o contingente de pessoas
dispostas a lutar na guerra santa.
Em abril de 1097, mais de 40 mil homens atravessaram o estreito de Bósforo sem
encontrar resistência. O governante muçulmano, o sultão turco Kilij Arslan, iludido pela facilidade
com que havia derrotado os pobres cruzados do Eremita, estava mais preocupado com disputas
internas com vizinhos muçulmanos do que com a chegada de um novo contingente de cristãos. Como
o sultão iria perceber apenas tarde demais, esse seria o maior erro de sua vida.38
Bem equipados com escudos, armaduras e cavalaria, os cruzados cercaram e tomaram
Nicéia, devolvendo-a aos bizantinos. Em outubro de 1097, eles chegaram a Antióquia, conquistando
aquela que havia sido uma das principais cidades do Império Romano. Seis meses depois, os cristãos
partiram em direção a Jerusalém. A essa altura, restavam 13 mil homens, um terço do contingente
inicial. Após um mês de cerco, em 13 de julho de 1099, os cruzados conseguiram finalmente entrar na
cidade santa. 39
A partir de então, entraram em uma espécie de catarse, visitando os lugares santos e
agradecendo a Deus, abandonando as armas. Para a maioria deles, a conquista fora um milagre.
Menos de quatro anos após a pregação em Clermont, os cristãos vitoriosos saíam em procissão para
o Santuário do Santo Sepulcro, onde Cristo teria ressuscitado. O papa Urbano II morreu duas semanas
depois, sem ter recebido a boa notícia da vitória. Mas ele também foi poupado das más notícias que
chegariam depois.
Embora a primeira cruzada tenha atingido seu objetivo principal, consubstanciado na
reconquista de Jerusalém, os cruzados não conseguiram consolidar um governo pautado na unidade,
nem mesmo um adequado sistema financeiro, conjuntura que era agravada pelas recorrentes
disputas internas entre os Imperadores da Cidade de Constantinopla. Todo esse contexto de
fragilidade favoreceu, em 1144, a retomada de Edessa e Damasco pelos turcos, que se organizaram e
avançaram sobre o domínio perdido, ameaçando retomar a Terra Santa. 40
37 KOSTICK, Conor. 1099 – A Primeira Cruzada e a dramática conquista de Jerusalém. Tradução:
Milton Camargo Mota. São Paulo: Rosar, 2010. Título Original: The Siege of Jerusalem: crusade and conquest in 1099. Pg. 20.
38 FRANCO JÚNIOR, Hilário. “As Cruzadas”. São Paulo: Brasiliense, 1989. Pg 55. 39 BINGEMER, Maria Clara Lucchetti (org.). Violência e Religião: Cristianismo, Islamismo, Judaísmo :
três religiões em confronto e diálogo. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2001. Pg. 152. 40 BINGEMER, Maria Clara Lucchetti (org.). Violência e Religião: Cristianismo, Islamismo, Judaísmo :
19
A Perspectiva Árabe sobre a Primeira Cruzada
A Primeira Invasão Europeia
Para os árabes, o dia 15 de julho de 1099 foi um dia de terror. Milhares de franj, como
eram chamados os cavaleiros europeus pelos muçulmanos, entraram em Jerusalém, assassinando
adultos, velhos e crianças indistintamente. Estupraram as mulheres. Saquearam as mesquitas. 41
As ruas da cidade sagrada foi tingida com o sangue de centenas de árabes. Àqueles
poucos que conseguiram sobreviver restou a dolorosa tarefa de enterrar, de maneira rápida, os
próprios parentes, sem nem mesmo poder velá-los, uma vez que estavam sob a ameaça de, se
capturados, serem presos e vendidos como escravos.
Apenas dois dias após a invasão europeia, em Jerusalém, não havia mais sequer um
muçulmano. Do mesmo modo não havia judeus. Nas primeira horas de conflito, várias famílias judias
tentaram, em vão, defender seu bairro, a Judéria. Entretanto, quando os franj irromperam sobre o
bairro, instaurou-se o pânico e a desordem. 42
Toda a comunidade judaica, repetindo um gesto ancestral, reuniu-se na sinagoga para
orar. Sem o menor sinal de clemência, os soldados europeus bloquearam as saídas do local e, como
lenha, atearam fogo ao templo judeu. Aqueles que não sucumbiram ao incêndio foram mortos na
rua.43
Tais investidas cristãs nos territórios dominados pelos árabes ficariam conhecidas como
as invasões dos francos (porque a maioria dos cruzados falava o francês), um período de terror e
brutalidade na história do Islã. 44
três religiões em confronto e diálogo. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2001. Pg. 153.
41 MALALOUF, Amin. As cruzadas Vistas pelos Árabes. São Paulo: Brasiliense, 1998. Pg. 44. 42 MALALOUF, Amin. As cruzadas Vistas pelos Árabes. São Paulo: Brasiliense, 1998. Pg. 44. 43 MALALOUF, Amin. As cruzadas Vistas pelos Árabes. São Paulo: Brasiliense, 1998. Pg. 46. 44 MALALOUF, Amin. As cruzadas Vistas pelos Árabes. São Paulo: Brasiliense, 1998. Pg. 52.
20
A Primeira Invasão Franca
A primeira investida cristã sobre os árabes se deu em 1096, três anos antes da retomada
de Jerusalém. Tal ataque não preocupou o sultão turco Kilik Arslan, que detinha o comando dos
territórios atualmente conhecidos como Afeganistão e Turquia.
A tropa liderada por Pedro, o Eremita, não causava temor à população árabe da região. O
grupo, que se aproximada da cidade de Constantinopla, com a ameaça de liquidar os muçulmanos em
nada se assemelhava a um exército, figurando como mendigos e maltrapilhos aos olhos de quem os
visse passar. E, na verdade, assim o eram. Entre os guerreiros, havia uma multidão de mulheres,
velhos e crianças – um inimigo muito menos ameaçador do que os cavaleiros mercenários que o
sultão estava acostumado a enfrentar. 45
Por, aproximadamente, um mês, os cavaleiros turcos apenas observaram a
movimentação dos supostos guerreiros europeus, que se ocupavam de saquear as regiões próximas
ao seu acampamento.
Quando alguns destes franj rumou em direção às muralhas de Nicéia, a cidade que
pertencia ao Império Bizantino antes de ser dominada pelos árabes, um primeiro batalhão de
soldados turcos foi enviada para contê-los, sem sucesso, todavia. Inspirados pela primeira vitória, o
pequeno exército de Eremita prosseguiu no ataque à Nicéica, tomando a fortaleza do local. A
comemoração por tal conquista deixou o grupo à mercê dos muçulmanos, vez que se embriagaram e
voltaram suas atenções aos festejos, deixando de lado as preocupações com a batalha. 46
O sultão, então, enviou seus cavaleiros com ordens para que cercassem a fortaleza e
cortassem os canais que levavam água aos europeus. Tudo foi uma questão de tempo e a maioria do
grupo sucumbiu à sede no curto prazo de uma semana.
Os francos sobreviventes não ofereceram resistência. Tão logo tentaram uma ofensiva,
marchando lentamente e levantando uma nuvem de poeira, foram recebidos por um ataque de
flechas, que exterminou a maior parte dos soldados remanescentes, que não dispunham de proteção.
45 MALALOUF, Amin. As cruzadas Vistas pelos Árabes. São Paulo: Brasiliense, 1998. Pg. 57. 46 MALALOUF, Amin. As cruzadas Vistas pelos Árabes. São Paulo: Brasiliense, 1998. Pg. 57.
21
Os que ainda conseguiram sobreviver debandaram, em pânico, proporcionando ao sultão uma falsa
sensação de tranquilidade e uma iludida visão sobre a força dos guerreiros europeus. 47
O Segundo Ataque “Fraj”
Um ano após a vitória sobre os homens de Eremita, em meados de 1097, os árabes não
se surpreenderam com a notícia de que novos cavaleiros europeus rumavam em direção ao seu
território. Todavia, esse segundo exército não era composto por maltrapilhos despreparados. O
cavaleiros agora eram nobres, treinados para a batalha, devidamente munidos de armas e armaduras,
inatingíveis pelas flechas do exército turco. 48
Em um curto período de tempo, os cruzados invadiram a cidade de Nicéia, destruindo,
assassinado, e pilhando as cidades e vilarejos em seu caminho. Os exércitos árabes não estavam
preparados para combater os milhares de homens que aportaram na região, dispostos a retomar a
Terra Santa. Sem tempo hábil para se prepararem, os muçulmanos sucumbiam pouco a pouco.
Totalmente atormentada, a população de cidades como Antióquia, aguardava a chegada dos francos,
com a desesperadora ciência de que nada poderia ser feito contra eles. 49
Alguns árabes, baseados em seu conhecimento religioso, afirmavam ser aquele o fim do
mundo. Relatos do período diziam que o final dos tempos seria precedido pelo nascer de um
gigantesco sol negro, vindo do Oeste, acompanhado de hordas de bárbaros. Ainda não havia chegado
o sol negro, todavia, os bárbaros já aterrorizavam toda a região. 50
Em 1099, de forma brutal, o exército cruzado atravessou os portões de Jerusalém. Esse
episódio alterou de forma permanente a relação entre Oriente e Ocidente. O que se seguiu então foi
uma série de saques, estupros e assassinatos de todos aqueles que fossem tidos como infiéis. Tais
punições eram dadas arbitrariamente, sem o devido processo ou julgamento. Aos muçulmanos cabia
apenas sofrê-las sem, ao menos, saber o porque. 51
47 MALALOUF, Amin. As cruzadas Vistas pelos Árabes. São Paulo: Brasiliense, 1998. Pg. 68. 48 MALALOUF, Amin. As cruzadas Vistas pelos Árabes. São Paulo: Brasiliense, 1998. Pg. 69. 49 MALALOUF, Amin. As cruzadas Vistas pelos Árabes. São Paulo: Brasiliense, 1998. Pg. 71. 50 FRANCO JR, Hilário. As Cruzadas. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984. Pg. 36 51 FRANCO JR, Hilário. As Cruzadas. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984. Pg. 37
22
Tal conjuntura não era coerente ao tratamento dispensado por estes mesmo
muçulmanos aos cristãos e judeus que viviam ou peregrinavam pela terra santa. No século VII,
quando os árabes chegaram à Jerusalém, instaurou-se um governo pautado na tolerância religiosa, de
modo que todas as sinagogas, bem como as igrejas cristãs foram preservadas. A única exigência feita
pelos muçulmanos para que essa situação fosse mantida era de que os povos respeitassem os
dogmas islâmicos e o profeta, e que também pegassem os impostos cobrados no local. Observado
isso, sempre haveria liberdade para viver de acordo com as crenças e as leis pertinentes à cada
religião. Os poucos casos de governos hostis aos judeus e cristãos não passavam de exceções em
longos períodos de convivência pacífica. 52
Com a derrota para o exército franj e consequente perda do domínio sobre Jerusalém, os
muçulmanos aprenderam a difícil lição de que enquanto houvessem disputas internas que impediam
os sultões de se unirem contra a ameaça europeia, nebuloso seria o futuro do Islã. O que faltava,
então, para que os povos muçulmanos se unissem, era o surgimento de um líder que conseguisse se
fazer respeitado, não por todos, mas pela maioria dos árabes. Entretanto, essa tão esperada liderança
surgiu apenas um século depois da perda da Terra Santa, de modo que a violência dispensada aos
árabes perdurou até o ano de 1174. 53
As cruzadas na atualidade: A “Cruzada” contra o terror
O ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 fez mais do que ensejar o aumento
dos investimentos norte-americanos em recursos bélicos. Em 2002, com o pretexto de acabar com os
ataques terroristas, o governo divulgou um documento intitulado “A estratégia de segurança dos
Estados Unidos”, que contém determinações para as áreas político-militar e econômica e foram
denominadas de Doutrina Bush, em virtude do presidente em exercício George W. Bush.
Segundo o documento, “não hesitaremos em agir sozinhos, se preciso for, para fazer
o uso do direito de autodefesa, de maneira preventiva e antecipada”. Dessa forma, os Estados Unidos
justificaram suas ações contra os países considerados hostis, como ficou comprovado na invasão e na
ocupação do Iraque, em 2003. A doutrina Bush estabelece também o compromisso do governo
norte-americano, em auxiliar os países, nos quais os governos incentivarem a liberdade econômica,
52 MALALOUF, Amin. As cruzadas Vistas pelos Árabes. São Paulo: Brasiliense, 1998. Pg. 68. 53 FRANCO JR, Hilário. As Cruzadas. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984. Pg. 37.
23
numa indicação clara de que os países devem adotar uma abertura de mercado. Assim, além de
consolidar o EUA como a superpotência global, o preceito procura defender seus interesses
econômicos, muitos desses consubstanciados no fornecimento de petróleo, matéria-prima e fontes
energéticas. Desse modo, a presença estadunidense no oriente médio pode ser interpretada pelos
seguintes pilares: região rica em combustíveis fósseis; região com posição estratégica, ligando Europa,
Ásia e África; e região em que a cultura dominante é veemente contraria à pregada pelo ocidente.
Uma amostra do paralelismo entre a guerra contra o terror e as cruzadas é que em 16
de setembro de 2001, cinco dias depois dos ataques contra as Torres Gêmeas, em Nova York, o
presidente dos EUA, George W. Bush anunciou a retaliação, avisando que “essa cruzada, a guerra
contra o terrorismo, vai demorar algum tempo”, discurso que será analisado ao longo do trabalho.
Breve síntese das invasões norte-americanas
Os Estados Unidos agem como uma superpotência absoluta, com sua superioridade
militar e o predomínio econômico, tecnológico e científico indiscutível são alguns dos elementos que
reforçam a hegemonia norte-americana sobre as demais nações. Com exemplo básico tem-se a
ofensiva militar contra o Iraque, junto com o Reino Unido, sem a provação da ONU, para derrubar o
governo de Saddam Hussein, bem como a reação norte-americana ao atentado terrorista de 11 de
setembro de 2001 invadindo o Afeganistão.
O biênio 2001/2002 foi marcado pelo discurso dos Estados Unidos de que os ataques
foram motivados pelo anseio de eliminar com o terrorismo instalado nos países acometidos,
principalmente Osama Bin Laden, líder do grupo islâmico Al Qaeda, acusado de ter planejado os
ataques terroristas de 11 de setembro.
O EUA, como já dito, derrubou o governo afegão, bem como o governo iraquiano,
sendo sua política alicerçada na doutrina da guerra preventiva. No entanto, não havia nenhuma
evidencia de uma ameaça de fato ou imediata, principalmente, no que tange à guerra contra o
Iraque. Não havia nenhuma prova de que o governo iraquiano estivesse ligado à Al Quaeda,
financiasse qualquer outro grupo terrorista ou possuísse armas de destruição em massa.
Além da ofensiva no Afeganistão, outras reações do governo norte-americano podem
24
ser elencadas, como a definição do “eixo do mal”, composto por Coreia do Norte, Irã e Iraque, países,
que em sua visão apoiam o terrorismo internacional. Outra questão é o estabelecimento da doutrina
Bush, bem como a aprovação de leis que restringem os direitos civis, como a permissão de grampear
telefones e prender estrangeiros suspeitos por tempo indeterminado.
Na realidade, muitos analistas indicam que o ataque terrorista de 11 de setembro
criou condições favoráveis e serviu de pretexto para que os Estados Unidos atuem no mundo de
acordo com seus próprios interesses econômicos, impondo sua presença e domínio a regiões
estratégicas do planeta, independentemente das decisões internacionais medidas pela ONU.
Por trás da guerra do Afeganistão, por exemplo, estava o interesse dos Estados Unidos
em ampliar sua presença na Ásia Central e no Oriente Médio, onde se localizavam também países que
pertenciam a URSS, como o Casaquistão e o Turcomestão, que abrigam grandes reservas de petróleo
e de gás natural. Além disso, para que esses recursos possam ser escoados para o mundo ocidental
são necessários gasodutos e oleodutos que devem passar pelo Afeganistão e pelo Paquistão.
Portanto, o interesse do EUA em manter governos pro ocidentais, nessas regiões asiáticas.
Por sua vez, no que tange à ocupação do Iraque outras questões são levantas: os
norte-americanos usaram seu poderio militar para favorecer empresas nacionais dos setores
petrolíferos e da construção civil e ampliaram sua influencia no Oriente Médio, que já ocorria com o
controle do Afeganistão.
Por fim, faz-se mister levantar algumas motes: após o atentado de 11 de setembro, o
governo dos EUA, utiliza o termo guerra preventiva, que permite que seja feita a guerra não em
resposta a um ataque, mas com o escopo de evitá-los, o que é um dos caracterizadores da chamada
Doutrina Bush. Assim, os atentados do World Trade Center convieram de pretexto para a Guerra do
Afeganistão e posteriormente do Iraque, preventivamente. Essas duas guerras são as principais
representantes da denominada Guerra ao Terror. Entretanto, não só elas, mas também a edição do
Patriot Act, que ataca liberdades e garantias individuais do norte americano em nome de um bem
maior, a saber, a segurança. Há, outrossim, de se ressaltar a morte de Saddam Hussein e, mais
recentemente, de Osama Bin Laden (um verdadeiro assassinato sem processo legal) como atos dessa
famigerada Guerra, podem estes atos ser comparados com um processo inquisitório, sem direito ao
contraditório, sem o devido processo legal, ou qualquer principio constitucional basilar de uma
sociedade humana minimamente organizada, civilizada, e que preza pelos direitos humanos.
25
Outra amostra importante da falta de um devido processo legal é a Prisão de
Guantánamo, oficialmente Campo de Detenção da Baía de Guantánamo, que é uma prisão militar
estadunidense, na ilha de Cuba. As condições dos presos mantidos foram motivo de indignação
internacional e alvo de duras críticas, tanto por parte de governos como de organizações
humanitárias internacionais. Desde janeiro de 2002, depois dos ataques terroristas de 11 de
setembro, foram aprisionados nesta base militar prisioneiros, muitos deles afegãos e
iraquianos acusados de ligação aos grupos Talibã e Al-Qaeda. Sendo que as criticas aversão sobre o
fato de que estes prisioneiros são vítimas de tortura, em desrespeito aos direitos humanos e
à convenção de Genebra, bem como por não haver qualquer processo para conhecimento dos fatos
praticados pelos prisioneiros, sem lhes oferecer qualquer forma de defesa, sem penas definidas, ou
algum principio processual penal. O entendimento da literatura coaduna com o dito, conforme se
observa nos seguintes trechos:
“a prisão de Guantánamo, Cuba, para ‘combatentes ilegais’, tem
condições não existentes nas convenções internacionais. Esses
prisioneiros não tomaram conhecimento formal de qualquer acusação
contra ele e nem pensar em presença de advogados” (..) “as libertações
não se deram por sentença judicial, mas pela conclusão de que o infeliz
‘não mais representava ameaça à segurança dos Estados Unidos. Se o
representou, algum dia, nunca ficou muito claro. E muito menos
comprovado’”. 54
“E destacando-se acima de tudo, como um pesadelo, está Guantánamo,
onde 600 ‘combatentes ilegais’ de quarenta e quatro países são
mantidos sem acusação, muitos dos quais entregues por caçadores
afegãos recompensados.” 55
Literatura acerca da Guerra ao Terror
Nesta seção, temos como objetivo colecionar alguns arrazoados sobre a Guerra ao
54 Carlos, Newton. Bush e a doutrina das guerras sem fim. Rio de Janeiro: Revan, 2ª edição, 2003.
Pag.63. 55 Soros, George. A era da insegurança: as consequências da guerra contra o terrorismo; tradução:
Lúcia Boldorini. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. Prefácio, pag.33.
26
Terror em prendida pelos Estados Unidos.
George Soros afirma em A Era da Insegurança – As consequências da guerra contra o
terrorismo:
“O processo deve começar pelo reconhecimento de que a guerra ao
terror é uma metáfora falsa. Hoje em dia, já se admite que a invasão do
Iraque foi um erro doloroso, mas a guerra ao terror continua a ser
considerada uma boa política, de modo geral” 56
Outro ponto levantado pelo autor é sobre a receptiva de críticas pelo governo
americano: “ao declarar guerra ao terror, Bush revogou o pensamento critico, que é a essência da
sociedade aberta. As criticas às políticas do presidente foram denunciadas como impatrióticas.” 57
A invasão ao Iraque foi apoiada sobre o argumento de que esse país teria armas de
destruição em massa. Entretanto, tal arsenal até hoje não foi encontrado, o que foi fato de inúmeras
críticas perante a opinião pública mundial. No livro Bush e doutrina das guerras sem fim, Newton
Carlos afirma: “A nova estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos declara que ‘temos de
estar preparados para imobilizar regimes malfeitores e seus clientes terroristas antes que eles
possam disparar armas de destruição em maciça’.” 58
O eixo do mal, nas Cruzadas, eram os árabes, considerados infiéis. Atualmente, são
os terroristas, frequentemente taxados como em sua totalidade como fundamentalistas
muçulmanos, como destaca Newton Carlos:
“Até que o eixo do mal de hoje se parece com o império do mal de
ontem, sobretudo em seus componentes teológicos fundamentalistas.
Mãos agarradas em Bíblias e a obsessão por orações (o presidente
costuma rezar com seu círculo íntimo) compõem traços comuns”.59
E finaliza:
56 Soros, George. et al., pag. 6. 57 Soros, George. et al., 2007., pag. 59.
58 Carlos, Newton. et al., 2003. Pag.13. 59 Carlos, Newton et al., 2003., pag. 34.
27
“Embora o Iraque de Saddam Hussein tenha sido indiciado como cabeça
de um eixo do mal, o motivo maior da guerra não foi ideológico. Foi
econômico e seu primeiro nome, todos sabem, é petróleo. (...) O fato é
que a seara de Bush não é a mesma de Carter. A de Bush foi à Guerra
como um exército de cruzados do bem contra o mal e a disposição de
abater o islamismo” 60
Os pontos de contato entre Cruzadas e Guerra ao Terror são inúmeros. Muito se fala
sobre o fundamentalismo cristão do governo Bush e do Partido Republicano. George Soros considera
que o Partido Republicano é controlado por conservadores e extremistas religiosos. Assim como nas
Cruzadas, o argumento da guerra contra o Mal, com argumentos religiosos, foi utilizado na atual
guerra empreendida pelos EUA. Carol Brightman, em Insegurança Total – O mito da onipotência
americana diz:
“O inflado leviatã americano, enfurecendo-se com seu armamento mal adequado a
uma guerra assimétrica, mas ainda munido de autoridade diplomática, dá ao Estado militar de Israel
o poder de ser seu ‘número dois’ na cruzada contra os árabes.” 61
Teoria da Guerra Justa
O fenômeno das Cruzadas está densamente ligado à doutrina da Guerra Justa. A
teoria foi formulada por uma Igreja ambivalente em relação à guerra e o uso da força que afirmava
que a violência em si é um mal, mas que a passividade diante dela poderia ser um mal maior.62
A Teoria da Guerra Justa tem suas origens no pensamento de Cícero, Santo Agostinho,
São Tomás de Aquino e Hugo Grotius. Para Santo Agostinho, a guerra é uma extensão do ato de
governar, sem que com isto todas as guerras se justifiquem moralmente.
Nos ensinamentos da Guerra Justa, afirmava-se que deveria haver critérios para saber
60 Carlos, Newton et al., 2003., pag. 34.
61 Brightman, Carol. Insegurança total: o mito da onipotência americana; tradução Bruno Casotti. Rio de Janeiro: Record, 2006. Pag 30. 62 MUNIZ, Mônica. “A Nova Cruzada Contra O Islam.” Disponível em:
<http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=363>. Acesso em: 7 de junho de 2012.
28
quando era permissível travar uma guerra. Para Agostinho de Hipona o primeiro critério é
a Autoridade Adequada. Ele assim caracterizava: "A ordem natural, que é dirigida para a paz das
coisas morais, requer que a autoridade e a deliberação para realizar uma guerra estejam sob o
controle de um líder". O segundo critério necessário para Agostinho era a Causa Adequada, ou seja,
são as razões para ir para a guerra. Estas razões são tão importantes quanto à autoridade que ordena
ir para a guerra. Ele especificamente retira as justificativas para ir para a guerra que envolva: o desejo
de causar dano, a crueldade da vingança, uma mente implacável e insaciável, a selvageria da revolta e
o orgulho da dominação. Agostinho via a guerra como uma trágica necessidade do relacionamento
entre os povos, contudo fazia a seguinte admoestação: "deixe que a necessidade mate o seu inimigo
de guerra, não o seu desejo". Por fim, deve os combatentes devem ter as Intenções Corretas, isto é, o
estabelecimento da paz e da Justiça. 63
Deste modo, houve um ajustamento da doutrina na Guerra Santa, na qual foram
preenchidos todos os critérios necessários para a necessidade de uma guerra onde a violência que
era moralmente neutra e que aqueles que a usassem para o progresso do Reino de Cristo, poderiam
transformá-la num bem positivo, onde os cristãos que se engajassem nela não precisavam temer o
fogo eterno.
Este ajustamento da doutrina da Guerra Justa ficou conhecido como Guerra Santa,
termo cunhado por cristãos e não por muçulmanos como estamos habituados a ouvir. Guerra Santa
promovida pela Igreja contra os infiéis, os muçulmanos, os sarracenos que ocupavam a terra sagrada,
a qual deveria estar preparada para a segunda vinda do Cristo.
Por outro lado, se observarmos bem, a Cruzada contra o Terror, empreendida pela
ampla coalizão liderada pelos Estados Unidos, preenche todos os requisitos da Guerra Santa, ou seja,
Causa Justa, o combate ao terror, Autoridade Devida, o presidente americano, e Intenções Corretas,
todos estão bem intencionados. Por certo que os novos cruzados não precisarão temer o fogo eterno,
mesmo que os eventuais e inevitáveis "danos colaterais" refiram-se à morte de milhares de civis
inocentes, os novos infiéis.64
63 GOLDIM, José Roberto. “Teoria da Guerra Justa”. Disponível em:
<[http://www.ufrgs.br/bioetica/guerra.htm]>. Acesso em: 12 de maio de 2012. 64 MUNIZ, Mônica. “A Nova Cruzada Contra O Islam.” Disponível em:
<http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=363>. Acesso em: 7 de junho de 2012.
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A Teoria da Guerra Justa busca identificar as condições e ações que justifiquem o uso
da guerra, tornando-a aceitável, mas o que se percebe é que em ambas as guerras nenhuma pode
realmente receber o título de Justa, como se atesta nas palavras de Thomas Morus, no século XVI, no
seu livro Utopia ele permitia a guerra apenas com finalidade defensiva e acrescentou “na realidade
nenhuma guerra que se conheça na história, no presente ou no futuro que se possa prever foi
justa".65
Semelhança nos discursos iniciais
Em 18 de novembro de 1095, ocorreu em Clermont, no sul da França, o Concílio mais
importante de sua geração. No qual, o destaque foi o Papa Urbano II, uma vez que este tinha uma
mensagem especial a transmitir no ultimo dia do concílio, o enceto das Cruzadas, por causa desse
anúncio milhares, senhores seculares relevantes e até mesmo as pessoas mais humildes foram
alentados a viajar até a cidade de Clermont.66
O discurso do Papa Urbano foi preservado na íntegra em quatro versões de
personagem que dizem ter presenciado o comunicado, sendo elas as versões de Fulcher de
Chartres67, Roberto o Monge, Balderic de Dol e Guibert de Nogent, cada versão apresentando
pequenas diferenças, mas trazendo consigo a mesma ideia.
Assim, no dia 27 de novembro, o papa transmitiu sua mensagem à multidão, “chegou
a hora de ajudar os irmãos cristãos no Oriente, cujo sofrimento nas mãos dos sarracenos cresce com
o passar dos dias”. Seu apelo era para que fosse iniciada uma marcha de reconquista sobre as terras
sagradas em poder dos muçulmanos pelos cristãos. Nessa guerra santa, haveria liberdade e perdão
65 GOLDIM, José Roberto. “Teoria da Guerra Justa”. Disponível em:
<[http://www.ufrgs.br/bioetica/guerra.htm]>. Acesso em: 12 de maio de 2012.
66 KOSTICK, Conor. “1099 Primeira Cruzada e a Dramática Conquista de Jerusalém, A.” 2010. Edição 1. P.15. 67 É aúnica versão que mostra as citações, o que proporciona credibilidade (cientificidade) ao
discurso e ainda é a versão que mais utiliza os performativos como: exortar, demandar e ordenar. Neste sentido, MATTOS, Barbara Abib Neves Mattos. O Discurso Religioso Como Prerrogativa Para a Violência Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina. Tubarão, Santa Catarina, 2005. p.68. Disponível
em:<http://busca.unisul.br/pdf/77919_Barbara.pdf>. Acesso em 05 de junho de 2012.
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para o cometimento de atos violentos, sendo garantida a indulgência para quem assim agisse,
assegurando para estes o paraíso, livre de pecados.68
Portanto, havia chegado a hora de ir à luta, pois a violência em si é um mal, mas que
a passividade diante dela poderia ser um mal maior. A multidão presente ficou entusiasmada e aos
gritos, o sentimento de que fariam marcha para o Oriente, sob a vontade de Deus, empolgou a todos.
O papa havia lhes proporcionado um sonho. A terra jorrava leite e mel
haveria de ser deles. Os cavaleiros podiam obter a salvação e a graça de
Deus sem precisar abandonar o cavalo e a lança. Tratava-se de uma
missão divina, uma peregrinação, uma guerra tudo combinado em um
movimento onde se viria o Povo de Deus marchando como se fossem os
filhos de Israel sendo libertados do Egito.69
Na sua fala, Urbano II destacou o perigo em que o imperador dos gregos
(Alexis/Aleixo Comneno) se encontrava devido ao expansionismo muçulmano, alertando que para o
mundo cristão deveria se defender para não sucumbir à conquista islâmica. Dessa forma, se
consubstancia a conotação política acentuada, quando o Papa incentiva à expansão do território a fim
de impedir o crescimento das outras religiões.
Também fica claro em todas as versões, a presença de um sentimento de eliminar
aqueles que destoassem do ponto de vista da fé, ou seja, os não-crentes em Cristo.70
Nesse sermão, Urbano II usou a alegação de que os turcos maculavam os lugares
santos cristãos além de perturbar os peregrinos como justificativa para motivar a população a se
alistar em tal jornada.
Deste modo, após o discurso do Papa Urbano II começou uma longa campanha, em
68 KOSTICK, Conor. “1099 Primeira Cruzada e a Dramática Conquista de Jerusalém, A.” 2010. Edição
1. P.15. 69 KOSTICK, Conor. “1099 Primeira Cruzada e a Dramática Conquista de Jerusalém, A.” 2010. Edição
1. P. 16 70 MATTOS, Barbara Abib Neves Mattos. O Discurso Religioso Como Prerrogativa Para a Violência.
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina. Tubarão, Santa Catarina, 2005. p.68. Disponível
em:<http://busca.unisul.br/pdf/77919_Barbara.pdf>. Acesso em 05 de junho de 2012.
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nome de Deus contra os pecadores. Período em que cristãos e muçulmanos vivenciaram uma
verdadeira matança.
Acontece que, em pleno século XXI, vem a público mais um discurso que sustenta a
guerra contra o mal.
Após os atentados de 11 de setembro de 2001, em que, ataques sacodem os Estados
Unidos e deixam o planeta em estado de alerta. Aviões de carreira são sequestrados e lançados
contra o Wolrd Trade Center, em Nova York, e o Pentágono, em Washington. Com uma ousadia nunca
vista, os ditos terroristas atingiram dois símbolos máximos daquele país: o As Torres Gêmeas, símbolo
do poder econômico, e o pentágono, símbolo do poder militar. Um terceiro avião, também
sequestrado, caiu na Pensilvânia. Imagina-se que atingiria o Capitólio ou mesmo a Casa Branca, os
símbolos do poder político do país. Horas após o ataque, o presidente norte-americano, em cadeia de
rádio e televisão, dirigia-se à nação. Em um discurso contundente, afirmava que o país entraria em
guerra contra o terrorismo.71
Bush lembrou palavras, imagens e histórias que foram utilizadas na construção da
nação norte-americana desde o século XIX. O presidente evocou a identidade norte-americana, o
nacionalismo e o patriotismo, lembrou a missão e o destino norte-americano no mundo.72
O discurso de George W. Bush, ex-presidente dos EUA, guarda certas afinidades com
o discurso proferido pelo Papa Urbano II. Os dois foram grandes autoridades em suas épocas, e
buscaram por meio de uma guerra justa livrar-se do eixo do mal, que nas Cruzadas, eram os árabes,
considerados infiéis e, atualmente, são os terroristas, que na totalidade são taxados como
fundamentalistas muçulmanos.
Outra singularidade que pode ser apontada nos discurso está na forma em que
utilizaram para narrar às atitudes dos inimigos, bem como são vistos os inimigos, antes sarracenos,
ora terroristas. O Papa Urbano alegou como já foi dito que os turcos maculavam os lugares santos
cristãos, além de perturbar os peregrinos, nas suas palavras “chegou a hora de ajudar os irmãos
cristãos no Oriente, cujo sofrimento nas mãos dos sarracenos cresce com o passar dos dias”.
71 Discurso disponível na integra em: http://www.bresserpereira.org.br/Terceiros/TerrorWTC/Bush-Set21-
Discurso.PDF. Acesso em 05 de junho de 2012. 72 JUNQUEIRA, Mary A. Os discursos de George W. Bush e o excepcionalismo norte-americano. São
Paulo, 2003. P. 1 Disponível em:<http://www.pucsp.br/margem/pdf/m17mj.pdf>. Acesso em 05 de junho de 2012.
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Igualmente, o ex-presidente dos EUA disse que ”a diretiva dos terroristas os leva a matar cristãos e
judeus, a matar americanos e a não separar os militares dos civis, incluindo mulheres e crianças”,
ficando claro o mesmo sentimento revestido em outras palavras, e ele continua, “o povo do
Afeganistão tem sido brutalizado, muitos estão morrendo de fome, e muito outros fugiram. As
mulheres não podem freqüentar escolas. Você pode ser preso por possuir um aparelho de TV. A
religião só pode ser praticada conforme ditada por seus líderes. Um homem pode se preso, no
Afeganistão, se sua barba não for longa o suficiente.” Percebe-se, portanto, que a ideia de um caráter
do mal genérico permanece, e é um dever dos ocidentais, desta vez representados pelos americanos,
livrar o mundo desse mal, como outrora foi dever dos cristãos.
Papa Urbano II, continuando com as comparações, demonstra em seu discurso, a
presença de um sentimento de eliminar aqueles que destoassem do ponto de vista da fé, ou seja, os
não-crentes em Cristo. Deste modo, percebemos também a presença de sentimento no discurso da
atualidade.
Nós vamos cortar o financiamento dos terroristas, jogar um contra o
outro, fazê-los correr de um lugar para o outro até que não haja mais
refúgio ou descanso. E nós vamos perseguir nações que ofereçam ajuda
ou abrigo seguro para o terrorismo. Cada nação, em cada religião, tem
de tomar uma decisão agora. Ou estão conosco ou estão com os
terroristas. Desse dia em diante, qualquer nação que continue a proteger
ou sustentar terrorismo vai ser considerada pelos Estados Unidos como
um regime hostil.73
No fragmento, podemos visualizar claramente que George W. Bush considera inimigo
qualquer um que destoar do ponto de vista americano, ou seja, ele divide entre os que estão com os
americanos e os que estão com terrorista.
Insta destacar, ainda, a facilidade com que o Ocidente consegue arregimentar
exércitos quando o oponente é do Oriente. Avançam sobre o inimigo como um bloco único,
homogêneo. Divergências sérias são relevadas e, pelo menos por alguns instantes, há paz entre
nações do Ocidente. O ideal de união, de unidade, parece surtir efeito apenas em meio ao declarado
conflito contra o Oriente. Tal facilidade fica clara no proferido por Bush sobre o início do ataque ao
73 Discurso disponível na integra em: http://www.bresserpereira.org.br/Terceiros/TerrorWTC/Bush-Set21-
Discurso.PDF. Acesso em 05 de junho de 2012.
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Iraque:
Mais de 35 países estão dando uma colaboração fundamental, do uso de
suas bases navais e aéreas à ajuda em questões de inteligência e
logística, e à convocação de unidades de combate. Cada país nessa
coalizão escolheu assumir sua tarefa e dividir a honra de servir em nossa
defesa comum.
A todos os homens e mulheres das forças armadas dos Estados Unidos
que estão agora no Oriente Médio, a paz de um mundo tumultuado e a
esperança de um povo oprimido agora depende de vocês.74
Por fim, cabe ainda afirmar, como semelhança entre os discursos, a religiosidade
marcante em ambos. O discurso de Papa Urbano é claramente um discurso religioso, toda sua
essência se dá no cristianismo, o Papa falou em uma missão de Deus, suas palavras levava a incitar de
forma explícita a utilização de violência, o que é pior, em nome de Deus, na representação do Papa
Urbano II e da Igreja Católica Apostólica Romana no Concílio de Clermont, na França, em 1095.75 Do
outro lado, de forma mais contida, mas presente, o nome de Deus também é utilizado nos discursos
do ex-presidente americano, frase como “O curso desse conflito é desconhecido, mas seu final é
certo. Liberdade e medo, justiça e crueldade, sempre estiveram em guerra, e sabemos que Deus não
é neutro entre eles.” e também “Que Deus abençoe nosso país e todos que o defendem”
demonstram a religião presente.
Portanto, é possível perceber algumas semelhanças nos discursos do George Bush e
de Papa Urbano II, ou seja, cada discurso teve seu lugar na sua época, cada discurso teve guerras
diferentes posteriormente, mas guardam algumas semelhanças que alimenta a ideia de uma nova
Cruzada contra os muçulmanos
74 Discurso disponível na integra em:http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u53194.shtml.
Acesso em 05 de junho de 2012. 75 MATTOS, Barbara Abib Neves Mattos. O Discurso Religioso Como Prerrogativa Para a Violência.
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina. Tubarão, Santa Catarina, 2005. P.69. Disponível
em:<http://busca.unisul.br/pdf/77919_Barbara.pdf>. Acesso em 05 de junho de 2012.
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A jurisprudência brasileira com o cotejo de discursos religiosos
Este trabalho, ao tratar do tema “Cruzadas - no passado e no presente”, pretende
discutir pontos que vão além das guerras travadas entre ocidente-cristão e oriente-muçulmano. Deve
ser levado em conta o papel que a utilização do discurso religioso desempenhou – e continua
desempenhando – neste embate, servindo para legitimar atos de barbárie e para alimentar e
retroalimentar um ideário de intolerância, ao forjar a figura do “outro”, o “diferente”, aquele que é “a
causa dos nossos males e que deve ser combatido”. É importante ter em mente que a religião, antes
de ser a causa, é o meio pelo qual se chega a este discurso de ódio. Não há que se pensar na violência
e na intolerância como discursos intrínsecos às religiões. No entanto, face às lições da história,
constata-se que os praticantes daquela religião, e, sobretudo, os fanáticos religiosos, são os primeiros
a serem persuadidos por quem utiliza da religião para atingir objetivos que, muitas vezes, prejudicam
seus próprios seguidores.
Ainda é preciso considerar outro ponto no que toca ao papel da utilização da religião
na disseminação da intolerância. Toda religião funda-se em dogmas, verdades absolutas – e, logo,
inquestionáveis – que devem apenas ser cridas. Não há nada de errado ou censurável nesse fato. A
todos é assegurado o direito de professar a fé que desejar. Ser adepto a certa religião é, sobretudo,
uma orientação pessoal. Assim, poder-se-ia pensar: a religião enquanto mera orientação pessoal em
nada contribui para práticas de intolerância, em nada serve à violação de direitos alheios. Porém,
toda orientação direciona para certo fim. Até onde a religião deve orientar a ação dos indivíduos?
Como estabelecer o limite entre o que é – e o que não é – aceitável ser direcionado por dogmas
religiosos?
Nos últimos anos, a sociedade brasileira tem presenciado discussões de extrema
importância, onde o pensamento religioso foi voz ativa, dando, em alguns casos, a palavra final, até o
presente momento. São exemplos as discussões relativas à pesquisa com células-tronco, à liberação
do aborto, ao casamento entre homossexuais, ao combate à homofobia, etc. Uma orientação
religiosa é ainda mais perigosa quando adotada por aqueles que, a princípio, por ela não deveriam
ser influenciados. Quando o Estado, personificado em seus servidores, adota uma postura
fundamentada em preceitos religiosos, as conseqüências podem culminar no desrespeito a direitos
notadamente reconhecidos. Isto porque, como já dito anteriormente, as religiões são fundadas em
dogmas, e, diferentemente dos dogmas, que são estáveis, a sociedade é dinâmica, muda a todo
tempo. Cabe ao Estado proteger os direitos das minorias, logo, este deve dar conta de acompanhar
esta dinamicidade da sociedade, e, obviamente, um discurso imutável não é ideal para este fim.
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Seguem abaixo trechos de decisões e de posicionamentos de magistrados que
tiveram clara orientação religiosa. O primeiro trecho é de uma decisão do juiz Edilson Rumbelsperger
Rodrigues, titular da 1ª Vara Criminal e da Infância e Juventude da comarca de Sete Lagoas. Na
decisão, ele não provê demanda fundada na Lei Maria da Penha, sob a justificativa de considerá-la
inconstitucional. Após reiteradas decisões semelhantes a esta, o caso chegou ao Conselho Nacional
de Justiça, que decidiu por punir o juiz, colocando-o em disponibilidade por dois anos. O juiz já foi
reintegrado ao serviço público e atualmente exerce função. O segundo trecho é de declaração do
ministro Cezar Peluso, do STF, concedida em uma entrevista ao site Consultor Jurídico. Peluso teve
um mandado indiscutivelmente polêmico, mas, ao mesmo tempo, responsável por decisões muito
significativas para a sociedade. Independentemente do julgamento da competência e imparcialidade
do ministro em suas decisões, o trecho transcrito pretende demonstrar como é quase inafastável a
interação entre posicionamento pessoal e posicionamento enquanto magistrado. Na entrevista, o
ministro defende a manutenção do crucifixo na parede do plenário do STF. Na declaração, ele não usa
de fundamentos religiosos, mas seu posicionamento sobre a questão já deixa ver sua inclinação para
o discurso religioso, haja visto o caráter das decisões que teve em relação a certos temas polêmicos.
Trecho 1:
DECISÃO do Juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues - 1ª Vara Criminal e da Infância e
Juventude de Sete Lagoas - TJMG
Autos nº 222.942-8/06 (“Lei Maria da Penha”)
O tema objeto destes autos é a Lei nº 11.340/06, conhecida como “Lei Maria da
Penha”. Assim, de plano surge-nos a seguinte indagação: devemos fazer um julgamento apenas
jurídico ou podemos nos valer também de um julgamento histórico, filosófico e até mesmo religioso
para se saber se esse texto tem ou não autoridade?No caso dos anencéfalos, lembro-me que Dr.
Cláudio Fonteles — então Procurador-Geral da Republica — insistia todo o tempo em deixar claro que
sua apreciação sobre o tema (constitucionalidade ou não do aborto dos anencéfalos) baseava-se em
dados e em reflexões jurídicas, para, quem sabe, não ser “acusado” de estar fazendo um julgamento
ético, moral, e, portanto de significativo peso subjetivo.
Ora! Costumamos dizer que assim como o atletismo é o esporte-base, a filosofia é a
ciência-base, de forma que temos de nos valer dela, sempre. Mas querem uma base jurídica inicial?
Tome-la então! O preâmbulo de nossa Lei Maior:“ Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos
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em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento,
a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundadas na harmonia social e comprometida na ordem interna e internacional, com
solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da
Republica Federativa do Brasil.” — grifamos.
Diante destes iniciais argumentos, penso também oportuno — e como se vê
juridicamente lícito — nos valer também de um julgamento histórico, filosófico e até mesmo religioso
para se saber se esse texto, afinal, tem ou não autoridade. Permitam-me, assim, tecer algumas
considerações nesse sentido.
Se, segundo a própria Constituição Federal, é Deus que nos rege — e graças a Deus
por isto — Jesus está então no centro destes pilares, posto que, pelo mínimo, nove entre dez
brasileiros o têm como Filho Daquele que nos rege. Se isto é verdade, o Evangelho Dele também o é.
E se Seu Evangelho — que por via de consequência também nos rege — está inserido num Livro que
lhe ratifica a autoridade, todo esse Livro é, no mínimo, digno de credibilidade — filosófica, religiosa,
ética e hoje inclusive histórica.
Esta “Lei Maria da Penha” — como posta ou editada — é, portanto de uma heresia
manifesta. Herética porque é antiética; herética porque fere a lógica de Deus; herética porque é
inconstitucional e por tudo isso flagrantemente injusta.
Ora! A desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher — todos nós
sabemos — mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem.
Deus então, irado, vaticinou, para ambos. E para a mulher, disse:“(...) o teu desejo
será para o teu marido e ele te dominará (...)” Já estalei diz que aos homens não é dado o direito de
“controlar as ações (e) comportamentos (...)” de sua mulher (art. 7º, inciso II).
Ora! Que o “dominar” não seja um “você deixa?”, mas ao menos um “o que você
acha?”. Isto porque o que parece ser não é o que efetivamente é não parecia ser. Por causa da
maldade do “bicho” Homem, a Verdade foi então por ele interpretada segundo as suas maldades e
sobreveio o caos, culminando — na relação entre homem e mulher, que domina o mundo — nesta
preconceituosa lei.
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Mas à parte dela, e como inclusive já ressaltado, o direito natural, e próprio em cada
um destes seres, nos conduz à conclusão bem diversa. Por isso — e na esteira destes raciocínios —
dou-me o direito de ir mais longe, e em definitivo! O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus
é masculina! Jesus foi Homem! Á própria Maria — inobstante a sua santidade, o respeito ao seu
sofrimento (que inclusive a credenciou como “advogada” nossa diante do Tribunal Divino) — Jesus
ainda assim a advertiu, para que também as coisas fossem postas cada uma em seu devido lugar:
“que tenho contigo, mulher!?”.
E certamente por isto a mulher guarda em seus arquétipos inconscientes sua
disposição com o homem tolo e emocionalmente frágil, porque foi muito também por isso que tudo
isso começou. A mulher moderna — dita independente, que nem de pai para seus filhos precisa mais,
a não ser dos espermatozoides — assim só o é porque se frustrou como mulher, como ser feminino.
Tanto isto é verdade — respeitosamente — que aquela que encontrar o homem de sua vida, aquele
que a complete por inteiro, que a satisfaça como ser e principalmente como ser sensual, esta mulher
tenderá a abrir mão de tudo (ou de muito), no sentido dessa “igualdade” que hipocritamente e
demagogicamente se está a lhe conferir. Isto porque a mulher quer ser amada.
Só isso. Nada mais.
Só que “só isso” não é nada fácil para as exigências masculinas. Por isso que as
fragilidades do homem tem de ser reguladas, assistidas e normatizadas, também. Sob pena de se
configurar um desequilíbrio que, além de inconstitucional, o mais grave, gerará desarmonia, que é
tudo o que afinal o Estado não quer.Ora! Para não se ver eventualmente envolvido nas armadilhas
desta lei absurda o homem terá de se manter tolo, mole — no sentido de se ver na contingência de
ter de ceder facilmente às pressões — dependente, longe, portanto de ser um homem de verdade,
másculo (contudo gentil), como certamente toda mulher quer que seja o homem que escolheu amar.
Mas poder-se-ia dizer que um homem assim não será alvo desta lei. Mas o será assim
e o é sim. Porque ao homem desta lei não será dado o direito de errar. Para isto, basta uma simples
leitura do art. 7ª, e a verificação virá sem dificuldade.
Portanto, é preciso que se restabeleça a verdade. A verdade histórica inclusive e as
lições que ele nos deixou e nos deixa. Numa palavra, o equilíbrio enfim, Isto porque se a reação
feminina ao cruel domínio masculino restou compreensível, um erro não deverá justificar o outro, e
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sim nos conduzir ao equilíbrio. Mas o que está se vendo é o homem — em sua secular tolice —
deixando-se levar, autoflagelando-se em seu mórbido e tolo sentimento de culpa. Enfim! Todas estas
razões históricas, filosóficas e psicossociais, ai invés de nos conduzir ao equilíbrio, ao contrário vêm
para culminar nesta lei absurda, que a confusão, certamente está rindo à toa!
Porque a vingar este conjunto normativo de regras diabólicas, a família estará em
perigo, como inclusive já está: desfacelada, os filhos sem regras — porque sem pais; o homem
subjugado; sem preconceito, como vimos, não significa sem ética — a adoção por homossexuais e o
“casamento” deles, como mais um exemplo. Tudo em nome de uma igualdade cujo conceito tem sido
prostituído em nome de uma “sociedade igualitária”.
Não!
O mundo é e deve continuar sendo masculino, ou de prevalência masculina, afinal.
Pois se os direitos são iguais — porque são — cada um, contudo, em seu ser, pois as
funções são, naturalmente diferentes. Se prostitui a essência, os frutos também serão. Se o ser for
conspurcado, suas funções também o serão. E instalar-se-á o caos.
É portanto por tudo isso que de nossa parte concluímos que do ponto de vista ético,
moral, filosófico, religioso e até histórico a chamada “Lei Maria da Penha” é um monstrengo tinhoso.
E essas digressões, não as faço à toa — este texto normativo que nos obrigou inexoravelmente a
tanto. Mas quanto aos seus aspectos jurídico-constitucionais, o “estrago” não é menos flagrante.
Contrapondo-se a “Lei Maria da Penha” com o parágrafo 8° do art. 226 da C.F. vê-se o quanto ela é
terrivelmente demagógica e fere de morte o princípio da isonomia em suas mais elementares
apreciações.“O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram,
criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” — grifos nossos. Este é o que
é o art. 226, parágrafo 8°, da Constituição federal de nossa República! A “Lei Maria da Penha” está
longe de constitucionalmente regulamentá-lo, ao contrário do que diz, logo no seu art. 1°: “(...) nos
termos do parágrafo 8° do art. 226 da Constituição federal (...)”.
Ora! A clareza desta inconstitucionalidade dispensa inclusive maiores digressões: o
parágrafo 8° diz — “(...) cada um” dos membros que a integram e não apenas um dos membros da
família, no caso a mulher.
Esta Lei não seria em nada inconstitucional não fosse o caráter discriminatório que se vê na grande
39
maioria de seus artigos, especialmente o art. 7°, o qual constitui o cerne, o arcabouço filosófico-
normativo desta “Lei Maria da Penha”, na medida em que define ele o que vem a ser, afinal,
“violência doméstica e familiar”, no âmbito da qual contempla apenas a mulher.
Este foi o erro irremediável desta Lei, posto que continuou tudo — ou quase tudo —
até os salutares artigos ou disposições que disciplinam as políticas públicas que buscam prevenir ou
remediar a violência — in casu a violência doméstica e familiar — na medida em que o Poder Público
— por falta de orientação legislativa — não tem condições de se estruturar para prestar assistência
também ao homem, acaso, em suas relações domésticas e familiares, se sentir vítima das mesmas ou
semelhantes violências. Via de consequência, os efeitos imediatos do art. 7° — e que estão elencados
especialmente no art. 22 — tornaram-se impossíveis de ser aplicados, diante do caráter
discriminatório de toda a Lei.
A inconstitucionalidade dela, portanto, é estrutural e de todas as
inconstitucionalidades, a mais grave, pois fere princípios de sobrevivência social harmônica, e
exatamente por isso preambularmente definidos na Constituição Federal, constituindo assim o centro
nevrálgico de todas as suas supremas disposições.
A Lei em exame, portanto, é discriminatória. E não só literalmente como,
especialmente, em toda a sua espinha dorsal normativa. O art. 2° diz “Toda mulher (...)”. Por que não
o homem também, ali, naquelas disposições? O art. 3° diz “Serão assegurados às mulheres (...)”.
Porque não ao homem também? O parágrafo 1° do mesmo art. 3° diz “O poder público desenvolverá
políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e
familiares (...)” (grifei). Mas porque não dos homens também? O art. 5° diz que “configura violência
doméstica e familiar contra a mulher (...)”. Outro absurdo: de tais violências não é ou não pode ser
vítima também o homem? O próprio e malsinado art. 7° — que define as formas de violência
doméstica e familiar contra a mulher — delas não pode ser vítima também o homem? O art. 6° diz
que “A violência familiar e doméstica contra a mulher constitui uma das formas de violação dos
direitos humanos”
Que absurdo!
A violência contra o homem não é forma também de violação de seus “direitos
humanos”, se afinal constatada efetivamente a violência, e ainda que definida segundo as
peculiaridades masculinas?
40
Neste ponto, penso oportuno consignar o pensamento de uma mulher — a Dra.
Elisabeth Rosa Baich (titular do 4° Juizado Especial de BH, por quem se vê que nem tudo está
perdido) — que em artigo recentemente publicado vem ratificar esta nossa linha de raciocínio. Disse
então a eminente juíza: “A prática forense demonstra que muito embora a mulher seja a vítima em
potencial da violência física, o homem pode ser alvo de incontestáveis ataques de cunho psicológico,
emocional e patrimonial no recesso do lar, situações que se condicionam, por óbvio, ao local
geográfico, grau de escolaridade, nível social e financeiro que, evidentemente, não são iguais para
todos os brasileiros.
A lei, no entanto, ignora toda essa rica gama de nuances e seleciona que só a mulher
pode ser vítima de violência física, psicológica e patrimonial nas relações domésticas e familiares.
Além disso, pelas diretrizes da lei, a título de ilustração, a partir de agora o pai que bater em uma
filha, e for denunciado, não terá direito a nenhum beneficio; se bater em um filho, entretanto,
poderá fazer transação”;
Enfim! O legislador brasileiro, como de hábito tão próspero, não foi feliz desta vez!
E quando a questão que se passa a examinar é a da competência, aí o estrago é
maior, embora, ao menos eu, me veja forçado a admitir que não há inconstitucionalidade na norma
do caput do art. 33 da Lei nº 11.340/06 quando diz que “enquanto não estruturados os Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão competência cível e
criminal para conhecer e julgar as causas (...)”.
Contudo, volto a me valer da visão inteligente da Dra. Elisabeth Rosa Baich, pela qual
se verifica que as disposições da “Lei Maria da Penha”, no que se refere ao tema da competência e do
julgamento prático dos processos que lhe constituam o objeto, deixara o operador do direito em
situação de quase instransponível perplexidade.
Trecho 2:
Entrevista do ministro Antônio Cesar Peluso ao site Consultor Jurídico, em 17 de abril
de 2012.
O ministro Antonio Cezar Peluso, 70, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal),
41
defendeu a presença do crucifixo no espaço público porque, para ele, esse símbolo é uma expressão
da formação da cultura brasileira, e não de uma religião.
Em sua argumentação a favor da permanência do crucifixo no espaço público,
incluindo nos tribunais, Cezar Peluso disse que Pilatos, para não ter de tomar uma posição, promoveu
um julgamento democrático de Cristo, e “o povo foi usado como instrumento de uma ideologia para
oprimir um homem inocente”.
Nesse sentido, disse, o crucifixo é uma advertência aos juízes e à sociedade sobre as
consequências de um julgamento injusto.
Peluso é católico praticante vai com frequência à missa. Ele foi colocado no STF pelo
presidente Lula, por indicação do então ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça). É ligado à ala
progressista da Igreja Católica, mais especificamente ao grupo da teologia da libertação.
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