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A CRISE DA MOBILIDADE URBANA NO BRASIL: em foco a cidade de Fortaleza e o
Sistema Bicicletar
Ingryd Melyna Dantas da Silva1
Laura Maria Cunha2
Viviane de Araújo Menezes3
Andrezza Gomes Xavier4
Nathalia Martins de Souza5
RESUMO
Este artigo tem como escopo problematizar a crise urbana nas cidades brasileiras, particularizando a Mobilidade Urbana. Além disso, analisa o Sistema de Bicicletas compartilhada da cidade de Fortaleza, o BICICLETAR, que visa introduzir a bicicleta como modal de transporte público e saudável. Como metodologia, realizamos pesquisa bibliográfica pautada no diálogo com autores que discutem mobilidade, cidade, questão urbana e pesquisa documental com consultas as publicações dos Jornais O Povo, Diário do Nordeste e Tribuna do Ceará. Palavras Chaves: Crise Urbana; Mobilidade Urbana; Bicicletar.
ABSTRACT
This article has as scope to problematize the urban crisis in Brazilian cities, specially the Urban Mobility, In addition, it analyzes the Shared Bicycle System of the city of Fortaleza, the BICICLETAR, that aims to introduce the bicycle as a mode of public and healthy transportation. As methodology, we carried out a bibliographic research based on the dialogue with authors who discuss mobility, city, urban question and documentary research with consultations the publications of the O Povo, Diário do Nordeste and Tribuna do Ceará newspapers.
Keywords: Urban crisis; Urban mobility; Bicicletar;
1 Graduanda em Serviço Social. Universidade Estadual do Ceará – UECE. Email: ingmel.ss@hotmail.com 2 Doutora em Serviço Social. Universidade Estadual do Ceará – UECE. 3 Graduanda em Serviço Social. Universidade Estadual do Ceará – UECE. 4 Graduanda em Serviço Social. Universidade Estadual do Ceará – UECE. 5 Graduanda em Serviço Social. Universidade Estadual do Ceará – UECE.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo apresentou o debate acerca da crise urbana nas cidades brasileiras,
em particular a problemática da mobilidade urbana. Além disso, se propôs a analisar o Plano
de Ações Imediatas e Transporte e Trânsito (PAITT), o qual apresenta ações interventivas na
mobilidade urbana de Fortaleza por meio de medidas, dentre elas o SISTEMA BICICLETAR
que visa introduzir a bicicleta como modal não motorizado e saudável.
Como metodologia foram realizadas Pesquisas Bibliográficas pautadas no diálogo
com autores que discutem a temática, como França (2011), Levy (2012), Maricato (2015,
2013), dentre outros. Também foram realizadas pesquisas documentais nos Jornais Diário do
Nordeste, O Povo, Tribuna do Ceará e no Portal G1.
O artigo está dividido em duas sessões. Na primeira problematizamos a crise
urbana vivenciada nas cidades brasileiras, a qual é produto de uma disputa pelo Fundo
Público. Dentro desta problemática apontamos a mobilidade urbana como uma das
expressões da questão social, da questão urbana, ambiental e de saúde pública, uma vez
que impõe um modelo de mobilidade que prioriza o uso de automóvel em detrimento de
investimentos no transporte coletivo. Na segunda sessão analisamos o BICICLETAR, uma
das medidas adotadas pela Prefeitura de Fortaleza para intervir na problemática mobilidade
através do incentivo ao uso de modais não motorizados, como a bicicleta.
Portanto, historicamente o debate sobre o modelo de transporte urbano,
transporte público, coletivo e o direito a mobilidade urbana, fez parte da agenda política dos
diversos movimentos sociais em todo o país. De acordo com Maricato (2015), foram os novos
personagens que pautaram a questão urbana na agenda nacional no durante as Jornadas de
Junho de 2013. Destarte, a política de mobilidade vem se constituindo como um dos principais
determinantes do atual processo de acumulação capitalista, o que atesta a pertinência teórica
do seu estudo.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 A PROBLEMÁTICA DA MOBILIDADE URBANA: CRISE URBANA E DISPUTA PELO
FUNDO PÚBLICO
Problematizamos que no processo histórico as cidades são lócus de reprodução
da classe trabalhadora (valor de uso), porém essa reprodução se faz de modo coletivo, não
depende apenas dos salários, mas de políticas públicas, principalmente as urbanas:
habitação, transporte, saneamento, infraestrutura e equipamentos sociais. Todavia, ao
mesmo tempo, a cidade também é um grande negócio (valor de troca) para capitais que
possuem interesses específicos em sua produção e reprodução: destaque disso, para o
capital financeiro imobiliário, construção civil, construção pesada ou de infraestrutura
(Maricato, 2015).
Para nós, faz parte dessa explicação a piora nas condições de vida urbana, como foi visto aqui, causada, principalmente por: a) a disputa pelo fundo público que, em vez de se dirigir a reprodução da força de trabalho, se dirige a reprodução do capital; e b) ao esquecimento da Reforma Urbana, cuja centralidade é a função social da propriedade, prevista na Constituição Brasileira, no Estatuto da Cidade e em todos os Planos Diretores dos municípios brasileiros (MARICATO, 2015, p. 51).
Um dos determinantes que evidencia a questão urbana é a crise da Mobilidade
Urbana, um quadro de irracionalidade para a maioria da população, mas de efetiva
racionalidade para certos capitais, em específico os vinculados à Indústria Automobilística.
Na disputa pelo Fundo Público e por um modelo de cidade, estão em vantagem os
investimentos para a circulação de automóveis em detrimento do transporte coletivo, ou seja,
a reprodução do capital em prejuízo dos interesses da classe trabalhadora.
A partir da década de 1950 a Indústria Automobilística se tornou símbolo de
progresso no Brasil, sendo alvo de incentivos dos governos e setores privados. O apelo ao
uso do automóvel associado ao fetiche vinculado a essa mercadoria, relegou o transporte
coletivo a segundo plano, como de nível inferior (FRANÇA, 2011). Em 2008, a indústria
supracitada, em conjunto com o setor da construção civil, foram alvos de mais investimentos
por parte do governo federal. Essa simbiose garantiu reações positivas contra a crise, mas
conduziu as cidades para uma situação trágica após quase 30 anos de baixo investimento.
A condição de mobilidade nas cidades se apresenta como uma das principais
problemáticas da questão urbana, a qual é uma particularidade da questão social, que “[...] é
a expressão da distribuição desigual das atividades humanas na organização socioespacial
do processo de produção e reprodução do capital e é também forma de resistência e de luta
entre as classes sociais que compõem a estrutura social [...]” (CONSELHO FEDERAL DE
SERVIÇO SOCIAL, 2016, p. 11).
Ao se debruçar na discussão da mobilidade, Maricato (2015) afirma que “[...] uma
parte da vida é vivida nos transportes, seja ele um carro de luxo, ou, o que é mais comum e
atinge os moradores da periferia metropolitana, num ônibus ou trem lotado” (p. 42), pois “[...]
embora a piora de mobilidade seja geral – isto é, atinge a todos - é das camadas de renda
mais baixas que ela vai cobrar o maior preço em imobilidade” (MARICATO, 2013, p. 24). Os
que moram na periferia são os mais prejudicados, pois, ao estarem exilados em espaços
segregados, aumenta a distância entre residência e local de trabalho/lazer/serviços urbanos.
Para os que utilizam ônibus, há uma barreira a mais, que é física e discriminatória,
a tarifa, pois esta limita o acesso a urbe. Essa conjuntura nega o direito à cidade à parcela da
população, pois o acesso ao urbano está vinculado à oferta de meios de transporte e
infraestrutura urbana e a posse de meios materiais para garantir os deslocamentos. Segundo
a matéria publicada pelo Portal G1/São Paulo, em 24 de janeiro de 2011, o Sistema de
Indicadores de Percepção Social (SIPS) sobre Mobilidade Urbana aponta que os gastos com
transporte cresceu nos últimos anos e hoje é equivalente às despesas com alimentação. Em
2000, o gasto com transporte público equivalia a 18,7% das despesas do cidadão, em 2010
esse número subiu para 20,1%, enquanto a alimentação caiu de 21,1% para 20,2%. Contudo
é válido ponderar que a inexistência de meios financeiros limita o movimento das camadas
mais pobres, mas não o anula, pois estas desenvolvem formas de locomoção seja a pé ou de
bicicleta (LEVY, 2002).
Nas particularidades da cidade de Fortaleza, no contexto da problemática da
Mobilidade Urbana, nos dados da sétima edição do “TOM TOM Trafic Index 6 ” 2016,
divulgados pelo Jornal Diário do Nordeste, em 10 de março de 2017, a capital cearense é a
quarta cidade mais congestionada do Brasil e ocupa o sexto lugar no ranking da América
Latina. Ainda segundo a notícia, todos os dias as pessoas perdem 34 minutos em
engarrafamentos, totalizando 130 horas no trânsito por ano.
A frota de veículos em Fortaleza superou 1 milhão de veículos, a cidade apareceu
no topo do ranking nordestino e em sétimo no Brasil, segundo notícia divulgada no Jornal
Diário do Nordeste em quatro de janeiro de 20167. Segundo o Jornal Diário do Nordeste, em
notícia divulgada em cinco de fevereiro de 2016, ao aproximar-se das 18h, já se percebe a
diminuição da velocidade dos carros e motos. Segundo Maplink, empresa que há quatro anos
atua no mercado de geolocalização, em Fortaleza às 17h30min registra-se 114 km de vias
6 A sétima edição do “TOM TOM Trafic Index 2016 é um relatório anual com informações detalhadas sobre as cidades com maiores congestionamentos de trânsito no mundo.
7 O Jornal Diário do Nordeste aborda a visão do engenheiro de transportes e professor da Universidade Federal do Ceará, Mário de Azevedo, o qual ressalta que somente obras de infraestrutura e blitz não é a saída. O professor alerta que na capital cearense são 27 a cada 100 mil habitantes vítimas de óbitos causados por acidentes de trânsito, seja por excesso de velocidade, não uso do cinto de segurança ou do capacete, beber e dirigir e desrespeitar a travessia de pedestres e ciclistas.
congestionadas. Os carros não conseguem prosseguir mesmo diante de semáforos verdes e
acabam trafegando de forma desorganizada, criando oportunidades para coalizões.
De acordo com a administração municipal de Fortaleza, apesar das obras públicas
o tráfego de veículos permanece como um grande desafio. Uma das soluções seria
estabelecer como prioridade o transporte público e os modos não motorizados (a pé ou
bicicleta).
Para Amora e Guerra (2005), Mobilidade Urbana é um componente significativo
de inserção cotidiana no espaço urbano, qualificando-o e potencializando o fluxo de ideias e
de capital. Quando não existe uma política de mobilidade as pessoas se locomovem como
podem, buscando uma solução individual para uma questão que é estrutural nas cidades e
denunciada historicamente por diversos movimentos sociais que lutam pela Reforma Urbana.
Como um dos resultados da luta coletiva, foi promulgada a Lei 12.587/12, que
instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana, instrumento legal constituído por princípios
e diretrizes que são bases para a elaboração de normas municipais, que impreterivelmente
devem garantir o acesso universal a cidade, o desenvolvimento sustentável das urbes, a
equidade no acesso ao transporte público coletivo e a segurança nos deslocamentos8.
De acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana para um melhor
desenvolvimento das cidades o transporte público coletivo é um elemento indispensável e não
por acaso ele tem sido uma das principais pautas nas discussões referente às cidades. Além
disso, também prevê o estímulo aos modos de transportes não motorizados como formas de
deslocamentos a pé ou de bicicleta em detrimento de elevados investimentos no transporte
individual motorizado.
2.2 PLANO DE AÇÕES IMEDIATAS DE TRANSPORTE E TRÂNSITO – PAITT E A
EXPERIÊNCIA DO BICICLETAR NA CIDADE DE FORTALEZA
Por contribuir para a piora ou melhora da situação de vida das metrópoles, “[...] a
condição de mobilidade nas cidades tornou - se um dos maiores problemas sociais e urbanos.
[...]” (MARICATO, 2015, p.42). De acordo com a autora supracitada, “[...] mesmo cidades com
boa rede de transportes apresentam congestionamento de tráfego devido ao conforto e ao
8 Diversos marcos institucionais foram conquistados, como o Estatuto das Cidades, o Ministério das Cidades, Secretarias Nacionais de Habitação, Mobilidade e Saneamento. Além disso, acrescenta-se a Conferência Nacional das Cidades (2003, 2005, 2007) e Conselho Nacional das Cidades (2004). Tais conquistas foram fruto do Movimento Social pela Reforma Urbana, que em meio a Ditadura, reuniu movimentos sociais, partidos, intelectuais acadêmicos e governos municipais inovadores, os quais elaboraram plataformas para reformas políticas e sociais.
fetiche representado pelo automóvel. [...]” (p.43). Isso porque o consumo do automóvel é
sempre incentivado pelo Governo Federal e alguns Governos Estaduais através da oferta de
subsídios.
Neste processo, faz-se necessário pensar um modelo de mobilidade que não
esteja centrado no automóvel, mas que priorize o transporte coletivo e outros modais,
sobretudo a bicicleta. Para Soares et al. (2015), o uso deste veículo pode contribuir para a
melhoria de três setores chaves da vida nas cidades, a mobilidade, o meio ambiente e a
saúde, pois “[...] ela desobstrui o espaço público, aumenta a segurança viária, tranquiliza
nossas relações, economiza nossa renda e nossos impostos, nos dá autonomia e agilidade.
[...]” (p. 8). Não é à toa que “[...] inúmeras prefeituras de grandes capitais nacionais adotaram
a bicicleta e programas de incentivo à sua utilização” (p.22).
À vista disso, Fortaleza seguiu o fluxo das grandes cidades brasileiras e buscou
apresentar alternativas para sanar, ainda que parcialmente, as dificuldades apresentadas na
mobilidade urbana local através do incentivo do uso da bicicleta. Para isso, adotou uma série
de medidas e ações de trânsito e transportes, por meio do Plano de Ações Imediatas em
Transporte e Trânsito (PAITT)9. O Plano almejava prioritariamente intervir em pontos críticos
de trânsito na cidade, para isso realizou, entre muitas outras coisas, [...] o redesenho de rotas
de transporte público e a implantação do sistema de bicicletas compartilhadas. (SABÓIA, 2014
p. 52). Das ações promovidas pelo PAITT, optamos por apresentar de forma mais detalhada
em nosso artigo O Bicicletar, que é um sistema de bicicletas compartilhadas.
A cidade de Fortaleza não é pioneira no incentivo ao uso de meios de transportes
não motorizados e não poluentes. De acordo com o Instituto de Políticas de Transporte e
Desenvolvimento - ITDP (2014), a primeira tentativa de implantação de um sistema de
bicicleta compartilhada gratuita ocorreu em 1965 na cidade de Amsterdam, na Holanda,
através de um projeto proposto por um vereador. A preocupação central era de tentar reduzir
o tráfego de automóveis no centro da sua cidade. O projeto não foi aprovado pelas instâncias
governamentais, mas uma parcela da população passou a excuta-lo de forma independente.
9 O documento nos apresenta as principais ações implementadas da Política de Transporte Cicloviário de Fortaleza, são elas: O plano diretor cicloviário integrado (lei nº 10.303, de 23 de dezembro de 2014), que é o instrumento de planejamento que designa todas as diretrizes que irão nortear as ações cicloviárias de Fortaleza para os próximos 15 anos; a infraestrutura cicloviária, que visava implantar 100 km de novas infraestruturas cicloviárias em 18 meses; a ciclofaixa de lazer, projeto que visava estimular o uso da bicicleta e a vivência em espaços públicos da cidade; e, por último, o bicicletar, o sistema de bicicletas públicas compartilhadas.
Outras tentativas se sucederam, em La Rochelle, na França, em 1993, foi
permitido ao público utilização de bicicletas comunitárias por 2 horas, de forma gratuita. Outra
experiência ocorreu em 1991, na cidade de Copenhague, podemos perceber alterações mais
significativas nas técnicas de prevenção de danos e roubos, pois as bicicletas eram
acorrentadas a paraciclos específicos, com tranca operada por moedas. Esse sistema ficou
conhecido como ByCylken.
No que diz respeito às cidades brasileiras, segundo Soares et al. (2015), desde a
década de 1980, na cidade de São Paulo foram desenvolvidas iniciativas que buscavam
fortalecer o uso da bicicleta. Um dos maiores ganhos desse período foram as primeiras leis
que obrigavam a construção de ciclovias em todas as avenidas da cidade. Segundo o autor
supracitado, atualmente a capital paulistana conta com 219,5 km de ciclovias, 3,3 km de
ciclofaixas permanentes e mais 67,5 km de ciclorrotas. Contudo, a cidade ainda possui uma
concentração de automóveis expressiva, situação que gera problemáticas gravíssimas -
poluição sonora, auditiva, stress, entre outros. Vale ressaltar que, devido a enorme demanda
reprimida por transporte coletivo e o constante problema de congestionamento, a cidade
possui dois sistemas de bicicletas compartilhadas, o Bike Sampa e o CicloSampa. No ano de
2015, o primeiro contava com 212 estações e já havia realizado cerca de 980 mil viagens,
enquanto o segundo possuía apenas 18 estações.
O Sistema de Bicicletas Compartilhadas também foi executado em cidades da
região Nordeste. O autor supracitado, apresenta a experiência de Recife, que iniciou apenas
com 10 estações e 100 bicicletas, todas localizadas no Recife Antigo. Logo depois, o Governo
do Estado realizou uma pareceria com uma empresa privada e lançou o BikePE, projeto que
implantou mais 70 estações e 700 bicicletas, sendo 60 estações na capital Recife e as demais
na Região Metropolitana. Para o autor, a bicicleta já era um importante meio de transporte na
cidade, sendo “[...] utilizada principalmente pela parcela da população de baixa renda,
moradores da periferia, para pequenos deslocamentos (casa-trabalho, compras ou levar
crianças à escola). [...]” (p. 83).
Tendo em vista a experiência de outras cidades em pontos diferentes do mundo
com o sistema de bicicletas compartilhadas, Fortaleza – durante a Gestão Municipal de 2012-
2016, considerou a ideia e passou a executá-la, assim, a bicicleta passou a ser protagonista
de ações, por meio de obras para a criação de ciclovias e programas que incentivaram o uso
desse veículo. Contudo, apresentando algumas divergências, pois a cidade possui
particularidades que precisavam ser respeitadas e pelo surgimento de alguns entraves
durante o processo de implantação.
O Sistema de Bicicletas Compartilhadas pensado pela Prefeitura de Fortaleza
contou com a parceria com a Unimed Fortaleza - Administrador de serviços de saúde em
Fortaleza.- e é operacionalizado pela empresa Serttel10. O sistema é composto por Estações
inteligentes que estão distribuídas em pontos estratégicos da cidade, conectadas entre si
através de uma central de operações via internet e são alimentadas por energia solar. Os
usuários, que devem estar pré-cadastrados, podem retirar uma bicicleta de qualquer estação,
utilizá-la para realizar qualquer trajeto em um período pré-determinado, e deve devolvê-la na
estação em que julgar mais conveniente.
Segundo o Site do Sistema Bicicletar, os objetivos do projeto são introduzir a
bicicleta como modal de transporte público saudável e não poluente; apresentar uma solução
de meio de transporte de pequeno percurso para facilitar o deslocamento das pessoas nos
centros urbanos; reduzir os engarrafamentos e poluição ambiental nas áreas centrais das
cidades; combater o sedentarismo da população; e promover a humanização do ambiente
urbano e a responsabilidade social das pessoas.
Os usuários devem adquirir passes para fazer a retirada de uma bicicleta da
estação, eles podem ser anual, mensal e diário; variam de acordo com o período em que o
usuário pretende utilizar o serviço e pelo valor da tarifa. Vale ressaltar que há um passe
gratuito com validade de um ano, para sua aquisição é necessário possuir o Bilhete Único11 e
cadastrar um cartão de crédito, para cobrança de tarifas caso ocorra algum problema com o
equipamento. Uma vez que adquiriu qualquer um dos passes, o usuário pode realizar quantas
viagens forem necessárias durante um dia, contanto que elas tenham pelos menos 15 minutos
de intervalo entre elas. O que vai definir se a viagem será tarifada ou não é o tempo de uso,
pois até 60 minutos as viagens não são cobradas, caso esse prazo seja extrapolado é cobrado
o valor de R$ 5 reais a cada 60 minutos excedentes. As estações de compartilhamento
funcionam todos os dias, de 5h as 0h.
10 De acordo com o site da própria empresa, a Serttel realiza atividades que propõe soluções tecnológicas para gerenciamento de trânsito, segurança e mobilidade urbana. Seu objetivo é oferecer soluções inovadoras para a mobilidade, comodidade e segurança das pessoas nos ambientes urbanos. Disponível em: <http://www.serttel.com.br/sobre/>. Acesso: 04 jan. 2017.
11 É um cartão de uso pessoal e intransferível que permite qualquer pessoa pegar mais de um ônibus em seu trajeto, pagando uma única passagem por um período de até 2 horas no sistema de ônibus urbano de Fortaleza.
Ao ser implementado, em dezembro de 2014, o sistema contava com 15 estações,
todas localizadas na Regional12 II da cidade de Fortaleza. Regional esta que, conforme o
Jornal Tribuna do Ceará, em matéria divulgada em 31 de dezembro de 2012, concentra nove
dos dez bairros mais ricos da cidade, com renda pessoal média entre R$ 2 mil e R$ 3.659,54.
Segundo o artigo publicado pelo Jornal O Povo, em 16 de dezembro de 2014, já no segundo
dia de uso, mais de 300 viagens haviam sido realizadas.
A expansão das instalações das estações seguiu bem tímida, conforme o PAITT,
até setembro de 2015, apenas 10 bairros contavam com estações. Vale ressaltar que, apesar
de as Regionais I, III e IV terem sido alvo dos projetos, só foram selecionados os bairros que
circunvizinham o centro da cidade, no geral, as estações continuaram concentradas na
Regional II. Nos seis meses que se seguiram, o foco passou a ser a regional IV, contudo a
SER I e III recebeu a instalação de uma estação cada.
Tendo em vista os dados apresentados, gostaríamos de chamar a atenção para o
total esquecimento da SER V, que foi a única região da cidade que não recebeu nenhuma
estação do sistema bicicletar. Vale destacar que esta regional, em conformidade com o Jornal
Tribuna do Ceará, em matéria divulgada em 31 de dezembro de 2012, concentra seis dos dez
bairros mais pobres da cidade e dois dos cinco bairros com o maior número de habitantes –
cerca de 120 mil hab. -, de acordo com o Anuário de Fortaleza 2012-2013. Logo, deveria ser
alvo de ações que contribuíssem para a melhoria da mobilidade urbana de seus habitantes e
garantisse o seu acesso aos demais setores das cidades, o que, consequentemente, incidira
na obtenção do direito à cidade.
Mesmo diante da tímida expansão e do total esquecimento de uma região, de
acordo com o Plano de Ações Imediatas de Transporte e Trânsito de Fortaleza - PAITT, já em
julho de 2015, o Bicicletar Fortaleza já possuía o maior número de viagens por estação dentre
os sistemas no Brasil com 44,8%, seguido por Rio de Janeiro com 29,8% e Brasília com
15,7%.
Conforme o documento supracitado, há uma diferença significativa no número de
viagens que são realizadas em dias úteis e em fins de semana. Em dias úteis são realizadas
em média 1850 viagens, enquanto aos fins de semana apenas 1700. Essa diferença também
pode ser sentida em relação à quais estações são mais utilizadas. Por exemplo, em dias úteis
as estações mais procuradas estão localizadas nas Regionais II e IV da cidade, ao passo que
12 “Fortaleza está dividida administrativamente em sete Secretarias Executivas Regionais, que vão de I a VI mais a Regional do Centro (Cercefor). Essas regionais abrigam atualmente 119 bairros em cinco distritos”. Disponível em: <http://www.fortaleza.ce.gov.br/a-cidade>. Acesso: 31 jan. 2017.
aos domingos as mais solicitadas estão concentradas apenas na Regional II, o que sugere
também que há uma diversidade de uso (estudo, trabalho, lazer, compras). Contudo, ainda
que tenha ocorrido uma expansão da implantação das estações para outros setores da cidade
e que haja diversidade de uso, observamos que o uso do sistema ainda é mais frequente na
área mais nobre de Fortaleza.
De acordo com matéria também veiculada pelo Jornal O Povo, em 14 de
dezembro de 2016, em comemoração aos dois anos de execução do projeto, o Bicicletar
conta com 80 estações; 800 bicicletas; 160 mil usuários cadastrados, sendo 87% desse total
usuário do Bilhete Único; e tendo realizado mais de 1,3 milhão de viagens. Contudo, ainda
não conseguiu dar uma resposta à maior demanda da população, a expansão do sistema para
os bairros localizados na periferia da cidade.
A reivindicação dos usuários por novas estações já havia sido sinalizado em uma
enquete pelo Facebook promovida pelo Jornal Tribuna do Ceará, o resultado foi divulgado em
uma matéria publicada no site do próprio jornal em 12 de novembro de 2015. Entre os
principais comentários visualizamos a solicitação por implantação de estações nos terminais
de ônibus, para que a integração seja efetivada, e em universidades; atenção aos bairros da
periferia; e restauração das ciclofaixas já existentes. Entre os bairros mais citados temos
Conjunto Ceará, Parangaba, Barra do Ceará, Bom Jardim, Messejana, Siqueira e Pirambu.
Um dos usuários acrescenta em sua resposta “Poderia tirar o foco da parte central da cidade”.
Para Soares et al. (2015), essa distribuição inadequada das estações pelos
diversos setores da cidade pode ser um reflexo da invisibilidade social do ciclista trabalhador,
pois mesmo a bicicleta fazendo parte do seu cotidiano e sendo um dos principais meios de
transporte utilizado para o deslocamento casa-trabalho, são as regiões centrais que mais
recebem incentivos. O autor ressalta que a Política de Mobilidade da Prefeitura de Fortaleza
“[...] tem sido voltada ao carro: o veículo mais perceptível em nossas cidades, seja por ser o
objeto de consumo da elite e de desejo dos pobres, seja pelo impacto causado em termos de
congestionamento e mortes no trânsito.” (p. 66) O que contribui para que o grupo de
moradores da cidade que pertence à classe mais abastada ainda vincule a imagem da
bicicleta apenas ao lazer, ou seja, não a utilizando como parte do seu cotidiano para realizar
deslocamentos mais curtos, assim, como fora previsto no Plano de Ações Imediatas em
Transporte e Trânsito – PAITT.
Conforme Soares et al. (2015), os movimentos sociais que possuem em sua
agenda de lutas o incentivo ao uso da bicicleta como modal de transporte acreditam que não
existe uma receita pronta para incluir o veículo no cotidiano das cidades, uma vez que cada
urbe possui características que precisam ser respeitadas. Contudo, elenca que há alguns
elementos que devem ser utilizados como norteadores: ao poder público, cabe a
responsabilidade de fomentar a bicicleta na mobilidade urbana e ampliar a construção de
infraestrutura cicloviária, especialmente visando sua integração com as demais modalidades
de transporte, além de criar facilidades para a aquisição do veículo e realização de ações
educativas; já à população, a diminuição do uso de veículos automotores individuais.
3 CONCLUSÃO
Como foi explanado, a mobilidade urbana tem se apresentado como um dos
principais indicadores da crise urbana nas cidades brasileiras, como problemática ambiental
e de saúde pública. Na disputa pelo Fundo Público, o modelo de mobilidade vinculado ao
incentivo do uso do automóvel, em detrimento do transporte coletivo, tem beneficiado a
reprodução dos capitais vinculados a indústria automobilística. Com isso, os trabalhadores
são os mais afetados, tendo em vista que são obrigados a traçar suas próprias estratégias
para garantir seu direito à cidade, isto em meio à precarização do transporte coletivo.
Em um contexto local, na cidade de Fortaleza, analisamos o Sistema Bicicletar,
que visa introduzir a bicicleta como modal de transporte de pequeno percurso e não poluente.
Verificamos que o Sistema é um programa recente que tem priorizado bairros específicos, em
detrimento das áreas periféricas da cidade.
Concluímos que apesar da legislação urbanística, representada pela Lei de
Mobilidade e, a nível local, pelo PAITT com o Bicicletar, o modelo de mobilidade imperante é
o de incentivo ao uso do automóvel. Essa cultura é algo estrutural do próprio sistema
capitalista, onde os recursos públicos são destinados a reprodução do capital. Entre a lei e
sua aplicação há uma linha tênue mediada por relações de poder que impõe um modelo de
cidade e de mobilidade. Por fim, a política de mobilidade vem se constituindo como um dos
principais determinantes do atual processo de acumulação capitalista, o que atesta a
pertinência teórica do seu estudo.
REFERÊNCIAS
AMORA, Z. B. e GUERRA, E. C. Mobilidades: por uma releitura do urbano na contemporaneidade. ANPEGE, 2005. AS Secretarias Executivas Regionais de Fortaleza e seus bairros: Saiba em que regional fica seu bairro em Fortaleza. Jornal o Povo, Fortaleza, 24 set. 2014. Disponível em: <http://www.opovo.com.br/app/fortaleza/2014/09/24/noticiafortaleza,3319666/as-secretarias-executivas-regionais-de-fortaleza-e-seus-bairros.shtml>. Acesso: 31 jan. 2017.
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