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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ARTES, CIÊNCIAS E HUMANIDADES
AUDREY DANIELLE BESERRA DE BRITO
Os contos de fadas contemporâneos na versão fílmica e a
construção psicológica de valores : um estudo exploratório na perspectiva dos Modelos Organizadores do Pensamento
São Paulo 2011
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AUDREY DANIELLE BESERRA DE BRITO
Os contos de fadas contemporâneos na versão fílmica e a
construção psicológica de valores : um estudo exploratório na perspectiva dos Modelos Organizadores do Pensamento
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de especialista em Ética, Valores e Saúde na Escola. Área de Concentração: Educação e Construção de Valores Orientador(a): Profª Ângela Esteves Modesto
São Paulo 2011
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RESUMO
BRITO, A. D. B. et al (Ed). Os contos de fadas contemporâneos na versão fílmica e a construção psicológica de valores : um estudo exploratório na perspectiva dos Modelos Organizadores do Pensamento. 2011. 116 f. TCC - Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. A sociedade contemporânea passou a priorizar os valores hedonistas, principalmente, por influencia da mídia. Além disso, é fato que os meios de comunicação passaram a utilizar-se da linguagem sincrética para comunicar, seduzir, persuadir, distrair, informar e também para manipular. Mas, será que o sincretismo das versões fílmicas contemporâneas tanto dos contos de fadas tradicionais, como dos contos de fadas atuais, buscam construir nas crianças ensinamentos éticos e morais? Ou será que estas versões, por serem produtos midiáticos, constroem valores hedonistas? Estes questionamentos convergiram em uma grande inquietação, que nos levou a buscar descobrir como ocorre a representação da moralidade nos contos de fadas midiáticos voltados para crianças. Assim, o objetivo desta pesquisa foi investigar, por meio de modelos organizadores do pensamento, o aparecimento ou não dos valores morais generosidade e compaixão e do valor não-moral egoísmo, em crianças de 10 a 12 anos, a partir de conflitos de natureza moral presentes em cenas recortadas dos contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica. Esta pesquisa justifica-se pelo fato de se fazer necessário analisar a essência dos contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, a fim de descobrir se eles ainda buscam construir valores morais ou se foram “contaminados” pelos valores hedonistas presentes na sociedade contemporânea.
Palavras-chave: Valores morais e não-morais. Generosidade. Compaixão. Egoísmo. Modelos Organizadores do Pensamento.
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Ao propor que se leve em conta a generosidade, para compreender a moralidade, estaremos concebendo o ser
humano como um ‘saco de virtudes’? De modo algum. Uma teoria do ‘saco de virtudes’ pressupões justaposição entre
diversas virtudes. Quanto a nós, propomos uma integração entre elas”
Yves de La Taille (2004)
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho 53
Quadro 2 Deu a louca na Cinderela 62
Quadro 3 Deu a louca na Branca de Neve 71
Quadro 4 Enrolados 79
Quadro 5 Shrek I 88
Quadro 6 Shrek II 89
Quadro 7 Shrek III 90
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Quantidade de recortes por filme 48
Tabela 2 Configuração dos Modelos Organizadores de Pensamento e sub-modelos referente ao filme “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”
55
Tabela 3 Disposição afetiva em relação aos valores expressos no filme “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”
58
Tabela 4 Configuração dos Modelos Organizadores de Pensamento e sub-modelos referente ao filme “Deu a louca na Cinderela”
63
Tabela 5 Disposição afetiva em relação aos valores expressos no filme “Deu a louca na Cinderela”
66
Tabela 6 Configuração dos modelos organizadores de pensamento e sub-modelos referente ao filme “Deu a louca na Branca de Neve”
72
Tabela 7 Disposição afetiva em relação aos valores expressos no filme “Deu a louca na Branca de Neve”
75
Tabela 8 Configuração dos modelos organizadores de pensamento e sub-modelos referente ao filme “Enrolados”
83
Tabela 9 Disposição afetiva em relação aos valores expressos no filme “Enrolados”
85
Tabela 10 Configuração dos modelos organizadores de pensamento e sub-modelos referente ao filme “Shrek I, II e III”
91
Tabela 11 Disposição afetiva em relação aos valores expressos no filme “Shrek I, II e III”
94
Tabela 12 Exemplos de respostas que ilustram o modelo 2 97
Tabela 13 Exemplos de respostas que ilustram o modelo 1 101
Tabela 14 Sentimentos morais e não-morais expressos a partir da análise dos recortes dos contos de fadas na versão fílmica
105
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LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Construção de valores, em porcentagem, a partir do filme “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”
57
Gráfico 2 Posição dos valores no filme “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”
57
Gráfico 3 Presença dos valores nos protocolos de respostas do filme “Deu a louca na Cinderela”
64
Gráfico 4 Posição dos valores no filme “Deu a louca na Cinderela”
66
Gráfico 5 Presença dos valores nos protocolos de respostas do filme “Deu a louca na Branca de Neve”
74
Gráfico 6 Posição dos valores no filme “Deu a louca na Branca de Neve”
75
Gráfico 7 Presença dos valores nos protocolos de respostas do filme “Enrolados”
83
Gráfico 8 Posição dos valores no filme “Enrolados” 84
Gráfico 9 Presença dos valores nos protocolos de respostas do filme “Shrek”
92
Gráfico 10 Posição dos valores no filme “Shrek” 93
Gráfico 11 Agrupamento de sujeitos pelos valores construídos ou não construídos
96
Gráfico 12 Presença do Egoísmo em cada Filme 99
Gráfico 13 Egoísmo como valor central e periférico 100
Gráfico 14 Valor moral e valor não-moral como valor central e periférico.
101
Gráfico 15 Presença da Generosidade em cada Filme 104
Gráfico 16 Generosidade como valor central e periférico 105
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Sujeito Psicológico 21
Figura 2 Comparação entre a Jornada do Escritor e a Jornada do Herói
33
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SUMÁRIO
1 APRESENTAÇÃO ................................................................................ 11 1.1 A pergunta de pesquisa .......................................................... 12 1.2 Hipóteses................................................................................. 12 1.3 Objetivo geral.......................................................................... 12 1.4 Objetivos específicos............................................................... 13 1.5 Justificativa.............................................................................. 13 1.6 Método e metodologia............................................................. 13
2 QUADRO TEÓRICO ............................................................................ 14 2.1 O sujeito contemporâneo: identidade e valores.......................... 14 2.1.1 Valores: conceito e processo de internalização................ 17 2.1.2 O sujeito psicológico e a construção de valores................ 21 2.1.3 A criança e o processo de internalização dos valores....... 27 2.1.4 Valores morais e não-morais............................................. 29 2.2 Os contos de fadas...................................................................... 30 2.2.1 A estrutura das narrativas maravilhosas........................... 31 2.2.2 Os contos e fadas e os valores morais e éticos................ 35 2.2.3 O longa-metragem animado.............................................. 39
3 METODOLOGIA DE PESQUISA......................................................... 43 3.1 Método......................................................................................... 43 3.2 A investigação da moralidade a partir dos modelos
organizadores do pensamento.................................................... 45
3.3 Procedimentos metodológicos.................................................... 47 3.4 Procedimentos para a coleta de informações............................. 49 3.5 Procedimentos para a análise das informações.......................... 50
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ........................ 51 4.1 Chapeuzinho Vermelho 51 4.1.1 Versão tradicional X versão contemporânea..................... 51 4.1.2 Apresentação dos modelos organizadores de
pensamento relativos ao filme “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”
53
4.2 Cinderela 59 4.2.1 Versão tradicional X versão contemporânea..................... 59 4.2.2 Apresentação dos modelos organizadores de
pensamento relativos ao filme “Deu a louca na Cinderela”......... 62
4.3 Branca de Neve........................................................................... 68 4.3.1 Versão tradicional X versão contemporânea..................... 68 4.3.2 Apresentação dos modelos organizadores de
pensamento relativos ao filme “Deu a louca na Branca de Neve”...........................................................................................
70
10
4.4 Rapunzel..................................................................................... 76 4.4.1 Versão tradicional X versão contemporânea..................... 76 4.4.2 Apresentação dos modelos organizadores de
pensamento relativos ao filme “Enrolados”................................. 79
4.5 Shrek........................................................................................... 86 4.5.1 O filme................................................................................ 86 4.5.2 Apresentação dos modelos organizadores de
pensamento relativos aos filmes “Shrek I, II e III” 88
4.6 Considerações sobre a análise dos resultados........................... 94
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 107 REFERÊNCIAS ........................................................................................ 112
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1. APRESENTAÇÃO
É fato que a sociedade contemporânea passou a priorizar os valores
hedonistas1, principalmente, por influencia da mídia (VALDES, 2009, p. 33) e que os
contos de fadas buscam transmitir valores e ensinamentos éticos e morais (COELHO,
2000, p. 154).
Por outro lado, conforme declara Pierre Lévy (1998, p. 15) “vivemos em uma
civilização da imagem e do audiovisual” e ainda, de acordo com Brito (2011, p. 21) “a
preponderância visual é maciça e determinada pelos meios de comunicação que
utilizam a imagem para comunicar, seduzir, persuadir, distrair, informar e também
manipular”.
As imagens são denominadas de linguagem não-verbal2 e, de acordo com Pais
(2003, p. 1), quando a linguagem verbal se funde com a linguagem não-verbal numa
mesma tecnologia, temos a presença da linguagem sincrética. Pais (2003, p. 12) cita o
cinema, o teatro e a televisão como exemplos marcantes da linguagem sincrética.
Mas, será que o sincretismo das versões fílmicas contemporâneas tanto dos
contos de fadas tradicionais, como dos contos de fadas atuais buscam construir nas
crianças ensinamentos éticos e morais? Ou será que estas versões, por serem
produtos midiáticos, constroem valores hedonistas?
Melo (2010, p. 4) destaca que os contos de fadas contemporâneos, na versão
fílmica, colocam em primeiro plano a animação, o que leva o enredo a tornar-se
secundário, pois, segunda ela, a tela do cinema conquistou rapidamente os jovens pela
entrega da imagem pronta e perfeita, tirando-lhes o trabalho de “imaginar” as cenas.
Segundo esta pesquisadora (2009, p. 4):
[...] a trilha sonora, as cores vibrantes, os efeitos visuais e auditivos, a emoção concentrada na expectativa de uma sala de cinema e o conforto exercem um domínio em todos os sentidos do receptor [...] Entretanto, a sedução sensível do receptor pelo cinema constitui uma arma de manipulação deste suporte, o que sinaliza para o perigo junto aos jovens dessa visão aparentemente desvinculada da sociedade e dos valores expostos em um filme.
1 O hedonismo é uma doutrina que considera como bem possível o prazer imediato e individual, sendo este o princípio e o fim de uma vida moral (VALDES, 2009, p. 35). 2 Para a Lingüística, as imagens são denominadas de linguagem não-verbal.
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Todas essas informações convergiram para uma grande inquietação, que nos
levou a buscar descobrir como ocorre a representação da moralidade nos contos de
fadas midiáticos voltados para crianças.
Assim, apresentamos a seguir o nosso questionamento principal, as hipóteses,
os objetivos e a justificativa desta pesquisa.
1.1 A pergunta de pesquisa
Os contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, proporcionam a
construção psicológica do valor moral generosidade e/ou do valor não-moral egoísmo
em crianças de 10 a 12 anos?
1.2 Hipóteses
Hipótese 1: Os contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, influenciam a
construção psicológica do valor moral generosidade e do valor não-moral egoísmo
em crianças de 10 a 12 anos;
Hipótese 2: Os contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, não influenciam
a construção psicológica do valor moral generosidade e nem na construção
psicológica do valor não-moral egoísmo em crianças de 10 a 12 anos.
1.3 Objetivo geral
Identificar, por meio de modelos organizadores do pensamento, o
aparecimento ou não do valor moral generosidade e do valor não-moral egoísmo, em
crianças de 10 a 12 anos, a partir de conflitos de natureza moral presentes em cenas
recortadas dos contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica.
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1.4 Objetivos específicos
a) Verificar os modelos organizadores do pensamento que as crianças, entre 10 e
12 anos, constroem sobre o valor moral generosidade;
b) Verificar os modelos organizadores do pensamento que as crianças, entre 10 e
12 anos, constroem sobre o seguinte valor não-moral: egoísmo.
1.5 Justificativa
Esta pesquisa justifica-se pelo fato de se fazer necessário analisar a essência
dos contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, a fim de descobrir se eles
ainda buscam construir valores morais ou se foram “contaminados” pelos valores
hedonistas presentes na sociedade contemporânea.
1.6 Método e metodologia
Será utilizada como método indutivo e a pesquisa bibliográfica. Para análise
dos dados colhidos, utilizaremos o instrumento teórico-metodológico da Teoria dos
Modelos Organizadores do Pensamento.
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2. QUADRO TEÓRICO
2.1 Sujeito contemporâneo: identidade e valores
A busca pelo prazer imediato e individual numa sociedade que, segundo
Lemos (2004, p. 84), é marcada por um imaginário dionisíaco, a exaltação dos
microdesejos que é produto do desenvolvimento de uma cultura descartável, de uma
ciência e de uma técnica voltadas para o consumo e para o fluxo de uma quantidade
gigantesca de informações fragmentadas e o processo de ideologização que, de certa
forma, cerca a reflexividade crítica a partir da distorção, estereotipação, manipulação e
construção da realidade através da influencia cognitiva da mídia (WOLF, 2008, p. 144)
transformaram o homem contemporâneo num indivíduo esquizofrênico que, segundo
Harvey (2007, p. 49), é aquele que acredita numa realidade forjada. Ou seja, é aquele
que consome, através dos veículos midiáticos, fatias de realidade influenciadas pelo
caráter imediato dos eventos e pelo sensacionalismo do espetáculo que procuram forjar
a consciência dos destinatários.
Como um esquizofrênico, o indivíduo utiliza-se de informações desconectadas,
velozes e isoladas, e que não se articulam em seqüências coerentes. Assim, o sujeito
contemporâneo passa a ser composto por uma colagem esquizofrênica de pequenos
fragmentos que significa uma espécie de desmembramento da realidade única em
infinitas realidades simultâneas (HARVEY, 2007, p. 52).
Edgar Morin (1999, p. 17) comenta que a fragmentação do saber tem como
conseqüência um vazio de subjetividade. Nesse sentido, o desaparecimento da
subjetividade, responsável pela construção de nossa identidade, resulta em
esquizofrenia que seria a ausência de identidade.
Esta esquizofrenia, num sentido não clínico, leva o sujeito contemporâneo, a
substituir a sua subjetividade por presentes desconexos, ou seja, por uma cadeia de
significantes sem significado (HARVEY, 2007, p. 52).
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Desse modo, a sociedade contemporânea passa a agir a partir da ética da
estética3, e não a partir de uma moral universalizante. Esta ética da estética vai
impregnar todo o ambiente social e contaminar o político, a comunicação, o consumo,
os negócios, as artes e espetáculos, ou seja, a vida quotidiana no seu conjunto
(LEMOS, 2004, p. 86).
O maior problema que Valdes (2009, p. 33) vê nisso tudo é substituição dos
valores morais pelos valores hedonistas. Dalbosco (2005, p. 165) explica melhor esta
observação de Valdes:
O resultado mais imediato desse processo é a invasão das relações de dinheiro e poder naquele âmbito responsável pela socialização cultural espontânea das pessoas, no qual elas formam seu caráter, constroem os seus valores e, em última instância, atribuem significado à sua existência.
Lombardi e Georgen (2005, p. 6) completam o raciocínio de Dalbosco:
Com o enfraquecimento dos pressupostos da ética do dever e com o aumento das comodidades favorecidas pelo desenvolvimento da ciência e tecnologia bem como o destaque dado ao indivíduo, seus interesses e direitos, acentuou-se o hedonismo como uma das principais tendências da sociedade contemporânea e um dos critérios da orientação moral dos indivíduos.
Diante dessas reflexões sobre o sujeito contemporâneo esquizofrênico, sem
identidade e constituído por valores hedonistas, torna-se necessário e urgente à
educação em valores, conforme prevêem Lombardi e Georgen (2005, p. 84):
Há uma série de acontecimentos indicativos de que se inicia uma resistência contra o mercado tentacular e o frenesi consumista, contra o relativismo axiológico e o individualismo hedonista, contra a violência e a banalização da vida, contra a atomização social e a despolitização, contra a fabricação de falsas necessidades e promessas de felicidade pelo consumo.
Esse movimento em prol da criação de valores éticos e morais pode ser
identificado nos artigos 1º e 3º da Constituição Federal do Brasil de 1988:
3 Para Lemos (2004,p. 86) a ética da estética ocorre quando a sociedade elabora um éthos, uma maneira
de ser, um modo de existência onde aquilo que é compartilhado com outros será primordial
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Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
Um amplo discurso sobre a importância e a necessidade de uma inversão de
valores está inserido também na educação, conforme podemos notar nos Parâmetros
Curriculares Nacionais, na apresentação do tema transversal ética (BRASIL, 1997, p.
26):
[...] a reflexão sobre as diversas faces das condutas humanas deve fazer parte dos objetivos maiores da escola comprometida com a formação para a cidadania. Partindo dessa perspectiva, o tema Ética traz a proposta de que a escola realize um trabalho que possibilite o desenvolvimento da autonomia moral, condição para a reflexão ética. Para isso foram eleitos como eixos do trabalho quatro blocos de conteúdo: Respeito Mútuo, Justiça, Diálogo e Solidariedade, valores referenciados no princípio da dignidade do ser humano, um dos fundamentos da Constituição brasileira.
Conforme já apontamos, a educação em valores passou a ser uma
necessidade devido, principalmente, ao desenvolvimento de valores hedonistas. Desse
modo, podemos dizer que três elementos da sociedade contemporânea se entrelaçam
constantemente quando a temática é valor: mídia, educação e comportamento.
A mídia, considerada um dos aparelhos ideológicos do Estado (ALTHUSSER,
1998) manipula o sujeito. De acordo com Brito (2011, p. 74):
[...] é muito comum à manipulação da significação de uma mensagem, de modo a alcançar determinados efeitos comunicativos, ou seja, o receptor passa a acreditar no sentido de alguma coisa, mas a realidade recebe uma comunicação cuidadosamente elaborada por um emissor.
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Breton (1999, p. 21) ainda completa, afirmando que:
[...] a manipulação consiste em entrar por efração no espírito de alguém para aí depor uma opinião ou provocar um comportamento sem que ninguém saiba que houve efração. Tudo está aí, nesse gesto que se oculta a si mesmo como manipulatório.
Assim, percebemos que a mídia manipula o sujeito e que, por conta disso,
torna-se necessária à educação em valores para que o comportamento do homem
contemporâneo se transforme de hedonista para ético.
2.1.1 Valores: conceito e processo de internalização
Percebemos que a educação em valores é uma exigência da sociedade atual,
mas o que são valores?
Etimologicamente, o termo valor provém do latim valorem que significa que tem
valor, custo (Bueno, 1967).
Bueno (1967) declara que até o século XVI, a palavra valor era utilizada
apenas para quantificar preços e que somente por volta do século XVII é que a palavra
valor passou a ser empregada para significar também a importância das pessoas.
Thomas Hobbes4, no Leviatã, explica:
O valor, ou a importância de um homem, tal como de todas as outras coisas, é o seu preço [...] Portanto, não é absoluto, mas que depende da necessidade e julgamento de outrem [...] Porque mesmo que um homem (como a maioria faz) atribua a si mesmo o mais alto valor possível, o seu verdadeiro valor não será superior ao que for estimado por outros.
Schwartz (2006, p. 56) define valor como:
1) uma crença; 2) que pertence a fins desejáveis ou a formas de comportamento; 3) que transcende as situações específicas;
4 HOBBES, T. (1588-1679) Leviatã,ou matéria, forma e poder de uma república eclesiástica e civil,organizado por Richard Tuck, tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva, tradução de Cláudia Berliner, revisão de Eunice Ostrenky, São Paulo,Martins Fontes, 2003, parte I, do Homem, Capítulo X, Do poder,valor, dignidade, honra e merecimento.
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4) que guia a seleção ou avaliação de comportamentos, pessoas e acontecimentos; 5) que se organiza por sua importância relativa a outros valores para formar um sistema de prioridades de valores.
Cabral e Nick (2007, p. 319) posicionam-se da seguinte maneira quando se
referem ao conceito de valor:
Valor é um conceito abstrato, por vezes meramente implícito que define, em relação a um individuo ou a uma unidade social, quais são as finalidades desejáveis, ou os meios aconselháveis e apropriados para atingir essas finalidades. Esse contexto abstrato de valia não é o resultado de uma avaliação do próprio individuo, mas o produto social que lhe foi imposto e que ele só lentamente internaliza isto é, usa e aceita como seu critério pessoal de valor.
Conforme podemos observar, Cabral e Nick afirmam que os valores são
internalizados lentamente. Aristóteles (1985, p. 40) explica como isso ocorre:
Não é, portanto, nem por natureza nem contrariamente à natureza que as virtudes se geram em nós; antes devemos dizer que a natureza nos dá a capacidade de recebê-las, e tal capacidade se aperfeiçoa como hábito.
Sendo a virtude um hábito que se solidifica na ação, os valores devem então
ser constantemente repetidos e exercitados para adquirir a força moral, logo, eles
podem ser construídos.
Araújo (2003, p. 158) declara que a construção de valores ocorre a partir da
“projeção de sentimentos positivos que o sujeito faz sobre objetos, e/ou pessoas, e/ou
relações, e/ou sobre si mesmo”.
Para exemplificar esta teoria, podemos pensar numa pessoa que não aceita
falsidades, de maneira nenhuma, logo, ela tem como valor moral a sinceridade.
Além dos valores, Araújo também destaca que as pessoas também projetam
sentimentos negativos sobre objetos, e/ou pessoas, e/ou relações, e/ou sobre si
mesmas, construindo assim contravalores: “os contravalores referem-se àquilo de que
não gostamos, de que temos raiva, que odiamos, por exemplo” (ARAÚJO, 2003, 158).
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Para esclarecer melhor esta definição, Araújo (2003, p. 159) faz uma analogia
com a escola:
Se a criança gosta daquele ambiente [...] a instituição escolar pode tornar-se alvo de projeções afetivas positivas e tornar-se um valor para ela. Caso contrário [...] é bem provável que esse espaço seja alvo de projeções afetivas negativas, que não seja valorizado, que não se constitua em um valor para ela, e sim num contravalor.
Há também os valores não-morais que são construídos quando um sentimento
não ético é alvo de projeções afetivas positivas e passam a ser valorado. Araújo (2003,
p. 159) exemplifica, declarando que “o traficante, a violência e o autoritarismo são
valores para algumas pessoas” e ainda comenta:
Ficava impressionado com cenas apresentadas em telejornais, mostrando pessoas que haviam cometido chacinas ou eram acusadas de grandes atos de corrupção e que, ao serem questionadas pelos repórteres sobre suas ações e seus sentimentos, demonstravam muita frieza e indiferença sobre os fatos.
Como vimos, tanto os valores, morais ou não, como também os contravalores
podem ser construídos e é neste ponto que detemos nossa atenção, pois, de acordo
com os PCNs (Brasil, 2008, p. 33), “a aprendizagem de valores e atitudes é pouco
explorada do ponto de vista pedagógico”, mas, por outro lado, a mídia pode transmitir
valores morais, valores não morais e contravalores o tempo todo e numa linguagem
muito mais atraente que a da escola, conforme declara Araújo (2003, p. 159):
Podemos pensar, por exemplo, no papel da mídia que, empregando linguagens altamente atrativas e dinâmicas, normalizam a violência quando elegem como heróis personagens que são assassinos; quando normalizam a prostituição feminina e o culto a determinados padrões estéticos; quando apresentam de forma acrítica casos de corrupção.
O autor (2003, p. 159) ainda completa:
Se tais valores são transmitidos em linguagens interessantes, como a da televisão, da Internet e dos vídeos games [...] podemos pensar que aumentará
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a probabilidade de que se tornem alvo de suas projeções afetivas positivas e sejam por eles valoradas.
O problema é que os valores e os contravalores construídos são incorporados
na identidade das pessoas (ARAÚJO, 2003, p. 160). Assim, o que se deve fazer é
analisar criticamente o material veiculado pela mídia, tanto em jornais, revistas, livros,
fotos, propaganda, música, programas de TV, filmes, para trazer à tona suas
mensagens implícitas ou explícitas sobre valores.
Além de analisar criticamente o material que a mídia veicula a fim de verificar
se se constroem valores morais ou não, ou até mesmo contravalores, é necessário que
a educação em valores passe a ser uma realidade para garantir a transformação do
comportamento hedonista.
De acordo com Martins (2009) há quatro maneiras de se ensinar valores:
1. Abordagem pela doutrinação de valores: dá-se através da disciplina, do bom exemplo, de enfatizar mais as condutas do que os raciocínios, destacando as virtudes do patriotismo, do trabalho, da honestidade, do altruísmo e da coragem; 2. Abordagem pela clarificação dos valores: consiste em ajudar, de maneira não-diretiva e de forma neutra, a clarificar, assumir e por em prática os seus próprios valores;
3. Abordagem pela opinião ou julgamento dos valores: consiste em acentuar os componentes cognitivos da moralidade. Esta abordagem propõe que a educação moral se centre na discussão de dilemas morais sem levar em conta, no entanto, as diferenças de sexo, raça, de classes sociais e de cultura, concentrando-se unicamente na atribuição de significados que pessoas dão à suas experiências ou vivencias morais; 4. Abordagem pela narração: envolve três dimensões da educação em valores – cognição, emoção e motivação. A abordagem pela narração ou narrativa reconhece que, na diversidade cultural, é comum a contação de histórias por parte das pessoas com o objetivo de transmitir valores de gerações mais velhas para as mais novas. A narrativa desempenha um papel na vida e na dimensão moral das pessoas.
Vimos, então, que os valores podem ser construídos, tanto pela educação
como pela mídia. Vimos também que a mídia pode também construir valores não
morais/ hedonistas e contravalores. Além disso, observamos que há técnicas de se
21
construir valores, conforme as citadas por Martins (2009), mas, como os valores são
construídos pelo psiquismo humano?
2.1.2 O sujeito psicológico e a construção de valores
Sastre e Moreno (2003, p. 129) afirmam que os diversos cenários da vida
cotidiana, com o entrelaçamento de seus múltiplos e diversos componentes, devem
deixar sua marca na construção do psiquismo humano.
Esses componentes que deixam marcas na construção do psiquismo humano
são explicados por Araújo (2003) em seu modelo de Sujeito Psicológico:
Figura 1: Sujeito Psicológico
Físicas
Interpessoais
Socioculturais
BIOLÓGICA
COGNITIVA
SOCIOCULTURAL
AFETIVA
Inconsciente
Consciência
Universo das Relações
Fonte: (ARAUJO, 2003, p.156)
22
De acordo com este modelo, o sujeito psicológico é composto por todos esses
sistemas que, em uma interação contínua, relacionam-se com o meio.
Todos eles, segundo o autor (2003, p. 155), estão “inter-relacionados entre si
de maneira sistêmica de tal forma que sua separação só é possível para efeitos de
estudo e para facilitar sua compreensão”.
Em relação a este modelo, Araújo (2003, p. 155) ainda explica que:
a) a visão sistêmica de indissociabilidade entre as diferentes dimensões está representada por meio de setas bidirecionais que as ligam entre si; b) a representação de todos os sistemas constituintes é feita por meio de linhas tracejadas, indicando sua abertura e ausência de fronteiras bem definidas entre as diferentes dimensões;
c) se a imagem fosse tridimensional, perceber-se-ia que a consciência e o inconsciente (ou não-consciência) encontram-se em planos distintos, paralelos, mas ligados entre si, de tal forma que pressupomos um inconsciente cognitivo, um inconsciente afetivo, um inconsciente biológico e um inconsciente sociocultural (grifo nosso).
Se o inconsciente, conforme declara Araújo, liga-se a consciência e se o autor
pressupõe que exista um plano inconsciente para as todas as dimensões do sujeito
psicológico, há a necessidade de esclarecermos que, de acordo com Freud, o
inconsciente é uma região da mente humana na qual ficam recalcadas a emoções, os
sentimentos, os desejos e os conflitos do ser humano (NASIO, 1999).
Nasio (1999, p.25-26) explica que o recalcamento é “uma barreira que impede
a passagem dos conteúdos inconscientes para o pré-consciente”. Já Bergeret (2006, p.
85) define o recalcamento como um processo ativo, destinado a conservar fora da
consciência as representações inaceitáveis, ou seja, que representam possíveis
tentações ou castigos de exigências pulsionais censuráveis, quando não meras alusões
a estas. Percebemos, então, que o recalque serve para impedir que os afetos e os
desejos inconscientes passem para a consciência.
Mas, os afetos que trataremos nesta pesquisa estão no plano consciente do
sujeito psicológico. De acordo com Araújo (2003, p. 156), as emoções e os sentimentos
fazem parte da dimensão afetiva e são influenciados pela dimensão biológica e pela
dimensão sociocultural e pode influenciar a dimensão cognitiva:
23
[...] as emoções, pertencentes à dimensão afetiva, são conjuntos complexos de reações químicas e neurais (dimensão biológica); sua indução recebe forte influência da cultura, que molda os conteúdos que podem elicitar as emoções (dimensão sociocultural); e seu aparecimento ou sentimento permeia os processos cognitivos do pensamento (dimensão cognitiva).
Diante dessas explicações, podemos perceber que a dimensão afetiva
desempenha um papel funcional e organizativo no raciocínio humano, principalmente
no que diz respeito à construção de valores e de identidade.
Minha tese, e de autores como La Taille (1998, 2002) e Damon (1995),é de que os valores construídos são incorporados na identidade das pessoas. Quanto maior a carga afetiva vinculada a determinado valor, mais centralmente ele se “posiciona” na identidade (ARAÚJO, 2003, p. 160).
Conforme já foi aqui discutido, o sujeito contemporâneo é desprovido de
identidade e a educação em valores busca formar esta identidade. Todavia, a dimensão
afetiva é que determinará os valores construídos e a identidade formada já que, a partir
da declaração de Araújo, o valor só será construído e internalizado em sua identidade,
se tocar a sensibilidade do sujeito através da afetividade. Assim, antes de
prosseguirmos, torna-se necessário diferenciar emoção, sentimento e afeto.
Sobre emoção, Mahoney e Almeida (2009, p. 17-18) explicam que:
[...] é a exteriorização da afetividade, é sua expressão corporal, motora. Tem um poder plástico, expressivo e contagioso; é o recurso de ligação entre o orgânico e o social: estabelece os primeiros laços com o mundo humano e, através deste, com o mundo físico e cultural. As emoções compõem sistemas de atitudes reveladas pelo tônus (nível de tensão muscular). Combinado com intenções conforme as diferentes situações. Das oscilações viscerais e musculares se diferenciam as emoções e se estabelecem padrões posturais para o medo, alegria, raiva, ciúmes, tristeza, etc.
Já, o sentimento corresponde à expressão representacional da afetividade e
não implica reações instantâneas e diretas como na emoção (MAHONEY; ALMEIDA,
2009, p. 21).
24
Saconni (1996, p. 606) define a palavra sentimento como “um estado
psicológico de longa duração”. Rodrigues et al. (1989, p. 15) apontam os sentimentos
como “fenômenos afetivos estáveis que resultam, em regra, da intelectualização das
emoções”.
Damásio (2000, p. 57) também distingue emoção de sentimento: “sentimento
(experiência mental da emoção) e emoção (conjunto de reações orgânicas)”.
Percebemos, a partir destas definições, que a emoção é uma reação corporal
(ativação fisiológica) e o sentimento é quando se atribui um valor aquilo que se sente
(ativação representacional).
Já, o afeto, de acordo com Codo e Gazzotti (1999, p. 48-59), é um conjunto de
fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções e sentimentos,
acompanhados sempre de impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação,
de agrado ou desagrado, de alegria ou de tristeza.
Para Mahoney e Almeida (2009, p. 17), a afetividade “refere-se à capacidade
do ser humano ser afetado pelo mundo externo e interno por meio de sensações
ligadas a tonalidades agradáveis ou desagradáveis”.
Rodrigues et al. (1989, p. 15) definem a afetividade como o “conjunto de
emoção e sentimentos”. Isso significa dizer que a afetividade engloba tanto uma reação
do corpo (emoção), como também uma experiência subjetiva (sentimento).
Damásio (2000, p. 431) afirma que o “afeto é aquilo que você manifesta
(exprime) ou experimenta (sente) em relação a um objeto ou situação, em qualquer dia
de sua vida”.
Bock et al. (1999, p. 193) enfatizam que:
Os afetos ajudam-nos a avaliar as situações, servem de critérios de valoração positiva ou negativa para as situações de nossa vida; eles preparam nossas ações, ou seja, participam ativamente da percepção que temos das situações vividas e do planejamento de nossas ações ao meio.
Se os afetos (emoções e sentimentos) influenciam a percepção e as ações do
ser humano, eles também regulam suas interações sociais. É como se fosse um círculo:
uma pessoa é afetada pela afetividade (Pinto, 2007, p. 12) e sua reação afeta as
emoções e os sentimentos de outra pessoa, ou seja, um afeto (positivo ou negativo)
25
afeta um ser humano que afetará também a sua interação com o outro, e este outro
será afetado, sucessivamente.
Voltando a discussão da influência das emoções, dos sentimentos e dos afetos
na construção de valores e na formação da identidade do sujeito, Araújo (2003, p. 160)
declara:
No processo de desenvolvimento psicológico, durante nossa vida, nossos valores se organizam em um sistema em que alguns deles são mais centrais e outros mais periféricos [...] as emoções e os sentimentos que chamamos morais, como a vergonha, a culpa e o remorso, aparecem (ou são sentidos) quando agimos e/ou pensamos contrariando os valores centrais de nossa identidade. Nesse sentido, atuam regulando nosso funcionamento psíquico.
Assim, os valores pertencentes à dimensão afetiva, que são construídos como
centrais na identidade das pessoas, sendo de natureza moral, atuarão regulando
eticamente seus pensamentos e suas ações. Araújo5 (2007 p. 5-6) explica esta teoria:
Tentando sintetizar essa discussão, entendo que no processo de desenvolvimento psicológico, durante toda a nossa vida, à medida que nossos valores vão sendo construídos, eles se organizam em um sistema. Nesse sistema de valores que cada sujeito constrói (que no fundo constituem a base das representações de si), alguns deles se "posicionam" de forma mais central em nossa identidade, e outros, de forma mais periférica. O que determina esse "posicionamento" é a intensidade da carga afetiva vinculada a determinado valor (ou contravalor) construído. Assim, nossos valores centrais são aqueles que, além de terem sido construídos a partir da ação projetiva de sentimentos positivos, a intensidade desses sentimentos é muito grande. Por outro lado, construímos alguns valores cuja intensidade dos sentimentos é pequena e, por isso, se "posicionam" na periferia de nossa identidade.
Vale enfatizar, entretanto, que o posicionamento de valores como centrais ou
periféricos é flexível, logo, um mesmo valor pode ser central ou periférico, dependendo
da situação na qual o sujeito se encontra. Araújo (2003, p. 160) exemplifica esta
declaração:
Exemplificando, existem pessoas que vão à farmácia comprar um remédio que custa 10 reais e descobrem que só em 9 reais e 80 centavos na carteira. O
5 Fragmento de uma versão simplificada de capítulo publicado no livro “Educação e Valores: pontos e contrapontos” (Araújo, U.F.; Puig, J. & Arantes, V., Summus Editorial, 2007).
26
balconista lhe entrega o remédio e ele diz que depois paga os 20 centavos restantes. Se a honestidade é um valor central na identidade desse cliente, ele poderá ir até sua casa pegar as moedas e voltar à farmácia para pagar os 20 centavos. Se não fizer isso, poderá sentir-se mal, incomodado. Por outro lado, conhecemos pessoas que primam por não pagarem suas dívidas e não se importam por ficar devendo aos outros. No primeiro caso, a honestidade é um valor central na identidade da pessoa em questão, o que significa que esse conteúdo possui uma forte carga afetiva para ele, enquanto que no segundo caso ela é um valor periférico, localizado na “periferia” de sua identidade, com pouca carga afetiva vinculada.
O papel exercido nesse sistema, pela intensidade dos sentimentos no
posicionamento dos valores, tem um papel importante na construção de valores e da
identidade.
Diante disso, Araújo (2007 p. 7) conclui:
[...] o valor moral depende de uma certa qualidade nas interações, e não é, necessariamente, construído pelas pessoas. Vincula-se à projeção afetiva positiva que o constitui, ligada ou não a conteúdos de natureza moral. Se os valores construídos como centrais na identidade são de natureza ética, estamos falando que existe maior probabilidade de que os pensamentos e os comportamentos dessa pessoa sejam éticos. Pelo contrário, se os valores construídos como centrais na identidade baseiam-se na violência, na discriminação, etc, é provável que seus comportamentos e pensamentos não sejam éticos.
Portanto, as situações que envolvem valores morais e/ou não morais,
contravalores e identidade estão fortemente associadas às emoções positivas e
negativas. Acreditamos que essas experiências emocionais entram em ação quando
estamos considerando uma decisão.
Sobre essas experiências emocionais, Bechara (2003, p. 196) declara que “a
ativação desses estados somáticos oferece sinais automáticos que, de maneira
explícita ou oculta, marcam diversas opções e situações com uma valoração”.
Mas, quais são os valores morais que podem ser construídos como centrais na
identidade do sujeito contemporâneo e que podem atuar em seu funcionamento
psíquico, regulando eticamente seus pensamentos e suas ações?
27
2.1.3 A criança e o processo de internalização dos valores
Segundo Araújo (2003, p. 104), Piaget vincula o desenvolvimento infantil ao
desenvolvimento do juízo moral. Desse modo, Piaget divide a relação das crianças com
as regras em 3 fases: anomia, heteronomia e autonomia.
A anomia é a fase da ausência de regras, por exemplo, um recém-nascido
desconhece a existência das regras sociais. A heteronomia é a fase em que a criança
conhece as regras que são determinadas por outras pessoas e a autonomia é a fase
em que a criança internaliza as regras e se submete conscientemente a elas (PIAGET,
1932).
Assim, podemos compreender que, para Piaget, as crianças menores estão no
estágio de heteronomia, isto é, as regras são impostas pelos adultos e as crianças
maiores passam aos poucos para um estágio de autonomia, em que as regras são
vistas como resultado de uma decisão livre e digna de respeito, aceitas pelo grupo.
Lawrence Kohlberg (1984), ex-aluno de Piaget, insatisfeito com sua obra, ainda
que aceitasse a abordagem cognitivo-evolutiva, dedicou-se a redefinição dos estágios
de desenvolvimento moral estabelecendo seu próprio esquema, criticando aspectos
fundamentais da teoria piagetiana.
Segundo Kohlberg, existem seis estágios em ordem invariável, como os de
Piaget, em que se desenvolve a moralidade. Kohlberg cita os estágios para que o
indivíduo tem que passar para evoluir, porém, para ele, muitos adultos não passam do
3º estágio, onde está presente as expectativas interpessoais mútuas, relacionamentos e
conformidades interpessoais. E através de uma série de estudos e pesquisas, a Teoria
do Desenvolvimento Moral, onde estabelece um esquema de desenvolvimento definido
em três níveis e seis estágios.
1º NIVEL PRÉ-CONVENCIONAL: A moralidade da criança é marcada pelas conseqüências de seus atos: punição ou recompensa, elogio ou castigo, e baseia-se no poder físico (de punir ou recompensar) daqueles que estipulam as normas.
Estágio 1 - O que determina a bondade ou maldade de um ato são as conseqüências físicas do ato (punição). Respeita-se a ordem apenas por medo à punição, e não se tem consciência nenhuma do valor e do significado humano das regras.
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Estágio 2 - A ação justa é aquela que satisfaz as minhas
necessidades, a que me gera recompensa e prazer, e, ocasionalmente aos outros. As relações humanas são vistas como trocas comerciais. Mais ou menos assim "Tu me gratificas e eu te gratifico". A pessoa tenta obter recompensas pelas suas ações.
2º NÍVEL CONVENCIONAL: Nesse nível a manutenção das expectativas da família, do grupo, da nação, da sociedade é vista como válida em si mesma e sem muitos questionamentos ou porquês. É uma atitude de conformidade com a ordem social, mas também uma atitude de lealdade e amor á família, ao grupo, ao social.
Estágio 3 - É bom aquele comportamento que agrada aos outros e por eles é aprovado. De certa forma, é bom o que é socialmente aceito, aquilo que segue o padrão. O comportamento é muitas vezes julgado com base na intenção, e a intenção torna-se pela primeira vez importante. É a busca do desejo de aprovação familiar e social.
Estágio 4 - Há o desenvolvimento da noção de dever, de
comportamento correto, de cumprir a própria obrigação. Há o desejo de manter a ordem social especificamente pelo desejo de mantê-la, isto é, por que isso é justo.
3º NÍVEL PÓS-CONVENCIONAL: Há um esforço do indivíduo para definir os valores morais, para definir conscientemente e livremente o que é certo e o que é errado, e porquê... Prescinde-se muitas vezes da autoridade dos grupos e das pessoas que mantém a autoridade sobre os princípios morais.
Estágio 5 - É a tomada da consciência da existência do outro, da maioria, do bem comum, dos direitos humanos... A ação justa é a ação que leva em conta os direitos gerais do indivíduo, isto é, o bem comum. Valores pessoais são claramente considerados relativos, é a lei da maioria e da utilidade social.
Estágio 6 - O justo e correto é definido pela decisão da consciência
de acordo com os princípios éticos escolhidos e baseados na compreensão lógica, universalidade, coerência, solidariedade universal. Guia-se por princípios universais de justiça, de reciprocidade, de igualdade de direitos, de respeito pela dignidade dos seres humanos, por um profundo altruísmo, pela fraternidade. Os padrões próprios de justiça têm mais peso do que as regras e leis existentes na sociedade (RIBEIRO E SILVA. G, 2003, p. 06).
Ribeiro e Silva (2003, p.06) conclui sua pesquisa afirmando que tanto no
modelo de Piaget como no de Kohlberg, a moralidade de um indivíduo depende tanto
de fatores psicológicos e biológicos (quem é a pessoa, quem são seus pais, qual sua
bagagem genética...), como de elementos sociais e culturais (onde nasceu, em que
época, quem são seus vizinhos, amigos, mestres, grau de instrução, condição
financeira...).
29
2.1.4 Valores morais e não-morais
Já vimos que Araújo (2003; 2007) destaca que sentimentos éticos, quando
centrais, vão construir, psicologicamente, valores morais na identidade do sujeito, ao
passo que os sentimentos não éticos vão construir valores não morais ou contravalores.
Martins6 (2009) conceitua dez valores que, segundo ele, se construídos podem
melhorar a vida em sociedade: autonomia, capacidade de convivência, diálogo,
dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, justiça, participação social,
respeito mútuo, generosidade e tolerância.
Dentre os valores citados por Martins, analisaremos, nesta pesquisa o valor
moral generosidade.
Em relação à generosidade, Pinheiro (2009, p. 68) declara que ela “caracteriza-
se por uma virtude por excelência altruísta [...] requer dar algo sem ser pelo
cumprimento do dever”.
Comte-Sponville (2009, p. 105-106) ainda comenta que “A generosidade é o
contrário do egoísmo [...] ser generoso é ser livre de si, de suas pequenas covardias, de
suas pequenas posses, de suas pequenas cóleras, de seus pequenos ciúmes”.
Assim, pretendemos verificar se os contos de fadas contemporâneos, na
versão fílmica, constroem o valor generosidade no público infanto-juvenil porque
acreditamos que se trata de um valor moral extremamente necessário ao homem
contemporâneo que, por viver rodeado por valores hedonistas/não-morais, necessita
construí-lo em sua identidade, como valor central, a fim de combater o predomínio do
egoísmo.
Verificaremos também se ocorre à construção psicológica de valores não-
morais, como o egoísmo. Em relação ao egoísmo, Borriello et al. (2003, p. 349), declara
que este valor indica “amor excessivo a si próprio”.
Esses autores ainda declaram que o egoísmo é uma:
6 MARTINS, V. A prática de valores na escola. Disponível em: http://www.abec.ch/Portugues/subsidios-educadores/artigos/categorias/artigos-ed paz/ARTIGO_A_PRATICA_DE_VALORES_NA_ESCOLA%20_Versao25_11_04.pdf. Acesso em 17 Ago 2011.
30
Necessidade desproporcional de conservação e de valorização de si mesmo, ainda que com prejuízo dos outros, quase que a cristalização do indivíduo na própria realidade e na própria história; o ponto de referência de tudo é o próprio eu, como se fosse o centro do universo [...] busca exclusivamente a satisfação dos próprios interesses pessoais (BORRIELLO et al., 2003, p. 349).
Por ser esse um valor não-moral expresso, geralmente, pela valorização do
sucesso, da beleza, da popularidade, do status social, da fama, do dinheiro, do poder,
entre outros, consideramos importante verificarmos se ele pode ser construído
psicologicamente pelo público infanto-juvenil, através dos contos de fadas
contemporâneos na versão fílmica.
2.2 Os contos de fadas
Há dois tipos de contos muito semelhantes: os contos maravilhosos e os
contos de fadas. De acordo com Todorov (1971, p. 120) “o conto de fadas é uma das
variedades do conto maravilhoso, do qual se distingue por uma certa escritura e não
pelo estatuto do sobrenatural”.
Contudo, há outros teóricos que afirmam que o conto de fadas e os contos
maravilhosos são diferentes, são dois gêneros distintos, ou seja, embora apresentem
estruturas narrativas idênticas, eles são diferentes em relação a sua problemática
central. Enquanto os contos de fadas apresentam uma problemática existencial: a
busca de realização pelo amor, os contos maravilhosos apresentam uma problemática
social: a busca de realização da personagem pela fortuna (COELHO, 2000, p. 109).
Coelho (2000, p. 172-173) declara que há ainda duas diferenças básicas entre
esses gêneros: a origem e o propósito:
A forma do conto maravilhoso tem raízes em narrativas orientais difundidas pelos árabes [...] O núcleo da aventura é sempre de natureza material/social/sensorial (a busca de riquezas, a satisfação do corpo; a conquista do poder, etc) [...] Desse maravilhoso nasceram personagens que possuem poderes sobrenaturais; deslocam-se; contrariando as leis da gravidade; sofrem metamorfoses contínuas; defrontam-se com as forças do Bem e do Mal, personificadas; sofrem profecias que se cumprem; são beneficiadas com milagres; assistem a fenômenos que desafiam as leis da lógica, etc. O conto de fadas é de natureza espiritual/ética/existencial. Originou-se entre os celtas, com heróis e heroínas, cujas aventuras estavam
31
ligadas ao sobrenatural, ao ministério do além-vida e visavam a realização interior do ser humano. Daí a presença da fada, cujo nome vem do termo latino”fatum”, que significa destino
Desse modo, podemos perceber então que os contos de fadas apresentam
uma problemática existencial: o herói ou a heroína que precisa vencer obstáculos ou
provas para alcançar sua auto-realização. Geralmente a aventura da busca parte de
uma metamorfose ou de um encantamento.
Já os contos maravilhosos apresentam um herói ou anti-herói que encontrará
sua auto-realização na conquista de bens e de poder material. A aventura de busca,
nesse caso, parte, geralmente, da necessidade de sobrevivência física ou da miséria
dos protagonistas.
Assim, embora narrativas maravilhosas, o conto de fadas e o conto
maravilhoso expressam atitudes bem diferentes diante da vida: no primeiro, ligadas ao
ideal, aos valores eternos, ao espírito; no segundo, ligadas ao sensorial, ao concreto, à
vida prática.
2.2.1 A estrutura das narrativas maravilhosas
Tanto os contos de fadas como os contos maravilhosos fazem parte dos
gêneros narrativos, por isso, é importante compreendermos o conceito de narrativa.
Para Siqueira (1992, p. 14), "[...] quando o fato se desenvolve a partir da
criação de um conflito, temos uma narrativa", ou seja, o fato do leitor reconhecer o
conflito é a principal característica da narrativa.
A narrativa se inicia com um equilíbrio e este é quebrado, seja pela introdução
de um elemento mágico, seja pelo falecimento ou afastamento de algum personagem.
Essa quebra de equilíbrio gera o conflito, e a narrativa desenvolve-se na busca de uma
solução. Uma vez resolvido o conflito, o equilíbrio que se restabelece não é mais o
mesmo, embora possa ser parecido com o inicial (SIQUEIRA, 1992, p. 17).
Segundo Todorov (1970, p. 40), temos:
[...] dois tipos de episódios numa narrativa: os que descrevem um estado de equilíbrio ou desequilíbrio, e os que descrevem a passagem de um estado a
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outro. O primeiro tipo será relativamente estático e, pode-se dizer, iterativo: o mesmo tipo de ações poderia ser repetido indefinidamente. O segundo, em compensação, será dinâmico e só se produz, em princípio, uma única vez.
Costa (2008, p. 67) explica as principais características do conto:
[...] é breve e curto, com um número reduzido de personagens em cena com ação concentrada. As personagens geralmente são anônimas e culturalmente prototípicas (rei, princesa, dragão, padre, moleiro...) Enunciativamente, as fórmulas introdutórias do tipo “Era uma vez...” de localização temporal indefinida, acabam dando ao conto um caráter de permanência temporal (passado e atual), além de colocá-lo no mundo ficcional.
Em relação à estrutura dos gêneros narrativos, Joseph Campbell criou, em
1949, em sua obra “O herói de mil faces”, uma estrutura textual básica que denominou
de Jornada do herói. A partir desta jornada, Campbell divide a aventura do herói em
três fases, que compreendem basicamente a partida, a iniciação e o retorno
(MARTINEZ, 2008, p. 52).
Segundo Mônica Martinez (2008, p. 56-57), a estrutura da Jornada do Herói de
Campbell foi transposta para o cinema por Christipher Vogler nos anos de 1980:
Até então, o analista de roteiros da Companhia Walt Disney preocupava-se em entender o mecanismo de uma boa história, daquelas que a pessoa tem a sensação de ter vivido uma experiência completa e significativa [...] Ao se deparar com o trabalho de Joseph Campbell, Vogler entende que o padrão que havia instituído estava mapeado no livro Q herói de mil faces, escrito pelo mitólogo norte-americano. Com o tempo, este conhecimento torna-se a base do metido empregado pelo especialista para diagnosticar problemas e prescrever soluções às películas cinematográficas. Em pouco tempo Vogler traça um memorando de sete páginas que intitula “Guia prático d’O herói de mil faces”, no qual exemplifica a idéia de Campbell por meio de filmes clássicos e contemporâneos.
De acordo com Vogler (2006, p. 26) “todas as histórias consistem em alguns
elementos estruturais comuns, encontrados universalmente em mitos, contos de fadas,
sonhos e filmes”.
Christopher Vogler (2006, p. 27) ainda declara:
Ficou logo evidente para mim que a Jornada do Herói era uma tecnologia narrativa útil e empolgante, que podia ajudar diretores e produtores a eliminar grande parte dos riscos de tentar adivinhar e dos gastos de desenvolver as histórias para um filme.
33
Diante disso, o autor passou a utilizar esta técnica em produções
cinematográficas, porém, atualizou-a de acordo com sua necessidade, modificando-a
do original de Campbell. A jornada de Vogler é chamada de ‘Jornada do Escritor’.
Figura 2. Comparação entre a Jornada do Escritor e a Jornada do Herói
Fonte: VOGLER, C. A jornada do escritor: estruturas místicas para escritores. Tradução de Ana Maria Machado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 34-35.
Vogler (2006, p. 37-46) explica cada parte da Jornada:
34
1. Mundo Comum: A maioria das histórias desloca o herói para fora de seu mundo ordinário, cotidiano, e o introduz em um Mundo Especial, novo e estranho; 2. Chamado à Aventura: Apresenta-se ao herói um problema, um desafio, uma aventura a empreender; 3. Recusa do Chamado (o Herói Relutante): Agora é a hora do medo. Com freqüência, o herói hesita logo antes de partir em sua aventura, Recusando o Chamado, ou exprimindo relutância; 4. Mentor (a Velha ou o Velho Sábio): A função do Mentor é preparar o herói para enfrentar o desconhecido; 5. Travessia do Primeiro Limiar: Finalmente, o herói se compromete com sua aventura e entra plenamente no Mundo Especial da história pela primeira vez — ao efetuar a Travessia do Primeiro Limiar; 6. Testes, Aliados e Inimigos: Uma vez ultrapassado o Primeiro Limiar, o herói naturalmente encontra novos desafios e Testes, faz Aliados e Inimigos, e começa a aprender as regras do Mundo Especial; 7. Aproximação da Caverna Oculta: Finalmente, o herói chega à fronteira de um lugar perigoso, às vezes subterrâneo e profundo, onde está escondido o objeto de sua busca; 8. A Provação: Aqui se joga a sorte do herói, num confronto direto com seu maior medo. Ele enfrenta a possibilidade da morte e é levado ao extremo numa batalha contra uma força hostil; 9. Recompensa (Apanhando a Espada): Após sobreviver à morte, o herói, então, pode se apossar do tesouro que veio buscar, sua Recompensa; 10. Caminho de Volta: Mas o herói começa a lidar com as conseqüências de ter-se confrontado com as forças obscuras da Provação; 11. Ressurreição: É uma espécie de exame final do herói, que deve ser posto à prova, ainda uma vez, para ver se realmente aprendeu as lições da Provação. O herói se transforma; 12. Retorno com o Elixir: O herói retorna ao Mundo Comum, mas a jornada não tem sentido se ele não trouxer de volta um Elixir, tesouro ou lição do Mundo Especial.
Nelly Novaes Coelho também organizou uma estrutura básica para se analisar
os contos de fadas e os contos maravilhosos. Ela extraiu cinco invariantes definidas por
Wladimir Propp que estão sempre presentes nos contos de fadas e nos contos
maravilhosos – aspiração (ou desígnio), viagem, obstáculos (ou desafios), mediação
auxiliar e conquista do objetivo (final feliz) (COELHO, 2000, p. 109 -110):
35
1. Toda efabulação tem, como motivo nuclear, uma aspiração ou um desígnio, que levam o herói (ou a heroína) à ação;
2. A condição primeira para a realização desse desígnio é sair de casa; o herói
empreende uma viagem ou se desloca para um ambiente estranho, não-familiar;
3. Há sempre um desafio à realização pretendida, ou surgem obstáculos
aparentemente insuportáveis que se opõem à ação do herói (ou da heroína);
4. Surge sempre um mediador entre o herói (ou a heroína) e o objetivo que está difícil de ser alcançado; isto é, surge um auxiliar mágico natural ou sobrenatural, que afasta ou neutraliza os perigos e ajuda o herói a vencer;
5. Finalmente o herói conquista o almejado objetivo.
Portanto, as narrativas – sejam elas maravilhosas ou não, seguem uma
determinada estrutura – tanto para a escrita verbal, como para sua forma mais
contemporânea que é a cinematográfica. Contudo, vale enfatizar que, diferentemente
de qualquer outra forma de literatura, elas são capazes de contribuir diretamente para a
construção da identidade e dos valores éticos e morais.
2.2.2 Os contos de fadas e os valores morais e éticos
Dentre as narrativas maravilhosas, o foco desta pesquisa está nos contos de
fadas e, em relação aos valores morais e éticos, esse gênero apresenta uma certa
“complexidade das forças interiores” (positiva e negativa) sobre a dualidade
maniqueísta que sempre caracterizou o comportamento das personagens tradicionais.
Sobre isso, Coelho (2000, p. 154) declara:
A intenção maior é dotar as personagens de ficção da ambigüidade natural dos homens e, através dela, revelar as forças polares ou contraditórias, inerentes à condição humana. Embora em algumas obras a lição de vida desemboque em horizonte “fechado” e enfatize as forças negativas ou o fracasso do viver, a grande maioria delas aponta para a esperança, para o entusiasmo e a importância de se participar dinamicamente da vida.
Assim, podemos perceber que os contos de fadas, além de dar exemplos ou
conselhos, propõem problemas a serem resolvidos, estimulando a capacidade de
36
compreensão dos fenômenos e provocando idéias novas ou uma atitude receptiva em
relação às inovações que a vida cotidiana propõe (ou proporá), além de procurar
capacitar as crianças e jovens a optarem, com inteligência, nos momentos de agir.
Segundo o historiador Darnton (1996, p. 61), as primeiras versões dos contos
de fadas, embora não tivesse a intenção de transmitir valores morais, sugeriam cautela:
Sem fazer pregações nem dar lições de moral, os contos demonstram que o mundo é duro e perigoso. Embora, na maioria, não fossem endereçados às crianças, tendem a sugerir cautela. Como se erguessem letreiros de advertência, por exemplo, em torno à busca de fortuna: "Perigo!"; "Estrada interrompida; "Vá devagar!"; "Pare!" É verdade que alguns contêm uma mensagem positiva. Mostram que a generosidade, a honestidade e a coragem são recompensadas. Mas não inspiram muita confiança na eficácia de se amar os inimigos e oferecer a outra face. Em vez disso, demonstram que, por mais louvável quês seja dividir o seu pão com mendigos, não se pode confiar em todos aqueles que se encontra pelo caminho. Alguns estranhos talvez se transformem em príncipes e fadas bondosas; mas outros podem ser lobos e feiticeiras, e não há maneira de distinguir uns dos outros.
Darnton (1996, p. 05) ainda declara que nestas primeiras versões, os
contadores de histórias procuravam retratar um mundo de brutalidade:
As outras histórias da Mamãe Ganso dos camponeses franceses têm as mesmas características de pesadelo. Numa versão primitiva da "Bela Adormecida", por exemplo, o Príncipe Encantado, que já é casado, viola a princesa e ela tem vários filhos com ele, sem acordar. As crianças, finalmente, quebram o encantamento, mordendo a durante a amamentação, e o conto então aborda seu segundo tema: as tentativas da sogra do príncipe, uma ogra, de comer sua prole ilícita. O "Barba Azul" original é a história de uma noiva que não consegue resistir à tentação de abrir uma porta proibida na casa de seu marido, um homem estranho, que já teve seis mulheres. Ela entra num quarto escuro e descobre os cadáveres das esposas anteriores, pendurados na parede. Horrorizada, deixa a chave proibida cair de sua mão numa poça de sangue, no chão. Não consegue limpá la; então, Barba Azul descobre sua desobediência, ao examinar as chaves. Enquanto ele amola sua faca, preparando se para transformá la na sétima vítima, ela se recolhe em seu quarto e veste seu traje de casamento. Mas demora a se vestir, o tempo suficiente para ser salva por seus irmãos, que galopam em seu socorro depois de receberem um aviso de seu pombo de estimação. Num dos primeiros contos do ciclo de Cinderela, a heroína torna se empregada doméstica, a fim de impedir o pai de forçá la a se casar com ele. Em outro, a madrasta ruim tenta empurrá la para dentro de um fogão, mas incinera, por engano, uma das mesquinhas irmãs postiças. Em "João e Maria", na versão dos camponeses franceses, o herói engana um ogre fazendo o cortar as gargantas de seus próprios filhos. Um marido devora uma sucessão de recém casadas, no leito conjugal, em "La Belle et le monstre" ("A bela e a fera"), uma das centenas de contos que jamais chegaram a ser incluídos nas versões publicadas de Mamãe
37
Ganso. Num conto mais desagradável, "Les trois chiens" ("Os três cães"), uma irmã mata seu irmão escondendo grandes pregos no colchão de seu leito conjugal. No conto mais maligno de todos, "Ma mère m'a tué, mon père m'a mangé" ("Minha mãe me matou, meu pai me devorou"), uma mãe faz do filho picadinho e o cozinha, preparando uma caçarola à lionesa, que sua filha serve ao pai. E por aí vai, do estupro e da sodomia ao incesto e ao canibalismo.
As versões dos contos de fadas, conhecidas hoje, foram modificadas ao longo
da história para se adequarem ao público infantil. Estas versões passaram a enfatizar
os ensinamentos éticos e morais.
Coelho (2000, p. 179) destaca alguns valores presentes nesse gênero
narrativo:
� Predomínio dos valores humanistas; preocupação fundamental com a sobrevivência ou com as necessidades básicas do indivíduo: fome, sede, agasalho, descanso, estímulo à caridade, solidariedade, boa vontade, tolerância... Valorização da palavra dada quem, em hipótese alguma, poderá ser quebrada;
� Oscilação entre uma ética maniqueísta (nítida separação entre o Bem e o
Mal; Certo e Errado) e uma ética relativista (o que parecia mau acaba se revelando bom; o que parecia errado resulta em algo certo...). Mas quanto às ações, a regra é: prêmio para o Bem e castigo para o Mal;
� A esperteza/astúcia inteligente vencem a prepotência e a força bruta;
inclusive através de atos que julgados rigorosamente são desonestos mas desculpados pela moral prática (é o caso das artimanhas do Gato de Botas para tornar o seu pobre amo um nobre senhor);
� A ambição desmedida ou a insaciabilidade humana causam desequilíbrios
sem conta;
� Há uma ordem natural nos seres e nas coisas que não deve ser contrariada;
� São sempre os mais velhos que detêm nas mãos o poder e a autoridade, de maneira absoluta e inquestionável. Enquanto os mais novos sempre os predestinados (apesar de no início parecer o contrário...) Os primeiros representam o passado, a tradição; os últimos, o futuro;
� O indivíduo que consegue vencer as provas e passar do nível mais baixo da
sociedade para o mais alto, é sempre alguém com dons excepcionais; � A grande mediadora da possível ascensão do homem na escala social é a
mulher. Casando-se com a “filha do rei” ou do “nobre abastado”,o indivíduo pobre ou plebeu automaticamente enobrece e se torna poderoso;
� As qualidades exigidas á mulher são: beleza, modéstia, pureza, obediência,
recato ... e total submissão ao homem (pai,marido, irmão, etc). É dada muito maior ênfase às relações entre pai e filha, do que entre esposo e esposa.
38
Muitos e muitos dos núcleos dramáticos dessas histórias expressam problema entre pai e filha;
� É enfatizada a ambigüidade da natureza feminina. Desde as narrativas
primordiais, a mulher pe causa de bem e de mal, tanto pode salvar o homem, com sua bondade e amor, como pode pô-lo a perder com seus ardis e traições. Ela tanto pode ser a amada divinizada pela qual o príncipe luta como pode ser apenas o instrumento da procriação desejada pelo homem. Nota-se, porém, que a exploração dos aspectos negativos da mulher se dá, basicamente, nos contos jocosos; isto é, são aspectos realçados com comicidade: mulheres gulosas, perdulárias, teimosas, mentirosas, ignorantes, fingidas...
Percebemos, portanto, que a essência dos contos de fadas, nas versões
atuais, está na capacidade que esse tipo de texto tem em abstrair conceitos formadores
de caráter, uma vez que estabelece relação entre “bem e mal”, “certo e errado”.
No decorrer da história, os contos de fadas passaram a abordar, conforme
vimos, questões existenciais e relevantes para a vida do homem. Não são histórias
tenebrosas ou esvaziadas de significação, ao contrário, trazem hoje profundas
reflexões acerca da conduta humana (DONÊNCIO, 2011, p. 90).
E, a criança necessita de idéias sobre como colocar ordem sua “casa interior”.
Ela necessita de uma educação moral que, de modo sutil e só implicitamente, a
conduza às vantagens do comportamento moral, não por meio de conceitos éticos
abstratos, mas daquilo que lhe parece tangivelmente correto e, portanto, significativo.
Para Bettelheim (2007, p. 12) “a criança encontra esse tipo de significado nos
contos de fadas”, já que estas histórias lidam com problemas humanos universais.
As personagens e situações dos contos de fadas também personificam e ilustram conflitos íntimos, mas sempre sugerem sutilmente como esses conflitos podem ser solucionados e quais os próximos passos a serem dados rumo a uma humanidade mais elevada. O conto de fadas é apresentado de um modo simples, despretensioso; nenhuma solicitação é feita ao ouvinte [...] Longe de fazer solicitações, os contos de fadas reassegura, dá esperança para o futuro e oferece a promessa de um final feliz (BETTELHEIM, 2007, p. 37).
Bettelheim (2007, p. 16) esclarece também, com detalhes, como os contos de
fadas contribuem para a educação moral da criança:
39
É característico dos contos de fadas colocar um dilema existencial de maneira breve e incisiva. Isso permite à criança apreender o problema em sua forma mais essencial, enquanto que uma trama mais complexa confundiria as coisas para ela.O conto de fadas simplifica todas as situações [...] Ao contrário do que acontece em muitas histórias infantis modernas, nos contos de fadas o mal é tão onipresente quanto a virtude. Em praticamente todo conto de fadas, o bem e o mal são corporizados sob a forma de algumas personagens e de suas ações, uma vez que o bem e o mal são onipresentes na vida e as propensões para ambos estão presentes em todo homem. É essa dualidade que coloca o problema moral e requer a luta para resolvê-lo [...] Não é o fato de a virtude vencer no final que promove a moralidade, mas sim o fato de o herói ser extremamente atraente para a criança, que se identifica com ele em todas as suas lutas. Devido a essa identificação, ela imagina que sofre com o herói suas provas e tribulações, e triunfa com ele quando a virtude sai vitoriosa. A criança faz tais identificações inteiramente por conta própria, e as lutas interiores e exteriores do herói lhe imprimem moralidade.
Assim, podemos dizer que os contos de fadas levam a criança a construir sua
identidade e seus valores morais e éticos, além de sugerirem experiências que são
necessárias para desenvolver ainda mais seu caráter.
2.3 O longa-metragem animado
Brito (2011, p. 21) declara que “estamos em um momento da cultura em que as
imagens estão presentes em nosso cotidiano como nunca visto antes”. Lévy (1995, p.
15) também afirma que “vivemos em uma civilização da imagem ou do audiovisual”,
pois a preponderância visual é maciça e determinada pelos meios de comunicação que
utilizam a imagem para comunicar, seduzir, persuadir, destruir, informar e também
manipular.
Como vivenciamos uma forte cultura visual, os longas-metragens animados
têm conquistado um grande público. Mas, o que é animação?
Animação significa dar ânima, dar alma, dar vida. Pode-se dizer que a
animação traz em si a essência do cinema. Manipulando sinteticamente o tempo e o
espaço, a arte de animar expressa a criação de um universo próprio que faz parte do
imaginário de todos que, desde a infância, se encantam com a possibilidade do lúdico.
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É o terreno do absurdo e da fantasia, no qual a realidade é sempre reinventada e,
muitas vezes, criticada7.
Existem outras referências para a palavra animação, Vilaça (2006, p. 35) inicia
com a definição:
A palavra ANIMAÇÃO vem do latim Anima e significa Alma ou Sopro Vital. Animar significa dar vida a objetos inanimados. Em cinema é a arte de dar vida, de conferir movimentos a objetos inanimados através de recursos técnicos, onde cada situação é registrada individualmente em material sensível.
Em 1937, o Walt Disney Studio lança o primeiro longa-metragem animado
baseado em um conto de fadas dos Irmãos Grimm. Branca de Neve e os Sete Anões
que surpreendeu o público. Três anos depois o estúdio lança continuadamente seus
filmes animados que marcaram época, alguns deles são: Pinóquio (1940), Dumbo
(1941), Bambi (1942), Cinderela (1950) e A Bela Adormecida (1959). Em 1991 estréia A
Bela e a Fera, primeiro filme de animação a ser indicado ao Oscar de melhor filme, que
apresentou cenas produzidas com a ajuda de computadores, como a dança de Bela e
Fera no salão de baile. Em 1995, os estúdios Disney, em parceria com a produtora de
animação digital Pixar, apresentam Toy Story, considerado o primeiro longa-metragem
totalmente produzido por computação gráfica. A partir de então, a maioria dos filmes de
animação utiliza as técnicas de três dimensões (VITA, 2009, p. 1-2).
Hoje existem várias técnicas e utilidades para a animação. Podemos dividir
esse gênero em três técnicas principais:
2D ou cell animation ou desenho animado: O que identifica essa técnica é a utilização de células de papel ou acetato onde são feitos os desenhos. Existem papéis especiais para animação e pencil test. Alguns animadores utilizam o papel sulfite 75 gramas, que dá um bom resultado e é mais facilmente encontrado. Depois da animação pronta, as células são fotografadas ou digitalizadas com um scanner. Stop Motion: Não utiliza células de papel como suporte. O animador nessa técnica trabalha geralmente com objetos inanimados: massa de modelar, objetos diversos, grãos, recorte de papel e outros. A imagem é captada utilizando a fotografia quadro a quadro. O pixilation é um stop motion com
7 Definição de animação contida na abertura do site (www.eba.ufmg.br/quadroaquadro), acessado dia 26/06/11 às 14:30h.
41
pessoas; elas têm que ter uma postura inanimada, como um boneco, o animador orienta as posições que elas têm que ficar para serem fotografadas. É uma animação com características visuais em três dimensões como um filme em live action e não pode ser confundida com a técnica 3D, toda criada virtualmente. 3D e CG (Computação gráfica): É, basicamente, a formação de objetos, personagens, cenários etc. através de softwares de computador específicos com ferramentas e efeitos avançados. Já existem sistemas de modelagem, animação e tratamento de imagens 3D que possibilitam a criação de imagens hiperealistas, semelhantes aos ambientes naturais. Suas aplicações são diversas: podem ser desenvolvidas narrativas em animação que explorem os recursos da técnica; utilizá-la para criar efeitos especiais em filmes em live action; a tecnologia aplicada à medicina a utiliza para criar ambientes orgânicos tridimensionais; aplicada na tecnologia espacial, em estratégias de guerra e outras (VILAÇA, 2006, p. 24-26).
Vilaça (2006, p. 27) ainda afirma que “uma série de animações está sendo
produzida de forma híbrida”, ou seja, desenha-se no papel, digitaliza-se a animação e
finalizam-se os filmes em computação gráfica, ou capturam-se algumas cenas em stop
motion que depois são finalizadas em 3D.
A animação em 3D permite também a estruturação de um público fiel ao
formato, além de contrabalançar a queda nas vendas e a pirataria crescente, já que o
formato é hábil em resgatar o público ao cinema, por oferecer uma experiência
exclusiva.
Sobre o cinema de animação, D’Elia (1996, p. 163) declara:
[...] o cinema de animação integra elementos de todas as outras formas de expressão. É plástico, musical, narrativo, cinematográfico e coreográfico. Empresta das outras artes seus códigos e elementos. Mas tem também seu repertório particular, onde se destacam: o timing; a dinâmica do movimento e o acting.
O timing se refere ao número de imagens que devem ser fotografadas para
cada segundo de animação. Também é o que determina a velocidade da ação. A
dinâmica do movimento dá-se a partir da qualidade plástica, pois é esta a responsável
pelo ritmo e pela métrica, fazendo com que a imagem possua uma relação direta com a
música. O acting é fazer com que os personagens demonstrem emoções e
personalidade.
De acordo com Brito et al. (2011, p. 18):
42
O cinema, enquanto arte, parte do concreto para o visível, do imediato, do próximo, pois explora o ver, o ter diante de nós a situações, as pessoas, os cenários, as cores, as relações espaciais. Os filmes são sensoriais, visuais, onde a linguagem falada, a musical, a escrita interagem superpostas, interligadas, somadas. Daí a sua força. Os filmes atingem os seres humanos por todos os sentidos e de todas as maneiras. Essa combinação de linguagens que começa no sensorial, passa pelo emocional, pelo intuitivo e atinge o racional.
Este hibridismo presente na linguagem cinematográfica, seja numa animação
ou não, influencia na cognição das pessoas. Por isso, torna-se necessário analisar e
interpretar as mensagens explícitas e implícitas e a ideologia ali presente.
Setton (2004, p. 143) declara que “tanto a produção quanto a recepção do filme
são envolvidas por interesses ideológicos”. A pesquisadora ainda afirma que:
[...] a ideologia de um filme não assume a forma de declarações ou reflexos diretos sobre a cultura. Ela se encontra na narrativa e nos discursos usados – imagens, mitos, convenções e estímulos visuais.
Almeida (2004, p. 23) assegura que “o espectador de cinema passeia ingênuo
e desarmado, buscando seu prazer em meio a um mercado que não é ingênuo, nem
desarmado”, já que a trilha sonora, as cores vibrantes, os efeitos visuais e auditivos e a
emoção concentrada exercem um domínio em todos os sentidos do receptor.
Diferentemente do livro, que exige um receptor ativo, o filme precisa de um
receptor passivo e é isso que se constitui a arma de manipulação deste suporte.
43
3. METODOLOGIA DE PESQUISA
Assim que definimos a problemática da presente investigação que é investigar
se crianças de 11 a 12 anos constroem valor moral, como a generosidade e/ou se
constroem valores não-morais como o egoísmo a partir dos contos de fadas
contemporâneos, na versão fílmica, propusemo-nos a elaborar a metodologia que
desse suporte para encontrarmos respostas às questões levantadas.
Diante disso, verificamos que método de pesquisa mais apropriado para
realizar o estudo proposto é o método indutivo, já que partimos do particular para o
geral.
Além do método indutivo, elegemos também a pesquisa bibliográfica a Teoria
dos Modelos Organizadores do Pensamento.
Tanto o método como a metodologia eleita para analisarmos os resultados
obtidos nesta pesquisa, possibilitar-nos-ão de verificar os modelos elaborados pelos
sujeitos diante de situações de conflito moral presentes nos contos de fadas
contemporâneos na versão fílmica.
3.1 Método
O método indutivo baseia-se na crença de que é possível confirmar um
enunciado (lei) através de um certo número de observações singulares (CHALMERS,
1993, p. 28).
O ponto de partida para a indução não são os princípios, como na dedução,
mas a observação dos fatos e dos fenômenos, da realidade objetiva. Seu ponto de
chegada é o estabelecimento de leis ou regularidades que regem os fatos ou
fenômenos (OLIVEIRA, 2002).
Oliveira (2002, p. 61) ainda completa, dizendo que “na realidade, a indução não
é um raciocínio único: ela compreende um conjunto de procedimentos empíricos, outros
lógicos e outros intuitivos”.
44
A indução ou raciocínio indutivo é, portanto, uma forma de raciocínio em que o
antecedente são dados e fatos particulares e o antecedente, é uma afirmação universal
(SEVERINO, 2002).
Este método de pesquisa deve, contudo, ter uma abordagem qualitativa, já que
esta envolve o uso de dados obtidos em entrevistas, documentos, questionários e
observações dos sujeitos pesquisados para a compreensão e explicação de
fenômenos.
Para Vergara (2010, p. 47):
Uma motivação para se fazer pesquisa qualitativa vem da observação que, se há uma característica que distingue os seres humanos em relação ao mundo natural, é a habilidade de falar. Os métodos de pesquisa qualitativa são projetados para ajudar os pesquisadores a compreender as pessoas e os contextos sociais e culturais em que elas vivem. O objetivo de compreender um fenômeno do ponto de vista dos participantes e de seu contexto sócia e institucional fica prejudicado quando os dados textuais são quatificados.
Seguindo o método de pesquisa indutiva sob uma abordagem qualitativa, é
necessário que façamos uma pesquisa bibliográfica sobre os temas abordados neste
trabalho, pois, este tipo de pesquisa é importante para reunir, revisar e comparar
informações e conhecimentos produzidos em períodos e locais próximos e/ou distantes.
Além disso, a pesquisa bibliográfica possibilita o desenvolvimento de estudos
qualitativos nas áreas de pesquisas das Ciências Humanas, devido ao fato de
permitirem a análise de contextos históricos e socioculturais, proporcionando a
compreensão de valores morais e éticos, que orientam os comportamentos sociais
durante o exercício da cidadania (GOLDENBERG, 1997).
Os objetivos da pesquisa bibliográfica é descrever, explicar e prever a frequência
de ocorrência de um problema a partir de referências teóricas registradas e publicadas
em documentos teóricos (CERVO; BERVIAN, 2003). Como verificaremos se contos de
fadas contemporâneos, na versão fílmica, constroem valores morais e não-morais, a
revisão bibliográfica torna-se de suma importância para que esta pesquisa se
concretize.
45
3.2 A investigação da moralidade a partir dos modelos organizadores do
pensamento
A teoria dos Modelos Organizadores do Pensamento investiga as
representações mentais dos sujeitos, ou seja, procura entender de que forma o sujeito
incorpora os elementos existentes no mundo em que vive e como elabora a sua própria
compreensão sobre esse mundo.
Arantes (2003, p. 109) destaca que esta teoria:
[...] vem sendo elaborada pelas professoras Montserrat Moreno, Genoveva Sastre e Aurora Leal, da Universidade de Barcelona (Moreno et al., 1999). Essa teoria incorpora em seus pressupostos explicativos o papel que os sentimentos, os desejos, as emoções e as fantasias exercem em nossos juízos e nossas ações e, por isso, aponta novos caminhos para a compreensão das relações entre a afetividade e a cognição no funcionamento psíquico do ser humano.
Para isso, esta teoria parte da idéia de que o sujeito constrói modelos de
realidade que lhes permitem conhecer uma parte do mundo que o cerca e, a partir
disso, estuda a forma como ele os constrói.
De acordo com Sastre e Moreno (2003, p. 119):
O conjunto de representações que o sujeito realiza a partir de uma situação determinada, constituído pelos dados que abstrai e retém como significativos entre todos os possíveis, aqueles que imagina ou infere como necessários, os significados e as implicações que lhes atribui, e as relações que estabelece entre todos eles. Os modelos organizadores de pensamento constituem aquilo que é tido por cada sujeito como a realidade, a partir da qual elabora pautas de conduta, explicações e teorias.
Pinheiro (2009, p. 116-117) explica os três aspectos básicos da construção dos
Modelos Organizadores do Pensamento:
a) abstração e seleção de elementos da situação problemática; b) atribuição de significados aos elementos considerados relevantes e rechaço
dos elemento considerados irrelevante;
c) estabelecimento de relações e/ou implicações entre os elementos abstratos e seus significados.
46
Pinheiro (2009, p. 117) ainda enfatiza que “os elementos selecionados passam
a formar uma parte do sistema de representação, os modelos organizadores, que
construímos a partir de uma situação”.
É importante apontar também que é a partir dos Modelos Organizadores e dos
elementos presentes nas situações-problema que pode entender as estratégias
utilizadas pela mente humana, na resolução de conflitos, incluindo os de natureza
moral, já que esses elementos desencadeiam desejos, sentimentos, afetos,
representações sociais e valores (PINHEIRO, 2009, p. 119).
Sobre o processo de abstração de dados Arantes (2003, p. 118) afirma que:
O sujeito psicológico, diante de determinada situação, certamente não retém todos os dados da realidade. Faz uma seleção: são retidos aqueles dados que, para ele, são significativos, e rechaçados aqueles que não considera significativos ou pertinentes. Os dados excluídos não intervêm no juízo desenvolvido pelo sujeito uma vez que foram por ele desconsiderados. Portanto, os mesmos dados (não-significativos para o sujeito) não figuram no seu “modelo organizador”. O raciocínio elaborado pelo sujeito será baseado somente nos dados significativos (portanto abstraídos e retidos) por ele.
Vasconcelos et al. (2010, p. 211) sintetizam os componentes de um Modelo
Organizador de Pensamento: “(a) são modelos de realidade e (b) são construídos pelo
sujeito no processo de apropriação do conhecimento”.
Estes mesmos pesquisadores (2010, p. 215) elencaram as vantagens dos
Modelos Organizadores de Pensamento:
a) expressa, no estudo do fenômeno psicológico, a organização entre elementos, significados e suas implicações;
b) possibilita explorar a conjugação entre estrutura e conteúdos, permitindo
assim uma apreensão mais abrangente da complexidade do modo como o sujeito pensa a realidade, já que apenas os recursos operatórios não são suficientes para explicar o funcionamento cognitivo – incluem-se nas operações empregadas valores, sentimentos, princípios e regras envolvidos nos raciocínios;
c) permite observar a diversidade de modelos de realidade; d) permite observar as regularidades entre modelos de realidade;
e) não estabelece, numa investigação, a classificação prévia das respostas dos
sujeitos, desse modo, confere uma melhor fidedignidade aos dados coletados, demonstrando com mais detalhes seu papel no funcionamento psíquico;
47
f) no campo da psicologia, representa uma alternativa metodológica
significativa na análise de conteúdos;
g) no campo da moralidade avança, notadamente, na análise de situações
envolvendo conflitos.
Para se aplicar os Modelos Organizadores de Pensamento, é necessário seguir
algumas etapas8:
1. Apresentação de uma situação-problema; 2. Aplicação de um questionário sobre a situação-problema, com base em três questões eixo: a) O que você pensaria se estivesse na situação apresentada? b) O que você sentiria se estivesse na situação apresentada? c) O que você faria se estivesse na situação apresentada? 3. Identificação dos elementos abstraídos e retidos como significativos; 4. Identificação de todos os significados atribuídos a cada um dos elementos; 5. Implicações estabelecidas pelos sujeitos; 6. Elaboração dos Modelos Organizadores do Pensamento; 7. Análise quantitativa, em função dos modelos e da variável “estado emocional”.
Por todos esses pressupostos, vemos na teoria dos Modelos Organizadores do
Pensamento um caminho para se investigar os valores morais e não-morais construídos
psicologicamente, a partir dos contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica.
3.3 Procedimentos metodológicos
Com o intuito de avaliar as hipóteses sobre a relação entre os contos de fadas
contemporâneos e a construção psicológica de valores morais e não-morais nas
8 Adaptação da obra de Vasconcelos et al. (2010, p. 212-214).
48
crianças de 11 a 12 anos realizamos, primeiramente, um levantamento de algumas
releituras fílmicas de contos de fadas tradicionais do ano 2000 ao ano 2010.
Neste levantamento, encontramos algumas releituras, mas quatro delas nos
chamou a atenção por propiciarem uma versão contemporânea dos contos de fadas
mais lidos, conhecidos e amados pelas crianças: Deu a louca da Chapeuzinho
Vermelho (2005), Deu a louca na Cinderela (2007), Deu a louca na Branca de Neve
(2009),) e Enrolados (2010) que é uma versão do conto de fadas Rapunzel.
Porém, como esta pesquisa tem a intenção de analisar os contos de fadas
contemporâneos, não poderíamos deixar de analisar a versão fílmica do conto de fadas
Shrek, baseado na obra do escritor William Steig (1990), por conta de tornar-se um
filme de grande sucesso entre o público de todas as idades. Para isso, selecionamos
três filmes Shrek (2001), Shrek II (2004) e Shrek III (2007).
Após realizada a seleção dos longas-metragens animados, decidimos recortar
algumas cenas que nos desse suporte para encontramos respostas as questões
levantadas. Assim, os recortes foram realizados em cenas que apresentavam uma
situação-problema de cunho moral, onde se poderia analisar a construção dos valores
morais e não-morais investigados nesta pesquisa.
Assim, recortamos um total de 18 cenas, conforme demonstra a tabela abaixo:
Tabela 1 – Quantidade de recortes por filme
Deu a louca na Chapeuzinho
Vermelho
Deu a louca na
Cinderela
Deu a louca na Branca de neve
Enrolados Shrek I II III
2 recortes 3 recortes 3 recortes 6 recortes 1 recorte 1 recorte 2
recortes
Estes 18 recortes traziam, ao nosso ver, conflitos que, após questões
dilemáticas, levariam os sujeitos a posicionar-se, utilizando conteúdos existentes nos
contextos ali apresentados.
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Em todos os recortes selecionados para a presente pesquisa, foram realizados
três questionamentos, conforme prevê a Teoria dos Modelos Organizadores de
Pensamento.
As primeiras perguntas tinham como objetivo identificar as representações
estabelecidas pelas crianças a respeito do conflito, ou seja, seria o julgamento das
ações dos sujeitos envolvidos nas cenas recortadas.
As segundas questões tinham por objetivo identificar os sentimentos, emoções
e afetos que a cena provocou e, nas terceiras questões, o objetivo era identificar o que
os sujeitos pesquisados abstraíram como mais significativo naquele contexto.
Em todas estas questões, procuramos organizar, através dos sentimentos
expressos em cada cena, o raciocínio do público-alvo da pesquisa em dois pólos: o de
aceitação e o de negação da atitude.
3.4 Procedimentos para a coleta de informações
Depois de realizarmos um estudo piloto com duas crianças de 10 a 12 anos,
iniciamos a nossa coleta de dados na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEB)
Padre Eustáquio II que pertence ao município da Estância Hidromineral de Poá, que
fica na região do Alto Tietê.
É válido destacar que tanto a Direção como a Coordenação Pedagógica desta
Unidade Escolar, após explanarmos os objetivos e a justificativa desta pesquisa,
apoiaram-nos por considerarem o tema importante e pertinente.
Por termos conquistado a confiança da equipe gestora, pudemos escolher as
turmas que participaram da amostra: cinco salas de 6º ano do Ensino Fundamental –
ciclo II – do período da manhã, num total de 133 crianças desta escola municipal. A
coleta foi realizada durante uma semana, por conta da quantidade de salas e de alunos
participantes.
Vale destacar que, para cada sala de 6º ano foi sorteado um filme específico:
6º ano A (Deu a louca da Branca de Neve), 6º ano B (Shrek), 6º ano C (Deu a louca na
Chapeuzinho Vermelho), 6º ano D (Enrolados) e 6º ano E (Deu a louca na Cinderela).
50
Primeiramente, explicamos as crianças que se tratava de uma pesquisa
científica e agradecemos a colaboração de todas elas. Em seguida, distribuímos os
questionários que elas deveriam responder após a apresentação dos recortes dos
contos de fadas, na versão fílmica, que selecionamos para análise.
Solicitamos que as crianças respondessem as perguntas da forma mais
completa possível e individualmente.
3.5 Procedimentos para a análise das informações
Após colhermos todos os questionários aplicados, dividimo-los, primeiramente
por filme analisado. Em seguida, analisamos os protocolos de respostas e os dividimos
em dois modelos: modelo 1 (predominância da generosidade) e modelo 2
(predominância do egoísmo).
No decorrer das análises, percebemos que havia protocolos onde a
generosidade surgia como central e o egoísmo como periférico e vice-versa. Por conta
disso, criamos dois sub-modelos para o modelo 1 (sub-modelo 1 generosidade como
valor central e sub-modelo 2 generosidade como valor periférico) e outros dois sub-
modelos para o modelo 2 (sub-modelo 1 egoísmo como valor central e sub-modelo 2
egoísmo como valor periférico).
Além disso, verificamos em cada protocolo os sentimentos que as crianças
abstraíram de cada contexto, classificando-os como sentimentos de negação ou de
afirmação da atitude.
51
4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
4.1 Chapeuzinho Vermelho
4.1.1 Versão tradicional X Versão Contemporânea
A primeira versão francesa em papel do conto de fadas Chapeuzinho Vermelho
data do ano de 1697 (CORSO; CORSO, 2006, p. 51). Nesta narrativa antiga,
Chapeuzinho vai levar, a mando da mãe, pão e leite para sua avó. Enquanto caminhava
alegremente pela floresta, um lobo apareceu e perguntou-lhe onde ia. Ela,
ingenuamente, respondeu que ia à casa da vovó.
O Lobo muito esperto, chegou primeiro a casa, matou-a, colocou seu sangue
numa garrafa, fatiou sua carne num prato, comeu e bebeu satisfatoriamente, guardou
as sobras na despensa, colocou a camisola da vovó e esperou por Chapeuzinho na
cama.
Quando a menina chegou, o lobo ofereceu-lhe carne e vinho. A Menina comeu
o que lhe foi oferecido, e enquanto comia o gato de sua avó a observava aos
murmúrios, dizendo: "Meretriz! Então, comes a carne e bebes o sangue de tua avó com
gosto. Ata teu destino ao dela!".
Em seguida, o lobo pediu que a menina se dispisse e se deitasse com ele na
cama. A menina fez um strip-tease e se deitou ao lado do lobo. Ao sentir o toque do
pêlo roçar em seu corpo, ela disse: “Como a senhora é peluda, vovó” e o lobo
respondeu ”É para te esquentar, minha neta”. E, após o diálogo clássico, ela foi
finalmente devorada.
Décadas depois, Perreault dá um caráter de fábula moral ao conto buscando
ensinar que quem transgride as regras se expõe ao perigo. Em 1857, os irmãos Grimm
escreveram a continuação desta história e lhe deram um caráter de contos de fadas.
[...] após Chapeuzinho ter sido devorada, um lenhador que estava passando em frente à casa da avó da menina escutou o ronco do lobo que dormia de barriga cheia. Ele entrou e cortou-lhe a barriga, retirando a avó e a neta vivas de seu ventre; após, os três preencheram o espaço vazio do estômago do
52
animal com pedras.O lobo acordou com sede e acabou afundando na água que pretendia beber (CORSO; CORSO, 2006, p. 52).
Apesar das modificações, ao longo dos anos, o diálogo ficou preservado, onde
a vítima ingênua, mas desconfiada, questiona o lobo e é abocanhada por ele. Diante
disso, Diana Lichtenstein Corso e Mário Corso (2006, p. 53) explicam que:
Por mais máscaras que se ponha para suavizar a violência do relato, a menina será engolida, e a tensão da narrativa provém da percepção das crianças ouvintes, que antecipam o perigo, ao passo que amenina se deixa enganar.
Bettelheim (2007, p. 239-240) completa:
Chapeuzinho Vermelho é amada universalmente porque, embora virtuosa, é tentada; e porque sua sorte nos diz que confiar nas boas intenções de todos, que parece ser tão bom, na realidade nos deixa sujeitos a armadilhas. Se não houvesse algo em nós que aprecia o grande lobo mau, ele não teria poder sobre nós. Por conseguinte, é importante entender sua natureza, mas ainda mais importante é saber o que o torna atraente para nós. Por mais atraente que seja a ingenuidade, é perigoso permanecer ingênuo a vida toda.
Tanto a versão original, como a de Perreault e dos irmãos Grimm, fica evidente
que o valor moral nesta história é a obediência e a esperteza.
Em 2005 Cory Edwards escreveu, juntamente com Todd Edward e Tony Leech
e dirigiram o filme Hoodwinked (Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho) que foi
produzido pela Europa Corporation.
Nesta versão, Chapeuzinho vendia doces para a vovó na floresta. De repente,
as receitas dos doces começam a ser roubadas por alguém que a polícia não consegue
identificar. A trama se desenvolve nesta busca pelo bandido. Todos são suspeitos, a
história vai acontecendo com o interrogatório de todos que estavam na cena: o lobo, a
vovó, Chapeuzinho e o lenhador.
Alguns personagens novos são apresentados, o sapo detetive, os ursos
policiais e o coelho (figuram inicialmente doce e singela que acaba como o grande vilão
da história).
53
Em se tratando da adaptação do gênero textual ao contexto histórico, essa
história reflete características do contexto contemporâneo, como por exemplo, o uso no
cenário de bares, teleféricos, policiais, aparelhos de escuta, os esportes radicais
praticados pela avó, o celular, dentre outras coisas.
O que se percebe nesta versão contemporânea é a inversão de valores, pois o
lobo não é mais malvado. Ao contrário, é responsável e não aceita coisas erradas.
A avó deixa de ter uma imagem frágil e indefesa, e passa a praticar esportes
radicais. Aliás, nesta nova versão, há uma trama policial, há esportes radicais, há o
desejo de tornar-se ator, há atividades jornalísticas e, tudo isso, para corresponder as
novas necessidade do público, devido as mudanças operadas nos costumes e nos
valores sociais e morais.
4.1.2 Apresentação dos Modelos Organizadores de Pensamento relativos ao filme
“Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”
Os recortes do filme ‘Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho’ foram
apresentados a 22 alunos do 6º ano C do Ensino Fundamental – ciclo II da EMEB
Padre Eustáquio II. A seguir, apresentamos, no quadro abaixo, a transcrição das cenas
recortadas deste filme, além de outras informações, como ano de produção, diretor,
sinopse, pais de origem e os questionamentos feitos aos alunos.
Quadro 1 – Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho
Ano: 2005 Diretor: Cory Edwards País de Origem: Estados Unidos
Sinopse: A tranquilidade da vida na floresta é alterada quando um livro de receitas é roubado. Os suspeitos do crime são Chapeuzinho Vermelho, o Lobo Mau, o Lenhador e a Vovó, mas cada um deles conta uma história diferente sobre o ocorrido. Cabe então ao inspetor Nick Pirueta investigar o caso e descobrir a verdade.
Transcrição dos Recortes
Recorte 1 Sapo: O que esta escondendo, vovó? Vovó: Minha família se preocupa muito, eu não queria que eles descobrissem. Sapo: Descobrissem o quê? Chapeuzinho: É, o quê? Cegonha: Ai chefe,olha isso aqui.
54
(Nossa) Sapo: Eu observei que tem três G tatuados no seu pescoço. Faz sentido, o símbolo das Gatonas das Gostosuras e Guloseimas. Vovó: É verdade... Não sou igual às outras avós, eu jamais gostei de tricotar, e ficar jogando bingo, ver TV, eu prefiro viver a vida aos extremos! Narrador dos esportes: E vem ai pra você, a vovó radical! Vovó: Uma viagem pela uma montanha é muito perigosa para uma menininha. Chapeuzinho: Não sou mais uma menininha vovó. Vovó: Por favor, fique com as receitas ai e então vai ficar tudo bem. Tenho que desligar, a novela começou, beijos... Hora de botar pra quebrar! Vovó: Eu não tinha tempo livre para receber e visita da Chapeuzinho, eu tinha ido ao campeonato de esportes radicais na neve! Treinei duro três meses para isso...
Questionamentos
1. Você acha que a Vovó se sentiu egoísta, ao revelar a verdade a todos? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
2. Como você se sentiria se estivesse no lugar da Vovó, ou seja, tendo que revelar que ocultava algo de todos? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
3. Se você fosse a vovó, faria o mesmo, ou seja, ocultaria a verdade de sua família? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
Recorte 2
Adolfe: Não estou gostando, tem policia para todo lado. Coelho: Esqueça a policia, temos tudo que precisamos aqui. Adolfe: E aquela velhinha? Se estiver viva, ela volta. Coelho: Você não entende, não é Adolfe? Eu cansei, eu cansei de trabalhar para os outros! O homem do bolinho, a vovó, eu quero acabar com eles, eu não vou ter que obedecer a mais ninguém, nunca mais! (risos) Eu adoro o meu trabalho. Tá vendo como funciona Adolfe, defina a sua personalidade, estabeleça sua meta e realize seu objetivo. Pergunte a você mesmo: Onde eu posso estar daqui a 5 anos? Chapeuzinho: Vai estar atrás das grades! Coelho: Chapeuzinho! Oi! O que? Você? Você estragou a surpresa! Chapeuzinho: Você é o bandido! Coelho: Surpresa! Chapeuzinho: Eu não vou sair daqui sem as receitas. Coelho: Sério? Chapeuzinho: É! Você é um coelho muito mal! Coelho: Ah, alguém me ofendeu finalmente! Você acha mesmo, que eu ficava seguindo você por ai porque gostava de você? (luta) Coelho: Essas orelhas merecem respeito, mocinha. (luta) Coelho: Só sabe isso? Luta como mulherzinha! (luta) Coelho: Vá para casa chorar no colo da Vovozinha! Adolfe, amarre a garota. Isa, roube o livro, Vincent, pegue o caminhão, Ricardo, caramba muda de nome, por favor! Esse nome não assusta ninguém, parece nome de sapo, Bores é melhor. Bores: Ah. Coelho: Caco, já pensou? OOH! Cuidado com o Caco! Chapeuzinho: AAH, você é louco! Coelho: Talvez seja, mas eu, sou o rei do pedaço agora, menina!
Questionamentos 1. Você acha que o Coelho se sentiu egoísta ao revelar que pensou apenas nele e que por
isso planejou o roubo do livro de receitas? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
2. Como você se sentiria se estivesse no lugar do Coelho, ou seja, tendo que revelar que era o
55
vilão da história? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta: 3. Se você estivesse no lugar do Coelho, ou seja, cansado de trabalhar para os outros, faria o
mesmo que ele fez? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
Os 22 protocolos de respostas obtidos a partir da análise dos recortes acima
transcritos foram classificados em 2 modelos organizadores de pensamento (1 e 2),
conforme explicações dadas no capítulo anterior.
Conforme explicita a tabela abaixo, utilizamos os 2 sub-modelos do modelo 1 e
apenas 1 sub-modelo do modelo 2 para classificar os protocolos obtidos neste filme, já
que não houve protocolos onde o valor não-moral egoísmo surgisse como um valor
periférico no sistema de valores dos sujeitos analisados.
Tabela 2 – Configuração dos modelos organizadores de pensamento e sub-modelos
referente ao filme “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”
Modelo 1 Generosidade
Modelo 2 Egoísmo
16 06 Sub-Modelo 1.1
Generosidade como central Sub-Modelo 2.1
Egoísmo como central 14 06
Sub-Modelo 1.2 Generosidade como periférico
02
O modelo 1 tem como base a construção do valor generosidade pelos sujeitos
pesquisados. Podemos notar que, dentre os 22 sujeitos que analisaram este conto de
fadas na versão contemporânea e fílmica, 16 construíram o valor generosidade.
Isso significa que em 72,7% das cenas recortadas do filme ‘Deu a louca na
Chapeuzinho Vermelho”, que continham conflitos de cunho moral, os participantes
demonstraram uma maior carga afetiva vinculada ao valor generosidade.
No sub-modelo 1.1, fica evidente que em 63,3% dos protocolos analisados,
essa carga afetiva foi tão intensa que proporcionou o posicionamento central deste
valor na identidade daquelas crianças.
56
Estes sujeitos apontaram, nos protocolos, que não seriam egoístas a ponto de
guardarem um segredo para si, mesmo que pudessem se prejudicar por uma possível
rejeição social. Assim, demonstraram que poderiam até enfrentar preconceitos, mas
contariam a verdade. Também declararam que jamais agiriam de má fé para
conquistarem um objetivo.
Já no sub-modelo 1.2, notamos que em 9,2% dos protocolos analisados, a
generosidade foi construída como um valor periférico. Os sujeitos classificados neste
modelo apontaram que poderiam revelar o segredo apenas se se tratassem de
pessoas da família. Para as demais, continuariam ocultando. Declararam também que
dependendo da ocasião e da pessoa, poderiam sim agir de má fé para conquistarem
um objetivo. Logo, a ação projetiva de sentimentos morais surgiu, mas não foi tão
intensa a ponto de posicionar este valor no centro do sistema de valores destes
indivíduos, posicionando-o na periferia.
O modelo 2 apresenta a construção do valor não-moral egoísmo. A partir das
análises dos protocolos de respostas do filme ‘Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho’
podemos concluir que dentre os 22 sujeitos pesquisados, o valor egoísmo surgiu em
27,3%.
Ao analisarmos a posição em que este valor surgiu na identidade das crianças,
percebemos, a partir do sub-modelo 2.1, que o egoísmo apareceu apenas como um
valor central e não surgiu nenhuma vez como valor periférico.
Em 18,1% dos protocolos o egoísmo surgiu como central. Nestes protocolos,
os sujeitos apontaram que seriam egoístas sim e não revelariam o segredo e agiriam
sim de má fé para conquistar seus objetivos. Nos outros 9,2%, o egoísmo surgiu como
central acompanhado da generosidade como valor periférico, conforme já apontado
nesta pesquisa.
Os dados aqui apresentados podem ser melhores visualizados nos gráficos
abaixo:
57
72,70%
27,30%
Generosidade
Egoísmo
Gráfico 1 – Construção de valores, em porcentagem, a partir do filme “Deu a louca na Chapeuzinho
Vermelho”
27,30%
9%
0
63,60%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
Generosidade Egoísmo
Central
Periférico
Gráfico 2 – Posição dos valores no filme “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”
Quanto aos sentimentos expressos no recortes analisados, percebemos que a
vergonha, a culpa e a tristeza apareceram no modelo 1.1, o que acabaram favorecendo
a construção do valor generosidade, já que os sujeitos não se sentiram a vontade a
agirem da forma egoísta como as retratadas nos recortes. Estes sujeitos, se agissem
58
daquele modo, contrariariam os valores centrais de sua identidade, no caso a
generosidade e assim não se sentiriam bem.
Contudo, no modelo 1.2, o sentimento moral vergonha apareceu nos
protocolos e com uma intensidade pequena. Por isso, no sistema de valores destes
sujeitos analisados, a posição da generosidade foi periférica. O sentimento bem estar,
que surgiu também nestes mesmos protocolos, obteve uma carga afetiva muito maior
que a vergonha, por isso o egoísmo aqui surgiu como um valor central e a
generosidade, como periférico.
Por outro lado, os sentimentos de bem estar, felicidade, normalidade,
presentes no sub-modelo 2.1, acabaram permitido a construção do valor-não moral
egoísmo, pois demonstram que os sujeitos perceberam as atitudes egoístas como
normal e outros demonstraram que até se sentiriam felizes em ter tais atitudes.
Essas informações podem ser melhor visualizadas na tabela abaixo:
Tabela 3 – Disposição afetiva em relação aos valores no filme “Deu a louca na
Chapeuzinho Vermelho”
Modelos Sub-Modelos Sentimentos Negação da Atitude Afirmação da
Atitude 1 1.1 Vergonha, culpa,
tristeza. ---------
1.2 Vergonha Bem estar 2 2.1 ------------
Normalidade, bem estar, felicidade,
Assim, podemos concluir que, enquanto há sentimentos que negam a atitude
egoísta dos protagonistas das situações de conflito presentes neste filme, há também
aqueles que afirmam tais atitudes.
Desse modo, podemos abstrair que a grande maioria das crianças que
aplicaram o sub-modelo 1.1, construiu – a partir do conto de fadas na versão fílmica
‘Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho’ – a generosidade como um valor central,
59
porque sentiram vergonha, culpa e tristeza em relação as ações de cunho moral
visualizadas nos recortes.
Por outro lado, houve crianças que demonstraram sentir-se normal, bem ou até
mesmo feliz com a situação analisada, assim, o valor não-moral egoísmo foi construído
como central, já que não se importaram e nem se incomodaram com a situação de
conflito pela qual o protagonista passou. Isto é preocupante, pois o valor egoísmo
centralizado no sistema de valores destes sujeitos poderá influenciar negativamente na
construção de sua identidade.
Por fim, resta-nos destacar que em dois protocolos – conforme já explicado
anteriormente – o egoísmo surgiu como central apresentando também a generosidade
como valor periférico. Diante disso, podemos compreender que, embora o egoísmo
tenha surgido como um valor central, ocorreu também a presença da generosidade no
sistema de valores destas duas crianças. Vale destacar que, como a identidade destas
crianças ainda não está formada, o valor generosidade, que ora é periférico, poderá
tornar-se central se trabalhada adequadamente a educação em valores.
4.2 Cinderela
4.2.1 Versão tradicional X Versão Contemporânea
Cinderela é um conto chinês datado do ano de 850 da nossa era. De acordo
com Bettelheim (2007, p. 323) “o incomparável minúsculo tamanho dos pés como um
sinal de virtude, distinção e beleza, assim como o sapatinho feito de material precioso,
são facetas que indicam uma origem oriental”.
Coleman (2006, p. 151) descreve como a madrasta entrega uma faca para uma
filha cortar os dedos e a outra o calcanhar, para que os pés coubessem no sapatinho e
elas pudessem enganar o príncipe, contudo, um pássaro aponta o sapato
ensangüentado e o príncipe descobre percebe que havia sido enganado.
A versão hoje mais difundida se deve basicamente a Perrault (1697), seguida
em popularidade pela versão dos irmãos Grimm (1812). A maior parte dos elementos
60
do roteiro do desenho animado de Walt Disney (1850) foi retirada da história francesa
(Corso; Corso, 2006, p. 107).
O que se percebe, em todas as versões tradicionais, é que a madrasta parece
não invejar diretamente a beleza, a juventude e o bom caráter de Cinderela, mas deixa
claro que não suporta a falta desses dons em suas filhas legítimas (Corso; Corso, 2006,
p. 110).
Na versão de Perreault, Cinderela morava com a madrasta e suas duas filhas,
após a morte de seu pai. As três mulheres invejavam a beleza e a bondade da moça.
Então a converteram em sua criada. Cinderela lavava, limpava, passava e cozinhava.
Um dia, o rei convidou todas as jovens do reino para um baile no palácio, pois
o príncipe herdeiro queria escolher uma esposa. As filhas da madrasta acreditavam que
uma delas seria a escolhida, e passaram a tarde provando vestidos. A pobre Cinderela
também queria ir ao baile, mas as suas irmãs a proibiram.
De repente, sua fada madrinha apareceu e transformou uma abóbora numa
carruagem, dois ratinhos em cavalos, e o cachorro de Cinderela no seu cocheiro.
Além disso, deu-lhe um belo vestido e lindos sapatos de cristal. Na festa,o
príncipe encantou-se por Cinderela, mas o encanto acabou e ela desceu as escadas do
palácio, com tanta pressa que perdeu um sapatinho de cristal.
O príncipe, que estava apaixonado por Cinderela, saiu correndo atrás da
jovem, mas não conseguiu alcançá-la. Encontrou o seu sapatinho de cristal na escada
e o guardou.
No dia seguinte, o príncipe que não sabia nem ao menos o nome de sua
amada, mandou que seu pajem a procurasse pelo reino, a moça cujo pé coubesse
naquele sapatinho.
O pajem procurou por todo o reino, mas nenhuma moça tinha um pé tão
pequeno que coubesse naquele sapatinho. Quando chegou na casa de Cinderela,
provou o sapatinho nas suas irmãs, mas os pés delas eram grandes demais.
Ele estava indo embora quando viu Cinderela varrendo um cômodo da casa.
Após muito insistir ele conseguiu fazê-la provar o sapatinho.
61
O sapatinho serviu perfeitamente em seu pequeno pezinho. Ele a levou para o
castelo ao encontro do príncipe e, no dia seguinte, Cinderela casou-se e houve festa
em todo o reino.
James (2010, p. 153-158) afirmam que:
Cinderela agradou a todos, menos a si mesma. Entretanto, ao fazer isso, perdeu o contato com as próprias emoções [...] Os maus- tratos que Cinderela sofreu nas mãos da madrasta e das irmãs de criação podem ter levado a um senso de baixa auto-estima e feito com que questionasse suas ações. É provável que tenha achado difícil entender seus sentimentos e certificar-se do que queria. Basicamente, Cinderela tinha uma percepção fragmentária de si mesma, e desejava a aprovação dos outros [...] Cinderela talvez tenha confundido amor com um desejo de ser salva de uma vida familiar insatisfatória.
Segundo Steyer (2010, p. 1-5), na versão fílmica contemporânea de Paul
Bolger (2007) “Deu a louca na Cinderela”, o narrador é Rick, o criado do príncipe. Ele
vai e volta na história para contar tudo o que acontece, e esse vaivém acaba sendo um
recurso interessante para desmontar a ordem natural da narrativa.
A idéia do filme é basicamente essa: uma personagem secundária ou uma
pessoa comum, como Rick, também pode se tornar principal e ter um final feliz. Diz ele:
“Não sou nem mocinho nem vilão. Trabalho na cozinha” (STEYER, 2010).
O “lúdico” acaba aparecendo a partir de uma série de elementos que
entremeiam a narrativa, mas que no final convergem para o “autoritário”. Entre outros
tantos elementos interessantes do filme, podemos destacar a participação dos 7 anões,
que, com todo um aparato militar, ajudam Cinderela e seus amigos a derrotar os vilões,
que são recrutados por sua madrasta (Frida) para acabar com as forças do bem e com
os finais felizes (STEYER, 2010).
No final, derrotada, Frida suplica: “Só quero um final infeliz. É pedir muito”?
Com as atrapalhadas do príncipe (que cai do cavalo, bate a cabeça num tronco e é
capturado por trolls) Rick acaba ficando com Cinderela, que no final do filme diz que
“não é um final feliz, mas um começo”. Rick complementa com a “moral” da história:
“Até um sujeito comum pode ter um final feliz” (STEYER, 2010).
62
4.2.2 Apresentação dos Modelos Organizadores de Pensamento relativos ao filme
“Deu a louca na Cinderela”
Os recortes deste filme foram apresentados a 28 alunos do 6º ano E do Ensino
Fundamental – ciclo II, da escola já citada nesta pesquisa. Abaixo, serão apresentadas
no quadro, informações sobre o filme e a transcrição dos recortes que foram analisados
pelos alunos.
Quadro 2 – Deu a louca na Cinderela
Ano: 2007 Diretor: Paul Bolger e Yvette Kaplan País de Origem: Alemanha e Estados Unidos
Sinopse: Como está tudo programado no mundo dos contos de fada para que haja um final feliz, o Mago, responsável pelo equilíbrio entre as forças do bem e do mal, decide sair em férias. Ele deixa seus assistentes, Mambo e Manco, cuidando de tudo. Porém um erro faz com que Frieda, a madrasta da Cinderela, tenha a posse do cajado mágico. Seu objetivo é tomar o controle do mundo de contos de fada, fazendo com que os vilões vençam e que os finais das histórias jamais sejam felizes novamente. Isto faz com que Cinderela, mais conhecida como Ella entre os amigos, tenha que encontrar um meio de deter Frieda, contando com a ajuda de Rick, Manco, Mambo e um exército composto de fadas e anões.
Transcrição dos Recortes
Recorte 1
Rick: Ótimo, lá vem a mulher dragão. Frieda: Leva horas para deixar vocês bonitas, agora temos que fazer tudo outra vez, e você... Pode entregar! Anda logo, vamos, me dá o outro! Ella: Eu fui convidada, madrasta. Filha 1: Ah, se ela for, vai fazer a gente passar vergonha. Filha 1: Ela não tem o que vestir... Frieda: Menina,s é claro que a Citronela pode ir. Infelizmente ela tem umas coisinhas para fazer antes do baile, uhm... Primeiro, engraxar os meus sapatos, depois fazer carne assada, deixar a banheira bem branquinha, lavar o gato com xampu, colocar telhas novas no telhado, lubrificar a carruagem... Devo continuar? (risos)
Questionamentos
1. Você acha que a Frieda se sentiu egoísta ao impedir que Cinderela fosse ao baile, mesmo sendo convidada? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Frieda, ou seja, impedindo Cinderela de ir ao baile? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
3. Se você soubesse que Cinderela, por sua beleza, poderia impedir que uma de suas filhas conquistasse o príncipe, faria o mesmo que Frieda fez? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
Recorte 2
Ella: Temos que fazer alguma coisa.
63
Rick: Tudo bem, a gente... Ella: Eu já sei! Temos que achar o príncipe. Ele saiu para me procurar, nós temos que achá-lo. Rick: Pra quê? Ele é um playboy, ele só faz o que o livrinho dele diz. Ella: Eu garanto que o livro dele diz que ele deve ser um herói. Rick: Se você acha que aquele exibido vai nos salvar, tá sonhando. Ella: Posso até estar sonhando, mas eu sei de uma coisa, eu sei que isso não devia estar acontecendo, foi a Frieda, ela esta fazendo tudo de ruim, como sempre fez comigo, Cinderela, agora faz com todos. Precisamos de um herói para impedi-la, precisamos do príncipe! Rick: Quer dizer, você precisa do príncipe! Ella: O problema não é só meu, ela tá dominando tudo! Rick: O problema é todo seu! Quer virar princesa para se mudar lá pra cima e esquecer que pessoas como eu existe! Ella: Escuta aqui! Você esta sendo ridículo! Rick: Ridículo? Quer saber? Você tem que sair daqui, esta bloqueando a minha luz, eu tenho que lavar a louça. Ella: Ta bom! Eu vou! Eu não preciso de você mesmo!
Questionamentos
1. Você acha que Cinderela se sentiu egoísta ao achar que só um príncipe poderia ser o herói da história e salvar a todos? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
2. Se estivesse no lugar de Cinderela, você se sentiria egoísta ao acreditar que somente um príncipe poderia salvar a todos do mal? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
3. Se você estivesse no lugar de Cinderela, acreditaria que, além do príncipe, ninguém mais poderia salvar o reino do mal? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
Recorte 3
Rick: Qual é, eu acho que ficamos sem combustível, não sei. Ella: Ta bom, você não quer achar o príncipe. Você quer ele fora do caminho, pra que você seja o herói. Rick: Ella, eu conheço o príncipe, ele não vai ajudar, e eu sei que eu posso ajudar. Ella: Não, você não pode, você não pode ser um herói, você não é um príncipe!
Questionamentos
1. Você acha que Cinderela se sentiu egoísta ao achar que Rick não queria a ajuda do príncipe por querer ser um herói? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Cinderela? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
3. Se você estivesse no lugar de Cinderela, falaria o que ela falou ao Rick? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
Em seguida, será apresentada uma tabela que especifica os modelos e os sub-
modelos organizadores de pensamento resultantes dos recortes das cenas deste filme
que continham conflitos morais:
64
Tabela 4 – Configuração dos modelos organizadores de pensamento e sub-modelos
referente ao filme “Deu a louca na Cinderela”
Modelo 1 Generosidade
Modelo 2 Egoísmo
28 07 Sub-Modelo 1.1
Generosidade como central Sub-Modelo 2.1
Egoísmo como central 27 01
Sub-Modelo 1.2 Generosidade como periférico
Sub-Modelo 2.2 Egoísmo como periférico
01 06
Percebemos que, de acordo com o modelo 1, o valor generosidade esteve
presente em todos os protocolos analisados, ora como valor central e ora como valor
periférico. Através do modelo 2, podemos notar que o egoísmo surgiu 7 vezes nos
protocolos analisados, também como central e como periférico.
Isso significa que, embora o egoísmo tenha surgido em alguns protocolos, fica
evidente que o filme ‘Deu a louca na Cinderela’ construiu, prioritariamente, o valor
generosidade.
100
25
0 20 40 60 80 100 120
Deu a Loucana Cinderela
Egoísmo
Generosidade
Gráfico 3 – Presença dos valores nos protocolos de respostas obtidos na análise do filme “Deu a louca
na Cinderela”
65
Vale destacar que o valor generosidade apareceu em 100% dos protocolos de
respostas. Dentre os 28 protocolos analisados, em 27 a generosidade surgiu como um
valor central (sub-modelo 1.1) e em apenas 01 modelo, como valor periférico (sub-
modelo 1.2).
Diante disso, podemos compreender que, no sub-modelo 1.1, as crianças
declararam que não agiriam de maneira egoísta, assim o valor generosidade foi
construído, já que não concordaram com a atitude dos protagonistas dos recortes
analisados.
Isso significa que em 96,4% das cenas recortadas do filme ‘Deu a louca na
Cinderela”, que continham conflitos de cunho moral, os participantes demonstraram
uma maior carga afetiva vinculada ao valor generosidade, centralizando-a em seu
sistema de valores.
No sub-modelo 1.2, fica evidente que em 3,6% dos protocolos analisados, a
carga afetiva destinada ao valor generosidade não foi tão intensa a ponto de centralizá-
la no sistema de valores das crianças.
Todavia, este valor aparece, mas de maneira periférica, já que alguns alunos
demonstraram que, mesmo não concordando com a atitude egoísta de alguns
personagens, admitem que agiriam como a madrasta, impedindo Cinderela de ir ao
baile para não prejudicar suas filhas ao tentarem conquistar o príncipe.
Por outro lado, podemos perceber, no modelo 2, que o valor não-moral
egoísmo surgiu em 25% dos protocolos. No sub-modelo 2.1, ficou evidente que apenas
3,6% dos protocolos, o egoísmo apareceu como um valor central. Contudo, é válido
destacar que, mesmo o valor não-moral egoísmo tendo aparecido como central, a
generosidade esteve presente, nestes protocolos, como um valor periférico.
Estes sujeitos declararam que concordavam com a atitude egoísta dos
protagonistas, mas que não tratariam uma pessoa, como o personagem Rick foi tratado
pela Cinderela, apenas por não ser um príncipe e sim um rapaz que trabalhava na
cozinha.
Por outro lado, dentre os 25% dos protocolos na qual o egoísmo surgiu, em
21,4% ele apareceu como um valor periférico, por isso, foram classificados no sub-
modelo 2.2.
66
Neste sub-modelo, os sujeitos admitiram que, mesmo não concordando com a
atitude dos personagens, o rapaz que trabalhava na cozinha não podia ser o herói da
história.
Os dados aqui apresentados podem ser melhores visualizados nos gráficos
abaixo:
Generosidade: Surgiu em 100% dos Protocolos Egoísmo: Surgiu em 25% dos Protocolos
3,60%3,60%
21,40%
96,40%
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%
120,00%
Generosidade Egoísmo
Central
Periférico
Gráfico 4 – Posição dos valores no filme “Deu a louca na Cinderela”
Diante da tabela e do gráfico apresentados fica evidente que o valor moral
generosidade predominou durante a análise das situações de conflito apresentadas.
Abaixo, apresentamos uma tabela que especifica os sentimentos resultantes
de cada modelo e sub-modelo que foram organizados a partir do pensamento do
sujeitos analisados:
67
Tabela 5 – Disposição afetiva em relação aos valores no filme “Deu a louca na
Cinderela”
Modelos Sub-Modelos Sentimentos Negação da Atitude Afirmação da
Atitude 1 1.1 Tristeza, culpa, ------------
1.2 Tristeza, culpa Bem estar, 2 2.1 ----------- Bem estar,
normalidade 2.2 Tristeza Bem estar,
normalidade
Os sentimentos morais e não morais são os mesmos que já surgiu na análise
dos protocolos do filme anterior. Como podemos visualizar, na tabela acima, tanto os
sentimentos morais como os sentimentos não-morais surgiram. Os sentimentos morais
negam a atitude dos protagonistas das situações de conflito e os sentimentos não-
morais afirmam a atitude egoísta destes personagens.
Notamos que no sub-modelo 1.1 e 1.2, os sentimentos morais que surgiram,
com exceção da verrgonha, foram os mesmos: culpa e tristeza. Disso, podemos
abstrair que a grande maioria das crianças que aplicaram estes modelos, construiu – a
partir do conto de fadas na versão fílmica ‘Deu a louca na Cinderela – a generosidade,
contudo, vale destacar que, no sub-modelo 1.2, algumas crianças demonstraram sentir
bem-estar em relação as atitudes dos protagonistas, logo, além da construção do valor
generosidade, houve também a construção do valor egoísmo e, como já enfatizamos,
isso é preocupante, pois o valor egoísmo centralizado no sistema de valores destes
sujeitos poderá influenciar negativamente na construção de sua identidade.
Já no modelo 2, os sentimentos não-morais expressos nos protocolos foram
bem-estar e normalidade. No sub-modelo 2.1, eles foram predominantes nos
protocolos, daí a construção do egoísmo como valor central. Já no modelo 2.2, eles
também receberam uma carga afetiva maior, porém houve a presença – periférica –
do sentimento moral tristeza.
Por isso, o egoísmo foi construído como central no sistema de valores e a
generosidade surgiu também, nestes mesmos protocolos, como valor periférico.
68
4.3 Branca de Neve
4.3.1 Versão Tradicional X Versão Contemporânea
A versão européia mais antiga de Branca de Neve é do ano de 1634. Na
história original da Branca de Neve, a "madrasta malvada" (que em algumas versões
não é madrasta e sim sua mãe original) não cai de um penhasco como é mostrado no
final do filme da Disney (1937). Ela na verdade é forçada a vestir sapatos de ferro em
brasa e dançar até cair morta.
Na história original, invés de dar um "beijo de amor", o principie carrega o corpo
da Branca de Neve para seu palácio, para que assim ela estivesse sempre com ele.
Depois de algum tempo, um de seus servos, cansado de ter que carregar um caixão de
um lado pro outro, resolve surrar o corpo da menina. Um dos golpes desferidos no
estômago faz com que ela vomite a maçã envenenada e assim volte à vida (COLEMAN,
2006, p. 73-88).
Mas, a Branca de Neve, tal como a conhecemos aparece na compilação
folclórica dos irmãos Grimm que contam que uma linda princesa chamada Branca de
Neve, cuja beleza desabrochava dia a dia, causava inveja em sua madrasta, a rainha.
Todos os dias, a rainha perguntava ao seu Espelho Mágico quem era a mulher mais
bela do reino. Enquanto o espelho respondia que sua beleza reinava suprema, tudo
corria bem.
Até o dia, contudo, que o espelho respondeu à habitual pergunta com uma
revelação: "Branca de Neve é a mais bela do reino". Imediatamente, a rainha trama
para que Branca de Neve seja assassinada por um caçador servil, em pleno coração da
floresta.
Porém, sem coragem para levar a cabo a execução da jovem princesa, o
caçador recomenda que ela fuja e esconda-se nas profundezas da floresta para nunca
mais voltar.
Branca de Neve encontra a cabana dos sete anões, que passam os dias fora
de casa, trabalhando. Presumindo que o local fosse habitado por crianças, uma vez que
tudo em seu interior era tão pequeno, ela limpa e põe toda a casa em ordem, prepara o
69
jantar e, então, cai no sono. Quando os sete anões retornam do trabalho, encontram
Branca de Neve.
Enquanto isso, no castelo, a malvada rainha não tardou, por meio de seu
espelho mágico, a saber que a linda princesinha permanecia viva e continuava a ser a
mulher mais bela do reino. Disfarçando-se como uma pobre velhinha, envenena uma
maçã suculenta e, no dia seguinte, quando os anões estão longe de casa, visita Branca
de Neve na casinha da floresta e lhe oferece a fruta envenenada. Ao morder a maçã, a
jovem cai ao chão, desfalecida, como se estivesse morta.
Não demorou muito para que um príncipe passasse por ali e ficasse fascinado
por sua beleza inerte. Tanto pediu aos anões para que ela pudesse repousar em seu
palácio que, enfim, eles permitiram. Ao ser transportada, um tropeço dos lacaios
balançou o caixão e, com o solavanco, soltou-se da garganta de Branca de Neve o
pedaço de maçã envenenado que mantinha o sono enfeitiçado. Ao despertar da
amada, o príncipe declara o seu amor e é aceito pela moça. Enquanto que, na versão
da Disney, Branca de Neve é despertada por um beijo de amor.
De acordo com Steyer (2010, p. 1-5), em “Deu a Louca na Branca de Neve”, a
grande diferença é que as meninas e donzelas das histórias infantis são apresentadas
como as adolescentes de hoje: só pensam em festas, roupas, maquiagem e rapazes,
usam celulares e almejam uma vida típica de nossa sociedade de consumo,
extremamente materialista e repleta de modismos e elementos fugidios e passageiros.
Assim, Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho e Cachinhos Dourados, “as
garotas mais populares nas terras dos contos de fadas”, furam a fila nas entradas das
festas, onde têm direito à sala vip e outras regalias, e torcem o nariz para a presença
de camponeses (a “ralé”) nas mesmas (STEYER, 2010).
O problema é que o “príncipe” de Branca de Neve é justamente alguém
originário da tal “ralé”. Sir Peter é um camponês que acaba ajudando Branca de Neve a
acabar com as pretensões de Lady Vaidosa, a mulher horrorosa que desde menina
desejava se tornar rainha (STEYER, 2010).
O pai de Branca de Neve, o rei, cansado das peraltices adolescentes da filha
(“Criar uma filha é mais complicado do que cuidar do reino”, diz ele), vai à agência de
70
encontros da fada madrinha em busca de uma nova rainha. Com a ajuda de seu
assessor (o Senhor Grimm), ele deve escolher entre várias candidatas.
Entre elas, a Bela Adormecida, que dorme na entrevista com a fada e é
rejeitada. A escolhida acaba sendo Lady Vaidosa, que trama juntamente com o espelho
mágico e o duende Rumpelstiltskin, para ficar parecida com a antiga rainha.
O duende, no famoso episódio da maçã envenenada, fala com Branca de Neve
como se ela fosse o lobo mau (“que olhos grandes você tem, que cabelos enormes,
etc.) para desespero da vilã da história. Depois de comer a maçã, Branca de Neve
passa a falar mal de todas as suas amigas, que ficam furiosas com ela. Mais tarde, com
a ajuda de Peter, ela encontra os 7 anões, que a fazem se tornar uma pessoa boa,
como sua mãe (STEYER, 2010).
Se antes ela só pensava em si e nas suas festas, deixando as obras sociais do
reino de lado, agora ela não só conserta o nariz de Pinóquio e reconstrói as casas dos
três porquinhos como também funda o Centro de Ajuda da Branca de Neve. No final,
Branca de Neve acaba com Rick, um plebeu.
4.3.2 Apresentação dos Modelos Organizadores de Pensamento relativos ao filme
“Deu a louca na Branca de Neve”
Os recortes deste filme foram apresentados para 29 alunos do 6º ano A do
Ensino Fundamental – ciclo II. Abaixo consta um quadro que especifica os modelos e
os sub-modelos organizadores de pensamento resultantes do recorte de cenas deste
filme que continham conflitos morais:
71
Quadro 3 – Deu a louca na Branca de Neve
Ano: 2009 Diretor: Steven E. Gordon, Boyd Kirkland País de Origem: Estados Unidos
Sinopse: Branca de Neve é uma adolescente que prefere se divertir com os amigos a ajudar os camponeses. Quando seu pai se apaixona por Lady Vain, uma bruxa que deseja controlar o reino, a jovem logo se torna uma ameaça em potencial. Lady Vain passa a espalhar boatos sobre Branca de Neve na cidade, o que a obriga a fugir. No caminho ela recebe a ajuda dos sete anões, com quem auxilia a reconstruir a casa dos três porquinhos. Após se recuperar, ela decide retornar à cidade para, com a ajuda de seus amigos Mambo e Munk, desbancar Lady Vain.
Transcrição dos Recortes Recorte 1
Voz: Aniversário repleto de celebridades, inauguração real, festa real, desfile de celebridades, moda. (celular) Branca de Neve: Alô. Amigas: Oii! Branca de Neve: Oi, meninas! Amigas: Tá pronta? Branca de Neve: Sabem que sim. Pai: Branca de Neve? Branca de Neve: Ah, o meu pai chegou tenho que desligar. Amigas: Até mais. Pai: Branca, querida, está pronta para ir? Branca de Neve: Oi, papai, gostou? É a ultima moda! Pai: Bem, eu... Branca de Neve: Não gostou... Pai: Não! É bonito, eu só não tenho certeza se é isso que uma jovem princesa veste. Agora, sua mãe, ela sempre se vestia como uma rainha. Branca de Neve: Pai os tempos mudaram, e a moda também, e eu tenho que acompanhar.
Questionamentos
1. Você acha que Branca de Neve se sentiu egoísta em não aceitar a opinião do pai em relação a sua vestimenta? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Branca de Neve e recusasse uma sugestão de vestimenta de seu pai? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
3. Se você estivesse no lugar de Branca de Neve, falaria o que ela falou ao seu pai, caso ele te sugerisse uma vestimenta? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
Recorte 2
Pai: Pelo seu vestido, acho que você esqueceu que vamos visitar o orfanato dos dez indiozinhos hoje. Branca de Neve: Hoje é a inauguração da casa da mamãe Ganso, estão me esperando lá. Pai: Bem, não seria legal se você deixasse o orfanato de lado. Branca de Neve: É... eu sei. Pai: Branca, você participou de inaugurações todas as noites, nesta estação. Branca de Neve: E dai? Pai: E daí, Branca, que ser uma princesa é mais do que tapetes vermelhos e fotos, minha querida. Branca de Neve: Uhm... Pai: Querida, as crianças sempre adoravam quando sua mãe ia visitá-las. Branca de Neve: Mas elas cutucam o nariz e isso é nojento. Pai: Sua mãe nunca se importou. Branca de Neve: Você não entende nada! Amigas: Branca de Neve! Oi!
72
Branca de Neve: Oi! Amiga: E ai, fofinha, ta pronta pra ver o combate, amiga? Pai: Ahm... Pode ir, podemos visitar as crianças outra hora. Branca de Neve: AAAH! Obrigada papai!
Questionamentos
1. Você acha que Branca de Neve se sentiu egoísta em deixar de ir visitar o orfanato para ir na inauguração de uma casa de “show”, mesmo diante dos argumentos de seu pai? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Branca de Neve e deixasse de ir a inauguração de um orfanato para ir na inauguração de uma casa de “show”? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
3. Se você estivesse no lugar de Branca de Neve, deixaria de ir na inauguração de um orfanato para ir a inauguração de uma casa de “show”? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
Recorte 3 Pai: Branca de Neve! Você voltou! Lady Vain: Agora não é a melhor hora para reencontros, querido! Branca de Neve: Pai, se realmente ama a Lady Vaidosa, então case com ela, não tentarei impedir, mas se estiver fazendo isso por minha causa, eu, eu, eu... mudei, achei meu caminho. Lady Vain: Por que vai estragar meu casamento? Ela não mudou nada, quer dizer, o que ela já fez por alguém? Pinócchio: Ela arrumou meu nariz. Ovo: E ela consertou minha casca depois que eu cai do muro. Três porquinhos: Ela reconstruiu nossa casa. Mulher: Me ajudou a ficar mais bonita do que jamais fui. Menina: E ela cantou pra mim quando eu estava triste. Menino: E colocou a gente na cama. Chapeuzinho Vermelho: Ual! A garota realmente mudou! Duende: Ela fez todas as coisas que uma rainha deveria fazer. Branca de Neve: Só faltou uma coisa... Eu quero me desculpar com cada um que eu magoei, especialmente o senhor papai, tudo que eu amava na mamãe, eu espero que possa amar em mim. Pai: Eu só quero a minha filha de volta.
Questionamentos
1. Você acha que Branca de Neve se sentiu generosa ao ajudar as pessoas? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Branca de Neve? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
3. Se você estivesse no lugar de Branca de Neve, ajudaria as pessoas que necessitam? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
Após a aplicação destes questionamentos a partir das situações de conflito
moral descritas no quadro acima, organizamos os pensamentos das crianças em 2
modelos e 4 sub-modelos:
73
Tabela 6 – Configuração dos modelos organizadores de pensamento e sub-modelos
referente ao filme “Deu a louca na Branca de Neve”
Modelo 1 Generosidade
Modelo 2 Egoísmo
28 13 Sub-Modelo 1.1
Generosidade como central Sub-Modelo 2.1
Egoísmo como central 24 05
Sub-Modelo 1.2 Generosidade como periférico
Sub-Modelo 2.2 Egoísmo como periférico
04 08
Percebemos que, assim como no filme “Deu a louca na Cinderela”, este
também construiu, prioritariamente, o valor generosidade, conforme podemos observar
na tabela acima, porém, podemos notar que o valor não-moral egoísmo compareceu
muitas vezes nos protocolos de respostas.
Desse modo, no filme “Deu a louca na Branca de Neve” o valor generosidade é
mais freqüente nos protocolos de respostas do que o egoísmo. Isto nos leva a crer que
o filme em questão também constrói mais o valor moral que o valor não-moral
analisados nesta pesquisa.
Dos 29 protocolos, a generosidade esteve presente em 28, ora como valor
central e ora como valor periférico, o que equivale a 96,5%. Dentre este percentual, o
valor generosidade apareceu 85,7% como central e 14,3% como periférico.
Em relação a centralidade da generosidade no sistema de valores das crianças
pesquisadas, podemos concluir que a grande maioria das crianças priorizaria a ajuda
ao próximo.
Em relação aos 14,3% da presença da generosidade como valor periférico,
podemos declarar que o que ocorreu foi que, algumas crianças afirmaram que não
escutariam a opinião dos pais em relação ao uso da vestimenta e que seguiriam a
moda e as suas próprias vontades, porém, declararam que, dependendo da ocasião,
se preocupariam sim com o próximo e procurariam ajudar no que pudessem.
74
Já o valor egoísmo surgiu 13 vezes nos protocolos, o que equivale a 44,8%.
Destas 13 vezes, o egoísmo surgiu 38,5% como valor central e 61,5% como valor
periférico.
Os sujeitos desta pesquisa, que tiveram o egoísmo como um valor central,
declararam que jamais obedeceriam seus pais e seguiriam sim as suas próprias
vontades. Afirmaram também que não deixariam de ir a uma festa para ir a
inauguração de um orfanato e que não se preocupariam muito em ajudar o próximo.
Já, os 61,5% que tiveram o egoísmo na periferia de seu sistema de valores,
afirmaram que ajudariam o próximo, que seriam generosos, mas que não deixariam de
ir a uma festa para ir a inauguração de um orfanato.
Esses dados podem ser mais bem visualizados nos gráficos abaixo:
Deu a louca na Branca de Neve
96,5
44,8
0 20 40 60 80 100 120
Egoísmo
Generosidade
Gráfico 5 – Presença dos valores nos protocolos de respostas do filme “Deu a louca na Branca de Neve”
75
Generosidade: Surgiu em 96,5% dos Protocolos Egoísmo: Surgiu em 44,8% dos Protocolos
38,50%
14,30%
61,50%
85,70%
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%
Generosidade Egoísmo
Central
Periférico
Gráfico 6 – Posição dos valores no filme “Deu a louca na Branca de Neve”
Isso significa que, embora a construção do valor egoísmo, no caso deste filme
especificamente, é algo preocupante, visto que, embora a construção do valor
generosidade tenha predominado, o valor não-moral surgiu em muitos protocolos.
Abaixo, apresentamos uma tabela que especifica os sentimentos resultantes
de cada modelo e sub-modelo que foram organizados a partir do pensamento do
sujeitos analisados:
Tabela 7– Disposição afetiva em relação aos valores expressos no filme “Deu a louca
na Branca de Neve”
Modelos Sub-Modelos Sentimentos Negação da Atitude Afirmação da
Atitude 1 1.1 Remorso, culpa,
tristeza ---------
1.2 Remorso, tristeza, Bem estar, normalidade, orgulho,
alegria, 2 2.1 ------------ Orgulho, felicidade.
2.2 Mágoa Normalidade
76
Quanto ao modelo 1, percebemos que os sujeitos que usaram este modelo
demonstraram os sentimentos de remorso, culpa, tristeza, em relação as atitudes dos
protagonistas frente aos conflitos analisados. A partir destes sentimentos, eles
construíram o valor generosidade, já que não se sentiram negam a atitude dos
protagonistas nas situações de conflito moral apresentadas.
Até mesmo os sujeitos que utilizaram o sub-modelo 1.2, mesmo sentindo bem
estar, orgulho, alegria ou normais deixaram transparecer a tristeza e o remorso em
seus protocolos de respostas.
Quanto ao modelo 2 e seus sub-modelos, verificamos que os sentimentos
expressos pelos sujeitos são, em sua maioria, sentimentos de orgulho, de felicidade e
de normalidade frente as atitudes egoístas dos protagonistas das situações de conflito
moral e que a mágoa surge também em alguns protocolos o que deixa a generosidade
na periferia do sistema de valores destes protocolos de respostas analisados.
4.4 Rapunzel
4.4.1 Versão Tradicional X Versão Contemporânea
Segundo Coleman (2006, p. 95-106) Rapunzel é um conto de fadas Alemão
dos Irmãos Grimm publicado pela primeira vez em 1812 e compliado no livro Contos
para a infância e para o lar. A história dos Irmãos Grimm é uma adaptação do conto de
fadas Persinette escrito por Charlotte-Rose de Caumont de La Force e foi publicado
originalmente em 1698.
Rapunzel é criada numa imensa torre, prisioneira do mundo, por uma bruxa
malvada. O cabelo da menina nunca é cortado e é conservado como uma gigantesca
trança. Um dia, um príncipe passando pelo local, ouve Rapunzel cantando, e decide
salvá-la das garras da bruxa. Ao enfrentar a vilã, é castigado com uma cegueira total.
Mas, no final da história, sua visão é recuperada pelas lágrimas da amada, e o casal se
casa e conseguem o esperado final feliz (COLEMAN, 2006).
77
Na versão dos irmãos Grimm, a mãe de Rapunzel, quando grávida, sentiu o
desejo de comer raponços e convence seu marido a entrar num jardim de uma perigosa
feiticeira e roubá-los. A feiticeira apanha-o roubando. O marido explica a situação e, em
vez de punição, oferece a feiticeira o bebê Rapunzel logo que nascer para o pagamento
da transgressão. Assim que nasceu, a menina foi recolhida por essa estranha
madrasta, que a batizou de Rapunzel. Tão grande era o apego da bruxa a Rapunzel
que, quando esta atingiu a idade de 12 anos, se tornando uma bela jovem, foi colocada
numa torre sem portas, para que ninguém a visse. O único acesso aos aposentos de
Rapunzel era por meio de suas próprias tranças. Um dia, um príncipe errante ouve
Rapunzel cantando dentro de sua torre. Ele se esgueira para cima e vê a feiticeira
chamando para subir a torre. Após a feiticeira sair, ele aproxima-se da torre, diz a fala
da feiticeira e sobe pelos cabelos de Rapunzel (COLEMAN, 2006).
Assim começa um romance e, em uma das visitas da bruxa, Rapunzel
pergunta porque o vestido está ficando apertado na cintura. No momento de raiva, a
feiticeira corta o cabelo de Rapunzel e expulsa-a para um deserto nas proximidades. A
feiticeira aguarda na torre o príncipe retornar. Quando o príncipe vem e sobe pelo
cabelo, fica frente a frente com a feiticeira que o empurra e ele cai nos espinhos que o
cegaram. Dessa maneira, condenou-o a nunca mais ver a amada. Ele vagou por anos
pela floresta, enquanto no deserto Rapunzel deu à luz a um casal de gêmeos. Um dia o
príncipe ouve Rapunzel cantando, assim como quando ele encontrou sua torre. Eles se
reúnem, e as lágrimas de Rapunzel de alegria molham os olhos do príncipe, curando
sua cegueira. O príncipe leva Rapunzel de volta ao seu reino (COLEMAN, 2006).
Enrolados, versão contemporânea de Rapunzel, dirigido por Byron Howard e
Nathan Greno e roteiro de Dan Fogelman, foi lançado em 2010 pela Walt Disney
Studios Motion Pictures.
Há algumas diferenças em relação a nova versão da Disney e o conto dos
irmãos Grimm. No original, como vimos, Rapunzel é filha de um casal humilde e é
entregue pelo pai a uma bruxa má, que a cria presa numa torre. Certo dia, um príncipe
a escuta cantando e decide salvá-la.
Na adaptação da Disney, segundo Silveira (2011) Rapunzel é uma princesa
que foi sequestrada pela bruxa má quando bebê. O crime acontece porque a bruxa
78
descobre que seus cabelos têm o poder de curar as pessoas e por isso eles nunca são
cortados. Flynn Rider, o bandido mais procurado do reino vive fugindo
desesperadamente dos guardas, em especial de Maximus, cavalo do capitão da guarda
e responsável por segui-lo onde os outros não conseguem chegar. Um dia o bandido
decide esconder-se em uma misteriosa torre, no meio da floresta. Lá ele acaba refém
de Rapunzel, uma bela e mal-humorada adolescente com mais de 21 metros de
cabelos dourados mágicos. Ela foi levada à torre quando ainda era um bebê, pelas
mãos da ardilosa Mamãe Gothel (que a raptou). Rapunzel, que está buscando um meio
de sair da torre onde sempre viveu trancada, faz um acordo com o belo ladrão e a dupla
improvável parte em uma fuga repleta de ação.
Além da ajuda de Maximus, eles podem contar com Pascal, um camaleão
protetor que costumava ser o único amigo de Rapunzel e um bando de criminosos
beberrões. Flynn Rider é, então, um ladrão em busca da última e grande jogada que
permitirá que ele finalmente viva como sempre sonhou. Ele confia muito em sua
perspicácia, em seu charme e em sua boa aparência para se livrar das situações mais
complicadas. Já Rapunzel - apesar de ter passado a vida toda trancada dentro de uma
torre – não é uma donzela em apuros. A garota anda farta de sua vida superprotegida e
está pronta para viver aventuras. Ela é extremamente passional, criativa e às vezes
mal-humorada. Mamãe Gothel pode ser controladora, manipuladora e superprotetora,
mas é a única mãe que Rapunzel conheceu. Gothel mantém a garota trancada para
que só ela possa ter acesso aos seus cabelos mágicos (SILVEIRA, 2011).
Silveira (2011, p. 1-6) aponta que a Rapunzel de “Tangled” é uma garota que
primeiro é dominada por sua figura materna, e depois só consegue deixar a torre com
uma proteção masculina. É claro que ela mostra habilidade em usar a frigideira como
arma – mas, diriam, é uma arma roubada da cozinha, e utilizada com fins cômicos.
Rapunzel também consegue resolver uma situação complicada na Taverna Patinho
Fofo, mas só consegue isso… sendo delicada. Na maior parte do filme, Rapunzel é tão
ingênua quanto Gothel a descreve.
Silveira (2011, 1-6) ainda declara:
A emancipação de Rapunzel, no final, é ilustrada de forma sugestiva: somente quando troca os longos cabelos louros por curtos cabelos castanhos, ela se liberta de Gothel e pode finalmente crescer. Os cabelos curtos no início do
79
século 20 simbolizavam a mulher mais independente, urbana. Mesmo hoje, cabelos curtos são usados para representar crescimento ou transformação – até mesmo rebeldia, dependendo do grau de conservadorismo –, enquanto os fios longos e soltos são favoritos em penteados românticos. É inevitável que a percepção de Rapunzel com o novo estilo carregue esse mesmo sentimento.
Como Gothel descobriu em seu primeiro contato com Rapunzel (ainda bebê), e
como contou Rapunzel a Flynn, seus cabelos perdem os poderes quando são cortados.
Cabelos curtos e escurecidos, como já foi mencionado, representam o amadurecimento
da mulher – eliminando sua função rejuvenescedora (SILVEIRA, 2011).
Se o corte de cabelo tem essa função emancipadora na história de “Tangled”,
como interpretar o fato de que o corte foi feito por Flynn, e não pela própria Rapunzel?
Resumindo a cena ao corte, poderíamos encontrar mais uma princesa indefesa
e dependente. Mas a cena é mais longa que isso. Rapunzel descobriu a verdade sobre
sua origem, se rebelou contra Gothel e foi acorrentada pela madrasta. Mas ela promete
ser obediente se puder salvar a vida de Flynn, ferido gravemente por Gothel, usando
seus cabelos mágicos e a canção. Gothel aceita a oferta, mas Flynn recusa a ajuda de
Rapunzel – pois ela custará a liberdade da garota. Para evitar que a mágica aconteça,
ele corta os cabelos de Rapunzel, quebrando o encanto e desfazendo o
rejuvenescimento de Gothel, que vira pó. Assim, temos Rapunzel sacrificando-se por
Flynn e Flynn sacrificando-se por Rapunzel. A cena marca o amadurecimento dos dois
personagens, mesmo antes que Rapunzel refletisse esse crescimento em seus cabelos
(SILVEIRA, 2011).
4.4.2 Apresentação dos Modelos Organizadores de Pensamento relativos ao filme
“Enrolados”
Os recortes deste filme foram apresentados a 28 alunos do 6º ano D do Ensino
Fundamental – ciclo II da escola já mencionada nesta pesquisa e será apresentada
abaixo um quadro expõe detalhes sobre o filme, sobre as cenas recortadas e sobre os
questionamentos realizados as crianças:
80
Quadro 4 – Enrolados
Ano: 2010 Diretor: Nathan Greno e Byron Howard
País de Origem: Estados Unidos
Sinopse: Flynn Ryder é o bandido mais procurado e sedutor do reino. Um dia, em plena fuga, ele se esconde em uma torre. Lá conhece Rapunzel, uma jovem prestes a completar 18 anos que tem um enorme cabelo dourado, de 21 metros de comprimento. Rapunzel deseja deixar seu confinamento na torre para ver as luzes que sempre surgem no dia de seu aniversário. Para tanto, faz um acordo com Flynn. Ele a ajuda a fugir e ela lhe devolve a valiosa tiara que tinha roubado. Só que a mamãe Gothel, que manteve Rapunzel na torre durante toda a sua vida, não quer que ela deixe o local de jeito nenhum.
Transcrição dos Recortes
Recorte 1
Flynn: A rainha estava esperando um bebê. Mas ela ficou doente, muito doente, ela corria risco de vida, e é ai que as pessoas esperam um milagre, bom, nesse caso, uma flor dourada mágica. Ah, eu falei que ela era importante. Em vez de dividir o presente dado pelo sol, esta mulher, a mamãe Gotan, escondeu o poder de cura da flor, e usou para mantê-la jovem por centenas de anos! E ela só precisava, cantar uma canção especial... Gothel: ♫ Brilha linda flor, teu poder venceu, traz de volta já, o que uma vez, foi meu, uma vez, foi meu... ♪
Questionamentos
1. Você acha que Gothel se sentiu egoísta ao esconder a flor somente para si, sabendo que ela poderia ajudar a muitas outras pessoas? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Gothel, escondendo uma flor mágica para seu próprio uso? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
3. Se você estivesse no lugar de Gothel e encontrasse uma flor mágica e soubesse que ela poderia te dar a imortalidade, faria o mesmo que ela? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
Recorte 2
Rapunzel: Hoje, o dia vai ser ótimo, Pascal! Eu finalmente vou falar, falar com ela! Gothel: Rapunzel! Rapunzel: Ah! Gothel:Joga os seus cabelos. Rapunzel: É agora! Tem razão, tem razão, vai, não deixa ela te ver. Gothel: Rapunzel? Eu já estou velha te tanto esperar. Rapunzel: Tô indo, mamãe! [...] Oi, bem vinda ao lar, mamãe. Gothel: Ah! Rapunzel, como é que você consegue fazer isso todo o dia sem falta? Parece absolutamente exaustiva querida. Rapunzel: Ah, não é nada. Gothel: Então não sei porque demora tanto. (risos) Ou, querida, brincadeirinha. Rapunzel: Ta bem, então, mamãe, como a senhora sabe, amanha é um dia muito especial... Gothel:Rapunzel, olha no espelho, sabe que eu vejo ai? Vejo uma jovem forte, segura e de uma beleza extraordinária! Olhe, você esta comigo! (risos) Brincadeirinha, não leve tudo com tanta seriedade. Rapunzel: Ta bem, então, mamãe, como eu dizia, amanha é... Gothel:Rapunzel, a mamãe esta sentindo um grande cansaço, você canta pra mim, querida?
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Falamos depois. Rapunzel: Claro! É pra já, mamãe.[...] ♫ Brilha linda flor, teu poder venceu, traz de volta já, o que uma vez, foi meu, cura o que se feriu, salve o que perdeu, traz de volta já, o que já mais foi meu... ♪ Gothel: Espera! Espera! Espera! Rapunzel! Rapunzel: Mamãe, eu tava dizendo que amanha é um dia especial, e você não disse nada, por isso eu vou te falar, é meu aniversário! TARAN! Gothel:Não, não, não, não pode ser, eu me lembro muito bem, foi ano passado, querida. Rapunzel: Essa é a graça dos aniversários, né? São um evento anual... Mamãe, eu vou fazer dezoito agora, e eu queria perguntar... Nesse aniversario, o que eu queria, alias, o que eu queria há vários anos... Gothel:Por favor, Rapunzel, pare, pare de tagarelar, você sabe que eu não gosto quando tagarela, blablablabla, é muito irritante, brincadeirinha, você é maravilhosa, eu te amo tanto querida, ai...
Questionamentos
1. Você acha que Gothel se sentiu egoísta ao não se importar com o aniversário de Rapunzel? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Gothel, ou seja, sendo indiferente ao pedido de Rapunzel? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
3. Como você agiria se estivesse no lugar de Gothel? Continuaria escondendo Rapunzel e negaria um presente de aniversário para esconder o poder que te dá imortalidade? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
Recorte 3
Rapunzel: Eu não acredito no que eu fiz! Eu não acredito no que eu fiz... Eu não acredito no que eu fiz! Mamãe vai ficar furiosa... Mas o que os olhos não vêem, o coração, não sente, né? Puxa, e agora, ela vai sentir sim... Isso é tão legal! Eu sou uma péssima filha, eu vou voltar... Eu não vou voltar nunca mais! Eu sou um ser humano horrível... UHUL! O melhor, dia, da minha vida!
Questionamentos
1. Você acha que Rapunzel se sentiu egoísta ao mentir e enganar a mãe para satisfazer suas vontades próprias? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Rapuzel, enganando e mentindo para sua mãe para satisfazer um desejo pessoal? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
3. Se você estivesse no lugar de Rapunzel e tivesse um sonho e sua mãe não aceitasse, mentiria e enganaria sua mãe para satisfazer suas vontades? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
Recorte 4
Flynn: Olha só, não dá pra deixar de notar, que você esta vivendo um conflito interno. Rapunzel: O que? Flynn: Eu só tô pegando uns pedaços da historia, claro, mãe super protetora que te proíbe de viajar, pois é, isso é coisa séria! Mas, deixa eu aliviar a sua consciência, crescer tem essa etapa, um pouco de rebeldia, um pouco de aventura, isso é bom, é até saudável! Rapunzel: Você acha? Flynn: É isso, se ta pensando demais, vai por mim, a sua mãe merece? Não, vai magoar e arrasar o coração dela? É claro!
Questionamentos
1. Você acha que Flynn se sentiu egoísta ao aconselhar Rapunzel a mentir e enganar a mãe para satisfazer suas vontades próprias? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
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2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Flynn, aconselhando Rapunzel a enganar e mentir para sua mãe? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
3. Se você estivesse no lugar de Flynn, aconselharia Rapunzel a mentir e enganar sua mãe para realizar um sonho? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
Recorte 5 Gotan: Agora já chega! Pare de lutar assim! Rapunzel: Não! Não vou parar! A cada minuto do resto da minha vida, eu vou lutar! Eu nunca vou desistir de tentar fugir de você. Mas, eu vou com você sem reclamar, se me deixar salvá-lo. Flynn: Não! Não, Rapunzel! Rapunzel: Eu nunca vou fugir, nunca vou tentar escapar, só me deixe curá-lo de uma vez, e vamos ficar juntas, pra sempre! Como você quer, tudo vai voltar a ser como antes. É uma promessa. Como você quiser... É só você deixar curar.
Questionamentos
1. Você acha que Rapunzel foi generosa ao preferir se prejudicar e salvar Flynn? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Rapunzel, ou se prejudicando para ajudar alguém?Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
3. Você faria o que Rapunzel fez, ou seja, se prejudicaria para ajudar alguém? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
Recorte 6 Gotan: Caso você tenha a idéia de ir atrás da gente. Rapunzel: José! Oh me desculpe, tudo vai ficar bem agora. Flynn: Não, Rapunzel! Rapunzel: Eu prometo, você tem que confiar em mim, vamos, é só respirar. Flynn: Não posso aceitar. Rapunzel: E eu não posso deixar você morrer. Flynn: Mas, se fizer isso, você vai morrer... Rapunzel: Escuta, vai ficar tudo bem... Flynn: Rapunzel espera... Rapunzel: José, o que! Gotan: Não! Não, não! O que é que você fez!? O que você fez!
Questionamentos
1. Você acha que Flynn foi generoso ao preferir morrer para salvar Rapunzel? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Flynn, ou seja, preferindo morrer para salvar Rapunzel? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
3. Você morreria para salvar alguém? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
Antes de apresentarmos os modelos organizados a partir do pensamento
destas crianças sobre as cenas que continham conflitos de cunho moral,
especificaremos, na tabela abaixo, os modelos e os sub-modelos organizados a partir
dos pensamentos resultantes da análise dos recortes de cenas do filme em questão
que continham conflitos morais:
83
Tabela 8 – Configuração dos modelos organizadores de pensamento e sub-modelos
referente ao filme “Enrolados”
Modelo 1 Generosidade
Modelo 2 Egoísmo
25 25 Sub-Modelo 1.1
Generosidade como central Sub-Modelo 2.1
Egoísmo como central 15 10
Sub-Modelo 1.2 Generosidade como periférico
Sub-Modelo 2.2 Egoísmo como periférico
10 15
O filme “Enrolados”, ao contrário dos outros aqui analisados, equilibra a
construção de valores morais e não-morais. Percebemos que a mesma quantidade de
vezes em que o valor moral generosidade apareceu nos protocolos de respostas é a
mesma quantidade do valor não-moral egoísmo.
Isso pode ser melhor visualizado nos gráficos abaixo:
Enrolados
89,20%
89,20%
0,00% 20,00% 40,00% 60,00% 80,00% 100,00%
Egoísmo
Generosidade
Gráfico 7 – Presença dos valores nos protocolos de respostas do filme “Enrolados”
84
Generosidade: Surgiu em 89,2% dos Protocolos Egoísmo: Surgiu em 89,2% dos Protocolos
40,00%40,00%
60,00%60,00%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
Generosidade Egoísmo
Central
Periférico
Gráfico 8 – Posição dos valores no filme “Enrolados”
Conforme indicado na tabela 8, dos 28 protocolos, a generosidade surgiu em
25 (modelo 1.0) e o egoísmo também em 25 (modelo 2.0), o que equivale a 89,2%,
tanto de um como do outro.
Em relação ao sub-modelo 1.1, percebemos que o valor generosidade
apareceu em 60% dos protocolos como um valor central e quanto ao sub-modelo 1.2, o
mesmo valor surgiu em 40% deles como um valor periférico.
O mesmo ocorreu como o valor egoísmo, contudo, na ordem inversa: surgiu
em 40% dos protocolos como um valor central (sub-modelo 2.1) e em 60% deles como
um valor periférico (sub-modelo 2.2).
Desse modo, podemos concluir no sub-modelo 1.1, as crianças pesquisadas
priorizaram o saber dividir, o não mentir a mãe para realizar um desejo, o não
aconselhar ninguém a fazer coisas erradas para se favorecer e o se prejudicar para
ajudar alguém que ama muito. Já no sub-modelo 1.2, os sujeitos desta pesquisa
demonstraram serem pessoas generosas, mas não o bastante para se prejudicar para
ajudar alguém.
Em relação ao egoísmo, percebemos a partir dos modelos organizados que a
crianças que apresentaram este valor como central (sub-modelo 2.1), declararam que
não dividiria algo que iria lhe favorecer, que mentiria sim para a mãe para realizar um
85
desejo, que aconselharia alguém a fazer algo que na verdade fosse lhe favorecer e que
jamais se prejudicaria para ajudar alguém.
Quanto ao modelo 2.2, as crianças afirmaram que aceitaria dividir algo, que
não mentiria para a mãe para realizar um desejo, que não aconselharia alguém a fazer
algo que na verdade fosse lhe favorecer, mas que jamais se prejudicaria para ajudar
alguém. Desse modo, percebemos que embora a generosidade esteja centralizada no
sistema de valores, o egoísmo surge em sua periferia.
Os sentimentos resultantes de cada modelo e sub-modelo organizador de
pensamento podem ser verificados na tabela abaixo:
Tabela 9– Disposição afetiva em relação aos valores expressos no filme “Enrolados”
Modelos Sub-Modelos Sentimentos Negação da Atitude Afirmação da
Atitude 1 1.1 Mágoa, angústia,
sentir-se péssimo --------------
1.2 Sentir-se mal, tristeza Felicidade, bem estar,
2 2.1 ------------ Bem estar 2.2 Medo, culpa. Bem estar,
normalidade, felicidade.
Como os valores morais e não-morais são os mesmos analisados em todos os
filmes, os sentimentos expressos pelos sujeitos são também redundantes. Ou seja, não
há grande variação de sentimentos expressos em cada categoria ou sub-categoria.
Assim, os sujeitos que utilizaram o modelo 1 e seus sub-modelos
apresentaram, como nos outros analisados, os mesmos sentimentos em relação as
atitudes dos protagonistas, mesmo sendo contextos diferentes.
Os sentimentos morais presentes nos protocolos analisados são: angústia,
mágoa, tristeza, sentir-se mal e sentir-se péssimo. Ao passo que os sentimentos não-
morais são felicidade e bem estar.
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Quanto ao modelo 2 e seus sub-modelos, os sentimentos não-morais
expressos são felicidade, bem estar e normalidade e os sentimentos morais são medo
e culpa.
Percebemos, então, que houve um equilíbrio entre os sentimentos morais que
levaram a construção do valor moral generosidade e entre os sentimentos não-morais
que levaram a construção do valor não-moral egoísmo.
4.5 Shrek
4.5.1 O filme
O filme Shrek – baseado no livro Shrek, do escritor William Steig – foi
produzido em 2001 pelo Estúdio DreamWorks e dirigido por Andrew Adamson e Vicky
Jenson.
A narrativa do filme gira em torno de um ogro que tem sua vida invadida por
uma série de personagens de contos de fadas, que acabam com a tranqüilidade do seu
lar. Para resolver o problema, ele faz um acordo com um príncipe, nada convencional,
para resgatar a princesa Fiona. Durante o resgate, o ogro e a princesa se apaixonam.
Ela se transforma definitivamente numa ogra e terminam o filme se casando
(AMERENO; CHACON, 2005, p. 78).
Neste filme, percebe-se uma inversão de valores nos personagens, pois os
marginalizados passam a buscar um espaço na sociedade, conforme destaca Melo
(2010, p. 4-5):
No filme Shrek, a sátira aos contos de fadas tradicionais incorpora personagens alegóricos como o ogro (príncipe), o burro (conselheiro do príncipe), o gato-de-botas (vilão), o dragão (monstro) e o anão (Lord), desempenhando papéis aparentemente sem compromisso com a realidade imediata, mas com funções trocadas, ou seja, esses tipos marginalizados encontram-se agora bem-posicionados na sociedade. Envoltos em ambiguidade, esses personagens saem das “margens” para serem inseridos em um grupo, o dos “excluídos” que têm voz, passagem que ocorre de maneira cômica, escondendo o que há de seriedade nessa luta por um espaço no “centro”. Também de modo risível descobre-se que o monstro mais temido dos contos de fada, representante da força de quem enclausura a princesa no castelo, tem o sexo invertido, embora em toda a tradição dos contos de fada
87
tenha sido um macho, no Shrek trata-se de uma fêmea. E mais, que se apaixona pelo burro, entrando para o grupo do anti-herói. É preciso salientar que atreladas à sátira empreendida pelo Shrek encontram-se as ideias de alienação e de absurdo, associadas a diversão, no que diz respeito à nossa realidade social.
Shrek 2, lançado em 2004, pela mesma produtora e pelos mesmos diretores, é
uma continuação da história de amor entre os personagens principais. Nele, Shrek e
Fiona, ao voltarem da lua-de-mel, recebem um convite para jantar na casa dos pais da
noiva que, quando descobrem que a princesa se casou com um ogro, iniciam uma luta
para separá-los.
Já Shrek 3 foi lançado em 2007, pela mesma produtora, mas com Raman Hui e
Chris Miller na direção da animação. Neste filme, o rei Harrold morre e Shrek deve
assumir o trono do reino de Tão, Tão Distante. Contudo, como não quer abandonar seu
adorado pântano, decide encontrar um herdeiro apropriado. Para isso, recruta o Burro e
o Gato de Botas para encontrar o rebelde primo de Fiona, Artie. A grande novidade é
que o Burro é pai de três filhos (mistura de dragão com burro) e Fiona descobre que
também está grávida. Shrek, então, entra em crise por não se sentir preparado para ser
pai.
Segundo Amereno e Chacon (2005, p. 79):
O filme Shrek trata os contos de fadas com irreverência. No desenrolar de uma inocente e tradicional história de amor é que se estabelece o tratamento dos novos paradigmas pela utilização de personagens de histórias infantis que, por sua natureza, são carregados de signos que são contestados pelos filmes: o herói já não é mais o mesmo herói, a princesa já não é mais apenas um objeto de decoração, o fiel escudeiro do mocinho é um burro falante extremamente atrapalhado e o herói da história é feio, desengonçado e socialmente inadequado.
Shrek é um herói não-convencional que retrata a vida real. Segundo Amereno
e Chacon (2005, p. 88) “suas conquistas são por mérito próprio, não há nada de
fantástico na vida dele”, ou seja, ele não consegue nada por meio de encantamento. A
partir disso, podemos notar que a mensagem embutida é de que para se chegar aonde
se quer, nada lhe será dado.
88
Um exemplo disso é o amor entre ele e Fiona que surge de uma relação real,
onde há a presença do companheirismo, afinidades, onde o amor floresce da
convivência e não por um feitiço ou por amor à primeira vista. Shrek e Fiona retratam,
portanto, os casais contemporâneos e transmitem a idéia de que a beleza não é
fundamental para se obter a completa felicidade.
Outras quebras de paradigmas que merecem destaques neste filme é o caráter
da fada madrinha – vaidosa, ambiciosa, fútil e má – e a transformação moral pelo que
passa o gato de botas, já que troca uma vida de crime pela lealdade ao seu amigo
Shrek.
4.5.2 Apresentação dos Modelos Organizadores de Pensamento relativos ao filme
“Shrek I, II e III”.
Os recortes deste filme foram apresentados a 26 alunos do 6º ano B do Ensino
Fundamental – ciclo II da escola já mencionada nesta pesquisa e será apresentado no
quadro abaixo:
Quadro 5 – Shrek I
Ano: 2001 Diretor: Andrew Adamson e Vicky Jenson País de Origem: Estados Unidos
Sinopse: Shrek é um ogro que vivia feliz e sozinho num pântano, em meio à floresta, em uma terra chamada Duloc. Repentinamente, ele vê sua solidão ameaçada quando o governante de Duloc, Lord Farquaad, decide expulsar todas as criaturas mágicas para floresta. Shrek fica muito irritado e oferece um acordo com Lord Farquaad: ele iria buscar a mulher dos sonhos de Lord Farquaad, a princesa Fiona, que vivia adormecida, aprisionada num castelo guardada por um dragão, e Farquaad tiraria todas as criaturas mágicas da floresta, devolvendo o sossego de seu pântano. Shrek parte em sua missão, acompanhado por um burro falante, que se une a ele por gratidão, pois Shrek teria salvo a sua vida. Os dois conseguem libertar a princesa mas, no caminho de volta a Duloc, quando os dois começam a se conhecer melhor, acabam por se apaixonarem um pelo outro, e Shrek tenta impedi-la de se casar com Lord Farquaad,e então ele é morto pelo Dragão. No final da disputa entre os dois, Shrek vence, se casa com a princesa.
Transcrição dos Recortes Shrek: Porque você esta me seguindo? Burro: Te digo porquê... Mas que solidão, ninguém aqui ao lado, achei a solução, não sou mais maltratado, mais quem tem um amigo... Shrek: Pare de cantar! Não me admira que não tenha amigo! Burro: Uau! Só um amigo de verdade seria tão honesto.
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Shrek: Escuta, ô burrinho, olha pra mim, o que que eu sou? Burro: Hum, bem alto. Shrek: Não! Sou um ogro, sabe, peguem suas tochas e rifles! Não te incomoda isso? Burro: Não mesmo. Shrek: Mesmo? Burro: Mesmo, mesmo. Cara, eu gosto de você, qual é o seu nome? Shrek: Shrek. Burro: Shrek? Sabe o que eu gosto de você, Shrek? Você tem aquele ar de, não tô nem ai pro que os outros pensam de mim, eu gosto disso, eu respeito isso, Shrek, você é legal! Ah, olha só, quem ia querer morar num lugar assim? Shrek: Essa é a minha casa! Burro: Ou, é uma graça, linda mesmo, sabe você é um decorador e tanto, é incrível o que você fez com um orçamento tão modesto, gostei da pedra, pedra muito bonita. Afaste-se, perigo, ogro, não gosta muito de diversão não é? Shrek: Eu gosto de ficar sozinho. Burro: Sabe eu também, mais uma coisa que temos em comum, tipo, odeio quando tem alguém no meu pé, a gente tenta dar uma dica pro cara mas ele não se manda, eai fica aquele silencio chato e... Posso ficar com você? Shrek: Ah, o quê? Burro: Posso ficar com você, por favor? Shrek: Ah, claro. Burro: Mesmo? Shrek: Não! Burro: Por favor, eu não quero voltar pra lá, é muito chato ser considerado anormal, bom, talvez saiba, mas é por isso que temos que ficar juntos, precisa me deixar ficar, por favor, por favor? Shrek: Ok! Mas, só por uma noite.
Questionamentos
1. Você acha que o Burro foi egoísta por querer ficar com o Shrek para se proteger, já que ele é forte e valente? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
2. Como você se sentiria se estivesse no lugar do Burro, ou seja, tentando se aproximar de Shrek para ficar protegido? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
3. Você se aproximaria de alguém só para tirar vantagens? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
Quadro 6 – Shrek II
Ano: 2004 Diretor: Andrew Adamson, Kelly Asbury e Conrad Vernon
País de Origem: Estados Unidos
Sinopse: Depois de enfrentar um dragão que cospe fogo e o terrível Lorde Farquaad para obter a mão da Princesa Fiona, Shrek agora enfrenta o seu maior desafio: os pais da noiva. Conhecer os pais dela era, provavelmente, a última coisa na mente de Shrek ao se casar com Fiona. Mas os trompetes reais sinalizam o fim da lua-de-mel quando os sogros de Shrek — o Rei e a Rainha — enviam um convite formal à Princesa Fiona para o baile real em comemoração do casamento com o seu “Príncipe Encantado”. Todos os cidadãos do Reino de Tão Tão Distante se reúnem para saudar o retorno da Princesa e seu novo Príncipe, sempre acompanhados do Burro; mas ninguém — muito menos os pais da noiva — estava preparado para a figura do novo príncipe e para a mudança de sua querida princesinha. Shrek e Fiona nem imaginam como seu casamento frustrou os planos que seu pai tinha para ela… e para si mesmo. Agora o rei tem que contar com a ajuda da poderosa e inescrupulosa Fada-Madrinha, do belo porém mau-caráter Príncipe Encantado e do famoso matador de ogros, o Gato de Botas, para realizar a sua versão de “felizes para sempre”.
Transcrição dos Recortes Harold: Ah, Fada Madrinha, Encantado...
90
Fada Madrinha: Ah, é bom ter um bom motivo para nos trazer aqui, Harold. Harold: Bem, eu receio que Fiona não está muito empolgada com príncipe Encantado. Encantado: Para a sua informação, a culpa não é minha! Fada Madrinha: Não, não, é claro que não, amado. Encantado: Como é que eu posso ser encantado, quando tenho que fingir que sou um ogro horroroso?! Harold: Não, não, a culpa não é de ninguém. Talvez seja melhor nós desistirmos de tudo isso, certo? Fada Madrinha e Encantado: O quê?! Harold: Não se pode forçar ninguém a se apaixonar! Fada Madrinha: Ou, discordo totalmente, eu faço isso sempre, faça com que Fiona beba isto, e ela irá se apaixonar pelo primeiro homem que a beijar ... que será o Encantado. Harold: Ah, não. Fada Madrinha: O que foi que disse? Harold: É, eu não posso, eu não vou fazer isso. Fada Madrinha: Ah você vai sim, deve se lembrar que fui eu que te ajudei com o seu feliz para sempre, e com a mesma facilidade eu posso tirar isso de você. É isso que você quer? É? Harold: Não... Fada Madrinha: Bom menino, agora temos que ir, preciso fazer o cabelo do Encantado antes do baile, não tem jeito, ele fica alto na frente e rebelde atrás, alguém sempre precisa ajeitar a parte de trás. Encantado: Pois é, obrigado, mamãe. Burro: Mamãe?
Questionamentos
1. Você acha que a Fada Madrinha foi egoísta em ameaçar o pai de Fiona para fazer com que ela se apaixonasse por seu filho e se casasse com ele? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
2. Como você se sentiria se estivesse no lugar da Fada Madrinha, ou seja, tentando ameaçando alguém para satisfazer os seus desejos? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
3. Você ameaçaria alguém para ter um sonho realizado? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
Quadro 7 – Shrek III
Ano: 2007 Diretor: Chris Miller País de Origem: Estados Unidos
Sinopse: Shrek, embora casado com Fiona, não tinha planos de tornar-se o novo rei de Tão Tão Distante. Assim, quando seu sogro, o Rei Harold, cai doente, cabe a Shrek achar um sucessor à altura, ou ele mesmo terá que desistir de seu amado pântano para assumir o trono. Ele então recruta o Burro e o Gato de Botas para uma nova jornada: trazer o verdadeiro herdeiro da coroa, o primo rebelde de Fiona, Artie. Enquanto isso, em Tão Tão Distante, o rejeitado Príncipe Encantado ataca o reino com um exército de vilões de contos de fada para tomar o trono. Mas ele terá uma surpresa porque Fiona e sua mãe, a Rainha Lilian, formam uma resistência de heroínas para defender o felizes para sempre. Enquanto Shrek, Burro e o Gato tentam transformar o jovem Artur de problema a futuro rei, Fiona e seu bando de princesas tentam assegurar que haverá um treino para ser governado.
Transcrição dos Recortes
Recorte 1
91
Encantado: Uhm, deixa eu adivinhar, Arthur? Arthur: É, Arth, na verdade. Encantado: Esse garoto que vai ser o novo rei de Tão Tão Distante? (risos) Tão patético, agora fica quieto pra eu não fazer sujeira. Shrek: Encantado pára! Eu to aqui agora, já tem quem você quer, ele não tem nada a ver! Arthur: Então tenho a ver com quem, eu é que vou ser rei, não é? Shrek: Na verdade você não é o primeiro na linha de sucessão, tá bom? Sou eu. Arthur: Mas, você disse que o próprio rei chamou por mim Shrek: Não foi bem assim... Arthur: O que esta querendo dizer? Shrek: Olha, eu disse o que tinha que dizer, tá legal? Eu não servia bem para esse lance, só precisava de um otário pra me substituir e você caiu como uma luva, então vai embora! Arthur: Me enrolou o tempo todo... Shrek: Você aprende rápido, hein, garoto, talvez não seja tão mané quanto eu pensava. Arthur: Olha, por um instante, eu achei que você... Encantado: O que? Que ele gostasse de você? Ele é um ogro, você esperava o quê? É você leva o maior jeito com crianças...
Questionamentos
1. Você acha que Shrek foi egoísta ao enganar Arthur para não ter que assumir o trono do reino de Tão, Tão Distante? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Shrek enganando Arthur para não ter que assumir o reino? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
3. Você enganaria alguém para fazer algo que na verdade é seu dever e obrigação? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
Recorte 2 Burro: Arth! Gato: Perai, perai, perai, perai, epa, vai ter mais calma, senhor. Arthur: Para com isso, deixa de bancar o inocente, vocês dois sabiam o que tava acontecendo o tempo todo e não falaram nada! Burro: Arth, não é o que parece! Arthur: Ah, não é? Pra mim tá tudo bem claro, ele estava me usando, nada mais do que isso. Burro: Te usando? Cara você não entendeu nada! Gato: O Shrek só disse aquilo pra proteger você. Burro: O Encantado ia te matar Arth, Shrek, salvou sua vida.
Questionamentos
1. Você acha que Shrek foi generoso ao mentir para Arthur na intenção de salvá-lo? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
2. Como você se sentiria se estivesse no lugar de Shrek, ou seja, mentindo para Arthur para salvá-lo? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
3. Você mentiria para ajudar alguém? Por quê? Explique detalhadamente a sua resposta:
92
Tabela 10 – Configuração dos modelos organizadores de pensamento e sub-modelos
referente ao filme “Shrek I, II e III”
Modelo 1 Generosidade
Modelo 2 Egoísmo
13 13 Sub-Modelo 1.1
Generosidade como central Sub-Modelo 2.1
Egoísmo como central 13 08
Sub-Modelo 1.2 Generosidade como periférico
Sub-Modelo 2.2 Egoísmo como periférico
---- 05
Assim como no filme “Enrolados”, o filme “Shrek” apresentou um equilíbrio na
construção do valor moral generosidade e do valor não-moral egoísmo. Isso pode ser
melhor visualizado nos gráficos abaixo:
Shrek
50,00%
50,00%
0,00% 20,00% 40,00% 60,00%
Egoísmo
Generosidade
Gráfico 9 – Presença dos valores nos protocolos de respostas do filme “Shrek”
Podemos notar que dos 26 protocolos analisados, a generosidade apareceu
em 13 protocolos e o egoísmo também surgiu em 13. O percentual é, portanto, de 50%
para a generosidade e 50% para o egoísmo.
Todavia, dentre os 13 protocolos em que surgiu o valor generosidade, surgiu
em todos eles (100%) centralizado no sistema de valores dos sujeitos desta pesquisa.
93
Ao passo que dentre os 13 protocolos em que apareceu o egoísmo, em 61,6%
ele surgiu centralizado e em 38,4% apareceu na periferia do sistema de valores.
61,60%
0,00%
38,40%
100,00%
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%
120,00%
Generosidade Egoísmo
Central
Periférico
Gráfico 10 – Posição dos valores no filme “Shrek”
Isso significa que nos 13 protocolos em que a generosidade surgiu como
central (sub-modelo 1.1), os sujeitos declaram que não se aproximariam de ninguém
para tirar vantagens, que jamais ameaçariam uma pessoa para ter um desejo
realizado, que nunca enganariam alguém para fazer algo no seu lugar e que não
mentiriam, mesmo que fosse para ajudar alguém.
Nos outros 13 protocolos, o pensamento de 8 crianças foram organizados no
sub-modelo 2.1 porque apontaram, em suas respostas, que se aproximariam sim de
alguém para tirar vantagens, que ameaçariam uma pessoa para ter um sonho
realizado, que enganariam alguém para que fizesse suas obrigações e que mentiria.
Já o pensamento das outras 5 crianças foram organizados no modelo 2.2
porque, embora declarassem que se aproximariam sim de alguém para tirar vantagens,
que ameaçariam uma pessoa para ter um sonho realizado, afirmaram que não
enganariam alguém para que fizesse suas obrigações e nem mentiriam.
Os sentimentos resultantes de cada modelo e sub-modelo organizador de
pensamento estão expostos na tabela abaixo:
94
Tabela 11 – Disposição afetiva em relação aos valores expressos no filme “Shrek I, II e
III”
Modelos Sub-Modelos Sentimentos Negação da Atitude Afirmação da
Atitude 1 1.1 Incomodo, tristeza,
constrangimento --------------
1.2 -------------- ---------------- 2 2.1 ------------ Bem estar, felicidade.
2.2 Tristeza Normalidade, bem estar, tranqüilidade,
felicidade
Sobre os sentimentos expressos nos protocolos de respostas do filme Shrek,
podemos notar que eles não se diferenciam dos outros já analisados. Logo os
sentimentos morais incômodo, tristeza e constrangimento constroem o valor
generosidade, ao passo que os sentimentos não-morais bem estar, felicidade,
normalidade afirmadas pelos sujeitos em seus protocolos, frente às atitudes incorretas
dos protagonistas das situações de conflito, acabaram construindo o valor não-moral
egoísmo.
4.6 Considerações sobre a análise dos resultados
Como já vimos, as versões dos contos de fadas conhecidas hoje, sem serem
os das versões fílmicas, enfatizam ensinamentos éticos e morais e trazem reflexões à
cerca da conduta humana.
Mas, será que as versões fílmicas contemporâneas destes contos também
trazem ensinamentos éticos e morais? Será que estas versões fílmicas, por possuírem
uma linguagem sincrética, provocam também sentimentos morais nos expectadores e
os levam a construir valores morais como centrais em sua identidade, como no caso a
generosidade?
Ou, será que estes contos de fadas constroem valores não-morais, como o
egoísmo, ao levarem os telespectadores, principalmente o público infanto-juvenil, a se
identificarem com situações de conflitos ou com personagens que, nos contos
95
tradicionais, tinham características psicológicas de caráter moral e nas versões fílmicas
contemporâneas foram transformados em vilões, como a fada madrinha que antes era
bondosa e ajudava as princesas que sofriam e, no filme Shrek, por exemplo, é má e
egoísta?
Por conta do problema inicial desta pesquisa – os contos de fadas
contemporâneos, na versão fílmica, proporcionam a construção psicológica do valor
moral generosidade e/ou do valor não-moral egoísmo em crianças de 10 a 12 anos? – e
dos questionamentos posteriores, o conjunto de representações que as crianças de 10
a 12 anos realizaram a partir de situações de conflitos, coletados nesta pesquisa, foram
analisados a partir do instrumento teórico-metodológico da Teoria dos Modelos
Organizadores do Pensamento, o que nos possibilitou perceber os dados que este
público abstraiu como significativos e que serão relatados a seguir.
Vale destacar que todas as situações de conflitos de natureza moral que
utilizamos para verificar se houve ou não a construção de valores moral e/ou não-moral
foram visualizadas pelas crianças a partir de recortes de contos de fadas
contemporâneos na versão fílmica.
O que analisamos nos protocolos de respostas e nos modelos de pensamento
organizados pelos sujeitos desta pesquisa foi à carga afetiva vinculada, ora ao valor
moral generosidade, ora ao valor não-moral egoísmo, para assim analisarmos se estes
valores foram realmente construídos e qual a sua posição no sistema de valores que
define a identidade dos sujeitos envolvidos.
Após a apresentação dos resultados individuais de cada filme, apresentaremos
a seguir o resultado geral, através da análise de gráficos e tabelas:
96
18
31
82
52
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90Aparece aGenerosidade
Não aparece aGenerosidade
Aparece oEgoísmo
Não aparece oEgoísmo
Gráfico 11 – Agrupamento de sujeitos pelos valores construídos ou não construídos
Neste gráfico, fica evidente que o valor moral generosidade, bem como o valor
não-moral egoísmo, surgiram nos protocolos de respostas analisados. Contudo,
podemos perceber que de 133 protocolos, em 18 a generosidade não apareceu.
Portanto, 13,5% dos sujeitos participantes não demonstraram em suas respostas a
presença deste valor.
Por outro lado, podemos notar que 23,3% das crianças não construíram o valor
egoísmo, nem como central e nem como periférico no sistema de valores, já que em 31
protocolos este valor não-moral não apareceu.
É válido o fato de haverem protocolos onde o valor egoísmo não foi construído.
Isso demonstra que os filmes analisados constroem valores morais. Mas, e quanto ao
valor generosidade? Como pode 13,5% das crianças pesquisadas não construírem, em
nenhum momento, este valor ao observarem conflitos morais recortados dos contos de
fadas contemporâneos, na versão fílmica?
Podemos verificar que no caso das crianças que não construíram o valor moral
generosidade, alguns vilões e/ou alguns atos não-morais dos protagonistas dos
recortes tornaram-se atraentes para elas, ou seja, as atitudes incorretas do ponto de
vista moral, tornaram-se engraçadas, divertidas.
Isso realmente é uma descoberta alarmante, porque estes dados indicam
também que, embora estas crianças conheçam as regras de juízo moral, ainda não as
97
interiorizaram, logo, podem ser classificados, conforme Piaget, na fase da heteronomia
e conforme Kohlberg, no nível pré-convencional.
É válido salientar também que o fato dos contos de fadas contemporâneos, na
versão fílmica, tornarem vilões ou atitudes não-morais atrativas a partir da linguagem
sincrética – que acaba emprestando, conforme D’Elia (1996), de outras artes seus
códigos e elementos – atingem, de acordo com Brito (2011), as crianças por todos os
sentidos e de todas as maneiras, já que a combinação de linguagens que começa no
sensorial, passa pelo emocional, pelo intuitivo e termina no racional.
Certamente, isso acaba influenciando tanto na dificuldade destas crianças de
interiorizar as regras de juízo moral, como na construção de valores não-morais em sua
identidade.
Este fato pode ser identificado também no número de vezes que o egoísmo
apareceu nos protocolos. 39% dos protocolos demonstraram que as crianças
construíram este valor não-moral. Logo, estes sujeitos também podem ser classificados
na fase da heteronomia e no nível pré-convencional.
Podemos notar que este dado é bastante significativo e preocupante, já que
este valor não-moral pode influenciar na identidade destas crianças. Na tabela abaixo,
podemos observar algumas respostas presentes nos protocolos analisados, que
demonstram a presença do valor não-moral egoísmo e deixa claro que as crianças
estão na fase da heteronomia, pois conhecem as regras que são determinadas por
outras pessoas, mas ainda não conquistaram a autonomia.
Tabela 12 – Exemplos de respostas que ilustram o modelo 2
Modelos 2 Deu a louca na Chapeuzinho
Vermelho
Deu a louca na Cinderela
Deu a louca na Branca de Neve
Enrolados Shrek
Sub-Modelo
2.1 (Egoísmo
como valor
central)
“Eu ia deixar como estava, senão ia me
ferrar” F.E.A, 11 anos
-----------------
“Eu deixaria de ir ao
orfanato para ir ao show” N.B.M, 11
anos
“Eu faria o mesmo que Gothel para viver para sempre e
porque ficaria jovem a hora que quisesse”
E.S.B, 10 anos
“Se eu estivesse tentando
me aproximar do Shrek para me
sentir protegido,
ficaria
98
tranquilo, porque
nada podia me atingir”
C.N, 11 anos
“Sim, eu induziria alguém a fazer algo
que na verdade era
minha obrigação, porque as vezes é preciso” V.S, 11 anos.
Sub-modelo
2.2 (Egoísmo
como valor
periférico)
----------------------
“Se estivesse no lugar de
Cinderela, me sentiria bem porque só o
príncipe tinha as coisas
certas para nos salvar” R.S.F, 11
anos
“Eu ajudaria as pessoas porque elas
também poderiam me
ajudar” J.L.R, 10
anos.
“Eu me sentiria mal, mas feliz por
satisfazer minhas
vontades” L.R.T, 10 anos
“Se eu tivesse no lugar do
burro, faria a mesma
coisa, porque
estaria me protegendo, mas seria
muito errado”
G.V.S, 11 anos
Ao analisarmos estes registros verbais, podemos verificar que as crianças que
construíram o valor não-moral egoísmo pertencem também ao nível pré-convencional,
já que elas sabem que a moralidade é marcada pelas conseqüências de seus atos:
punição ou recompensa, elogio ou castigo, e baseia-se no poder físico (de punir ou
recompensar) daqueles que estipulam as normas.
Ao detalharmos ainda mais estes registros, podemos então encontrar neles a
presença do estágio 1 e do estágio 2, deste nível. Quando a criança diz “Eu ia deixar
como estava, senão ia me ferrar” ou “Se eu estivesse tentando me aproximar do Shrek
para me sentir protegido, ficaria tranqüilo, porque nada podia me atingir”, podemos
verificar a presença do estágio 1, já que o que determina a maldade destes atos são as
99
conseqüências físicas dele. Podemos notar que elas atuariam de forma imoral por
medo à punição.
Já, nas declarações “Eu ajudaria as pessoas porque elas também poderiam me
ajudar”, “Eu me sentiria mal, mas feliz por satisfazer minhas vontades”, “Se eu estivesse
tentando me aproximar do Shrek para me sentir protegido, ficaria tranquilo, porque
nada podia me atingir”, “Eu deixaria de ir ao orfanato para ir ao show” ou “Eu faria o
mesmo que Gothel para viver para sempre e porque ficaria jovem a hora que quisesse”,
podemos perceber claramente a presença do estágio 2 do nível pré-convencional, pois
a ação justa é aquela que satisfaz as suas necessidades, a que gera recompensa e
prazer.
Ainda analisando a construção do valor egoísmo, podemos notar, no gráfico
abaixo, que os filmes ‘Enrolados”, “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho” e “Shrek”,
respectivamente, foram os que mais construíram este valor.
50%
89,28%
44,82%
25%
72,72%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
80,00%
90,00%
100,00%
ChapeuzinhoVermelho
Cinderela Branca de Neve Enrolados Shrek
Egoísmo
Gráfico 12 – Presença do Egoísmo em cada Filme
Em relação à posição deste valor não-moral no sistema de valores das
crianças investigadas, podemos notar, conforme o gráfico abaixo, que o filme
“Enrolados”, “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho” e “Shrek” construíram o egoísmo
100
tanto no centro como na periferia do sistema de valores, ao passo que os filmes “Deu a
louca na Cinderela” e “Deu a louca na Branca de Neve” construíram o egoísmo apenas
na periferia.
Quanto a construção periférica deste valor não-moral, devemos lembrar que
este dado pode ser revertido, se trabalhada a educação em valores nestas crianças, ou
seja, o egoísmo pode vir a desaparecer do sistema de valores destas crianças. Caso
contrário, poderá migrar para o centro do sistema de valores e se instaurar como um
valor marcante na identidade destas crianças.
6
1
5
13
8
0
6
8
12
5
0
2
4
6
8
10
12
14
Ch
ap
eu
zin
ho
Ve
rme
lho
Cin
de
rela
Bra
nca
de
Ne
ve
En
rola
do
s
Sh
rek
Central
Periférico
Gráfico 13 – Egoísmo como valor central e periférico
Por outro lado, voltando ao gráfico 11, percebemos que a generosidade surge
em 61,65% dos protocolos. Podemos verificar também e com mais detalhes, a posição
deste valor na identidade dos sujeitos que participaram desta pesquisa.
101
82
66
16
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Generosidade
Total de vezes queapareceu
Total de vezes queapareceu como valorcentral
Total de vezes queapareceu como valorperiférico
Gráfico 14 – Valor moral e valor não-moral como valor central e periférico.
Diante deste gráfico, notamos que o valor generosidade predomina nos
protocolos de respostas, aparecendo 66 vezes como valor central e 16 vezes como
periférico. Desse modo, podemos perceber que os contos de fadas na versão fílmica
proporcionam mais a construção do valor generosidade que do valor egoísmo.
Além disso, podemos também considerar que a grande maioria destas
crianças pode ser considerada autônoma, segundo Piaget, pois percebem que as
regras são vistas como resultado de uma decisão livre e digna de respeito, aceitas pelo
grupo. Esta autonomia pode ser verificada nos registros verbais de algumas crianças:
Tabela 13 – Exemplos de respostas que ilustram o modelo 1
Deu a louca na Chapeuzinho
Vermelho
Deu a louca na Cinderela
Deu a louca na Branca de Neve
Enrolados Shrek
1.1 “Sentia vergonha porque se eu não contasse a verdade, me sentiria muito mal” L.C.S, 11 anos
“Se eu estivesse no lugar de Frieda, eu me sentiria mal por não deixar ela ir ao baile. Não me
“Eu me sentiria mal porque meu pai ficaria triste”
G.G.Y, 11 anos
“Eu me sentiria muito mal porque é o aniversário de uma pessoa que eu estou cuidando”
“Eu me sentiria mal por estar ameaçando alguém” G.F.B, 10
anos
102
sentiria bem” B.C.C.B, 11
anos
“Ruim, porque eu poderia ajudar outras pessoas”
P.R.S, 10 anos
“Eu não me tornaria amigo de alguém para tirar vantagens porque não se pode brincar com os sentimentos dos outros” E.S.M, 11
anos 1.2 “Eu me sentiria
envergonhado porque é uma coisa que só eu e a minha família deveria saber” G.L.N, 11 anos
“Se eu estivesse no lugar de Frieda, no momento eu não me sentiria mal, mas depois sim” L.R, 11 anos
“Se eu deixasse de ir ao orfanato para ir a casa de show me sentiria bem, no começo, mas depois sentiria remorso” Y.F, 11 anos
“Não, Gothel não se sentiu egoísta. Ela só queria ficar mais bela, mas Rapunzel era uma boa filha”
L.B.S, 10 anos
----------------
Quanto à classificação de Kohlberg, podemos dizer que algumas destas
crianças, que construíram o valor generosidade, estão no nível convencional e no pós-
convencional.
As que foram classificadas no nível convencional demonstraram atitude de
conformidade com a ordem social e de lealdade e amor á família e ao grupo social.
Dentro deste nível, há crianças que se enquadraram no estágio 3 e no estágio 4.
No estágio 3, os sujeitos desta pesquisa se preocuparam com o julgamento de
seu comportamento e, por conta disso, buscou-se a aprovação familiar e social: “Eu me
sentiria mal porque meu pai ficaria triste” ou “Ruim, porque eu poderia ajudar outras
pessoas”.
Quanto ao estágio 4, as crianças demonstraram se preocupar com o dever,
com o cumprimento da obrigação, com o desejo de fazer o certo porque isso é justo:
“Eu não me tornaria amigo de alguém para tirar vantagens porque não se pode brincar
com os sentimentos dos outros” e “Se eu estivesse no lugar de Frieda, eu me sentiria
mal por não deixar ela ir ao baile. Não me sentiria bem”.
103
As crianças classificadas no 3º nível, que é o pós-convencional, demonstraram
conscientemente e livremente o que é certo e o que é errado e porquê. Neste nível,
encontramos crianças que se enquadram no estágio 5. Neste estágio, elas
demonstraram pensar no outro, na maioria, no bem comum, nos direitos humanos: “Eu
me sentiria mal por estar ameaçando alguém”.
Podemos, então, perceber que as crianças que construíram o valor
generosidade a partir da análise de situações de conflitos morais presentes em recortes
de contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, desenvolveram a autonomia
moral em sua identidade.
Contudo, como a posição do valor é flexível em nossa identidade, temos que
nos atentarmos para os valores periféricos, pois se não trabalhada a educação em
valores, os valores morais periféricos podem desaparecer do sistema de valores.
Retornando ao gráfico 14, podemos notar também que em 12% dos protocolos
a generosidade surgiu na periferia do sistema de valores das crianças pesquisadas. E,
conforme já citamos, o valor periférico pode tanto migrar para o centro, como
desaparecer do sistema de valores senão trabalhado a educação em valores.
Em relação aos contos de fadas fílmicos que mais construíram o valor
generosidade, podemos citar “Deu a louca na Cinderela”, “Deu a louca na Branca de
Neve” e “Enrolados”. Estes dados estão representados no gráfico abaixo:
104
72,72%
100%96,55%
89,28%
50%
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%
120,00%
ChapeuzinhoVermelho
Cinderela Branca de Neve Enrolados Shrek
Generosidade
Gráfico 15 – Presença da Generosidade em cada Filme
Notamos também, a partir dos dados demonstrados no gráfico 16, que a
grande maioria dos filmes analisados construíram o valor generosidade como central.
O caso mais crítico continua sendo o filme “Enrolados” que, conforme já salientamos,
apresentou um equilíbrio entre a construção do valor generosidade e do valor egoísmo.
Assim, temos que mais uma vez destacar que o valor periférico pode desaparecer do
sistema de valores ou migrar para o centro dele. Para isso, é necessário que haja uma
educação em valores.
105
14
2724
1513
2 14
10
0
0
5
10
15
20
25
30
Ch
ap
eu
zin
ho
Ve
rme
lho
Cin
de
rela
Bra
nca
de
Ne
ve
En
rola
do
s
Sh
rek
Central
Periférico
Gráfico 16 – Generosidade como valor central e periférico
Vale destacarmos também que procuramos, nesta pesquisa, perceber nestes
protocolos de respostas os sentimentos morais e não morais sentidos pelos sujeitos ao
analisarem os recortes.
Os sentimentos não morais aparecem quando agimos e/ou pensamos
contrariando os valores centrais da nossa identidade. Esses sentimentos atuam
regulando nosso funcionamento psíquico. Sobre estes sentimentos, observamos nos
protocolos analisados, a presença tanto de sentimentos morais como de sentimentos
não-morais:
Tabela 14 – Sentimentos morais e não-morais expressos a partir da análise dos
recortes dos contos de fadas na versão fílmica
Sentimentos Morais Não-morais
Vergonha, egoísmo, culpa, tristeza,
remorso, angústia, constrangimento,
medo
Bem estar, orgulho, normalidade,
felicidade, certeza, tranquilidade
106
Notamos que, de uma maneira geral, apareceram nos protocolos sentimentos
morais que construíram a generosidade ora como um valor central e ora como um valor
periférico na identidade de algumas crianças, como também podemos notar que os
sentimentos não-morais que apareceram indicam a construção do egoísmo como um
valor central e/ou periférico na identidade de outras crianças.
107
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa justificou-se pelo fato de se fazer necessário analisar a essência
dos contos de fadas contemporâneos, na versão fílmica, a fim de descobrir se eles
ainda buscam construir valores morais ou se foram “contaminados” pelos valores
hedonistas presentes na sociedade contemporânea.
Na trajetória desta pesquisa, guiamo-nos pelos pressupostos de que os contos
de fadas contemporâneos, na versão fílmica, influenciam na construção psicológica do
valor moral generosidade e do valor não-moral egoísmo em crianças de 10 a 12 anos
ou de que não influenciam na construção psicológica destes valores.
Nesta busca, encontramos algumas respostas e alguns questionamentos,
talvez mais complexos que a problematização que lançamos: Os contos de fadas
contemporâneos, na versão fílmica, proporcionam a construção psicológica do valor
moral generosidade e/ou do valor não-moral egoísmo em crianças de 10 a 12 anos?
Para tentar responder a este questionamento e a outros que surgiram no
decorrer desta pesquisa, procuramos nos embasar em teóricos como Piaget e Kohlberg
e na teoria dos Modelos Organizadores de Pensamento, como instrumento teórico-
metodológico.
Quanto às hipóteses, podemos declarar que a segunda – Os contos de fadas
contemporâneos, na versão fílmica, não influenciam a construção psicológica do valor
moral generosidade e nem na construção psicológica do valor não-moral egoísmo em
crianças de 10 a 12 anos – foi refutada, pois verificamos, a partir deste estudo e das
análises que aqui desenvolvemos, que os contos de fadas contemporâneos, na versão
fílmica, constroem sim tanto o valor moral generosidade, como o valor não-moral
egoísmo em crianças de 10 a 11 anos de idade.
O que temos que destacar é que as versões fílmicas dos contos de fadas
possuem a mesma estrutura que os contos tradicionais, pois apresentam uma
problemática existencial: o herói ou a heroína que precisa vencer obstáculos ou provas
para alcançar sua auto-realização. Geralmente a aventura da busca parte de uma
metamorfose ou de um encantamento (COELHO, 2000).
108
Desse modo, tanto nas versões tradicionais como nas contemporâneas, a
narrativa desenrola-se em três fases: a partida, a iniciação e o retorno (CAMPBELL,
1992; VOGLER, 2006; COELHO, 2000).
As narrativas dos contos de fadas, sejam elas fílmicas ou não, seguem uma
determinada estrutura, contudo, difere-se de qualquer outra forma de literatura, porque
são capazes de contribuir diretamente para a construção da identidade e dos valores
éticos e morais, pois além de dar exemplos ou conselhos, propõem problemas a serem
resolvidos, estimulando a capacidade de compreensão dos fenômenos e provocando
idéias novas ou uma atitude receptiva em relação às inovações que a vida cotidiana
propõe (ou proporá), além de procurar capacitar as crianças e jovens a optarem, com
inteligência, nos momentos de agir.
Entretanto, conforme destaca Bettelheim (2007), em praticamente todo conto
de fadas, o bem e o mal são corporizados sob a forma de algumas personagens e de
suas ações. É essa dualidade que coloca o problema moral e requer a luta para
resolvê-lo.
Assim, os valores são construídos, não no fato de a virtude vencer no final,
mas sim no fato de o herói ser extremamente atraente para a criança, que se identifica
com ele em todas as suas lutas.
Dessa maneira, constatamos que, a grande maioria dos contos de fadas
contemporâneos, na versão fílmica, seguem não só a mesma estrutura dos contos
tradicionais, como pregam os mesmos valores, tanto é que a generosidade surgiu em
mais protocolos que o egoísmo.
Quanto à animação “Deu a louca na Cinderela”, constatamos que o valor
generosidade esteve presente em todos os protocolos analisados, ora como valor
central e ora como valor periférico. Vale destacar que o valor generosidade apareceu
em 100% dos protocolos de respostas. Dentre os 28 protocolos analisados, em 27 a
generosidade surgiu como um valor central e em apenas 01 modelo, como valor
periférico.
Isso significa que em 96,4% das cenas recortadas do filme ‘Deu a louca na
Cinderela”, que continham conflitos de cunho moral, os participantes demonstraram
109
uma maior carga afetiva vinculada ao valor generosidade, centralizando-a em seu
sistema de valores.
Por outro lado, o valor não-moral egoísmo surgiu em 25% dos protocolos, mas
somente em 3,6% dos protocolos, este valor apareceu como central. Contudo, é válido
destacar que, mesmo o valor não-moral egoísmo tendo aparecido como central, a
generosidade esteve presente, nestes protocolos, como um valor periférico.
Em “Deu a louca na Branca de Neve” verificamos também que o valor
generosidade foi construído prioritariamente. Dos 29 protocolos, a generosidade esteve
presente em 28, ora como valor central e ora como valor periférico, o que equivale a
96,5%. Dentre este percentual, o valor generosidade apareceu 85,7% como central e
14,3% como periférico.
Já o valor egoísmo surgiu 13 vezes nos protocolos, o que equivale a 44,8%.
Destas 13 vezes, o egoísmo surgiu 38,5% como valor central e 61,5% como valor
periférico. Isso significa que, embora a construção do valor egoísmo, no caso deste
filme especificamente, é algo preocupante, visto que, embora a construção do valor
generosidade tenha predominado, o valor não-moral surgiu em muitos protocolos.
Todavia, detectamos, em alguns protocolos, que certas crianças passaram a se
identificar com personagens e com ações imorais, já que estas lhes foram apresentadas
a partir de uma combinação de linguagens que começou no sensorial, passou pelo
emocional, pelo intuitivo e terminou no racional.
Assim, alguns contos de fadas analisados, como “Enrolados”, “Shrek” e “Deu a
louca na Chapeuzinho Vermelho” colocam em primeiro plano a animação, o que levou o
enredo a tornar-se secundário.
Isso foi constatado nesta pesquisa, pois percebemos, a partir das análises dos
protocolos, que estes filmes focaram mais na animação e trouxeram como divertimento
o egoísmo e a individualidade moderna, o que acabou por banalizar a consciência
moral.
Em Shrek, dos 26 protocolos analisados, a generosidade apareceu em 13
protocolos e o egoísmo também surgiu em 13. O percentual é, portanto, de 50% para a
generosidade e 50% para o egoísmo. Todavia, dentre os 13 protocolos em que surgiu o
valor generosidade, surgiu em todos eles centralizado no sistema de valores dos
110
sujeitos desta pesquisa. Ao passo que dentre os 13 protocolos em que apareceu o
egoísmo, em 61,6% ele surgiu centralizado e em 38,4% apareceu na periferia do
sistema de valores.
Em relação à animação “Deu a louca na Chapeuzinho Vermelho”, constatamos
que em 72,7% das cenas recortadas que continham conflitos de cunho moral, os
participantes demonstraram uma maior carga afetiva vinculada ao valor generosidade e
que em 63,3% dos protocolos analisados, essa carga afetiva foi tão intensa que
proporcionou o posicionamento central deste valor na identidade daquelas crianças.
Quanto ao valor egoísmo no centro do sistema de valores destes indivíduos,
posicionando-o na periferia, constatamos que ele surgiu em 27,3% dos protocolos
deste filme.
É válido destacarmos que este valor surgiu apenas como central na identidade
das crianças e não surgiu nenhuma vez como valor periférico. Este dado é
preocupante, pois notamos que a carga afetiva vinculada ao egoísmo foi muito forte.
Estes sujeitos perceberam as atitudes egoístas dos protagonistas como normais,
demonstrando que até se sentiriam felizes em ter tais atitudes, assim, o valor egoísmo
centralizado no sistema de valores destes sujeitos poderá influenciar negativamente na
construção de sua identidade.
O filme “Enrolados”, ao contrário dos outros aqui analisados, equilibra a
construção de valores morais e não-morais. Percebemos que a mesma quantidade de
vezes em que o valor moral generosidade apareceu nos protocolos de respostas é a
mesma quantidade do valor não-moral egoísmo.
A generosidade e o egoísmo surgiram em 25 protocolos, o que equivale a
89,2%, de presença tanto de um como do outro valor. O valor generosidade apareceu
em 60% dos protocolos como um valor central e em 40% deles como um valor
periférico. O mesmo ocorreu como o valor egoísmo, contudo, na ordem inversa: surgiu
em 40% dos protocolos como um valor central e em 60% deles como um valor
periférico.
Assim, podemos compreender que alguns contos de fadas contemporâneos,
na versão fílmica, não constroem valores que são características deste gênero
narrativo, como priorizar os valores humanistas, deixar claro a oscilação entre uma ética
111
maniqueísta e uma ética relativista, premiar o bem e castigar o mal, demonstrar que a
ambição desmedida ou a insaciabilidade humana causam desequilíbrios sem conta,
entre outros.
Esta informação responde, em partes, nossos questionamentos posteriores,
pois verificamos que o sincretismo das versões fílmicas contemporâneas tanto dos
contos de fadas tradicionais, como dos contos de fadas atuais buscam construir, na
maioria das vezes, ensinamentos éticos e morais, mas há algumas animações que,
caracterizam-se por serem produtos midiáticos e assim constroem valores hedonistas.
Isso tudo causa a esquizofrenia social destas crianças que acaba substituindo a
subjetividade por presentes desconexos, ou seja, por uma cadeia de significantes sem
significado (HARVEY, 2007), deixando-nas sem uma identidade moral e ética.
Vale destacar que esses sujeitos que tiveram o egoísmo construído a partir das
situações de conflito moral retirados de recortes destas animações podem passar a
agirem a partir da ética da estética, e não a partir de uma moral universalizante, ou seja,
podem vir a substituírem dos valores morais pelos valores hedonistas.
Para concluir, efatizamos que os contos de fadas fílmicos devem ser produtos
de análise constante da sociedade, principalmente das instituições sociais, como a
família e a escola. Estas devem analisar criticamente o material a fim de verificar se se
constroem valores morais ou não, ou até mesmo contravalores, para orientar as
crianças, a partir de uma educação em valores que pode ser abordado através da
doutrinação, da clarificação, da opinião e julgamento de valores ou da abordagem pela
narração.
112
REFERÊNCIAS
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