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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS – GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA NA GRÉCIA
ANTIGA
Uma Perspectiva Genealógica e a noção de Acontecimento
Histórico.
Millena Pereira Nunes Reis
Orientada por: Maria Poppe
Niterói
2010
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS – GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA NA GRÉCIA
ANTIGA
Uma Perspectiva Genealógica e a noção de Acontecimento
Histórico
OBJETIVOS:
Monografia apresentada no curso de
Pós-graduação ‘lato sensu“ em Terapia
de Família da Universidade Cândido
Mendes, como requisito para obtenção
do título de especialista em Terapia de
família, autora Millena Pereira Nunes
reis
3
AGRADECIMENTOS
A Deus,
a minha família,
aos meus amigos e
aos meus professores
4
DEDICATÓRIA
A todos que amam o poder de afirmar e de
criar da vida.
5
RESUMO
A história não é uma linearidade de fatos ideais que juntos trabalham para
compor sentidos universais. Esta é completamente o oposto disso. A história não
é uma evolução para um estado ideal: é feita de rupturas, descontinuidades,
desencontros de sentidos, de valores, de conceitos que são produzidos e
inventados. São efeitos das batalhas, das relações de poder, dos agenciamentos
entre múltiplas e diferentes forças que compõem um campo de possibilidades, um
campo problemático que reúnem as condições possíveis para que ocorra a
emergência de valores e significados em determinados contextos da história. A
história é assim composta por uma rede infinita de acontecimentos que produz o
movimento nunca ordenado da história, mas um devir de sentidos plurais e
singulares, sempre renovados. A proposta desta pesquisa é, portanto, permitirmos
olhar e analisar a família na Grécia Antiga através desta perspectiva genealógica e
da noção de acontecimento histórico. Um novo olhar, uma nova concepção da
história como produção de singularidades únicas, como produtora de sentidos e
que nos conduz a debruçarmos sobre esta, sem julgamentos, sem modelos, sem
certos e sem errados a priori, apenas compreendermos como foi possível a
construção dos modos de ser família no contexto da antiguidade grega. A partir
destas concepções, ao final desta pesquisa encontraremos reflexões de como
estes conceitos podem contribuir para o trabalho da terapia de família.
Palavras - chave: História – construção – relações de poder – sentidos – família na
Grécia Antiga – genealogia – acontecimento – terapia de família
6
METODOLOGIA
A metodologia foi baseada na pesquisa bibliográfica da análise de livros de
autores que nos auxiliaram a pensar através da família na Grécia Antiga, um
recorte histórico, a perspectiva genealógica e a noção de acontecimento histórico.
Jean Paul Vernant e seus colegas (1994) reuniram um rico material referente a
Grécia Antiga. Deste nos interessou a estrutura daquela sociedade, o mundo dos
deuses, a vida doméstica, a diferenciação dos papéis masculinos, femininos, a
concepção de criança e as relações homoeróticas. De Friedrich Nietzsche
(1878;1885;1886;1887) tentamos extrair essência da criação do pensamento
genealógico e de sua base na teoria das forças. Com Michel Foucault (1973;
1979) nos aprofundamos mais no desenvolvimento do pensamento de Nietzsche e
em sua contribuição do que possa ser um acontecimento. Paul Veyne (1982;
1985) nos trouxe á luz uma nova concepção da história e de como ela é
produzida, além de contribuir para mais uma faceta do que possa ser o
acontecimento histórico. E finalmente através de Gilles Deleuze (1974; 1976)
fomos buscar nos filósofos Estóicos a fundamentação os primeiros pensamentos
da noção de acontecimento histórico, além da ampliação e complementação deste
conceito pelo autor. Através destes conceitos, criamos ferramentas para poder
refletir sobre o que pode vir a ser a terapia de família, o seu processo, a linha de
trabalho com as famílias e a percepção do terapeuta nesta dinâmica.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 9
CAPITULO I
O MODO SINGULAR DA ESTRUTURAÇÃO DA SOCIEDADE GREGA
ANTIGA 12
CAPÍTULO II
O MUNDO IMORTAL: O MUNDO GREGO ANTIGO GOVERNADO POR 25
DEUSES
CAPÍTULO III
A COMPLEXIDADE DO SER FAMÍLIA NA GRÉCIA ANTIGA 47
CAPÍTULO IV
A PESRPECTIVA GENEALÓGICA E A NOÇÃO DE ACONTECIMENTO
HISTÓRICO: 75
CAPÍTULO V
CONTRIBUIÇÕES DOS CONCEITOS DA PESRPECTIVA GENEALÓGICA E
ACONTECIMENTO HISTÓRICO Á TERAPIA DE FAMÍLIA 100
CONCLUSÃO 104
8
BIBLIOGRAFIA 106
WEBGRAFIA 114
ANEXOS 115
ÍNDICE 118
9
INTRODUÇÃO
Quando folheando um livro de história da antiguidade grega nos deparamos
com o termo “a família na Grécia Antiga”. A que idéia nos remetemos? Talvez a de
que a família desta época formaria uma unidade de características. Mas se
pensarmos hoje poderíamos dizer que há “uma família contemporânea” “uma
família da atualidade”? Acreditamos que é impossível e mesmo impensável ver,
sentir o no nosso quotidiano, seja, qual for, na observação de outras famílias, essa
unidade indivisível. Há tantas composições possíveis, quanto imaginamos. A
tradicional família nuclear burguesa, um casal, seja homossexual, ou
heterossexual, com ou sem filhos, apenas um dos pais com a guarda destes,
filhos adotivos, o convívio e a relação de amigos, sem laços consangüíneos
vivendo em uma mesma habitação ou não: todas estas são modos de ser família
possíveis em diversas classes socioeconômicas e culturais, espalhadas pelo
mundo. Como é possível dizer que no cipoal de diversidades, presentes em todos
os lados, para quem deseja e pode ver, haja um modelo único do que seja
família?
Agora pensemos: como podemos dizer que um território imenso como o
território grego, antes mesmo de ser unificado, antes de se tornar uma nação, um
pais, constituído por uma pluralidade de pequenos estados, para falar a verdade,
trinta estados, podemos nele falar de um modelo de família grega? E ainda por
cima grega? Não é possível dizer que haja uma figura unívoca de família perante
a uma diversidade de cidades, e conseqüentemente, de sistemas de vida, de
regimes políticos. A família na Grécia Antiga deve ser tomada como plural e
singular. Plural, pois a diversidade está espalhada em cada moradia, em cada
organização, e singular, pois em nenhuma encontraremos um modo de ser igual.
O lúcido historiador Jean- Pierre Vernant afirma que os historiadores colocam um
objeto de estudo, seja ela qual for da história e decompõem “...em uma
10
multiplicidade de facetas, em cada uma das quais se reflete o ponto de vista que
os autores da obra preferiram privilegiar” (Vernant, p. 7). Desta maneira passam
para nós a idéia de um objeto histórico unívoco em toda e qualquer situação, sem
suas particularidades e interferências.
A reunião de diversos autores pesquisados tem como intuito sempre
ampliar cada vez mais a perspectiva do sentido da família na sociedade grega
antiga, nunca querermos encontrar uma comunhão e uniformidade de idéias entre
eles. Não acreditamos na justaposição e sim em um conjunto de aspectos que se
interceptam e sempre se complementam de algum modo nos fornecendo uma
imagem original sem equivalentes. A busca é sempre pela individualização,
pluralidade, multiplicidade e na singularidade deste pequeno grande mundo. Para
tanto é necessário nos desposarmos de qualquer modo de ser família a priori, de
enquadramento. Devemos fazer um movimento contínuo de vai e vem, de
proximidade e afastamento, pois este permite segundo Vernant “... nos
aproximarmos mais sem o perigo de nos confundirmos e aproximando-os para
melhor captar as diferenças e ao mesmo tempo, as afinidades”(ibid, p. 10) para
que não bloqueemos a profundidade deste mundo.
Desta forma, a nossa pesquisa terá como fundamento pensar a família na
Grécia Antiga através da noção da perspectiva histórica e da noção de
acontecimento histórico, ou seja, ver a família na Grécia Antiga não como uma
unidade imutável, mas como uma produção, fruto de relações de força marcadas
pela época, pelos agenciamentos, pelos campos de problematização que a
envolvem, por exemplo, a estruturação da sociedade grega antiga, o império dos
deuses, o ser criança, o ser mulher, o ser homem, as relações homoeróticas, o
casamento, dentre outros: todos acontecimentos, agenciados uns aos outros e
que, atendendo ao nosso enfoque de pesquisa, produzem sem cessar o
acontecimento família na Grécia Antiga.
Também, seguindo o caminho traçado pela perspectiva genealógica e pela
noção de acontecimento histórico, pensaremos como uma terapia de família
11
poderia ser estruturada nestes parâmetros. A percepção do terapeuta, a sua
prática, as intervenções, como ele pode conceber a família que se apresenta para
este profissional demandando cuidado, bem como a sua idéia do processo
terapêutico.
Pesquisar sobre o tema família na Grécia antiga é sem dúvida um grande
desafio, devido à escassa informação acerca deste tema. Os próprios
historiadores deste período Grego Antigo afirmam que muitos documentos foram
perdidos e, portanto a pesquisa desta literatura se encontra em grande dificuldade.
Mas o nosso trabalho foi sem dúvida reunir os diversos sentidos, as diversas
interpretações acerca do tema para termos um campo rico e o mais heterogêneo
para trabalháramos, mesmo sabemos que nunca apreenderemos a totalidade,
pois há um limite inevitável no conhecimento. O maior número de informações
acerca da Grécia Antiga se encontra através de documentos dos períodos
Homérico, Clássico e Helenístico. Assim, grande parte de nossa pesquisa virá de
informações acerca destes períodos. Mas como concebemos que o ser família na
Grécia Antiga envolve muitos outros aspectos da época tentaremos ao máximo
reunir todos estes e assim, poder tecer os diversos fios que constroem o ser
família na Grécia Antiga.
12
CAPÍTULO I – O MODO SINGULAR DA ESTRUTURAÇÃO
DA SOCIEDADE GREGA ANTIGA
A sociedade grega antiga, na concepção de um dos filósofos gregos mais
renomados, Aristóteles, em “A política” (Aristóteles apud Glotz, 1988, p.2 ), teve
em sua formação primária o desenvolvimento de três estágios: a família, a aldeia e
o Estado.
A família seria o primeiro estágio de formação do mundo grego. Sua formação
é dada como natural. Tudo o que é natural para os gregos é sinônimo de eterno. A
estrutura da família é feita através da associação do casal marido e mulher, do
senhor e do escravo: Estes são “(...) todos que comem na mesma mesa e
respiram a mesma fumaça da mesma” (ibid). Como a família é colocada no
primeiro estágio do desenvolvimento da sociedade, logo é concebida como a base
ramificadora. É da família que se criaria o segundo estágio: a aldeia ou a kômê, ou
seja, lugar onde moram tantos os filhos, como os netos da família, obedecendo a
um único rei, que exerce na família de forma mais ampliada o poder que a figura
mais velha exerceria na família primitiva. (ibid.,p.2). O Estado ou a pólis seria o
último estágio de desenvolvimento da formação da sociedade grega. É percebida
como a resultante, a conjunção das múltiplas aldeias existentes. Sendo assim, a
família seria a criadora natural de outros dois elementos de formação da
sociedade grega: a aldeia e a cidade; conseqüentemente estes seriam também
criações naturais.
Como a família seria a base e origem da formação dos outros estágios da
sociedade é nesta que o homem pode se tornar um ser político, ou seja, o
desenvolvimento deste naquela seria mais do que uma opção, passa pelo sentido
de um dever. A cidade é apenas um veículo para este desenvolvimento completo.
A história não é um continuum de eventos que seguem uma seqüência lógica e
estruturada. Ela é marcada de encontros e desencontros em sua trajetória. Isto
possibilita para os pesquisadores um espectro amplo de concepções e pontos de
13
vista de um recorte histórico. Desta forma podemos dizer que Glotz contrapõe
Aristóteles e apresenta outra hipótese para a formação inicial da Grécia. Também
como o filósofo ele divide a formação da Grécia em três períodos (ibid., p.4):
1º A cidade seria composta por famílias que cuidadosamente protegem o seu
direito primitivo e por este submete todos os seus membros ao interesse da
coletividade.
2º A cidade colocaria as famílias em dependência, contando com o auxilio dos
indivíduos libertos.
3º Os excessos do individualismo destruiriam a cidade a ponto de se tornar
necessário à constituição dos Estados mais extensos.
Após estas duas principais hipóteses acerca do processo de formação inicial
da sociedade grega, veremos os elementos principais que compõem e se
relacionam para a complexidade do modo de ser grego antigo.
1.1- Os primeiros gregos
A maior fonte de informação deste povo está contida na poesia e nos contos
heróicos que narram as lendas tradicionais intercalando-as com as versões
familiares dos feitos dos Deuses.
Os primeiros homens – Civilização Minóica 2200 a 1400 a.c – surgiram na ilha
do Mar Egeu por meio da fusão de habitantes de Creta com povos que emigraram
para esta ilha vindos de ilhas da Ásia Menor. A principal atividade econômica era o
comércio e sua grande obra foi a construção de belos palácios altamente
estruturados, onde se localizava o centro administrativo de sua civilização, e
envolta destes havia casas. Não há um consenso forte sobre o desaparecimento
desta civilização, mas há a hipótese de que a origem teria sido devido às invasões
bárbaras da Civilização Micênica (Wikipédia).
A Civilização Micênica – 1600 a 1200 a.c – já falava o idioma grego. Não
possuíam uma unidade política, caracterizada pela existência de diversos
14
reinados. Mas o centro administrativo se encontrava também no interior de
palácios. Adotavam o comércio, a caça e a guerra como fonte econômica. O
declínio desta civilização está associado à queda das rotas comercias e á guerras
internas (ibid).
A história da Grécia é marcada por um período denominado pelos historiadores
como a Idade das Trevas – 1200 e 800 a.c – denominados assim, pois todas
fontes de informação possíveis, como a escrita e os objetos de arte foram
perdidos. Outro fator apontado como hipótese teria sido a diminuição populacional
e a imigração dos habitantes que procuravam locais mais seguros para se fixarem
(ibid).
No Período Homérico – aproximadamente 750 a. c – tem-se a formação da
comunidade gentílica – dos gènos – formada pelos povos invasores, mas também
foi a época de transição para o desaparecimento das antigas realezas religiosas e
patriarcais. A pátria para este povo era o clã ou os gênós, ou seja, a reunião de
membros que descendiam do mesmo antepassado e saudavam ao mesmo deus:
“Debaixo do mesmo teto mamavam o mesmo leite, respiravam a mesma fumaça,
comiam o pão da mesma casa” (Finley, 1963, p.5). A classificação dos vínculos de
parentesco, sem eles hoje talvez perderíamos o referencial de proximidade
consangüínea na nossa organização familiar, para este povo não era necessário,
pois todos viviam como irmãos ou gennêtai – aparentamento. Este grupo gozava
de independência e soberania ilimitadas. A única obrigação era com a sua religião.
Suas virtudes e valores eram definidos segundo o que favorecia sua honra e
prosperidade. Tudo neste grupo sejam indivíduos, coisas e animais eram
vinculados pelo “laço de solidariedade absoluta” (ibid., p. 5) chamada philótês –
aproximadamente significa amizade – entretanto em um sentido mais próximo da
relação jurídica do que da sentimental. Esta amizade direciona a aidôs –
consciência do dever. Logo podemos entender que o dever era recíproco como o
laço de amizade e somente entre os parentes, não importavam quais (Homero,
apud Glotz, 1988, p.5). Assim como todos os outros pertences do clã, a
15
propriedade era também comum a todos e indivisível. Para ser merecedor desta
todos deveriam, trabalhar em favor dela.
O chefe dos génôs era aquele do sexo masculino que tinha descendência mais
direta com o antepassado divino, ou seja, o de sangue mais puro dentre todos do
clã. Este homem possuía poder e mérito absoluto sobre muitas coisas do seu
pequeno mundo como sua mulher e demais membros do grupo. Em relação a sua
mulher esta poderia ser repudiada, rendida ou morta sem nenhuma justificação. O
título de chefe dos génôs permitia ser merecedor de toda a sabedoria ou do
conhecimento dos thémistes – sentenças indefectíveis reveladas por sonhos ou
oráculos, ou ainda por sugestão divina. Estas thémistes eram transmitidas a cada
geração bem como a thémis – o código sagrado e culto da justiça familiar (ibid., p.
6). Já que o chefe possuía a justiça este era quem concedia a sentença
condenatória ou inocente a um membro que atentasse contra o seu clã, cumprindo
assim, além de “juiz”, a função de protetor social.
As reuniões dos clãs formavam as fratrias que poderíamos entender como
uma corporação de guerra, sociedades fechadas. Era bastante comum a guerra
entre os génôs por terras, armas e rebanhos. Qualquer membro ofendido poderia
se vingar. Era permitida a reconciliação através da piedade ou pela compaixão. O
assassino deveria ocupar o lugar daquele que matou no clã através da adoção ou
do casamento seguido de um tratado de amizade simbolizado a aliança pelo
sacrifício aos deuses – mistura do seu sangue com os outros integrantes do clã
oposto (Homero, apud, Glotz, 1988, p. 7).
Impulsionadas pelas diversas convocações de necessidades econômicas,
militares e de subsistência, as fratrias foram se desenvolvendo
administrativamente e conseqüentemente dissolvendo a vida comunitária dos
gènôs, preparando o terreno para a formação da pólis Grega.
16
1.2 - A pólis Grega1
A pólis Grega merece um destaque especial assim como a comunidade dos
gènos, pois enquanto a última conta com as especificidades de uma organização
social e preparação para a pólis, a primeira se destacou pela sua grandiosa
organização e dinâmica, além de produzir um forte sentido singular de
pertencimento a um coletivo social, criando assim modos de ser que influenciaram
todos os ramos da vida dos gregos antigos.
A dinâmica e estrutura da pólis, tendo sido iniciado o seu projeto já no período
Arcaico – 750 a 500 a.c –, mesmo alterada ao longo da história da Grécia,
permaneceu como modelo de cidadão, de social e de democracia na Grécia
Clássica – 500 a 323 a.c – ,Helenística – 323 a 146 a.c – e nos influencia até hoje
na administração política dos países.
Como o território grego não era unificado, havia diversas Cidades. Cada qual
com sua peculiaridade de administração. Todavia a diversidade do território grego
não superava os elementos comuns entre as cidades. Estas formavam um
conjunto, não só pela organização de uma comunidade política, ou seja,
pertencentes todos a uma mesma pátria, mas pelo sentimento de união comum
através da tradição vinculada à natureza mítica e histórica.
A pólis também conhecida como Cidade-Estado é definida por Redfield (1994,
p. 155) como um corpo político baseado na idéia de cidadania – uma comunidade
de pessoas juridicamente iguais. A autoridade era concedida aos indivíduos
através do seu cargo em relação à pólis. Os cidadãos podiam governar e serem
governados, ocupando um cargo e cedê-lo a outro sem perder sua condição de
cidadão. A pólis também podia ser vista como um conjunto de famílias ligadas por
laços de hospitalidade mútua, de casamento dentre outros. Uma sociedade
privada cuja riqueza se encontrava espalhada em muitos indivíduos, mas estes
deviam pagar impostos sobre o patrimônio em casos de necessidade pública.
1 Ver as ilustrações em anexo 1 de quadros que retratavam a pólis grega.
17
O conjunto de cidadãos formava um público e a vida civil significava
basicamente ser digno de freqüentar as reuniões públicas – a time – como as
assembléias, o teatro, os jogos e os rituais. A atimia era uma punição jurídica que
consistia na perda deste direito. Porém, nem todos os indivíduos eram cidadãos,
ou seja, homens de pleno direito. As mulheres, as crianças e os escravos não
faziam parte deste enquadramento de cidadania. Eram considerados pertencentes
a uma família e, portanto indiretamente faziam parte da cidade. Embora a cidade
fosse sua pátria, não faziam parte do público (ibid., p.155-156).
Dentre o corpo de cidadãos da pólis, nem todos possuíam igualdade neste
direito. A regra geral era que todos os cidadãos tinham o direito de aparecer em
público, entretanto, esta aparição se tornava uma forma de competição entre eles,
e esta era melhor representada através da própria guerra, ou através de duelos,
ou de um conjunto de provas e desafios: o vencedor ganhava uma superioridade e
um reconhecimento como cidadão, ou seja, sua honra e glória acima dos demais.2
Por esta razão, o território grego provocava tanto o desenvolvimento de
treinamentos militares, quanto dos jovens guerreiros (ibid).
Esparta foi considerada a forma mais representativa do modelo da Cidade-
Estado. Talvez por ter sido uma comunidade fechada de homens unidos por uma
educação centrada intensamente no exército, na competição e na honra. A
competição era uma condição que devia ser mantida através dos laços de
parentesco. Mas a perda da condição de cidadão em Esparta era diferente das
outras cidades gregas: aquele espartano que não possuísse o patrimônio
suficiente para quitar os tributos da pólis perdia automaticamente o direito de
cidadão. O número de cidadãos em Esparta diminuía vertiginosamente, pois a
esfera econômica e a acumulação de riquezas se situavam abaixo da esfera
política (ibid., 161-162;164).
2 Ver mais detalhadamente o sistema de desafios e provas na 1ª e 2ª conferências no livro de Michel Foucault A verdade e as formas jurídicas, Tradução de Roberto Cabral de melo Machado e Eduardo Jardim Morais Título original La vérité et les formes juridiques Rio de Janeiro, 3ª edição, Editora Nau, 2005. 158 p
18
Assim, o espaço público era o criador de possibilidades para um cidadão se
tornar mais respeitável do que os outros (ibid., 155-156). Podemos resumir o
sentido de cidadão e de pertencimento a uma comunidade política, através da
seguinte frase de Redfield: “Os Gregos pensavam que só participando nessa
comunidade de pares em competição se podiam tornar seres humanos no
verdadeiro sentido da palavra” (ibid, . p;. 156).
1.3 - A distribuição das classes sociais
A concentração das forças e interesses do povo grego antigo estava situada na
polis. Ali era o caldeirão da administração política. Em volta da pólis havia outros
lugarejos, aldeias, pequenos burgos onde habitavam as famílias mais humildes. A
cidade era composta por quatro classes sociais que englobavam diversos tipos de
indivíduos: os nobres, os especialistas, os demiurgos, thêtes e os excluídos da
sociedade, os escravos. Os nobres eram aqueles provindos de descendência
direta dos deuses – filhos deles, o que era motivo de muito orgulho. Mas sua
riqueza era mais importante do que seu sangue, assim escrevia Homero quando
na Ilíada ao expor sua descendência, faz uma listagem de seus bens.
Participavam diretamente dos conselhos e festas na companhia do rei, de
sacrifícios, jogos danças e contos em lugar privilegiado. Em resumo, sua vida era
bela, rica e repleta de honra. Os especialistas em atividades intelectuais e
religiosas são trazidos por Mireaux (1954) como classes distintas, enquanto Glotz
(1988) concebe estes especialistas e demiurgos em uma só classe. Estes
especialistas se encontravam na fronteira da nobreza segundo Mireaux, na
maioria das vezes intimamente ligados à vida religiosa, considerados
presenteados pelos próprios deuses com suas faculdades e aptidões. Estavam
compreendidos nesta classe os médicos, adivinhos, poetas e conselheiros –
aedos. Geralmente seus talentos eram hereditários e seu exercício um privilégio
19
familiar (Mireaux, p.73). Estes guardavam os mistérios dos ritos, das cerimônias,
eram os intérpretes dos sinais divinos.
Um “pedaço de terra” era referência de prestígio social. Para Glotz, os
demiurgos tinham mais dificuldade de conquistá-la. Todavia poderiam ter êxito e
viver do fruto dado por esta. Aqueles que não conseguiam ter sorte com o seu
plantio ainda sim poderiam levar uma vida digna trabalhando para o público,
significado do nome de sua classe, seja como médicos, poetas trovadores,
adivinhos, carpinteiros, artesãos, oleiros dentre outros. Apesar de suas conquistas
não perdiam a consciência de sua inferioridade social em relação a aqueles que
eram proprietários de terra. Os Thêtes eram homens livres que não tinham
profissão e nem terras. Eram mendigos ou mercenários alugados para prestarem
serviços. Podiam ser subdivididos em três classes – anéstios, athémistos e
aphrêtor. Nenhum destes possuíam valor social e direito na cidade (ibid., Glotz,
p.29-31). Todavia Mireaux diz que a estrutura social era dotada de uma
plasticidade e flexibilidade que permitia ao indivíduo Grego Antigo atravessar
diversas classes o que a autora justifica pela dificuldade de defini-las.“No entanto
o conjunto destas profissões representa uma individualidade social e um mundo
particular cuja existência é caracterizada assaz nitidamente” (Mireaux, p.75).
Os escravos não compunham as classes sociais, simplesmente pelo fato de
não serem concebidos como integrantes da sociedade. Podiam ser comprados,
vendidos ou emprestados como um bem móvel. A escravidão era uma prática
comum na Grécia Antiga e ao longo de sua história. A guerra era uma rica fonte
desta prática. Matavam-se os homens adultos e tornava mulheres e crianças
escravas. Há indícios de que Atenas era a região da Grécia com a maior
população de escravos. Cada cidadão teria no mínimo um escravo. Ser escravo
representava ser excluído da participação da vida política, de direitos civis, de
parte das festas religiosas da cidade, das palestras e dos ginásios. Um escravo
era sempre visto como um indivíduo de menor idade, ou seja, não alcançava, aos
olhos da sociedade, a vida adulta. Em Atenas, segundo nos conta Cambiano
20
(1991, p.79) somente escravos e crianças poderiam receber castigos físicos. A
única forma de instrução de um escravo era associada ao tipo de trabalho e de
serviço que desempenhava na casa de seu senhor. Seu senhor poderia enviá-los
as oficinas artesanais com o objetivo de aprenderem algum ofício que traria lucros
para o patrão.
Importante ressaltarmos que não há um consenso sobre a composição e
nomenclatura de cada classe, podendo haver diversas outras pela a ampla
multiplicidade de figuras sociais. Por exemplo, enquanto que Mireaux diferencia os
especialistas intelectuais e religiosos dos demiurgos, Glotz concebe todos
pertencentes a uma só classe – os demiurgos, com diferentes características e
papéis sociais, como se houvesse algo que os igualassem nesta condição, talvez
a possibilidade de todos terem o direito perante a pólis, um valor social e
conseqüentemente uma terra.
1.4 - A concepção de mundo e a lei ordenadora da vida
A crença e a mitologia grega nos contam, no que diz respeito à formação do
mundo, segundo Brandão, (1987, p 183-193) para a existência do Káo ou Caos –
abrir-se, entreabrir-se, um abismo (Frisk 1958 op. Cit Brandão 1987 p. 184) ou a
presença do vazio fundamental, anterior a criação, antes a imposição da ordem
aos elementos do mundo (Chevlier et Gheerbrant 1982 p.206 op. Cit Brandão
1987 p. 184). No princípio tudo era o caos. A desorientação é o caos. Somente se
sai dele pela intervenção de um pensamento ativo que interfere fortemente nos
elementos constitutivos do universo. Do Caos, surgiram Gaia, Tártaro e Eros.
Gaia tem em seu significado a denominação de Terra, porém ainda se é muito
discutido entre os conhecedores do idioma Grego Arcaico. Ela é o elemento
principal e deusa cósmica. Ela tem em si a vivência da ambigüidade. Dela nascem
tudo e todos. É a mulher, a mãe. Portadora da doçura, da submissão, da firmeza e
da humildade, palavra que é proveniente de húmus – terra. É a semente do céu na
21
terra. Símbolo da fecundidade e da regeneração, a grande mãe. Uma de suas
características é a partogênese, que resulta na geração independente. Tártaro é o
local abaixo do Hades – Inferno, o mais profundo dos locais. Mais tarde Tártaro se
tornou um local de suplício contínuo dos criminosos mortais e imortais. Neste
local, diversos deuses jogavam seus inimigos como os ciclopes e os titãs (ibid).
Eros é o desejo dos sentidos. Sua personificação é o deus do amor. O deus
mais belo. O mito de Eros é metamorfoseado durante toda a história da Grécia. É
uma energia sempre em busca da plenitude. Foi descrito como um garotinho loiro
com asas e que por de trás de sua fisionomia doce está disposto há lançar suas
flechas de amor e paixão, no fígado e no coração de suas vítimas (ibid).
O Caos gerou as trevas profundas – Érebo e Nix. Érebo é as trevas infernais.
Nix – Nýks é a personificação da deusa da noite e representa as trevas
superiores. Esta percorre o céu com seu manto sombrio num carro puxado por
cavalos negros. Simboliza o tempo das germinações e das conspirações que
surgem na luz do dia como manifestação da vida. Traz consigo potencialidades de
existência, mas também é o espaço do indeterminado, dos pesadelos e dos
monstros (ibid).
O Éter – Aithér, criação de Nix, se origina do verbo brilhar, que é a camada
superior do cosmo localizada entre Urano e o Ar. Nesse espaço a luz é radiante e
mais pura.
Hemera que pode ser traduzida por quente, também se originou de Nix. É a
personificação do dia, uma divindade feminina (ibid).
Gaia, sem a intervenção de nenhum deus, gerou Urano, Montes e Pontos.
Urano – Uranos, personificação do céu. Montes ou Montanhas – Úrea, são os
filhos de Gaia. Tem um simbolismo muito significativo, pois na medida em que a
montanha é alta aproximando-se do céu representa a transcendência e como o
centro é a manifestação do sagrado – hierofanias, e dos deuses – teofanias. Úrea
é a intercessão entre o céu e a terra, moradia dos deuses e o termo da ascensão
humana, pois ao escalar a montanha sagrada, se caminha para o céu, entrando
22
assim em contato com o divino, retorno ao princípio de tudo. Vide como exemplo,
o Monte Olimpo, como local de morada dos deuses gregos. Pontos é a ação de
caminhar, o caminho. Sua personificação é a representação masculina do mar.
Simboliza a dinâmica da vida, pois tudo sai de lá e para este retorna –
nascimentos, transformações e renascimentos (ibid).
A concepção de mundo dos Gregos Antigos tinha em sua característica a
contribuição de uma visão e sensibilidade estética em sua construção,
ordenamento e funcionamento. A physis – cujo sentido mais próximo de nossa
língua poderia ser natureza é um poder animado e vivo. Esta força era o que
permitia, por exemplo, desenvolver as plantas, dar vida aos homens e mover os
astros em suas órbitas. De acordo com Vernant (1993 p. 14- 15), a phyis estava
próxima do divino e do homem, através do seu dinamismo. Com o advento do
século VI criou-se um termo para nomear o universo em seu conjunto, o nome
grego Kósmos. Este termo na literatura Grega Antiga era tudo o que era ordenado,
regulado, belo, uniforme e harmônico, por esta razão o mundo para os Gregos
Antigos era belo, perfeito, uma arte preciosa.
Esta concepção de mundo criava toda uma concepção do modo de ser homem
neste mundo, inteiramente diversa da concepção de mundo e ser no mundo do
homem contemporâneo. O homem era um admirador deste mundo no qual ele
fazia parte. Este mundo era um dado primário, revelava ao homem uma realidade
que era anterior a qualquer experiência possível deste no mundo. Para que o
homem pudesse desvendar este mundo, ele nunca poderia ser o ponto de partida,
a condição do conhecimento, assim como da experiência. Modo de percepção
totalmente diversa da que nos possibilitou Descartes no século VII com o cogito. O
mundo, não podia sofrer uma modificação para que pudesse ser captado por uma
consciência. A imaginação do mundo não permitia que este se tornasse presente
em nossa consciência. O pensamento fazia parte deste mundo e era presente
neste mundo. Uma concepção de mundo que fazia com que o homem e o seu
pensamento pertencessem ao mundo e não o contrário. Vernant define
23
claramente a idéia de ser do homem neste mundo como sendo uma “relação de
comunhão íntima” (ibid., p.15). Era necessário haver uma relação de reciprocidade
e de afinidade entre o que era visto e aquele que via, entre o ver e o ser. – “O
nosso olhar opera no mundo, onde tem o seu lugar como fragmento desse mundo”
(ibid., p.17).
Todos os Gregos tinham o profundo sentimento de que a lei que governava e
ordenava permanentemente o mundo era o Destino, a sorte ou a Moira. A Moira
era um conjunto de regras que determinavam todo o desenvolvimento da
existência dos homens, das coisas e dos deuses. Essas regras garantiam o
equilíbrio e a estabilidade do mundo através da distribuição dos seus lugares e
funções no mundo: como servos, senhores, lavradores e guerreiros. A Moira tinha
a capacidade de fixar o ritmo da vida humana, guiar sua evolução, tempo e
qualidade até a morte. O Destino também governava a Natureza, ele impunha os
fenômenos da natureza, como os cataclismos, mas também a regularidade do Sol,
da sucessão dos dias e das noites, as estações, os rios e os ventos. Portanto
desenhava o panorama da vida no mundo grego antigo (Mireaux, 1954; p. 24-26).
Todavia, o poder do Destino não era infinito, pois permitia um grau de
liberdade aos homens e aos deuses. No mundo em que os Deuses tinham
privilégios sobre os homens, a liberdade maior era justamente a dos primeiros. A
liberdade dos deuses dependia dos homens, pois sem eles o Destino não se
cumpriria. Essa ordem do mundo grego não dependia somente do Destino, mas
também da contínua troca de necessidades entre homens e deuses, um contrato
infinito.
A importância deste capítulo é fundamental para compreendermos os sentidos
do modo de ser família na Grécia Antiga, termos, minimamente, um panorama de
elementos essenciais que compõem este contexto na qual foram produzidos.
Temos a clareza de que há uma infinidade de outros aspectos poderiam ser
abordados, mas como a pesquisa é sempre um recorte da história, foram
24
escolhidos estes elementos como suficientes para compreendermos a proposta
deste trabalho.
25
CAPÍTULO II - O MUNDO IMORTAL: O MUNDO GREGO
ANTIGO GOVERNADO POR DEUSES
Não é necessário um grande conhecimento do mundo grego para
imaginarmos o grande valor que os Gregos Antigos atribuíam as divindades. Basta
lermos alguns trechos da poesia épica de Homero – A ílíada e de Hesíodo-
Teogonia ou Os trabalhos e os dias para termos acesso a uma rica descrição e
dinâmica dos deuses e homens no mundo grego. Neste capítulo debruçaremos
mais cuidadosamente acerca da grandiosa influência do sagrado, do mito, dos
profissionais destinados ao cuidado do divino, dos mistérios e das seitas marginais
e do modo de funcionamento deste mundo permanentemente em inter-relação
com homens e deuses.
Para que possamos compreender o mundo governado pelos deuses na
Grécia Antiga, devemos primeiramente nos desligar da nossa concepção cristã
tradicional acerca do conceito do que seja o divino. A palavra Deus, ou deus, no
nosso imaginário coletivo expressa, de acordo com Vernant, uma série de outras
palavras como: um ser único, absoluto, eterno, criador do mundo, perfeito,
transcendente, onipresente, onisciente e ainda associadas à palavras como fé,
sagrado, religião (Vernant, 1993; p. 10). As divindades gregas não pertenciam a
este sistema de sentidos contemporâneos. Não eram perfeitas, não criaram o
mundo, nasceram dele, dos poderes fundamentais e criadores do universo e nele
habitaram. Assim como os homens, os deuses eram integrantes do cosmos, mas
em uma hierarquia acima dos primeiros. Entre os homens e os deuses não existia
uma diferenciação ou uma separação radical, eram habitantes de um mesmo
mundo, mas organizados e distribuídos em patamares diferentes e profundamente
hierarquizados. Os homens nunca poderiam tornar-se deuses e sentir a sensação
de plenitude e de eternidade.
Os homens dependiam dos deuses. Por exemplo, quando estes nasciam já
entendiam que para que isso pudesse ter acontecido, algum pai, antepassado,
26
deus, deveria ter permitido assim como tantos outros acontecimentos. Sem esse
consentimento nada poderia ter sido feito. Assim, os homens, até o fim de suas
vidas seriam gratos e segundo a leitura de Vernant “devedores” (ibid.,p.12). Suas
dívidas seriam pagas através de infinitos rituais tradicionais de celebração e
comunhão por meio de danças, cânticos, jogos, torneios, banquetes dentre outros
que expressassem uma espécie de homenagem a aqueles que concederam tanto
o seu nascimento quanto a outras ações em suas vidas, mas também uma forma
de comunhão permanente com estes, pois era uma forma de introduzir e tentar
garantir ao mundo dos homens e as suas vidas a beleza e a harmonia peculiar
dos deuses.
Entretanto apesar da dependência das divindades, havia a necessidade dos
homens estarem sempre em paz com os deuses para que seus pedidos fossem
concedidos. Vernant faz a leitura de que não é possível dizer que os homens não
eram seres livres. Cada homem tinha em mente que em qualquer ramo de suas
vidas deveriam se esforçar, fazer o que deviam, se empenhar para que pudessem
conseguir a proteção dos deuses. Todos e qualquer um que fizesse isso poderia
conquistar os olhos dos deuses. Vegetti (1993, p.234) atenta brilhantemente que a
credulidade e incredulidade, temor ao divino e desenvoltura para com ele,
estavam estreitamente ligados. Darmos ênfase excessiva a qualquer um desses
aspectos significaria compreender mal a singularidade do comportamento
relacional entre homens e deuses.
2.1 -A dimensão do sagrado e o culto aos deuses
Não podemos dizer que a Grécia Antiga possuía uma religião ou uma fé e sim
um culto: diferença fundamental para que possamos compreender este tema.
O significado de religião abarca dentre outros sentidos segundo o dicionário
“um conjunto de práticas e dogmas próprios de uma confissão religiosa” e ainda a
“crença de um ente supremo como causa, fim ou lei universal”. A impossibilidade
27
de afirmarmos a existência de uma religião ocorre, primeiramente, devido à
inexistência de:
• uma instituição religiosa unificada que permitisse haver uma organização
com características amplamente distintas das demais práticas sociais e
com legitimidade para interpretar as verdades religiosas e oficializar
práticas e cultos;
• um profeta fundador de uma doutrina que organizasse um sistema
teológico;
• um livro sagrado que contivesse as verdades e os dogmas a serem
rigidamente seguidos que impusesse e vigiasse aqueles que não os
seguissem a serem condenados como hereges;
• uma casta sacerdotal permanente e profissional de intérpretes
especializados e uma igreja unificada .
Para termos uma idéia do distanciamento que provocaríamos de uma
compreensão mais legítima entre homens e deuses ao acreditar que a Grécia
Antiga tinha uma religião é o fato de que nem na língua grega exista uma palavra
que traduzisse “religião”. As palavras eusebèia e therapeia – os cuidados devido
aos deuses encontrado em Platão (ibid.; p. 232), talvez fossem as que mais se
aproximassem do compromisso com os deuses e com o sagrado simbolizado
através do cumprimento dos ritos cultuais que atestavam o respeito, a veneração
e a condescendência dos homens por estes, materializados por meio de
oferendas, sacrifícios e promessas. O mesmo ocorre com a palavra “fé”. Não
havia equivalente na língua grega antiga. Todavia o crer simbolizava o respeitar,
honrar as divindades por meio de cultos e ritos prescritos pela tradição mais do
que acreditar de modo racional em sua existência.
Mas, como nasceu essa experiência com o sagrado? A hipótese é que ela
tenha vindo da sensação da presença de poderes sobrenaturais em florestas,
nascentes, grutas e montanhas, em fenômenos naturais misteriosos ou em
28
momentos significativos da existência. Porém Vegetti (ibid.; p.234) nos diz que a
experiência com o sagrado pode ser atribuída a duas direções complementares. O
sagrado primeiramente assumiu uma dimensão de localização geográfica, ou seja,
a locais fortes – tradução da palavra sagrado – hièros. Nestes locais era dedicado
ao culto dos poderes e posteriormente se transformava em santuários – tèmenoi,
que podiam ceder a templos dedicados às divindades. Todos os homens
honravam Zeus, o deus supremo, mas cada cidade tinha um deus um protetor.
Cada qual com suas afinidades e singularidades bem como um santuário próprio.
As origens do templo grego ficaram perdidas no período denominado pelos
historiadores de Idade das Trevas, período não acessível pelos pesquisadores.
Mas sabemos que os primeiro templos de pedra datam do sétimo século. Embora
tentemos traçar um pensamento paralelo ao templo religioso da
contemporaneidade, local onde se pratica culto ao deus, para o grego um templo
era apenas a casa de um deus. O Altar era o local para se realizar os rituais, as
súplicas aos deuses do Olimpo. Logo os altares eram em número significativo,
diversos espalhados pelas cidades: lares, campos, nas assembléias, qualquer
lugar que não fosse o templo. O templo era um monumento que representava para
a comunidade, sua força, grandeza e autoconsciência, ou como resume Finley “a
força vital” a imortalização coletiva do homem através destes edifícios públicos
(1963, p. 41). Posteriormente o sagrado será considerado tudo o que está contido
nos locais de culto como as vítimas dos sacrifícios, os ritos e os seus oficiantes.
Outro sentido do sagrado para os Gregos Antigos é considerá-lo como tudo o que
advinha dos poderes sobrenaturais. Portanto, o sagrado também era o
ordenamento de toda a natureza, como o dia e a noite, mas também, o
ordenamento da vida social como os casamentos e nascimentos, os sistemas de
poder, dentre outros.
Vegetti atenta que o próprio calendário Grego Antigo era repleto de rituais.
Cada mês era associado a um culto, obrigatoriamente ocorrido neste período do
ano, o que indica mais uma vez a convivência diária entre homens e o sagrado. O
29
ritual poderia ser individual ou coletivo efetuado de acordo com uma seqüência de
procedimentos segundo a tradição mítica, uma oferta votiva, com invocação do
deus e uma prece. A oferta podia incluir presentes, fumo, aroma, monumentos,
mas o elemento essencial era a oferta de alimento animal, ou seja, o sacrifício de
animais. Cada sacrifício acompanhava características específicas de acordo com
a divindade ofertada e sua participação. Sempre implicava um sentido de renúncia
do homem a uma parcela de seus recursos alimentícios mais preciosos e que
devido a este sacrifício, deveriam e acreditavam os homens que os deuses seriam
sempre bons com estes, não permitindo ocorrer nenhuma tragédia ou caos.
Todavia cada sacrifício era seguido de um banquete. O homem era autorizado a
comer a carne animal-símbolo associado à mortalidade. Mas o ato de comer não
era tão simples: havia uma repartição das carnes de forma assemelhada as
hierarquias sociais, as melhores partes sempre eram destinadas aos magistrados,
aos sacerdotes e aos cidadãos mais eminentes (ibid.; p. 243), enquanto que para
os deuses, fumos e aromas. O culto aos deuses do homem grego antigo tinha
como alvo, também, e de acordo com Vernnat (1993; p. 13) a busca da
estetização, a beleza e não a renúncia a este mundo, aos pecados, como concebe
a tradição cristã. O homem grego buscava cada vez mais se aprofundar na beleza
da vida. Por este motivo é impossível concebermos o mundo grego antigo sem o
convívio de deuses e homens, sem a dimensão e a presença do poder divino.
O ritual além de servir de adoração, de tentativa de manutenção da ordem
natural do mundo, era uma forma de ampliar a convivência entre os homens ao
exaltar suas comunidades. Por este motivo os rituais sempre eram realizados em
clima festivo e associados a eventos como banquetes, jogos, danças, cânticos,
procissões e representações teatrais (Vegetti, 1993; p. 235).
Porém, nem tudo podia ser perfeito. Nem sempre os rituais ocorriam como
o prescrito pela tradição. Alguns homens podiam invadir o espaço sagrado e violar
algumas de suas normas divinas que regulavam a ordem social. Quando isto
acontecia, aquele que cometeu era um homem contaminado, impuro e os deuses
30
jogavam sobre este suas vinganças que não só recaiam sobre o culpado, mas
também sobre sua comunidade e mesmo sobre seus descendentes. O culpado
era excluído de freqüentar os rituais e deveria ser banido da comunidade para que
esta se livrasse da vingança divina. A tradição grega antiga orientava para que
todos os anos a comunidade elegesse dentre os homens portadores de
deformações físicas ou psíquicas, ou seja, os marginais, a expulsão destes da
comunidade como uma maneira de expurgar do local todas as contaminações
impostas à comunidade (ibid.; p.236).
Assim chegamos à conclusão de que a presença do sagrado permanecia
na Grécia Antiga intensamente diluída e misturada em todas as manifestações da
vida quotidiana. Em toda a vida privada e social, em todo o espaço, encontramos
por meio de imagens, de rituais e narrativas míticas que reafirmavam a
experiência do sagrado e o significado das divindades na existência do mundo e
dos homens. Esta familiaridade se traduzia pela proximidade entre deuses e
homens ou utilizando a expressão de Vernant “(...) estando presente em todos os
lugares e em todas as ocasiões, o elemento religioso arrisca-se a deixar de
possuir em espaço e um modo de se manifestar totalmente seus” (1993; p. 13).
Por este motivo, qualquer estudo acerca deste mundo que não aborde de alguma
forma este aspecto da experiência com o sagrado na realidade grega antiga seria
o mesmo que “matar” o coração desta civilização e conseqüentemente toda e
qualquer compreensão desta singular realidade.
2.2 - O mito e a mitologia 3
O mito é uma narrativa, uma história, de origem popular, uma
representação coletiva transmitida de geração a geração que em muitas antigas
civilizações funcionava como um sistema que tentava de maneira mais ou menos
coerente com a realidade, ou seja, pouco racional, explicar o mecanismo e
3 Ver ilustrações em anexo 2 de alguns deuses da mitologia grega.
31
essência de um mundo, de seu povo, do homem ou de algum acontecimento
através da interferência de entes sobrenaturais. O mito é uma forma de linguagem
estruturada por meio de símbolos, cada um com o seu sentido e interpretações
variadas na consciência cultural de um povo. No mito não há limites, segundo
Grimal (Grimal, 1952 p.8 apud, Brandão, p.14 1987) este estava em toda a parte
no mundo grego antigo e já possuía vida própria. Até mesmo os filósofos
recorriam ao mito como forma de explicar o que a razão não capturava, mas
também criavam outras versões deste. A Mitologia é o movimento ao conjunto de
transformações do material do mito ao longo da história de um povo (Brandão,
1987; p.38).
O mito é um elemento inseparável do poder divino na medida em que um
ritual é visto como a reatualização e reafirmação de um mito. O ritual é uma
maneira do homem reviver a energia e a força das origens de um acontecimento
narrado por um mito. Assim, o rito é o como se fosse o mito em ação no instante
em que se é realizado. Se “o mito rememora, o rito comemora” (ibid.; p.39) Por
meio dos rituais o homem se torna capaz de repetir as ações dos heróis e dos
deuses na própria origem, no passado cultural. Conhecer o mito é aprender sobre
a origem das coisas e do mundo. Todo o mundo grego antigo era estruturado
ordenado em torno dos mitos. Cada função na sociedade de um indivíduo,
homem, mulher, criança, cada acontecimento era delineado segundo determinado
mito que narra a história de um deus. Cada local e ato sagrado estabelecido
correspondiam a uma história, a um mito. O ritual capacita ao homem o poder
mágico sobre as coisas de maneira a dominá-las, multiplicá-las e reproduzi-las
quando se quer. O mito explicava e justificava o ritual. Por exemplo, os homens
gregos antigos comiam após o sacrifício de um animal a sua carne e os deuses
ficavam com os aromas, os fumos – o resultado da queima dos ossos e gorduras
– e isto não era por acaso. Tudo era explicado e ordenado por um mito: Prometeu
teria em um destes banquetes após o sacrifico e oferta aos deuses, dividido a
carne em porções desiguais. Em uma parte fruto da divisão, pegou na carne e
32
pele e meteu-as no estômago do animal morto e em outra parcela fez um
amontoado de ossos cobertos com a gordura do animal. Zeus que tudo sabe,
sabia que a divisão estava injusta. Prometeu pediu que o deus escolhesse.
Mesmo sabendo que estava sendo enganado pegou o monte maior de ossos e
gordura. Por este motivo os ossos e gorduras são queimados e a parte comestível
fica com os homens. Mas, com isso firmou-se a absoluta separação entre deuses
e homens. (Redfield, 1993; p. 167).
Uma característica singular da mitologia grega antiga é o seu acesso
através da forma escrita e pela arte figurada, freqüentemente comum nas
mitologias antigas. Sem estas fontes seria praticamente impossível, termos
conhecimento desta rica tradição cultural. As poesias épicas de Homero e de
Hesíodo e suas diversas versões nasceram a partir dos relatos míticos tradicionais
das divindades e dos poderes sobrenaturais. Isto permitiu a geração de um saber
social acerca dos deuses, do mundo e dos homens. Encontramos diversos
elementos na poesia épica referente à mitologia grega. O politeísmo
antropomórfico, ou seja, a presença de deuses sob forma humana foi ordenada
segundo a ordem de gerações divinas, disputas e alternância de poderes. Os
deuses têm um poder que se manifesta através de diferentes formas, atingindo
muitos setores e se entrecruzando, formando uma rede de ação. São narrados
como heróis, cujo poder e valor que os diferencia radicalmente dos humanos são
sua beleza, inteligência, força, imortalidade e amplitude de seu domínio: todos
atributos naturais. A possibilidade dos autores épicos colocarem os deuses como
heróis é segundo Vegetti a tentativa de mesmo ao nível da fantasia, igualar
deuses e homens (Vegetti 1993 p. 238). Mesmo porque os heróis podiam possuir
atributos divinos devido a sua ascendência e, portanto parentesco de um deus,
pois eram frutos da união de deuses e deusas com os homens circunscritos aos
membros da aristocracia grega. A familiaridade e o contato com os deuses
também podem ser encontrados através deste aspecto.
33
A quantidade de poderes e funções que os deuses podiam exercer estava
relacionada com o número de divindades. Cada divindade tinha um domínio de
poder, uma função específica no mundo imortal e mortal, segundo a poesia épica,
e todas faziam parte do convívio diário dos homens. Todavia, apesar de haver
muitas divindades, a concentração máxima do poder e do domínio do mundo
estava nas mãos de um só deus: Zeus. A figura de Zeus representava a soberania
da justiça e da força. Ele garantia a ordem do mundo e da sociedade, do céu e da
terra. Como dito anteriormente, Zeus não teria sido escolhido pelo acaso dentre
tantas divindades: somente conquistou este posto devido a diversas guerras e
feitos heróicos. Segundo conta Vegetti (ibid.; p.239), Zeus conseguiu destruir a
dinastia divina de origem noturna e caótica, de Cronos, seu pai, que devorou seus
cinco filhos, Hades, Poséidon, Deméter, Hera e Héstia com receio da maldição de
Urano, seu irmão, que afirmava que um de seus filhos iria lhe tomar o poder. Com
a ajuda de Réia, sua mãe e de Métis, a prudência, Zeus fabricou um veneno e
misturou a bebida de Cronos. Os cinco filhos retornaram a vida. Zeus se tornou rei
da dinastia celeste e olímpica, dando origem primeiramente a sociedade dos
heróis e posteriormente a sociedade política. A partir deste feito tudo se
encontrava em ordem e harmonia.
O Panteão Olímpico era a casa das doze principais divindades gregas
antigas. Hera, mulher de Zeus, responsável pela manutenção do matrimônio, da
geração de descendentes legítimos e, portanto ligada à existência da sociedade
humana e da civilização. Seu dever era lutar para impedir a volta do caos.
Poseídon dominava os abismos marinhos, lagos, rios e o subsolo. Senhor da
tempestade, do terremoto e protetor dos navegantes. Zeus teve diversos filhos
espalhados pelo mundo grego antigo, dentre eles, Atena, Apolo, Ártemis, Ares.
Atena era filha de Zeus com Métis. Quando foi revelado a Zeus por Geia e Urano
que sua esposa teria uma filha e em seguida um filho que lhe tomaria o poder,
Zeus engoliu a esposa grávida. Após um tempo, Zeus sentiu uma terrível dor de
cabeça, chamando em seu socorro Héfeso, o ferreiro do Inferno, para lhe
34
arrebentar a cabeça. Quando Héfeso iniciou seu trabalho, saiu da cabeça Atena
vestida e armada dançando uma dança guerreira. Atena simbolizava o poder
patriarcal. Depositária da inteligência prática dos artesãos, também era guia
protetora da pólis ateniense e dos seus destinos (Guimarães, 1995; p. 80). Apolo
era uma divindade solar vindo da Ásia. Jovem, guerreiro, purificador e curandeiro.
Deus da inspiração, da sabedoria, da premonição e da Medicina (ibid.; p. 52-53)
Por esta razão, se encontrava em santuários e oráculos como em Delfos. Também
era a divindade filosófica ligada à música e a poesia – elemento cultural da
civilização grega. Ártemis era irmã gêmea de Apolo, virgem, ligada aos bosques e
aos cultos femininos de passagem de virgem para mulheres casadas além de
protetora dos partos. Deusa da caça e das florestas. Atribuíam-lhe as mortes
súbitas, sem dores e vinganças terríveis (ibid.; p.74). Ares foi o deus da guerra, da
batalha, ligado a coragem e do impulso homicida. Dionísio esta em oposição a
Apolo.Também chamado de Baco. Era o deus do vinho, do delírio, da loucura, do
teatro. Tinha o poder de transformar aparências. Seu culto se encontrava nas
montanhas e nas florestas, e era visto como perturbador da ordem da pólis.
Possuía um lugar específico nas festas onde se tentou incorporar na cidade e na
ordem social esta outra dimensão da experiência. Afrodite, deusa do sexo e da
geração, estava associada ao desejo erótico, figura distante do espaço familiar e
conjugal, pois em muitos aspectos se opunha a reprodução e manutenção
matrimonial. Deméter estava ligada à fertilidade da terra e aos ciclos da natureza,
ao cultivo dos cereais – fonte importante da economia grega antiga.Também
conhecida com a Grande –Mãe. Teve uma filha com Zeus, Perséfone, raptada por
Hades (ibid., p.121). Hermes era o mensageiro, o viajante, ligado aos espaços
abertos, condutor das almas ao Além, tinha grande capacidade de fazer trocas e
contatos, e por isto foi fundador do comércio, da cultura e da comunicação entre
os homens. Héfesto filho de hera e Zeus e o deus do fogo. Quando Hera olhou
para o filho recém –nascido e viu sua face feia, jogo-o das alturas do Olimpo,
devido a isto ficou coxo pelo resto da eternidade. Deus ligado ao artesanato, as
35
oficinas, ao ferreiro, criador e transformador da técnica. (Ibid.; p. 166). Além das
principais divindades do Olimpo existiram outras como Hades, o deus dos mortos
e do mundo subterrâneo e Héstia, eterna virgem e protetora dos lares. (Vegetti et
Redfield, passim)
As divindades Olímpicas assim eram integradas ao organismo social e
político, pertencentes a cada experiência individual e coletiva da vida grega antiga.
Como todos os outros homens da pólis, também deviam cumprir seus trabalhos
como proteger, prosperar a pólis, aconselhar os reis, ajudar e garantir as
atividades da cidade. Qualquer ação que dissesse respeito a qualquer âmbito da
existência era requerida à presença e proteção de uma divindade. O cumprimento
dos deveres das divindades era retribuído através de práticas cultuais firmemente
sujeita as regras e participação de toda a comunidade.
Ao longo da história da Grécia Antiga a crença mítica enfrentou algumas
crises. A chegada do pensamento racional- político- filosófico invadiu o espaço da
crença e portanto a vida social dos homens. A critica filosófica conseguiu
inicialmente criar argumentos para destruir a crença em deuses antropomórficos,
por argumentarem, por exemplo, que as explicações míticas eram baseadas em
regras automáticas tradicionais (Finhley, 1963, p.121). Aristóteles defendia que a
criação destes deuses poderosos foi elaborada para expor as suas possibilidades
de punição e impor: a obediência, o respeito pela lei e pelos valores sociais
àqueles transgressores; além de dizer que todo mito trazia consigo a simbologia
de verdades filosóficas ocultas, de domínio das “mentes simples”. Já Platão
acreditava que este tipo de crença traria conseqüências maléficas à educação
(Vegetti, 1993, p.250). Todas estas críticas produziram um projeto de uma nova
teologia filosófica, pois:
“relacionava-se com a melhor maneira do homem enfrentar as
condições imutáveis que delimitam a vida humana, não apenas
com o sobrenatural, mas também com a existência em
36
comunidade (...) como determinar normas e valores certos e
como pô-los depois em prática” (Finley,1963, p. 121).
Entretanto, a polis reagiu em defesa de sua tradição cultural mitológica, embora
não tenha excluído a possibilidade e futura vitória do pensamento filosófico em
outro segmento da vida do homem grego antigo. Eliminar totalmente a tradição
mítica do mundo grego antigo seria arrancar-lhes suas profundas convicções
históricas de pertencimento a uma comunidade política cujo sentido era de
grandioso valor para época.
2.3 - A Comunicação entre homens e deuses
O pensamento do homem grego antigo era estabelecido pela lógica do
mundo divino ou quase divino. Tudo era interpretado segundo os olhos dos
deuses. Todo aquele desconhecido que traçasse o seu caminho poderia ser a
visita de algum deus. Manifestavam-se sob formas extremamente imprevisíveis:
como homem, como mulher ou como animal. Uma comunicação poderia ter o
objetivo de guiar, avisar, aconselhar ou também enganar. Não importava como
eles se apresentassem, todo o grego antigo era dotado para reconhecer quando
uma divindade se encontrava diante dele em qualquer lugar, podendo lhe fazer um
pedido seguido da promessa de uma oferenda ou sacrifício. A paisagem da época
estava repleta de altares familiares onde os homens podiam invocar os deuses.
Mireaux (1954 p.) acredita que havia uma “confusão” entre o divino e as coisas
que faziam parte do cotidiano dos gregos antigos. Talvez a autora utilizasse esta
palavra como uma forma de confirmar nosso pensamento de que os dois mundos
se misturassem e se complementassem. E diz que “todos os seus elementos
materiais tinham uma face viva perceptível ou misteriosa. (...)” (ibid., p. 19-20).
37
Entretanto os homens deviam tomar uma série de cuidados, pois alguns
gestos simples poderiam irritar os deuses. Hesíodo descreveu uma lista de
recomendações para evitar a ira dos deuses. Além desta lista havia o que era
considerado por crime contra a religião como os atos de profanação de santuários,
roubos em templos, participação ilícita em um rito ou revelação de segredos aos
não iniciados ( Finley 1963, p. 121) que dentre outros despertava a revolta dos
deuses contra os homens.
Assim, a comunicação era possível a todos, visto que qualquer um teria a
capacidade de observar os fenômenos da natureza: linguagem mais utilizada
pelos deuses. Mas outro meio de comunicação muito utilizado era o sonho. No
sonho o mensageiro divino podia ser a figura de um homem familiar ou animal.
Nos casos graves ou decisivos os deuses se manifestavam pela evolução das
aves (Mireaux, 1954. p. 22).
Todavia, observar não era tudo. Era preciso saber interpretá-los
corretamente, pois os deuses escolhiam aqueles que seriam dignos de uma fiel
interpretação de suas comunicações: adivinhos ou aqueles dotados de inspiração
permanente ou momentânea. Dentre os interpretes divinos, muitos homens
poderiam recorrer ao oráculo de Apolo em Delfos como forma de consulta aos
deuses. O oráculo respondia às perguntas através de uma mulher chamada
Pitonisa – médium. Um exemplo era a consulta ao oráculo para saber se o
momento era interessante para o início de uma batalha. Todavia, Finley (1963,
p.122) aponta que não há registros de que Apolo nunca teria aconselhado a paz,
apenas os alertavam para algo durante a batalha.
Podemos resumir a influência dos deuses nas decisões significativas do
homem grego antigo com a seguinte frase: “Neste mundo de dois rostos
desenrola-se uma dupla tragédia, uma humana e outra divina, ambas intimamente
misturadas, onde os acontecimentos mais simples, os fatos mais vulgares podem
tomar o sentido de figuras premonitórias, de sinais reveladores e de inesperadas
vinganças” (Mireaux, 1954, p.23).
38
2.3.1 - Os sacerdotes
Como havíamos expressado nos itens deste capítulo, o sentimento do sagrado
no mundo antigo não estava diretamente associado à fé, mas sim a um
pertencimento ao ordenamento da pólis, ou seja, de uma comunidade política.
Através de Finley (1963, p.42-43), podemos apresentar um outro parâmetro que
pode ser integrado a está informação. Ao analisar a raiz etimológica da palavra
sacerdote em grego – Hiereús – o autor observa que esta significa funcionário do
estado. Pela etimologia já podemos mais uma vez verificar que o culto aos deuses
se associava também a uma conjuntura política. Os sacerdotes eram funcionários
do estado como outro qualquer, ou seja, dotados das mesmas origens familiares e
experiência dos outros cargos de funcionários do estado grego antigo.
A função de um sacerdote não era celebrar um culto a uma divindade. As
cerimônias eram realizadas pela própria cidade, por grupos e por particulares ou
chefes do grupo. O sacerdote ocupava a posição de mero assistente. Fiscalizava
se os ritos estavam sendo executados de forma correta segundo descrevia a
tradição. Algumas ações eram feitas pelo próprio sacerdote como degolar a vítima,
separar suas entranhas, cortar as carnes, dentre outras. Todavia estas ações
poderiam ser feitas pelos mageiroi – cozinheiros do santuário (Mireaux, 1954, p.
75). Há três ritos essenciais que eles deveriam cumprir: destinar a vítima à morte,
iniciar a oferenda e fazer a prece que acompanha o sacrifício.
Homero, na Ilíada, se dirige ao sacerdote como hiereus – aquele que
transmite o sacrifício à divindade e areter – aquele que o deus ouve sua súplica –
o que significa e circunscreve perfeitamente o papel do sacerdote na época.
Apesar desta função geral do sacerdote, há funções específicas existentes em
cada cidade do mundo antigo. Por exemplo: Em Elêusis é o sacerdote que revela
aos iniciados os objetos sagrados durante a cerimônia da epoptia – iniciação de
segundo grau –. Em Éfeso, é encarregado de representar a deusa Ártemis nas
39
festas e nos jogos e em Claros o sacerdote de Apolo podia ser o profeta (ibid., p.
77).
Também podia o sacerdote dirigir as construções das divindades, conservá-
las, repará-las e embelezá-las. Não era de se surpreender que o sacerdote
destinado a conservar também pudesse ser o administrador dos bens dos deuses.
Cada divindade poderia ser a patrona de uma cidade ou de um grupo e figura
central do culto oficial da cidade. Ser aquela ou esta divindade a protetora de uma
cidade ocorria graças a um contrato cujo acordo consistia em trocas contínuas e
mútuas entre o grupo e a divindade. Estava incluso neste contrato que a divindade
detinha o direito de uma parte dos bens do grupo, concretizado por uma
propriedade que poderia ser expandida através de dons públicos ou particulares,
por compras, confiscações ou multas caso os homens cometessem uma ofensa
contra um deus.
Apesar do sacerdote cumprir funções religiosas e administrativas, este também
era auxiliado por um número de membros subordinados ao sacerdócio, como por
exemplo, os cozinheiros da vítima do sacrifício. Importante registrar que cada culto
e santuário tinham suas especialidades, e logo nunca poderíamos nós basear em
apenas um exemplo para generalizar toda esta complexidade que se articula
nesta dimensão sagrada na qual não poderemos nos aprofundar.
Dentro do sacerdócio, como em toda a estrutura social grega antiga havia
hierarquias. Portanto existem os sacerdotes superiores e os subalternos, que
eram numerosos e diversificados. Em sua maioria o sacerdócio era
desempenhado por homens, mas até na classe superior do clero podia encontrar
mulheres. Os grandes sacerdócios pertenciam a uma família que devido ao valor
de suas funções sacerdotais acabava por ganhar espaço na aristocracia.
De maneira geral, as funções sacerdotais eram realizadas por famílias de
alta estirpe social de vocação hereditária para a função religiosa. Todos viviam no
altar e desfrutavam dos bens do templo e de uma parte do domínio público. Na
verdade, segundo Mireaux, eram sustentados pela sociedade. Um santuário
40
quando bem freqüentado simbolizava muita riqueza. Esta riqueza material também
era um meio de contribuir para a influência e a importância da classe sacerdotal
(ibid.; p. 77-81).
2.3.2 - Os adivinhos
A classe dos adivinhos, como falamos, estabelecia uma estreita relação com
as divindades e, portanto figuras de grande prestígio na sociedade grega antiga,
pois eram capazes de interpretar os sinais dos deuses. Eram escolhidos ou
inspirados pelos últimos. Sua vocação era hereditária e tão cuidada que parecia
um bem. Todavia Mieraux diz que na verdade se utilizavam deste “dom” para
transformarem em um grande comércio (ibid.; p. 82).
Os sinais dos deuses eram múltiplos e na maioria das vezes relacionados
com fenômenos da natureza, mas também poderiam ser através de sonhos, o que
levantava grande suspeita entre o povo, pois o sonho era o meio mais fácil de
armadilha dos deuses. Ulisses dizia que os sonhos verídicos eram somente
aqueles que chegavam pela porta de marfim, enquanto os que vinham de outros
materiais eram falsos. Existia até peritos para testar a veracidade, bem como para
aconselhar aquele que sonhou os oniropolos. Cada sonho continha um
mensageiro do sinal divino. Cada deus portava mensageiros específicos, como
por exemplo, uma ave. Os sinais mais reveladores chegavam de forma mais
rápida, ou seja, através das aves de rapina, com as águias e os falcões. Para que
cada manifestação do mensageiro divino através do sonho pudesse tomar um
significado era preciso que coincidissem com um acontecimento muito importante:
uma assembléia ou um episódio dramático num combate, por exemplo. Qualquer
coincidência podia ser objeto de premonição, mas não mais do que as palavras
pronunciadas por um ser humano contendo um presságio – clédon – ou de um
ruído desagradável ao ouvido, como um espirro (ibid.; p.83).
41
Além da interpretação de sinais divinos por meio de fenômenos da natureza ou
de sonhos, os adivinhos podiam fazer evocações para consultar os mortos e
receber revelações diretamente das divindades. Às vezes o papel do adivinho
também se encontrava nos sacerdotes. Todavia esta capacidade do adivinho
poderia ser achada em outras pessoas como mais uma ferramenta de
comunicação ou por acidente sem que tivessem uma vocação especial. Na grande
maioria dos casos os adivinhos eram profissionais independentes. Mas existiam
muitas formas de se vincular a um adivinho para que prestassem algum serviço:
podiam ser consultados nos seus lugares próprios ou perto de seus locais de
inspiração, havia os oficiais de um determinado grupo ou chefe e os itinerantes
que circulavam a cidade (ibid.; p. 84).
Sua profissão poderia ser perigosa como revelação de mensagens
desagradáveis gerando até mesmo fortes inimigos. Porém apesar disto, era uma
profissão que guardava um grande prestígio e gratidão, principalmente daqueles
para qual o destino da premonição se realizava. Podiam ter influência política e
sempre recebiam uma boa retribuição pelos seus serviços.
2.3.4 -Os Médicos
Os médicos mantinham na sociedade uma relação muito semelhante a dos
adivinhos: relacionavam-se com as divindades. Sua função também era a
revelação, se aproximando da bruxaria e a magia através da formulação de
remédios, mas também de atividades semelhantes a dos médicos atuais, como
limpar feridas, ligar um membro, estancar a hemorragia, ou seja, práticas
cirúrgicas. Seu papel não era tão valorizado quanto dos adivinhos, talvez porque
muitos homens, como os militares, sabiam os segredos dos medicamentos usados
por esses profissionais (ibid.; p. 87).
Havia um local chamado asclépeia que em parte era santuários e em outra
hospitais onde os adivinhos, os médicos e os sacerdotes que se diziam
42
descendentes de Asclépios – patrono mítico da tradição médica grega –, e
portanto recebiam a transmissão de seus dons naturais, das tradições e de sua
clientela. As asclépias eram muito numerosas em toda a Grécia e se instalavam
em grutas de bosques ou de uma nascente sagrada. Nelas, o deus e os
sacerdotes só eram consultados depois de rituais como os jejuns, os banhos e
demais formas de purificação. Em seguida o doente oferecia um sacrifício e pronto
para a incubação que consistia na passagem de uma noite sob um pórtico, deitado
sobre a pele da vítima que acabara de sacrificar. Durante este período as
serpentes familiares e sagradas percorriam o corpo do doente que recebia as
visões, os sonhos e as palavras divinas. No dia seguinte os Asclépiadas
interpretavam seus sinais divinos da noite anterior para receitar medicamentos
que ninguém mais conseguia decifrar. Quando um doente se sentia satisfeito os
presenteava com presentes valiosos. Cada sucesso era arquivado nas Asclépeias
descrevendo os sintomas e os remédios com eficácia comprovada (ibid.; p.88).
O mais curioso é que a própria divindade concedia a cura, mas também era ela
que produzia os males motivados pela cólera e pela inveja dos deuses. Dentre as
doenças que os deuses podiam amaldiçoar, em especial destacamos a doença da
alma, a mais freqüente de todas. Podem se encaixar nos delírios, na “loucura”, na
vertigem, que eram divindades que se apoderavam do coração da alma dos
homens. Vejamos como a loucura era tratada pelos gregos antigos: Primeiramente
precisava-se saber qual a divindade que havia se apoderado do homem. Cada
sintoma correspondia a um deus, por exemplo, sons comparáveis ao canto das
aves eram creditados a Apolo, enquanto os gritos semelhantes a um relinchar,
correspondiam à ação de Poseidon. Depois de diagnosticado era necessário se
reconciliar o doente com a divindade causadora e também acalmá-la. A cura era
fruto de um conjunto de purificações, encantamentos, restrições alimentares, ritos
de iniciação, dente outros. Mireaux diz que o objetivo era muito evidente: a
transformação da personalidade do doente; e a autora também afirma que se
substituía uma possessão dos deuses pela possessão dos rituais (ibid.; p. 90-91).
43
Antes da existência destes médicos a prática era cultivada e exercida por
pregadores, mendigos e exorcistas, cujas posições sociais, econômicas e
profissionais se situavam abaixo dos médicos. Este conjunto de curandeiros
continuou agindo mesmo após a conquista do espaço pelos médicos. Desta forma
suas figuras não deixaram de representar um lugar singularizado ao longo da
história no mundo grego antigo.
2.4 -Os mistérios e as seitas de caráter “marginal”
Os mistérios surgiram da necessidade de uma experiência sagrada diversa
da conhecida como oficial. Hades é a divindade que rege esta forma marginal de
culto. Uma divindade sem templo e sem cultos oficiais. Como lidava com o mundo
invisível, surgiu a necessidade de ser cultuada em espaços distantes das formas
públicas e diurnas. Os participantes destas seitas deviam prometer sigilo das
informações do que acontecia nestes espaços. O ritual possibilitava visões
capazes de evocar o sexo, a morte, a ressurreição e uma sensação de terror. Mas
em seguida era sentida a sensação de salvação, de renascimento e de purificação
profunda de todos aqueles que desta seita participam (Vegetti, 1993, p.244).
Existiam diversas seitas e mistérios, dentre estas citaremos, com escassas
informações devido ao segredo iniciático, os mistérios de Elêusis e o movimento
órfico ou orfismo.
Os mistérios de Elêusis eram realizados na pólis ateniense. As principais
divindades homenageadas eram: Deméter e Perséfone. Estas eram divindades
que podiam ser comparadas a Dionísio no que diz respeito ao domínio de uma
especialidade alimentícia. Como é de comum conhecimento que Dionísio estava
ligado ao vinho, estas divindades femininas estariam ligadas à fertilidade da terra
e aos ciclos da natureza, elementos preponderantes ao cultivo dos cereais que era
a principal fonte econômica e de subsistência do mundo grego antigo. O ponto
essencial deste mistério era a alternância entre Deméter e Perséfone. Perséfone,
44
a filha de Deméter, foi raptada por Hades para o reino da morte. Quando a filha foi
levada, esta gritou tanto, que a mãe, desde então se pôs a sua procura. Durante
nove dias e nove noites procurou pela filha, sem se alimentar, beber, enfeitar-se
ou banhar-se. O Sol apontou o nome do seqüestrador da filha. Assim, tomou o
aspecto de uma velha e foi a Elêusis. Na cidade foi confiada a tutela de um
pequeno príncipe a que lhe foi confiado a expansão da cultura do trigo pelo
mundo. Durante a procura de sua filha a fome se alastrou pelo mundo, pois a terra
estava estéril sem a sua guarda. Zeus ordenou a Hades a devolução de
Perséfone, mas já não era mais possível. Perséfone tinha comido três grãos de
romã que a ligara definitivamente ao mundo das sombras. Deméter voltou ao
Olimpo com a promessa de que a cada primavera Perséfone voltaria á luz ,
retornando as sombras somente na época da semeadura (Guimarães, 1995, p.
121). Portanto, os mistérios celebram as alternâncias das colheitas e mais
profundamente e simbolicamente a geração sexual, a esperança de uma salvação
e o ciclo dos nascimentos e das mortes (Vegetti, 1993, p.241; 245).
O orfismo vem do poeta, cantor e teólogo Orfeu a quem era atribuído à descida
aos infernos. Em primeiro lugar, este movimento surgiu como uma forma de vida
diversa ao do cidadão da pólis. Havia uma lista de obrigações e proibições capaz
de produzir um alto grau de disciplina nos iniciados, pois era justamente esta que
permitia a pureza dos membros deste movimento e os diferia dos impuros, ou
seja, dos profanos. Na verdade o orfismo recusava toda forma de vida da cidade
incluindo sua tradicional forma de se ligar ao sagrado e aos deuses. Para esta
seita, havia muita violência na forma como a vida da pólis fora organizada:
exclusão e opressão de grupos sociais, a guerra, o assassínio e o sacrifício e
morte cruel do animal. Há um desencadeamento infinito de homicídios no modo de
ser da pólis. Vegetti denomina como “culpa de sangue” (ibid., p.246) o que
caracterizava e impregnava a vida social da cidade segundo os órficos. Era uma
culpa que marcava tanto o indivíduo, quando a própria humanidade. Esta culpa
era baseada em um mito órfico em que os titãs teriam armado uma emboscada
45
para o deus-criança Dionísio, que o teriam assassinado, cozinhado e devorado.
Das cinzas dos titãs atingidos pelo raio de Zeus como castigo deste ato cruel,
teriam nascido os primeiros homens e, portanto, contaminados desde o início de
sua existência por esta culpa originária. Assim, para os seguidores do orfismo era
imperioso libertar a alma da culpa. Mas não só a alma, mas o corpo também, pois
este era um instrumento necessário para expiar a culpa através do castigo
corporal. A maneira mais eficaz para estas purificações era através do sacrifício,
renúncia e ascese, dentre elas, não comer a carne animal, como recusa a
violência e o controle da sexualidade como maneira de evitar a mistura do corpo
com a alma. Por todos estes fundamentos do orfismo, o deus deste movimento foi
Apolo. Vegetti coloca em última análise o objetivo final dos órficos a “recuperação
de uma condição divina por parte da alma” (ibid.; p.248).
A importância de dedicarmos um item deste capítulo a estas formas de
relação com o sagrado é que apesar de haver fortemente uma relação tradicional,
ou melhor, oficial, legal com sagrado, não poderíamos afirmar que esta era a única
e possível forma de culto, ritual, concepção de existência no mundo grego antigo.
No caso dos mistérios de Elêusis pode-se dizer que havia uma complementação
da relação oficial com o sagrado no sentido de que não havia a negação em
nenhuma esfera desta, pois a pólis até mesmo tutelava o mistério, porque não
produziam nenhum modo de ser diverso dos cidadãos da comunidade política, o
objetivo estava longe de ser este. Algo de peculiar era que qualquer homem podia
ser admitido, mesmo aqueles considerados como excluídos dos cultos olímpicos
da polis, como os estrangeiros, os escravos e em alguns casos as mulheres. Os
mistérios existiam, pois os cultos oficiais não conseguiam oferecer respostas e
nem espaço acessível a discussões de experiências a nível psicológico.
Entretanto as duas formas de culto não geravam nenhum conflito entre os seus
membros, tanto a nível publico, quanto a nível privado. Já o orfismo se localizava
em posição totalmente oposta ao culto oficial. Era uma forma de protesto não só
as formas de culto, mas também ao modo de vida citadino. Poderia ser uma forma
46
de reação aos extratos marginalizados da sociedade ateniense devido às regras
impostas pela sociedade aos indivíduos excluindo aqueles que não se adequavam
a elas, fazendo surgir uma alternativa radical ao culto oficial (idid.; p.245).
47
CAPÍTULO III - A COMPLEXIDADE DO MODO DE SER FAMÍLIA NA GRÉCIA ANTIGA
Poderíamos acreditar que encontraríamos uma variedade de documentos
que nos proporcionasse conhecimentos acerca do modo de ser família na Grécia
antiga. Todavia Finley (1963) nos atenta que há uma grande instabilidade de
informações não somente sobre a família, mas também, sobre o trabalho, o lazer
e a aldeia, bem como toda a moralidade privada. Isto já nos apontaria de antemão
um grande desafio de trabalho. Entretanto Redfield (1993, p. 147) afirma que
realmente há uma escassa rede de testemunhos informais como cartas pessoais,
materiais de arquivo e depoimentos de processos judiciais. Todavia a quantidade
de documentos formais artísticos como as esculturas, os quadros, as descrições
literárias, as peças teatrais, os relatos históricos e míticos, as análises filosóficas e
os discursos públicos são suficientemente ricos para que possamos compreender
o sentido de ser família na Grécia Antiga e será através destes canais que
contribuiremos para esta pesquisa.
Finley levanta algumas hipóteses que pudessem nos ajudar a entender a
dificuldade de acesso aos documentos informais e desde modo, poder ser um
primeiro passo para começarmos a nos situar perante a questão do sentido da
família na Grécia Antiga. Uma de suas hipóteses seria a questão da classe social,
bem como, e por que não a condição de pertencer ao sexo masculino: Platão e
Aristóteles tentaram explicar o lugar da família no mundo grego utilizando a
perspectiva proporcionada pela classe social privilegiada que pertenciam na pólis
grega. Por exemplo: Platão escreveu que a família deveria ser excluída entre os
governantes filósofos, pois esta era um impedimento para a ação moral perfeita
daqueles. Ou mesmo Aristóteles que dizia que a amizade só era possível entre
iguais, chegando com essa afirmação a dizer que a relação entre homem e mulher
era de um grau inferior. Amparando-se nesta hipótese, já poderíamos buscar uma
diferenciação da concepção do sentido de família nas diferentes classes e por que
48
não nos gêneros. Na nobreza aristocrática a família não era entendida como
companheira, ou seja, “não se vivia na família” (Finley p. 125 Grifo do autor). Por
esta razão buscava - se tão intensamente por outros indivíduos fora da família
com o intuito de proporcionarem a companhia física e espiritual: “vive no meio dos
seus companheiros, dos quais está sentimentalmente e humanamente mais
próximo do que dos numerosos parentes(...) não há, não pode haver rivalidade ou
verdadeiro dissentimento entre companheiros (...)” (Homero apud Mireaux 1954,
p.61). Isto porque o primeiro dever de um companheiro era ser fiel. Homero diz em
“Odisséia” que o companheiro fiel era tão amado quanto os parentes. Este era o
sentimento mais forte que unia os homens nesta sociedade (ibid).
3.1 -A vida doméstica nas artes
O drama era o gênero do teatro que por excelência tentava representar a
vida e o cotidiano das relações domésticas e privadas, freqüentemente em
momentos de crise das relações familiares. Por esta razão é que Redfield afirma
que o drama é acima de tudo um escândalo da vida doméstica que revelava o que
deveria estar oculto (1993, p. 148). Todavia, tanto na comédia, pela suspensão do
espaço tempo e da causa-efeito, quanto na tragédia, as cenas nunca se
passavam no interior das casas e sim no espaço público, como na rua ou ao ar
livre.
A falta de produção de narrativas do tipo naturalista por escritores gregos
contribuiu para manter-se oculta a vida doméstica. Assim, através da produção
teatral, mantemos um rico conjunto de informações, como por exemplo, o
elemento comum neste tipo de gênero teatral: a presença de um mensageiro que
chega em cena contando algum aspecto deste mundo aparentemente invisível
(ibid).
Outra informação obtida através de Redfield foi que os Gregos da época
clássica, antes de 316 a.c, não deixaram nenhuma história propriamente de amor,
49
no sentido como conhecemos costumeiramente. A história de Jasão e Medeia
trazia consigo a intenção dele. Este personagem se tornou fascinado e seduziu
Medeia, pois esta era o instrumento que o permitiria conquistar um bem que
retornaria todo o seu patrimônio. Logo, os problemas da narrativa clássica acerca
da vida doméstica era fundamentalmente o da sucessão de herdeiros e
conseqüentemente, a manutenção e multiplicação de seu patrimônio. O tema do
incesto, logo, estaria presente neste modelo de narrativa. Era visto, então, como
uma recusa do pai ou da mãe a dar espaço à geração seguinte e miticamente este
comportamento estaria contra o curso de ordem do universo, comprometendo
assim seu funcionamento natural. Um exemplo muito conhecido é a tragédia de
Édipo-Rei e as conseqüências que isto trouxe principalmente para o protagonista
da história (ibid., p. 148-149).
A ausência de histórias de amor, por outro lado, apresentava a ausência de
uma descrição positiva do casamento, positiva não no sentido moral, mas como
fator de valorização deste estado. Não era idealizada a felicidade conjugal.
Redfield aponta que exceto na tragédia de Eurípedes cujos personagens
principais são Alcestes e Helena, talvez tenha sido a única obra literária
considerada como relativa a um casamento no sentido positivo, pois o
personagem lamentava a sua falência na conquista da felicidade conjugal. Porém,
a poesia épica de Homero também valorizava este aspecto, ainda que de forma
latente, através de temas que contassem a reconstrução de um casamento.
Na tragédia, os temas domésticos se inscreviam em uma sociedade
heróica, parte imaginária, parte baseada na época anterior a criação da pólis, um
exemplo era a freqüência de aparição das mulheres e sua independência frente à
vida. Nesta sociedade, como o governo se centrava nos monarcas, as famílias
representadas nesta forma de literatura eram as dos reis e dos príncipes. As
tragédias também simbolizavam e anunciavam em seus temas as dificuldades
entre a esfera pública e doméstica, bem como as implicações de uma postura
política nesta segunda esfera, como se o mundo doméstico pudesse prejudicar as
50
iniciativas da construção do sentido da pólis no mundo grego antigo. Assim, um
dos temas mais recorrentes era a ameaça do poder feminino sobre o poder
masculino. O poder feminino sempre foi tratado nesta época como uma forma de
caos devido à loucura e a fraqueza dos homens (Aristófanes, apud Rdfiled, 1993,
p.153). Apesar do poder da pólis tivesse sido criado para estar centrado sob o
poder masculino, isto não era o mesmo que afirmar que este estava assegurado a
eles. Outro tema freqüente, representado através de diversas obras literárias de
autores como Hesíodo e Eurípedes, era sobre as mulheres loucas que
perambulavam pela cidade brincando com animais perigosos, matando-os e até
mesmo enfrentando os homens; e o menadismo: uma forma de negação da
maternidade e da sucessão da herança, que traria segundo as lendas, um castigo
divino sobre as comunidades, podendo ser remediada após o cumprimento de
acerto de contas com uma divindade. (ibid., p.154-155)
Após Homero, este aspecto positivo do casamento desaparece na
produção literária. Certamente isto não se deu por acaso. Após Homero, como
vimos em capítulos anteriores, seguiu-se a construção do sentido da polis e é
nesta época que se estruturou toda a forma de representação da vida doméstica
em público, por homens, e para eles, situada na rua o que apontava a
necessidade de proteger o público de qualquer forma de invasão e intromissão da
realidade doméstica, esta, como se fosse um empecilho para o prosseguimento do
projeto do poder político. Assim, falar da vida doméstica na Grécia Antiga, sem
falar da influência da construção do sentido político nesta é tornar este tema
incompleto e isolado.
3.2 - Ser criança
Nascer representava dentro da estrutura da Grécia Antiga, vencer todo um
processo de dificuldades como: escapar à mortalidade em decorrência de partos
prematuros, de irregulares, de doenças originadas da alimentação, das condições
51
de higiene da medicina antiga, bem como a incidência de alguma deformidade do
recém-nascido. Detenhamo-nos mais profundamente neste último aspecto e
vejamos o porquê.
Aquele recém-nascido disforme ou débil podia ser abandonado pelos seus
pais, através do método de exposição em um vaso de barro ou qualquer local
alhures da cidade onde poderia morrer de fome, tornar-se alimento de animais
selvagens ou se tivesse “sorte”, ser recolhido por alguém, pois para a comunidade
esta condição de nascimento representava um castigo divino de mau presságio.
Não importava o modo da exposição, a decisão de vida da criança estava sob o
poder do membro mais velho da tribo a que o pai pertencia – phylè. Lembremos o
que ocorreu a Édipo, quando sua mãe soube por meio do oráculo que este
mataria o pai e a desposaria. Entretanto Édipo não era disforme, mas em todo
caso, seu nascimento indicava um mau presságio para a condição de
sustentabilidade da família. Aquela criança exposta, quando recolhida, poderia ser
tratada como livre, diferentemente quando adotada4 ou escravizada, sem direito a
um parentesco reconhecido. Freqüentemente o exposto se tornava escravo, no
caso dos meninos, para ajudar no serviço e no caso das meninas, para iniciá-las a
prostituição ou até mesmo vendê-las. O sentimento contra a criança disforme era
tão intenso que Aristóteles chegou a defender o aborto a exposição assim como a
criação de uma lei que proibisse a educação destas crianças (Cambriano, 1993, p.
77 -78).
Em Atenas a decisão de expor a criança competia ao pai, mas em Gortina,
uma mulher de condição livre que tivesse um filho após o divórcio, deveria levá-lo
diante de testemunhas à casa de seu ex-marido e caso este recusasse a criança,
caberia a mãe a decisão de expor ou educá-lo. Era costume em Atenas o pai ter o
direito de vender seus filhos para quitar dívidas que posteriormente passou a ser
válido, através da legalização do Sólon, somente para as famílias mais pobres. Há
4 A adoção era um acordo entre o adotante e o pai ou tutor como o objetivo de assegurar a existência de um herdeiro do sexo masculino (ibid., p.78).
52
indícios de que a maioria das crianças expostas era ilegítima e bastarda, ou seja,
de nacionalidade mista ou nascida fora do casamento, principalmente da união
com um escravo. O primeiro filho dificilmente era exposto. A incidência maior era
nas filhas. Cambiano diz que em Atenas os pais decidiam admitir seus filhos ou
não na família e tinham ainda o direito de colocá-los em adoção á outra família, ou
a um tutor em caso de morte até a maioridade da criança, que variava entre
homens e mulheres. Órfão era considerado somente aquele que tivesse perdido o
pai. A mãe não entra como valor neste sentido (ibid., p. 88).
Apesar dos casos de exposição, a chegada de uma criança “sadia” era
seguida de um número de rituais – Amphidromia, que asseguravam a
incorporação deste novo membro na ordem familiar e o seu acesso ao culto
doméstico. Com as mãos purificadas, pois o parto era uma mácula para a mulher
mortal que teria que se libertar através do sacrifício aos deuses banhava-se a
criança imediatamente e a envolvia em um pano branco. A partir do quinto dia do
nascimento o pai carregava a criança até a lareira da casa, sempre na presença
de testemunhas, como sinal de submissão desta a ele. No décimo dia, havia um
banquete antecedido de um sacrifício. Parentes e aliados traziam presentes e
nomeava-se a criança e se dava a real incorporação desta na família. Inicialmente
os cuidados eram entregues a mãe ou a uma ama escrava, enquanto o pai
passava a maior parte do dia fora de casa (Cambriano, 1993, p. 88 e Vernant,
1993 p..17-16).
O cotidiano das crianças envolvia jogos e narrativas míticas, principalmente
nas Antestérias – festas em honra a Dionísio. Estas festas traziam um grande
significado para os gregos antigos: as crianças acima de três anos participavam
de competições de bebida e no segundo dia – dia das canecas – recebiam de
presente carrinhos ou figurinhas de animais feitas de barro juntamente com uma
caneca, na qual crianças acima de três anos poderiam participar de competições
de bebidas. O simbolismo destas festas através do primeiro acesso das crianças
ao vinho representava a sua primeira iniciação no mundo dos adultos. Além da
53
competição de bebidas, outro elemento essencial das festas era a competição de
ginástica e os concursos musicais. Estes eventos cumpriam tanto a função de
demonstrar as habilidades desenvolvidas para os adultos, como também uma
fonte de instrumento para avaliar condições de sobrevivência e reprodução para
grupos de famílias da cidade. Estas produziam tanto furor pela vitória que estava
aberta a outras cidades e a todas as classes de famílias gregas. Seu objetivo era
a vitória individual e o compartilhamento da glória e da honra com a família e a
cidade (Cambriano, 1993, p. 88-89).
A Educação na Grécia Antiga das crianças era variável segundo a condição
social, a cidade a que estas pertenciam e o sexo5. Os filhos das famílias da
aristocracia permaneciam mais tempo sob condição de aprendizagem pois,
segundo Aristóteles, como as famílias pobres não tinham escravos, as suas
mulheres e filhos deviam se oferecer nesta condição para ajudar no sustento da
família, diminuindo assim o tempo de aprendizagem de suas crianças. Logo, a
aprendizagem tanto dos escravos, como das crianças de famílias pobres consistia
basicamente no artesanato e no trabalho campestre, sem retirar-lhes, com
exceção do escravo, o acesso à vida política. Apesar destas singularidades de
classes a aprendizagem envolvia alguns elementos fundamentais: os
ensinamentos de um ofício deveriam ser passados de geração a geração, mesmo
se as crianças não fossem filhos legítimos – início da paideia6. Era possível a
adoção de filhos de parentes e amigos transformando-os em herdeiros deste
ensinamento, ou ainda de filhos de cidadãos livres que não tinham meios de
sobrevivência suficientes ou ainda a compra de escravos para transmitir este
saber (ibid., p. 80). Vejam que havia uma grande ampliação e valorização de que
os ensinamentos de uma família continuassem vivos na pólis. Esta espécie de
aprendizagem precoce criava uma separação das crianças e a inserção imediata
5 As diferenças de educação em relação ao sexo será minuciosamente dedicada aos subitens deste capítulo referentes à condição das mulheres e dos homens. 6 A Paideia podia ter diversos significados, como a criação das crianças, ou em um sentido mais amplo, a própria cultura e modo de ser homem grego antigo construídos a partir da educação (Wikipédia)
54
num mundo adulto apesar destas não serem consideradas pelos gregos antigos
como parte propriamente do processo da paideia e da condução da vida adulta.
O didaskaleion era uma escola obrigatória, surgida já no início do século V
a.c. onde se podia ler, escrever e aprender música - significativo para o culto e
adoração da cidade – com o objetivo único de tornar cidadãos os filhos dos
cidadãos livres atenienses. Entretanto fazia parte de uma tradição mítica e
heróica, destinar o jovem a casa de um mestre, que nada tinha a ver com
competência de diplomas, acompanhado de um escravo de seu pai e o pedagogo
era quem tinha a função de vigiar e de castigar o seu aprendiz (ibid., p. 92). Após
esta escola criaram-se os ginásios, as palestras, as academias – prédios públicos
dedicados também ao ensino da ginástica, da música e das danças. O modelo de
homem consistia basicamente na formação da ginástica e da música e para os
homens também a formação de soldado. Os órfãos que possuíssem bens tinham
o direito de serem educados pelos tutores. Entretanto, no grupo de órfãos de
Atenas havia um privilégio: somente aqueles em que os pais tivessem morrido na
guerra poderiam ser educados por conta de despesas pagas pela cidade até a sua
idade adulta Isto ocorria, pois morrer na guerra representava a honra por todos da
pólis além de ser uma maneira de garantir a coesão social, alguns filhos da classe
pobre teriam acesso à educação dos ricos, além do incentivo a dedicação ao
treino militar (ibid., p.91-92).
Em Esparta, como em outros campos da vida de um grego, tudo era um
pouco diferente das demais cidades gregas. A educação também não fugiria deste
aspecto singular. Como em Esparta os homens eram fortemente preparados para
o adestramento físico, modelo ideal de preparação para guerras, dentre as
cidades gregas, os recém-nascidos eram desde pequenos postos a prova pelas
amas. Estas os educavam, habituando-os a uma severa alimentação, sem
caprichos e sem terem medo da escuridão e da solidão (Cambriano, 1993, p. 85).
No que diz respeito ao núcleo do sagrado, as crianças podiam participar
dos Mistérios de Elêusis e da Oscoforias em honra de Dionísio. Nos mistérios, o
55
filho pertencente a uma nobre família ateniense era eleito a cada ano para ser
iniciado nos mistérios e obter para a cidade os cuidados de Deméter. No outro a
Dionísio, representavam-se dois jovens trajando roupas femininas simbolizando o
rompimento do laço da condição da infância, em uma casa cuidada por mulheres,
e conseqüentemente o acesso à virilidade. Outra função semelhante era o corte
de cabelos aos dezesseis anos ofertados a Ártemis e o juramento do pai perante
sua fatria acerca da legitimidade do filho.
A partir do século V a.c, os sofistas contribuem para a modificação deste
modelo político do homem grego. A meta era deste então saber dominar a palavra
como instrumento para impor pontos de vista em relação aos outros em quaisquer
ramos da vida da pólis. Os sofistas percorriam as cidades para ensinar aos jovens
o uso do estilo da retórica e da oratória com o objetivo de convencer o publico e
reunir discípulos. Seu ensino era privado e pago, e, portanto, acessível somente
as elites, principalmente governamentais, devido ao objetivo de conquista de
poder (ibid., p. 94-95). Este tipo de educação foi alvo de muitas criticas e
polêmicas da época, pois o uso da palavra era sinônimo de um homem completo,
que no decorrer do processo natural, somente os anciões poderiam já ter
conquistado. Antes do saber falar, os jovens deveriam saber combater. O ensino
dos sofistas era visto como prejudicial a formação do homem, pois pulava-se
etapas fundamentais para o sentido do cidadão integral grego, além de questionar
valores tradicionais.
A figura do filósofo, surgida entre os séculos IV a.c e III a.c, modificou toda
a idéia relativa ao modelo de ser homem grego e conseqüentemente o sentido de
criança. Antes dos Cínicos e dos Estóicos, a criança era vista em seu aspecto
negativo, sem valor, como um ser sem razão e sem palavra, mesmo encontrando
indícios em Homero de deuses-criança. Devido a este modo de ver a criança,
devia-se desde tenra idade interferir na condição infantil para que atingisse a
condição de ser homem, que segundo Platão, somente através da paideia teria
acesso a uma educação pública. Dentro da literatura médica a criança corria o
56
risco de se tornar um animal devido a sua falta de condição postural ereta como a
dos adultos, além da diferença de desenvolvimento dos membros superiores e
inferiores que as forçava a se locomoverem sob quatro patas. Todavia, assim que
conseguisse manter o equilibro de seu corpo, conseguiria então articular as suas
faculdades psíquicas, dando início ao seu processo de desenvolvimento do ser
político por meio da atividade educativa. Para os Cínicos a criança se
transformava, além dos animais modelo de homem capaz de ensinar ao adulto,
cambaleado e corrompido pela vida citadina, a voltar a ser criança, a ser bom,
baseadas em histórias de um cínico Diógenes. Foi destas histórias que
começaram a surgir os conceitos de inocência, espontaneidade e simplicidade
infantil. Os Estóicos acreditavam que as mães e as amas, no inicio da vida de
seus filhos já corrompiam crianças através de banhos quentes que eliminavam o
tonos característico de toda a vida moral do futuro adulto. O efeito da filosofia foi
tão forte no modo de ser criança da Grécia Antiga que o ensino da filosofia tornou
parte integrante importante da paideia juvenil (ibid., p. 98-100).
3.3 -Ser homem: uma questão de cidadania
Para os homens, varões, ser homem significa ser um conjunto de funções
na pólis: ser marido, ser pai, mas principalmente ser cidadão, ou seja, defender
sua cidade e desenvolvê-la politicamente. Assim, desde muito novos os meninos
já eram iniciados, na competição nos diversos campos, como na música, na
ginástica, na dança e no próprio combate. Entretanto, ser homem passou por um
processo de transformações de sentido, principalmente pela interferência da
própria filosofia.
A formação dos rapazes no início da história da Grécia Antiga foi destinada
à formação basicamente de soldados. Era necessário produzir rapazes capazes
de defender o território das invasões de bárbaros.
57
Em Esparta, bem como em Creta não se sabe se “a idade adulta é uma
infância prolongada ou se a infância não é uma preparação prematura para a vida
do adulto e do soldado” (Vidal-Naquet, 1981 apud Cambriano 1993, p. 86). A
iniciação da adolescência dos rapazes, principalmente em Esparta, ocorria por
volta dos quatorze anos denominada efebia – jovem – período de segregação do
resto da família, constituído inicialmente, pelo conjunto de atividades para se
adquirir disciplina, obediência e combatividade e que lhes permitiria a longo prazo,
tornar-se hòmoioi – semelhantes, ou seja, cidadãos de pleno direito. A primeira
fase do processo consistia a na formação da agelai – conjunto de jovens que eram
orientados pelo pai do jovem formador do grupo para aprenderem a caçar seus
alimentos e a se exercitarem. Cada efebo vivia individualmente em condições
difíceis ao ar livre, destituído de roupas e de moradia: apenas armados com uma
faca. Esta fase representava o momento de abandono da infância e a preparação
para a guerra. Por esta razão se desenvolvia entre os rapazes de todas as
cidades: os treinos gímnicos e as competições. Recebiam apenas uma quantidade
de alimentos precária para que aprendessem a roubá-los sem serem descobertos,
senão poderiam ser chicoteados. Após dez anos na agelai antes de entrar para o
grupo adulto – heteria – companheiro de armas – fazer refeições comuns e dormir
na casa dos homens – deveriam ser orientados por um mestre sempre mais velho
e de condição mais livre7 (ibid., p. 85;87). O matrimônio era obrigatório para os
futuros soldados e eram previstas punições para os solteiros. Isto permitia fortificar
o sistema de herança e de cidadãos, bem como o corpo militar da cidade.
O período da efebia era comum em todas as cidades gregas. Mas em cada
cidade havia uma peculiaridade neste processo. Em Esparta vimos que o
processo era praticamente a formação do corpo militar por meio de adestramentos
e a conquista futura da condição do homem adulto e cidadão-soldado. Em Atenas,
inicialmente o objetivo de efebia era o mesmo do que em Esparta, só que Esparta
7 Falaremos no próximo subitem deste capítulo a importância das relações homoeróticas para a formação do homem político grego antigo e sua iniciação á vida adulta.
58
era o modelo de cidadão-soldado grego. Posteriormente a efebia teria para a
aristocracia ateniense além do caráter militar, também, moral, cívico e religioso
aos deveres e direitos do cidadão. Em Atenas, a assembléia elegia dois
pedótribes, um mestre de armas, um de tiro ao arco, um de lançamento de dardo
e um de catapulta que eram encarregados de instruir os efebos. Na festa de
Ártemis os efebos deveriam jurar no santuário defender a pátria, as suas
fronteiras, suas instituições e seu grupo de companheiros de armas. Após este
ritual deveriam ser dirigidos ao serviço de guarda de fortalezas. Após o longo
tempo de efebia, variável entre as cidades gregas, demonstrava-se publicamente
suas capacidades adquiridas durante sua instrução. Em uma nova assembléia
entregavam-se suas armas que representava sua condição adulta, mas ainda não
a de pleno cidadão, somente o término do serviço de patrulha nas fronteiras da
cidade. Após aprovação em assembléia, o adulto, com cerca de dezoito anos, era
inscrito no demo, ou seja, na circunscrição territorial a que pertencia o seu pai, e
conseqüentemente o ingresso de pleno direito na cidadania. O jovem recusado
voltava a condição de paides – criança (ibid.; p 85;86;93;94).
A partir do século III a.c, o processo da efebia em Atenas foi sendo
complementado por uma instituição de ensino superior: o ginásio, motivo de
distinção social inigualável, dentre este temos como exemplo: o Liceu, a
Academia, o Cinosacro, o Ptolomeu e o Diogéneo – este passou a ser o núcleo de
vida dos efebos. Nestes ginásios, não só eram instruídos os treinos militares e a
ginástica, como também fora incorporada as aulas com filósofos, mestres de
retórica e as vezes médicos. Cada vez mais o ginásio se tornava um centro
atraído por diversos jovens de todos os lugares, criando espaço, não só para a
difusão da filosofia, mas também para publicação de livros (ibid.,;94).
Não podemos deixar novamente de dizer acerca da importância da filosofia
para a formação do ser homem grego. A institucionalização da filosofia nos
ginásios fazendo parte do processo de formação dos efebos produziu um novo
59
sentido de homem, pois ser homem não significava mais ser somente cidadão-
soldado na Grécia Antiga, também estava associado à produção de pensadores.
3.4 - As relações homoeróticas: uma dimensão pedagógica
As relações homoeróticas e a convivência praticamente integral por longo
período com homens desempenhavam um papel pedagógico fundamental na vida
adulta dos rapazes gregos, principalmente em Esparta, Tebas e Creta.
A prática das relações homoeróticas era específica da elite militar destas
cidades e de outras comunidades nobres bem como da elite intelectual (Finley
p,125-126). Em Creta e em Tebas a relação entre um jovem e um amante mais
velho era uma etapa essencial para se tornar homem e esse assemelhava a um
ritual de rapto: Três dias antes do rapto o amante deveria informar sobre a ação
aos amigos do jovem. Estes, dependendo da classe do amante, que em geral era
igual ou superior a do jovem a ser raptado, decidiriam a permissão do rapto. Caso
fosse permitido, o amante levava o jovem e os amigos para fora da cidade durante
o tempo máximo de dois meses onde se organizavam a caça e os banquetes –
esportes típicos dos heróis e modelo dos efebos. Quando o jovem regressava a
cidade, recuperava a sua liberdade e era recebido com o equipamento militar, um
boi e uma taça, representando a conquista da efebia. O boi devia ser sacrificado a
Zeus festejando com o grupo e manifestando o gosto ou o desgosto do período de
intimidade com o amante. Curioso que para os jovens nobres não se envolver
intimamente com o amante era motivo de vergonha, pois significava que no jovem
não tinham sido reconhecidas qualidades que o ingressariam ao mundo adulto dos
guerreiros. Os jovens raptados eram honrados e em vários espaços da pólis grega
fazendo parte da elite dos Kleinòi – insignes (Cambriano, 1993, p. 87).
Em Atenas, as relações homoeróticas também desempenhavam um papel
valorizado na pólis. Depois de deixar a casa de sua família, também nomeada
como casa das mulheres, o rapaz passava a maior parte do dia no ginásio onde o
60
jovem participava do treino da ginástica, das palestras, mas também era o início
do seu desenvolvimento sexual. Mas nem todos podiam ter acesso ao ginásio. Os
escravos, os homens libertos, os seus filhos, deficientes, aqueles que se
prostituíam ou exerciam atividades comerciais, os bêbados e os loucos eram
proibidos de freqüentar estes espaços, pois não deveriam manter relações
homossexuais com jovens livres, impedindo assim relações indignas. Por incrível
que pareça era dificultado os encontros sexuais cotidianos com moças de
condição livre ou de família nobre. Entretanto a facilidade de relações com
escravas diminuía consideravelmente o potencial e o significado destes encontros
(ibid., p.90).
Outra condição para que as relações homoeróticas não perdessem seu
significado era o jovem se relacionar com um amante de idade diversa da dele, de
preferência mais velho, o que não podemos afirmar que não houvesse jovens se
relacionando com amantes de mesma idade. A diferença de idade permitia a
distinção do papel entre ativo e passivo na dimensão física e mais importante, na
dimensão pedagógica. Quando se fala que aqueles que poderiam participar do
ginásio pertenciam à aristocracia, era porque neste local devia os homens adultos
estar com um tempo suficiente para poder admirar o treino e a conversa com
jovens a fim de vir a ter uma relação (ibid).
A passividade e a atividade diziam respeito à capacidade de mandar e ser
mandado. Aquele jovem – geralmente escravo, estrangeiro ou até mesmo de
condição livre – que se prostituía era excluído da sociedade, pois se submetia a
posição de passivo, de ser penetrado, típica do prostituto. A passividade era
vergonhosa e motivo de desonra para um cidadão. A prostituição era tão grave
que em Atenas havia penas para aqueles, como pais e tutores, que por dinheiro
prostituíam uma criança do sexo masculino em troca de dinheiro, bem como para
aquele adulto que aceitava a prática da prostituição (ibid).
Assim que o rapaz retirava sua barba se tornava adulto e perdia também a
condição de amado, podendo assumir a posição de amante na relação. Como
61
vimos isto era uma prática natural, ou seja, de acordo com as regras sociais na
Grécia Antiga, pois a natureza ou era a própria sociedade ou um ideal ecológico.
As relações naturais eram com a esposa, com um amante homem ou mulher,
(Apuleio, apud Veyne, 1985, p. 40) logo o casamento e a relação heterossexual,
não eram impedidos pelas relações homoeróticas, não era vista como um
problema: enquanto o casamento fornecia a propagação da herança através do
nascimento de filhos, as relações homoeróticas forneciam a formação moral e
intelectual.
Entretanto, alguns pensadores da Grécia Antiga como Platão, diziam que
qualquer tipo de paixão amorosa incontrolável sendo homossexual ou
heterossexual poderia prejudicar o cidadão-soldado. O importante era a vitória
sobre o prazer. E ainda afirmava que a homossexualidade não era natural, pois os
animais não se uniam com o mesmo sexo. A idéia de Platão, não era nem tanto
estar contra a homossexualidade, mas diminuir a paixão, de modo a canalizar a
sexualidade para fins reprodutivos. O prazer nestas relações como em outras é
que era abusivo e não necessariamente um erro. A palavra natureza era muito
utilizada nos textos filosóficos. Platão não acreditava que o homossexual era
contra a natureza, mas sim o gesto que ele realizava: era um libertino movido
unicamente pelo prazer, a ponto de fazer a sodomia. Não havendo, porém um
horror, nem a nível moral, nem ao nível do sagrado do homossexual ou pederasta,
palavra também utilizada com freqüência (Veyne., p. 40-41).
A própria pederastia estava claramente presente nos textos gregos. De
acordo com seu gosto cada um podia optar pela sua parceria homossexual,
heterossexual ou bissexual, mas a preferência homossexual dos homens,
segundo Veyne e textos de escritores gregos era maior do que a
heterossexualidade:
Nesta sociedade onde, os censores mais severos viam a sodomia
somente um gesto libertino, não se ocultava a homofilia ativa e os
que eram propensos aos rapazes eram tão numerosos quanto os
62
apreciadores de mulheres, o que diz muito sobre natureza pouco...
natural da sexualidade humana (Veyne, 1993, p. 41).
O importante a pensar em termos da sexualidade na Grécia Antiga, como
também se encontrava em Roma, é que as condutas sexuais eram classificadas
mais em termos de passividade e atividade do que preferência por mulheres ou
por homens: ter prazer viril ou dar prazer servilmente. Pois ser ativo não importa a
opção é o mesmo do que ser viril, ser forte, honroso, glorioso: era uma qualidade
do ser político. Ser passivo era uma falta moral e política menosprezada pela
sociedade, como era fortemente o caso dos escravos Um comportamento que
denotava a passividade muito criticada pelos gregos antigos era a felação. Esta
era uma conduta extremamente vergonhosa e degradante: a felação constituía em
ter passivamente seu prazer ao dar prazer para o outro, e não recusar servilmente
dar prazer ao outro (ibid., p.43-45).
Seria errado encararmos, de acordo com Veyne, que a Antigüidade fosse
livre da repressão e imaginar que a mesma não tivesse princípios. O fato de a
mulher ser por definição passiva já denotava que os problemas de ordem sexual,
bem como os demais, eram tratados sob o ponto de vista masculino. Era sabido
da existência de ligações ilegítimas, notório e principalmente por parte dos
homens, mas que eram moralmente aceitas nesta sociedade (ibid., p.46).
Entretanto apesar de haver gostos e preferências sexuais homoafetivas, esta se
relacionava como um critério obrigatório dos valores políticos desta sociedade e
que sob nenhuma forma, poderíamos deixar de descrevê-las para que possamos
compreender mais profundamente a família nesta sociedade.
3.5-Ser mulher: a condição para a propagação dos herdeiros
da pólis
63
A figura da mulher na Grécia Antiga ocupava uma posição, que hoje em dia
poderia causar certo repúdio as nossas mulheres. Entretanto, a mulher grega
antiga era sabedora de sua importante função na sociedade. Mireaux através de
confissões de poetas da época acredita que a mulher não era considerada como
um elemento indiferente na vida do mundo grego antigo, ela ocupava um lugar
específico (Mireaux 1954, p.201). Certamente apresentaremos singularidades que
fogem a “regra” do comportamento feminino da época, mas que todas estas
formam, o modo de ser mulher na Grécia Antiga.
Para iniciar nosso item, de uma maneira, bem simples, e natural da época,
podemos dizer o seguinte e resumir desta forma como a mulher era vista: a
mulher não era uma cidadã, somente filha de um cidadão. Portanto, não pertencia,
no sentido integral, a pólis. Isto significa que há toda uma presença na diferença
do modo de ser homem, do modo de ser mulher da época, e conseqüentemente
criou-se um desenho bastante peculiar tanto do casamento quando do ser família
na Grécia Antiga.
Desde nova, a mulher era educada de uma forma bastante diversa do
homem. Ela passava, desde o seu nascimento, a maior parte de sua vida em casa
sob os cuidados da mãe e das escravas. No lar, as jovens aprendiam desde muito
cedo a fiar e cozinhar. As festas religiosas eram muitas das vezes as únicas
formas de irem ao espaço público que devido a classes sociais de moças, a
maioria era espectadora e não participante das festas, principalmente na Atenas
clássica. Neste mesmo período da história da Grécia Antiga, ainda não existiam
escolas para crianças ou adolescentes do sexo feminino. Quem as educavam,
eram as mães, parentes ou escravas que através de contos de histórias míticas
ligadas principalmente aos ritos religiosos da cidade. Algumas vezes estas
mulheres a ensinavam a ler e a escrever, mas este ato segundo alguns escritores
da época era o mesmo que fornecer instrumentos para que as jovens se
voltassem contra os homens. Por este motivo o número de mulheres analfabetas
era tão grande e contínuo. Havia exceções, como por exemplo, em Teos e em
64
Pérgamo, onde na primeira cidade havia escola para ambos os sexos e na
segunda, concursos de recitação de poesia e leitura para as meninas. Sem
sombra de dúvida o caso da instrução das mulheres foi mais conhecido na cidade
de Esparta, onde as crianças do sexo feminino eram acostumadas desde novas a
se exercitarem nuas e na presença dos homens, nas modalidades de corrida, luta,
arremesso de disco e dardo. Nesta cidade, diferentemente de Atenas, as mulheres
não faziam os ofícios domésticos como tecer e cozinhar, pois estes eram de
qualidade exclusiva das escravas (Cambriano, 1993, p. 81-83).
As jovens se casavam muito cedo, antes dos dezesseis anos e geralmente,
pelo menos, com homens dez anos mais velhos que elas. Para a maioria das
jovens livres, o casamento era a passagem à condição de adulta, deixar de ser
parthenos – virgem –, relacionada primeiramente a condição de esposa e mãe de
potenciais futuros cidadãos da pólis, A jovem se preparava para as núpcias
oferecendo a Ártemis os seus brinquedos infantis e cortando o cabelo como
símbolo de finalização da adolescência. Havia todo um ritual ligado às festas
religiosas que antecediam e preparavam-na para o casamento: as Arreforias –
momento de passagem e iniciação. Nele duas meninas de família nobre, de sete e
onze anos, começavam aos nove meses, antes da Panateneias, a tecer o peplo,
que seria oferecido a Atena, ou a Hera, em outras cidades, como a de Argos. Em
Esparta, o chíton era oferecido a Apolo. Nas Arreforias aprendiam a fiar, a tecer e
se preparavam para serem esposas e mães. Levavam na cabeça um cesto
contendo, o simulacro de Eritónio, filho de Atenas, e a serpente, símbolos da
sexualidade e da gestação, entretanto as moças não sabiam o conteúdo do cesto,
e mesmo assim iam até a acrópole à noite num jardim dedicado a Afrodite. O
cesto deveria ser posto em um local subterrâneo de onde retiravam outros objetos
envolvidos num pano (ibid., p.82)
As mulheres de Atenas, como na maioria das outras cidades gregas, além
de cuidar da casa e de cozinhar, também se dedicavam à tecelagem, como vimos
anteriormente. Esta era a única forma de atividade produtiva delas em relação a
65
pólis. Entretanto as mulheres de Esparta, assim como os homens, não
trabalhavam. Todas as suas atividades convergiam para grandes rituais, que em
sua expressão exibia seus corpos atléticos, no entanto, elas eram as únicas que
podiam herdar e possuir bens, mas ao contrário das outras cidades gregas que
avaliavam tal direito como sendo um conceito de cidadã, para os homens
espartanos, esta condição peculiar às suas mulheres, denotava inferioridade, pois
eles teriam deixado aos seus cuidados a casa e a família, por julgar que as
mulheres seriam “emocionalmente instáveis” e fracas para um convívio social mais
intenso (Redfield, 1993, p.163-164).
Apesar da mulher não ser considerada cidadã, ela não deixava de ter
opiniões políticas e mesmo que sua instrução também não fosse encorajada, em
decorrência de exibições públicas, esta não era necessariamente proibida. Há
diversas fontes que documentam a existência de grupos femininos com diversos
objetivos. Dentre eles havia o circulo de Safos em Lesbos, no início do século VI
a.c, que era uma espécie de associação cultural, onde as moças desta cidade,
mas também de cidades da costa jônica, se exercitavam, dançavam, cantavam,
prendiam a tocar lira, se dedicavam à poesia lírica e participavam de festas
nupciais e religiosas, e até em concursos de beleza, como forma de desenvolver,
adquirir qualidades e com sorte, serem admiradas por homens, principalmente
nobres, almejando um futuro casamento. Em Esparta havia competições atléticas
femininas que se comparavam a dos homens. Neste grupo também se criavam
laços homoeróticos, que em Esparta no século VII a. c. se chamavam parténias de
Álcman (Cambriano,1993, p.83). As mulheres também participavam de
sociedades religiosas como os mistérios de Elêusis, mas também relativas a
outras divindades Hera, Ártemis e Atena. Estas iniciações eram acompanhadas de
danças ritmadas pela flauta cujas bailarinas entravam em estados de transe e
êxtase que poderiam e poderiam evocar tais divindades (Mireaux, 1954, p.218-
219).
66
Para Hesíodo, a mulher era um “presente” dos deuses aos homens para
causar-lhe grandes tormentos. Sua esbanjadora sedução era o que havia de mais
perigoso. O autor se baseava no mito de Pandora: Zeus moldou com terra uma
linda mulher com a ajuda dos deuses. Como tinha sido produzida por todos, deu o
nome de Pandora – todos os dons. Foi mandada como presente para Epimeteu,
irmão de Prometeu, cujo homem teria zombado de Zeus durante um banquete
sacrifical. Epimeteu tinha sido avisado pelo seu irmão, para não receber nenhum
presente de Zeus, mas fascinado por Pandora ficou com ela e com um vaso que a
jovem trazia. Quando Pandora abriu o vaso, todo o mal foi liberto. Esta
personagem seria a origem de toda a raça feminina e ainda aponta segundo
Hesíodo, a alta futilidade da mulher que era evidenciada pela atração de provocar
despesas ao marido (Redfield, 1993, p. 167).
Os atrativos de uma mulher eram julgados pelos gregos como: enganosos,
perigosos e envolventes; pois assumiam a característica de serem multiformes e
mutáveis, objetivados principalmente através das jóias e do cinto de uma mulher
que, tomado como referência o mito do cinto de Afrodite, eram tidos como
símbolos do poder sexual. O termo “desatar o cinto” significava que o casamento
estava consumado. Os adornos de uma mulher seriam para apenas seduzir os
maridos no casamento para a relação sexual e assim, roubar a razão destes. A
sexualidade da mulher poderia destruir o poder feminino, pois apesar desta
conquistar o marido, poderia também fazer com que ela perdesse a sua função de
esposa e o cumprimento do acordo de casamento, cujo pai realizara com o marido
(ibid., p. 169-170).
Apesar de parecer que havia uma uniformidade no comportamento das
mulheres, não podemos esquecer, além das diferenças regionais, da existência
das diversidades de classes. Há algumas informações sobre este tema. Na
aristocracia as mulheres se dedicavam minuciosamente aos seus banhos e toda à
parte de higiene e cuidado pessoal. Tudo era feito na intimidade dos aposentos
femininos. Ostentavam muitas jóias de ouro e seus vestidos eram compridos,
67
denominados eanos – utilizados em festas ou cerimônias por mulheres de
condição social elevada. O tarje cotidiano era mais simples, uma túnica que em
seu comprimento se diferenciava de acordo com a idade e com a condição social.
Sobre os ombros um tecido fino – pharos – franzido na cintura e atado com um
cinto servindo de casaco. A cabeça era envolvida por um véu. Nos pés calçavam
sandálias com fivelas de couro presas nas canelas. Somente as mulheres de
condição elevada socialmente saiam acompanhadas por suas servas. As servas
eram ajudadas por governantas que as ajudavam na fabricação e conservação
das roupas da família além de cuidarem de uma boa recepção dos hóspedes.
Devemos chamar a atenção para uma característica singular da mulher no espaço
da cozinha que diferente do padrão moderno, cuja mulher encontrou um espaço
fiel na cozinha pela sociedade, a preparação dos alimentos era feita em sua
maioria pelos homens, tendo como exemplo: o preparo das carnes. Enquanto para
as mulheres, a cozinha era somente utilizada para a preparação das farinhas, dos
pães, dos bolos e das papas, e talvez da preparação dos legumes (Mireaux, 1954,
p.203-206). Todas as mulheres exerciam suas atividades laborais em suas casas,
mas as mulheres de classes mais pobres estendiam seus trabalhos fora de casa,
apesar de também serem consideradas como a extensão das mesmas atividades
exercidas em seus aposentos domésticos (Vilar, 2009, p.1). Também, naquela
época havia a prostituição feminina – pórne –, realizada nos santuários de Afrodite
e reconhecida como um comércio (Mireaux, p.220).
Cambriano aponta que as diferenças radicais de funções e ensino do sexo
masculino e feminino foram modificadas a partir da República e das Leis de
Platão. Estas foram compartilhadas entre ambos como: a música, a ginástica, o
treino militar e a preparação filosófica, apesar desta última, na visão de alguns
filósofos, ser uma função unicamente masculina. Na realidade há uma escassez
de documentos que comprovem o acesso efetivo das mulheres nestes espaços,
podendo haver somente casos raros (1993, p.97).Não sabemos se de fato houve
uma tentativa de igualdade de funções e de educação, todavia a relação delas
68
com a sociedade não mudara em um aspecto: no padrão de moralidade sexual.
Podemos facilmente constatar isto através da definição unilateral do adultério que
dizia que este era caracterizado somente quando uma mulher casada mantivera
relações sexuais com um homem que não era o seu marido. Logo a ofensa era
contra o marido. Da mesma forma que o rapto e a sedução de uma filha era
direcionada ao pai da mulher e não a ela própria que sofria o ato pelas mãos do
homem (Finley, 1963, p. 126).
Não há como significar o papel da figura feminina nesta sociedade, pois
apesar de serem vistas por muitos como maliciosas, perigosas, elas são a
condição de criação da vida e manutenção das instituições, como por exemplo, a
pólis. A seguinte frase resume poeticamente, mas expressa verdadeiramente a
realidade do papel da mulher na Grécia Antiga: “elas (...) têm o poder de sentir e
inspirar amor, que, na Cidade-Estado, se converte no poder de transferir esse
amor e dar vida a novas casas” (Redfield, 1993,p.171).
3.6 - O Casamento e os relacionamentos extraconjugais
Nas cidades gregas um cidadão só poderia ser chefe de família, se fosse
de condição livre, portanto se tivesse uma origem legítima, ou seja, sua mãe teria
que ser de condição livre: aquela cujo pai era de condição também livre. Assim, o
critério de legitimidade se baseava pelo avô materno da criança, não importando o
sexo. Uma família era construída e mantida através da geração de futuros
herdeiros e movimentação de bens que ampliava sua condição de cidadão da
pólis, segundo o mecanismo de matrimônio-troca (ibid., p. 164).
Existiam duas espécies de matrimônio-troca: a engye – a transação entre o
genro e o sogro – era o casamento em relação à legitimidade da pólis, a formação
de vínculo entre cidadãos. A engye era propriamente o casamento, a felicitação do
sogro ao genro e vice versa, ambos felizes por poderem propagar sua geração e
dar cidadãos a pólis e aumentar seu patrimônio. Só bastava a consumação com a
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noite de núpcias. O gamos era o casamento sob o ponto de vista familiar: a
iniciação da mulher na sua nova casa, que também era um renovação para a
família. Celebrava e ritualizava a iniciação sexual da mulher, fase mais
significativa para o começo da fase adulta. Na véspera o casal ou somente a
esposa podia visitar um templo, geralmente de Afrodite, para se despedir de sua
virgindade e pedir proteção para sua nova vida. No gamos, só participavam as
mulheres e era principalmente um ritual cuja protagonista era a noiva, assim
como as suas roupas. Não havia um ritual específico para o noivo, pois a vida
mudaria mais para a mulher: ela que seria transferida da casa de seu pai ou tutor
para a casa do noivo, ganharia um novo estatuto e obrigações como a guarda da
casa e da intimidade do lar. Por este conjunto de características o casamento na
Grécia Antiga oferecia as características da supremacia masculina, o casamento
virilocal, a sucessão patrilinear e a autoridade patriarcal (ibid, p. 164-166).
A promessa, ou o contrato de casamento era feito, o gamos: O pai ou o
tutor e o futuro esposo selavam um acordo do qual a filha não participava em
hipótese nenhuma, até por que não era uma cidadã. 8 A entrega da jovem firmava
um compromisso entre dois homens: o pai dava a filha como condição para que o
futuro esposo pudesse e prometesse gerar herdeiros legítimos e cidadãos para
pólis, além do dote que o jovem recebia. Na realidade o dote não era de
propriedade do marido, mesmo que pudesse administrá-lo, pois deveria ser
guardado para os filhos e caso o casamento não vingasse, deveria devolvê-lo ao
sogro. Em contrapartida o genro não dava nada para o sogro, a não ser seus
netos. Mas o dote também materializava o constante interesse do pai pela filha, a
manutenção de algum vínculo entre eles, segundo dizia o mito de Deméter e
Perséfone (ibid., p. 158). Logo a função do casamento era nada mais, nada
menos, do que produzir herdeiros, manter e prosperar a herança através da
mulher: ”casar era uma forma de aquisição” de bens-herdeiros (ibid, 1993, p. 150). 8 Na época helenística havia informações de que as próprias moças já participavam, elas mesmas, do contrato de matrimônio como seu futuro esposo (ibid., p.81) através das promnèstriai- as agentes de matrimônio – mulheres que se encarregavam de arranjar uniões(ibid.,169-170).
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Na véspera das núpcias os dois futuros esposos se purificavam através de um
banho com cânticos que prometiam uma rica prole, enquanto que o pai da jovem
oferecia um sacrifício a Zeus, Hera, Ártemis, Afrodite e Apolo.
Mireaux relata um outro modo de iniciação ao casamento, principalmente
dado no período Homérico. Quando o pai desejava o casamento de sua filha,
devia o fazer publicamente através do convite dos possíveis pretendentes. Estes
eram recebidos pelo futuro sogro que os hospedava e dava-lhes um banquete. Os
candidatos chegavam com presentes para a futura noiva como véus, vestidos e
jóias, bem como para o chefe da família. A riqueza dos presentes e das festas que
acompanhavam o processo de noivado dependia da condição social dos
envolvidos. Estas comemorações não era apenas uma maneira da futura noiva
conhecer seus candidatos, mas também propiciavam um clima de competição
entre os pretendentes que discursavam, cantavam, dançavam e se submetiam em
desafios, através de jogos, ou provas de força e habilidade. Assim que o pai da
noiva exercesse o direito de escolha do seu futuro genro, este o presentearia –
hedna. O sogro devolvia o presente através de um dote – meilia – próximo do
casamento e que em caso de repúdio pelo noivo deveria ser devolvido. Mireaux
faz uma observação interessante dizendo que é esta troca de presentes,
característica em muitas civilizações primitivas que nos levou a julgar e interpretar
como sendo a compra da mulher pelo homem (Mireaux, 1954, p.201;212).
A cerimônia do matrimônio como vimos não era obrigatória e apenas as
famílias de condição mais nobre podiam realizar. Ela consistia principalmente e
era a representação, o que de fato ocorria com a mulher, do caminho da jovem da
casa de seu pai até a de seu marido: isto significava, em primeiro lugar, que o
matrimônio para a mulher era apenas “a transferência da casa do pai para a do
marido, da segregação sofrida da primeira para com a segunda, da tutela de um
para a de outro em todas as transações políticas” (ibid., p. 148) e em segundo
lugar a protagonista deste ato e da sua mudança de estado, principalmente de
tutela, de moradia, de hábitos, dentre outros, era a mulher: A tutela era transferida
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do pai ou tutor para o marido. Mas, antes do caminho da jovem, o pai fornecia um
banquete na casa dele – eilapiné – onde as crianças passavam entre os
convidados com pães e pronunciando: “Escaparam ao mal; encontraram o melhor”
(ibid), isto porque o pão simbolizava a passagem de um regime selvagem, para
um outro civilizado. A jovem assistia o banquete na companhia das amigas e no
término deste, uma mulher encarregada da preparação da noiva – nymphèutria –
tirava o véu à noiva e era apresentada ao noivo e aos convidados – anakalyptèria.
Uma procissão pela noite acompanhava a jovem que era levada à casa do marido
de carro, munida de uma peneira para cevada, simbolizando uma de suas funções
na nova casa: a de cozinheira; mas também a criação de um laço entre as duas
famílias. Na lareira da casa se ofereciam doces e figos secos, representando sua
integração neste lar. Após este ritual, os esposos entravam no quarto, cuja porta
era guardada por um amigo do marido e lá o casamento deveria estar consumado.
Não havia nenhuma promessa de felicidade entre o casal (ibid., p.166).
Em Esparta o afastamento dos homens de suas casas não significava a
priori segundo Redfield, que estes passavam a ignorar suas famílias, por não mais
representar nada para eles. Com a morte do pai, o homem espartano ficava
responsável pelas suas irmãs. Chegando a uma certa idade, este deveria se
casar: era obrigatório em Esparta o casamento, devido ao grande número de
mortes de cidadãos em decorrência de inúmeras guerras. Para um espartano, a
troca matrimonial representava, além de uma oportunidade de adquirir bens, a sua
vitória e sucesso dentro de uma competição masculina, que devido à
característica da cidade, deveria permanecer ao longo das gerações (ibid., p. 163)
.
A mulher desposada não era propriedade do seu marido. O seu marido era
o seu senhor, ou seja, ele tinha o pleno direito de puni-la, repudiá-la caso
atrapalhasse seus interesses e até mesmo matá-la em caso de adultério, mas
evitava-se para não provocar vingança que era obrigatória por parte da família da
esposa. Apesar de todo este poder e direitos do homem sobre a mulher, esta
72
guardava alguns direitos que lhe são incontestáveis segundo Mireaux, mas que a
autora não nos esclarece (1954, p. 206).
As infidelidades eram freqüentes. A própria localização dos quartos
facilitava. Homens e mulheres tinham quartos separados. O quarto do senhor,
chefe da família, ficava entre os aposentos das mulheres e o quarto da esposa em
outro lado da casa. Mireux acredita que essa infelicidade devia fazer parte da
“política familiar” (ibid., p.207) visto que segundo nos informa a autora, diferente
do que nos informa Redfield (1993), não era produtivo financeiramente ter muitos
filhos legítimos, afim de evitar as divisões do patrimônio. Prefiria-se ter bastardos
sem dom para administração de terras, mas que podiam substituir o herdeiro
legítimo caso este desaparecesse. Outro caso “permitido” de infidelidade era
quando a esposa não podia conceder-lhe um filho. A autora deixa claro que não
era fácil a permissão de algumas mulheres em deixar os seus homens terem seus
casos amorosos. O homem podia ter concubinas, prostitutas ou cortesãs
prisioneiras de guerra. Todavia só era possível uma mulher levar o título de
esposa, ou seja, aquela de legítimo contrato de casamento com o seu pai (ibid). O
divórcio já era realizado nesta época. Em Atenas era mais fácil ser conseguido do
que em outras cidades e era mais difícil quando se tratava dos casos em que o
divórcio era pedido pela mulher. Quando ocorria, deveria ser feito por uma figura
mediadora plena de direitos, ou seja, algum homem, por exemplo, o pai da esposa
(Vilar, 2009, p. 1).
Havia alguns casos incontroláveis que poderiam acontecer e que a tradição
grega antiga já destinava um fim, como era o caso das viúvas: A viúva, mãe de um
filho menor e senhora da casa, era em certos casos destinada a assumir a posição
de filha e encarregada de transmitir o domínio familiar ao próximo herdeiro
homem, assumido assim o lugar do pai. Em Esparta, por exemplo, onde durou
por muito tempo a situação de indivisibilidade absoluta do patrimônio, criou-se o
costume da mulher do primogênito também ser a mulher dos seus irmãos. Desta
forma, a posição de esposa e senhora da família era fortalecida, pois a
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transformava em senhora do patrimônio e em um chefe de família. Logo nesta
cidade a maior parte da riqueza passava para as mãos femininas (Mireaux, 1954,
p. 207; 209-210).
O sexo e a fecundidade era um mistério para os gregos antigos, vide o mito
de Édipo-Rei. São poucos os escritores gregos que falavam sobre o sexo. Aos
pesquisarmos diversos autores encontraremos o sexo associado às crenças e
práticas destinadas a religião, como práticas transvestidas, feiticistas, virgindade
sagrada, tabus sexuais impostos pelos sacerdotes e sacerdotisas dentre outros. O
sexo e a fecundidade era um poder poderoso e perigoso que ultrapassava os
poderes e a compreensão humana, a exemplo Hermes de Atenas em 415 com o
falo mutilado. O sexo podia ser manipulado para controlar as forças da natureza,
evitar os males e assegurar a fartura das colheitas. Estas crenças eram aceitas
em todas as classes (Finley, 1963,p. 126-127).
No que diz respeito à homossexualidade no campo da família, do
matrimônio Finley tem a visão de que a homossexualidade era um “objeto de
desprezo e de ditos maliciosos” (ibid,p.125), pois o modelo concebido como
normal e sadio era o da bissexualidade. Assim, podemos dizer que na Grécia
Antiga, havia duas instituições complementares: enquanto que a relação com os
homens tinha um caráter pedagógico, o envolvimento com mulheres permitia a
criação da família, a produção de herdeiros e o cuidado do patrimônio.
Mas Finley acredita que havia todo um processo que ia se desenrolado com
a história da Grécia Antiga: na medida em que a sociedade como um todo se
transformava em classe média, ou seja, com suas dificuldades econômicas e de
posição social, as formas de relacionamento extraconjugal, até então
institucionalizada, iria desaparecendo ao longo dos tempos. O contexto de
dificuldades tanto econômicas quanto sociais levou os homens a permanecerem
mais no convívio com a família devido ao comportamento forçado de diminuição
de gastos e ao aumento de proteção dos bens que ainda restara. Isto levou a
diminuição do tempo livre para os homens que tinham que trabalhar ainda mais,
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permitindo a perda do campo do relacionamento extraconjugal. Com isso as
mulheres começavam a tentar conquistar um certo grau de igualdade perante os
homens no trabalho do campo e no comércio (ibid.,1963,p.126).
O casamento e a família era um meio, principalmente de ampliar o
patrimônio por meio do dote, de produzir herdeiros cidadãos e assim, acirrar a tão
valorosa competição pela honra no mundo masculino, ou seja, era muito mais uma
questão pública do que privada. Entretanto, não podemos descartar a
possibilidade de afetos e conflitos neste campo, como alguns autores épicos
demonstraram, entretanto, isto se apresentava em segundo plano, à vida
pertencia principalmente à esfera pública.
O modo de ser família está aliado a uma complexidade de sentidos, de
formas de ser, de estar, de sentir e de agir que esta para além, pois as
informações, fontes e as perspectivas dos itens que abordamos neste capítulo são
infinitas como: ser homem, ser mulher, as relações homoeróticas e o casamento;
mas que neste modo de ser se integram ao modo singular de ser família na Grécia
Antiga.
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CAPÍTULO IV - A PERSPECTIVA GENEALÓGICA E A
NOÇÃO DE ACONTECIMENTO HISTÓRICO
Neste último capítulo apresentaremos a base de fundamentação para o
problema-hipótese da presente pesquisa: ser possível pensar a família da Grécia
Antiga através da perspectiva genealógica e da noção de acontecimento histórico.
Perceberemos ao longo do capítulo que a genealogia e a noção de
acontecimento se complementam e se misturam: não há como uma não estar
integrada na outra. Entretanto, para uma compreensão didática faremos a
separação sistemática destes conceitos nos subitens que se seguem, apesar de
ser impossível a retirada integral do conceito de acontecimento da perspectiva
genealógica e vice versa.
Para compreendermos em que se baseia a genealogia é fundamental que
entendamos a que modo de concepção de mundo esta se contrapõe e critica
ferozmente.
4.1 - A doutrina das Idéias e das Cópias de Platão
A doutrina das idéias e das formas do filósofo Platão, desenvolvida nas
alegorias de Fedro e da República, foi e ainda é o modelo mais utilizado de
concepção de mundo, de conhecimento, de verdade e de se fazer ciência,
incluindo-se, a que nos interessa, a ciência histórica.
Platão disse que existem dois mundos: o mundo ou céu das Idéias Eternas
que também seria denominado de mundo das Essências ou das Alturas e o
mundo das Cópias ou dos Simulacros.
O mundo das Idéias, segundo Platão seria o mundo das verdades supremas,
do conhecimento puro, da unidade racional. Este mundo seria habitado pelos
deuses e por tudo o que fosse divino, conseqüentemente, por tudo o que fosse
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belo, sábio e bom. Logo neste mundo tudo seria perfeito e verdadeiro: a felicidade
absoluta. A alma antes de tomar a forma humana – conjunto da alma com o corpo
– deveria acompanhar a alma divina nas suas evoluções. A forma humana
habitaria o mundo das cópias ou dos simulacros. Neste mundo nada seria
verdadeiro, era meramente uma tentativa ineficaz de se fazer uma cópia do que
existe no mundo das idéias. O modelo só se encontraria nas Idéias. As idéias
seriam indiscutíveis, elas simplesmente são. Neste mundo, a alma só conseguiria
ter acesso novamente ao mundo das idéias através da inteligência – o que Platão
entendia como sendo a própria memória ou reminiscência das verdades eternas
que contemplava quando estava na sua evolução com os deuses. A inteligência
seria, portanto o guia da alma, no mundo das formas, teria acesso novamente ao
mundo das Idéias para se chegar as Idéias. Mas para que isso ocorresse a alma
deveria, primeiramente já ter evoluído e alcançado o mundo das idéias e
posteriormente, conseguir vencer e dominar as paixões ou sensações, formas
próprias do corpo, para se chegar a inteligência (Platão, p. 83-86). Platão salienta
que eram poucos aqueles que conseguiam isto. Talvez, apenas o homem que
conseguisse isso, segundo o autor, seria, é claro, o filósofo. Não é a toa que a
tradução de filósofo no idioma grego é amigo da sabedoria.
4.2 - A concepção da metafísica9
Desta doutrina Platônica surgiu o que conhecemos como metafísica ou o
princípio da filosofia. A metafísica se tornou a base de todas as ciências. Todo o
conhecimento para esta perspectiva de concepção do mundo é uníssono: busca-
se unicamente a verdade. É uma busca enlouquecida sobre um saber verdadeiro.
Ou a busca de um saber que seja mais verdadeiro que o outro, pois o objetivo é
chegar a um conhecimento perfeito. E quando falamos de perfeito, falamos de um
9 A metafísica também é conhecida como o ponto de vista supra-histórico, meta-histórico, história dos historiadores ou a história tradicional (Foucault, 1979).
77
conhecimento que seja imutável ao longo da história. Este conhecimento absoluto
só poderia vir de um sujeito, aquele que porta, que é a condição e fundamento de
todo o conhecimento. Mas para que isso ocorresse este sujeito deveria controlar
dominar suas paixões seus instintos para que a razão viesse a tona. A partir dele
a verdade se revelaria.
O mundo é composto pelas leis da natureza, diz a metafísica, leis
imutáveis, perfeitas, ordenadas, harmônicas, sábias. Todo o conhecimento
seguiria esta relação natural com as coisas do mundo. Este seria o princípio, a
natureza e a essência do conhecimento. Assim há uma continuidade natural entre
o sujeito, o conhecimento e o mundo a conhecer (Foucault, 1973, p.18-19;24) . Há
um conhecimento em si. Um objeto a conhecer em si. Só haveria conceitos
imutáveis, universais e ponto final.
Por conta da perspectiva metafísica. A história seria vista em um sentido
teleológico, como um desenvolvimento, uma evolução linear e contínua a partir de
origens que se perdem no tempo (Foucault, 1979, p. VII), sempre buscando um
estado melhor, ou superior. Um objeto a ser estudado pela história, assim como
por outras ciências, seria um objeto natural, uma realidade que se busca as
essências ou significações ideais, pouco importa o contexto no qual ela está, pois
se é natural, é imutável, certo? Reduz-se tudo o que há no mundo, suas
multiplicidades e se fecha em uma teoria global, a um conceito universal
preocupado, principalmente, com a utilidade deste conceito, este é o princípio do
conhecimento para a metafísica. Busca-se acima de tudo uma identidade. Uma
forma imóvel ao longo do tempo. Deste pensamento também se acredita que há
uma neutralidade, uma vitória da inteligência, sobre os afetos do sujeito, suas
“condições particulares de existência” (ibid., p. XXI), que obscureceria e impediria
assim o encontro do conhecimento universal. Desta concepção viria a
fundamentação de toda a dedicação á verdade e ao rigor dos métodos científicos.
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4.3 - A Teoria das forças de Nietzsche
Friedrich Nietzche (1844 a 1900) brilhante filósofo alemão que criticou todo
o pensamento tradicional do conhecimento, a metafísica, foi chamado de o
“filósofo do martelo”, produziu diversos pensamentos, principalmente o
pensamento genealógico, a teoria das forças, a vontade de poder, a vontade de
saber, a genealogia do conhecimento, dentre outros. Escreveu muitos livros e em
todos eles encontramos os pensamentos centrais de sua filosofia.
Em sua teoria das forças, Nietzsche demonstra como qualquer
conhecimento é produzido. O conhecimento não é o refinamento dos instintos
humanos, não é uma derivação natural, pois não existe uma relação de
continuidade e sim de descontinuidade. Mais ainda, o conhecimento não é
humano, não é um instinto do homem, pois o homem não é a condição do
conhecimento. Conhecimento e natureza humana são duas coisas completamente
diferentes. O conhecimento tem em sua base, o confronto, a batalha, o combate, a
luta, o estado de tensão ou apaziguamento de instintos ou de forças como ponto
de partida. Todo conhecimento é o efeito ou o resultado do combate de
determinadas forças que compõem um campo, um contexto, um conjunto de
possibilidades (Foucault, 1973,p.16-18).
Para que possamos compreender melhor a teoria de Nietzsche acerca do
conhecimento, ou das verdades, vamos compreender melhor o que é a natureza
das forças e o que é um corpo, dois pensamentos intimamente relacionados
segundo o filósofo.
Um corpo seja este de qualquer espécie, seja biológico, social, político, ou
qualquer objeto a ser estudado, é sempre uma realidade, e esta é para o filósofo
sempre a produção de um fenômeno múltiplo, pois é composta por uma
pluralidade de forças. Podemos dizer assim, que um corpo é um campo de forças,
uma batalha um combate onde as forças estão em tensão, em uma relação de
poder, dependendo da qualidade e da quantidade de cada força: umas obedecem,
79
outras dominam. Portanto há uma relação de domínio-submissão. A condição,
para que um copo seja produzido, deve ser composta por forças diferentes em
qualidade e quantidade postas em relação. Por esta razão um corpo é sempre
fruto do acaso da relação de poder destas forças. O acaso também seria a
essência da força. Assim é posta a impossibilidade de se perguntar como nasce
um corpo, pois este é fruto da relação arbitrária das forças (Deleuze, 1976, p. 32-
33). Entretanto é necessário apontarmos que, apesar de Nietzsche falar do corpo
e da qualidade e quantidade das forças que o compõe, o mundo ou as coisas,
também são compostas pelas mesmas qualidades de forças que organizam um
corpo. Corpo e mundo são apenas espaços diferentes da atuação das mesmas
qualidades de forças sempre em combate entre si (Fornazari, 2003 p. 115).
O conceito de força, por natureza, já é vitoriosa, porque se estabelece a
relação de uma força com outra, ou seja, a de dominação-submissão: enquanto
uma é dominante, a outra é dominada. Precisamos entender que obedecer e
comandar são qualidades, visto que “nenhuma força renuncia a seu próprio poder
(...) o comando supõe uma concessão (...) obedecer e comandar são duas formas
de torneio” (Nietzsche, vontade de potência II 91, op cit. Deleuze, 1976, p. 33). As
forças em sua qualidade podem ser reativas – forças inferiores, ou seja, as
dominadas e que nada perdem de sua quantidade de força, como por exemplo
aquelas que tem a tarefa de conservar, de adaptar, são forças de utilidade,
mecânica; e as forças ativas – forças superiores, ou seja, as comandantes, por
exemplo, a tendência em se apoderar, subjugar, dominar, oprimir, explorar,
apropriar, no sentido de impor formas, que para o filósofo é propriamente a função
orgânica do ser vivo, é a sua essência, é a vontade de vida (Nietzsche, 1886,
parágrafo 259).
Mas a qualidade de uma força não é separável de sua quantidade. É
impossível reduzir uma a outra, da mesma forma que uma força não pode ser
separada da outra quando se está em relação com esta. Segundo a expressão do
filósofo seria uma loucura. Nietzsche condena a determinação das forças somente
80
em sua quantidade como afirma os mecanicistas, pois trabalhar com quantidades,
sempre se tende a uma anulação das diferenças e a buscar as identificações e a
unidade. O filósofo entenderá que a qualidade nada mais é do que a diferença de
quantidade que cada força possui quando em relação. A quantidade de uma força
quando relacionada a outra, ou seja, a sua diferença, nunca será anulada,
igualada ou compensada – discurso determinista. Assim a qualidade nada mais é
do que a diferença de quantidade de uma força quando em relação (Deleuze,
1976, p. 36).
O filósofo coloca o acaso em uma posição, em um sentido totalmente
diverso da idéia mecanicista vigente. Pois o acaso é a condição para se afirmar a
relação de todas as forças. Tanto é que Nietzsche cria o pensamento do eterno
retorno, que fundamenta o valor do acaso. Mas cada força entra em relação em
tempos diversos. O poder de cada força é conseguido por meio de uma relação
com um pequeno número de forças. Os encontros das forças seriam a parte
concreta e afirmativa do acaso. No encontro de uma força com a outra, na relação
é que cada força é afetada, recebendo a qualidade que corresponde a sua
quantidade (ibid).
A força não seria vitoriosa se não houvesse um querer interno e
complementar que o filósofo denomina como a vontade de poder. A vontade de
poder, foi um pensamento tão importante para Nietzsche que lhe rendeu um livro.
A vontade de poder é um elemento genealógico da força, isto é diferencial e
genético. É um elemento complementar e interno á esta. É o elemento que
diferencia a quantidade e a qualidade das forças postas em relação. A vontade de
poder é o princípio para síntese das forças, ou seja, é a partir dela que as forças
se relacionam, que lidam com as suas diferenças ao longo do tempo. Vontade foi
a palavra utilizada, pois se refere ao principio para que tudo possa ser produzido.
Mas a vontade é plástica, pois “a cada caso se determina com o que determina”
(ibid;.p.41), a cada relação a cada afetação das forças entre si, estas se
modificam. O acaso também faz parte desta vontade de poder, pois segundo
81
conta Deleuze sobre a vontade de poder, sem o acaso, a possibilidade, a
virtualidade, a vontade não teria nem plasticidade nem a capacidade de se
transformar e de entrar em relação. O acaso é o que permite o relacionamento das
forças e a vontade de poder é o princípio que determina esta relação. Somente
está implícita nas forças relacionadas ao acaso. As forças permanecem
indeterminadas sem a vontade de poder. Por esta razão é que dizemos que esta
vontade é um elemento diferencial, complementar e interno das forças. É a
vontade de poder que faz com que uma força obedeça em uma relação. A
essência da força é a sua diferença de quantidade em relação às outras forças e
que esta se exprime como qualidade da força. A vontade de poder, portanto,
existirá sempre tanto nas forças ativas, quanto nas forças reativas. Deleuze
salienta que apesar da força estar contida na vontade e vice-versa, são duas
coisas diferentes: “a força é quem pode, a vontade de poder é quem quer” (Ibid.;
p. 42).
Desta forma é a vontade de poder quem interpreta. Mas para que isso
ocorra a vontade de poder deve ter particularidades ou qualidades mais sutis e
momentâneas da forças que não devem ser confundidas com as qualidades
destas. Assim, as qualidades de uma força nos termos de Nietzsche são ativas e
reativas, enquanto as qualidades da vontade de poder podem ser afirmativas ou
negativas. Se a vontade de poder está presente nas forças ativas e reativas, a
vontade de negar, por mais que pareça estranho á nós, também é uma vontade de
poder. O filósofo falava muito em seus livros, na crítica do niilismo e do ideal
ascético como uma vontade de poder, uma vontade de nada:
“ O homem, o animal mais corajoso e habituado ao sofrimento, não nega em si o sofrer, ele o deseja, ele o procura inclusive, desde que lhe seja mostrado um sentido, um para quê no sofrimento (...) mas a pesar de tudo – o homem estava a salvo, ele possuía um sentido (...) a vontade mesma estava salva (..) esse horror aos sentidos, á razão mesma, o medo da felicidade e da beleza, o anseio de afastar-se do eu seja aparência, mudança,
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morte, devir, desejo, anseio – tudo isso significa, ousemos compreendê-lo, uma vontade de nada, uma aversão a vida, uma revolta contra os mais fundamentais pressupostos da vida, mas é e continua sendo uma vontade(...)” (Nietzsche, 1887 II, parágrafo 28).
As duas distinções das qualidades, a afirmação, e a negação, o ativo e o
reativo são o centro de toda a filosofia de Nietzsche. Entre estas qualidades há
uma afinidade profunda, uma cumplicidade como afirma Deleuze (1976, p.44) e o
que faz da filosofia uma arte. Em toda ação há uma reação, em toda a negação há
a afirmação de algo. Ma a ação e reação são os meios para a vontade de poder
que afirma e nega. A reação e ação precisam também da negação e da afirmação
para que alcancem os seus objetivos. Em uma análise mais profunda, a afirmação
e a negação são as qualidades do devir: ”a afirmação não é ação, mas sim o
poder de se tornar ativo, o devir ativo em pessoa; a negação não é a simples
reação, mas um devir reativo (...) elas constituem a corrente do devir com a trama
das forças” (ibid.; p. 44).
Ainda sobre a vontade de poder devemos apontar que não é esta que
somente interpreta, mas também avalia, na medida em que é esta que determina
a força, qual o tipo de qualidade da força, ou seja, que dá sentido a uma coisa,
que dá valor a algo. Avaliar é determinar a vontade de poder, é dar o valor a algo.
Logo entendemos porque é esta vontade que é o elemento genealógico da força,
pois dela derivam a significação, o sentido e o valor dos valores. Através deste
pensamento Nietzsche também ficou conhecido como criador da filosofia dos
valores. Ele utilizava a figura do senhor e do escravo. O senhor – nobre e alto –
ora é a força ativa, ora a vontade afirmativa; o escravo – baixo e vil - ora é força
reativa, ora a vontade negativa. Assim, o filósofo falará que um valor compreende
sempre uma genealogia formada pela baixeza e pela nobreza. Assim, somente um
genealogista conseguiria descobrir que a baixeza também pode criar um valor,
assim como a nobreza através do manejo da vontade de poder (ibid;. 45).
83
Vamos voltar à compreensão do que é o conhecimento, nos apoiando na
Gaia Ciência. Nietzsche ao retomar o texto de Spinoza, reformula o pensamento
deste último. Spinoza acreditava que para que conseguíssemos apreender a
essência, a verdade de algo, deveríamos nunca rir, deplorar ou detestar o objeto a
conhecer, pois estas paixões ou instintos atrapalhariam a apreensão da
verdadeira natureza do objeto. Entretanto Nietzsche assume um posicionamento
totalmente contrário baseado no pensamento das relações de força. Para que um
conhecimento fosse possível cada uma destas paixões deveria dar sua opinião
sobre o acontecimento, ou a coisa a conhecer. Após suas manifestações, um
combate haveria entre estas e o resultado deste combate sairia o apaziguamento,
o acordo, ou um equilíbrio destas paixões. Todavia a nossa consciência não
registra o combate, só temos acesso imediato a reconciliação o resultado: o
conhecimento. Logo, baseado somente no que temos consciência, acreditamos
que todo o conhecimento é em sua essência, bom, justo, entretanto é totalmente o
oposto: só compreendemos algo, pois há por debaixo do véu, uma trama, uma luta
destes três instintos, ou mecanismos. O rir, o deplorar e o detestar são assim uma
maneira não de se aproximar do objeto a conhecer, ou de se identificar com ele,
mas sim de mantê-lo à distância, de se diferenciar dele, de romper com ele, de se
proteger dele. Logo, os instintos que estariam na raiz do conhecimento teriam a
vontade de se afastar dele e de destruí-lo. A essa vontade que Nietzsche chama
de vontade de poder (Nietzsche, 1882, Parágrafo 333 et Foucault, 1973, p.20-21).
Se aplicarmos este pensamento do Nietzsche a sua idéia de conhecimento
veremos que nunca o conhecimento é um instinto que faz parte da natureza
humana. O conhecimento está acima e no meio deles. As forças só produzirão
conhecimento, pois estas se relacionam entre si numa relação de poder, ou seja,
de dominação-submissão. O conhecimento só é produzido após o término da
batalha das forças. É o risco e o acaso que darão lugar ao conhecimento. Não
sabemos qual será o resultado, mas só haverá conhecimento se as forças se
arriscarem a se enfrentar. Assim, toda a realidade já é em si uma quantidade de
84
forças, em relação de tensão umas com as outras. Só haveria conhecimento sob a
forma de uma multiplicidade de atos diferentes entre si em sua essência cujos
atos o ser humano se apoderaria violentamente, reagindo a um certo número de
situações e lhe impondo relações de força. O conhecimento seria fruto de uma
relação estratégica onde o homem está presente. Esta relação que definirá o
efeito de um conhecimento. Por esta razão todo conhecimento é perspectivo e
parcial, devido a sua natureza estratégica, de batalha e como efeito desta (
Foucault, 1973, p. 25).
Nietzsche acrescenta também que o conhecimento é um desconhecimento,
na medida em que ele é ao mesmo tempo generalizante e particular. Ele
sistematiza, ignora as diferenças sem nenhum fundamento de verdade, mas
também só há conhecimento no combate entre o homem e o que ele conhece, se
configurando como uma luta singular e é este o ponto que cria em todo o
conhecimento o seu caráter particular ou singular (Ibid., p. 26).
Portanto, Nietzsche fala que a relação entre o conhecimento e o instinto é
uma relação de descontinuidade, pois há um rompimento, luta, relação de
violência, de força, de poder, de dominação:“o conhecimento só pode ser uma
violação das coisas a conhecer e não a percepção, reconhecimento, identificação
delas ou com elas.” (Foucault, 1973, p.18) Por esta razão Foucault disse que o
conhecimento não era instintivo, mas contra-instintivo, não era natural, mas
contra-natural (Ibid.;.17)e a natureza humana e conseqüentemente do
conhecimento, não seria a pureza, mas sim a expansão da potência dos instintos
e das forças envolvendo hierarquia, desigualdade e domínio.
4.4 - A perspectiva genealógica
A genealogia foi um método adotado e criado por Nietzsche para analisar a
história, e os acontecimentos que são produzidos por ela. A historicidade não é
85
tácita, é belicosa, fruto das relações de poder e de domínio. Foucault chamará de
genealogia
“ uma forma de história que dê conta da constituição de saberes, dos discursos, dos domínios de objeto, etc, sem ter que se referir a um sujeito, seja ele transcendente como relação ao campo de acontecimentos, seja perseguindo sua identidade vazia ao longo da história” (Focault, 1979,p. 7).
A genealogia se interessa sobre a história efetiva ou o sentido histórico,
sobre aquilo que os historiadores da história tradicional, ou seguidores da
metafísica, acreditam onde não existe história, nas pequenas verdades: nas cenas
da história onde se encontram diferentes papéis atuando, vários elementos
relacionados – por isso a “genealogia é cinza” (p.15) – e mesmo no ponto onde
nada ocorreu – pois para a genealogia sempre acontece algo. Por esta razão a
genealogia é meticulosa, cuidadosa, pois se quer marcar a singularidade de cada
acontecimento histórico, ela exige uma minúcia do saber. Todo o cenário seja
nobre ou baixo, como se deu a construção das suas escalas de valores através
dos tempos e dos povos deve ser trazido a luz pelo filósofo histórico. Todo este
trabalho é para Nietzsche um sinal de uma cultura superior, de espíritos livres, que
sabem apreciar as formas mais simples e talvez feias e as pequenas verdades
(1882, parágrafo 7;16 et 1878, parágrafo 3 e 2).
A perspectiva genealógica assim se opõe ao modo de olhar sobre a história
da metafísica ou do filósofo metafísico, da busca de formas eternas, que
refletiriam as verdades e realidades imutáveis e absolutas para que se possa
reproduzir, sem refletir, continuamente velhas formas. Nietzsche se perguntava:
quando desdivinizaremos a cultura?”(Foucault, 1973 p. 19) Este modo
caracterizaria o espírito científico, a história tradicional que são para o filósofo uma
característica da cultura inferior (1878, parágrafo 3).
Parece que está claro que o trabalho da genealogia se opõe ao trabalho
pela busca de uma origem – Ursprung – de uma causa, de um fundamento
86
originário, do lugar da verdade. Pois a pesquisa da origem se fundamenta na
busca de um substrato de uma forma em si, imóvel e anterior a tudo, o que é
acidental, ou seja, ela nega os acontecimentos, as condições de possibilidade, a
potência de um corpo. Todos os conflitos, os disparates, os disfarces, os enganos,
são máscaras e segredos essenciais que devem ser subtraídas e nunca
consideradas na gênese de sua construção, pois o que importa é o que está por
detrás delas, o objetivo original, o resultado final, a identidade primeira e anterior.
Este modo de ver a história, através da sua origem, foi inventado segundo o
filósofo pelas classes dominantes (Foucault, 1979, p. 16-17-18 et Nietzsche,1978,
parágrafo 92). É exatamente o termo que a genealogia irá se opor a origem:
invenção – Erfindung. Nietzsche dirá que entender a história como uma invenção,
ou seja, como uma construção, como uma produção, como uma grande usina que
produz o ideal, significa dizer que qualquer objeto a ser estudado não existia
desde sempre, não é imortal, este é vazio de sentido. Em um dado momento, algo
aconteceu, possibilitou, fazendo a aparecer este objeto. E o que possibilitou isto
foram as relações de poder, a batalha entre determinadas forças do contexto de
possibilidades, um começo “baixo” de pequenos acontecimentos e não da “alta
nobreza”. Posto isso, o ideal não tem uma origem, não é universal, não está a
priori do mundo e do homem. A verdade é uma construção, onde por de trás dela,
há um conjunto de erros. Utilizar o método histórico, o sentido histórico, é ter
acesso a todos os episódios da história, a todos os acasos do começo, desde os
mais nobres, até os mais servis, é produzir a gênese de um determinado
pensamento “é preciso reconhecer os acontecimentos da história”, pois a história
(...) é o próprio corpo do devir” é o vir a ser e nunca o sentido absoluto do
“é”(Foucault, 1973, p. 14-15 et 1979, p. 19-20).
Se a genealogia se opõe a origem – Ursprung – ela baseará o seu método
do sentido histórico na proveniência – Herkunft – e na emergência – Entestehung.
A proveniência é o começo, o tronco comum do entrecruzamento de forças,
de uma rede de mil acontecimentos, difíceis de se separar, que caracterizam o
87
aspecto único de um conceito pelo qual se formou. A pesquisa da proveniência
permite ver de onde se começou um conceito e o percurso que este fez para
chegar até onde chegou. O que difere da pesquisa da origem, pois nesta é o geral
que define as particularidades. A genealogia não pretende mostrar o passado,
apesar de não o negar, ela não pretende trazer uma continuidade, uma evolução
entre o passado e o presente. Pensar na proveniência é justamente, marcar, os
acidentes, os desvios, os erros, as falhas, que permitiram fazer com que algo
tivesse hoje um valor para nós. É mostrar que no interior de um valor reinou a
batalha, o conflito de erros e acertos, e não a suprema verdade. Um valor é feito
de acidentes. Assim, a proveniência é composta por um conjunto de falhas, de
características múltiplas e diversas entre si, mostrando a diversidade que constrói
um conceito em um determinado contexto plural (Foucault, 1979, p. 20-21).
Foucault ainda dirá que o corpo é a superfície de inscrição dos
acontecimentos da história, lembrando Nietzsche, que afirma que o corpo é a
potência dos acontecimentos, pois é nele que ocorrem as batalhas, os conflitos de
forças, nascendo também os desejos, as vontades e não somente, como descreve
Platão, o receptáculo da alma. Desta forma a genealogia também permitiria a
articulação, a construção da relação entre o corpo e a história, demonstrando que
o corpo está impregnado de história, mas a história também arruinando cada
corpo, cada conceito (ibid., p. 22) Assim, já dizia Foucault que a proveniência
“agita o que se percebia imóvel, fragmenta o que se pensava unido; ela mostra a
heterogeneidade do que se imaginava em conformidade consigo mesmo”
(ibid.,p.21).
A emergência é o ponto de surgimento, é como se produz singularmente
um acontecimento. Para a genealogia a emergência é sempre uma série de jogos
casuais, de acasos de submissões e dominações, de luta das forças ativas e
reativas. A emergência sempre acontece em um determinado estado destas
forças. Estas forças, ou lutam umas contra outras, ou frente a circunstâncias
variáveis, ou tentam se dividir para escapar do desaparecimento, no momento em
88
que se enfraquecem e em seguida retornam com sua potência, com um alto valor,
novamente ao campo de batalha. A emergência assim é a entrada das forças no
campo de batalha, cada qual com sua qualidade e quantidade. É produzida pela
relação das forças dominantes e dominadas. Ninguém é responsável por ela, ela é
produzida em uma relação. A emergência reativa o jogo de dominação pela a
história dos acontecimentos. As diversas emergências não são fruto de uma
mesma significação, de um mesmo sentido, elas não tem uma mesma origem
universal, e sim são efeitos de substituição, reposição e deslocamento de diversas
conquistas das batalhas das forças (ibid.;24-25).
Assim, Foucault e Nietzsche dirão que interpretar é se apoderar com
violência de um sistema de regras ou uma cadeia de signos sem significação
absoluta, impondo-lhe uma direção, construindo outro sentido, por um poder e
vontade que lhe são superiores. Estas regras entram noutro jogo e são
submetidas pela relação subjugação e assenhoramento a outro tipo de regras, a
novos ajustes e novas interpretações, sendo transformada e redirecionada a outra
regra. Uma interpretação existe, pois uma vontade superior que se assenhora de
outra interpretação. Todo o conhecimento é deste modo interpretação de diversos
olhares dirigidos sobre aquilo que se quer dominar ou defender. Logo “o devir da
humanidade é uma série de interpretações” e a genealogia teria a função de ser a
história destas, fazendo-as aparecer como acontecimentos em um palco, em um
capo de batalha das condições do acaso (ibid.; 26 et Nietzsche, 1887 II
parágrafo.66).
Desta forma, de uma maneira mais didática, diremos que enquanto a
proveniência é a qualidade das forças, a marca que deixa em um corpo,
emergência fala do lugar de afrontamento, do combate de forças desiguais, do
nascimento de um valor, de um sentido, de uma verdade, de um saber.
A genealogia, ou o sentido histórico, ou a história efetiva, portanto critica a
perspectiva da metafísica, ou da meta-história, ou supra- história, que reduz toda a
história em uma teoria geral da origem das coisas, dos fatos históricos, fora do
89
tempo, de condições de possibilidades. Julga o que é verdadeiro ou falso,
segundo uma pretensão de objetividade, pois se baseia em uma suposta imagem
ideal, eterna e universal do passado, da origem do mundo. O sentido histórico é
assim um instrumento da genealogia para ver a história. Este olhar distingue a
pluralidade de sentidos, a sua construção, apagando o sentido absoluto e a
unidade das coisas. Para metafísica o passado, a origem é soberana a tudo e,
portanto absoluta. A metafísica acredita reconhecer ou reencontrar no presente os
traços de uma imagem universal e eterna do passado, da origem do mundo. A
genealogia nega a imortalidade do sentido, reinserindo este como mais um
possível que foi construído dentro da história, introduz este sentido, assim, no
corpo do devir, da possibilidade de transformação deste como acontecimento
(ibid.; p. 26).
A genealogia dirá que um saber foi feito para cortar, muito mais do que para
ser compreendido. Busca-se as descontinuidades da história que nos atravessam,
dissipando raízes que deveriam, pela metafísica ser reencontradas.Quebra-se em
pedaços um objeto, para poder visualizar como ele foi inventado, sua emergência
e sua proveniência, como está inserido em uma hierarquia de valorizações.
Rompem-se os sentidos absolutos e descobre-se que são compostos por uma
trama batalha de outros sentidos, de outros valores que dominam e são
dominados. Por esta razão a genealogia seguirá as paisagens mais simples, mais
baixas, mais feias da história, pois é nestes locais onde se encontrará a
construção dos sentidos e das verdades (ibid.; p. 28-29;33).
Chamamos também a genealogia de um saber perspectivo, pois acredita
que não há uma neutralidade na formação de um saber, sempre um saber é
construído por um lugar, um conjunto complexo de acontecimentos entrelaçados,
mas não uma anarquia destes. Na busca destes saberes deve-se observar de
onde se olha, bem como o que se olha. Todo saber ganha um movimento do seu
conhecimento, ganha uma gênese: a construção de sua genealogia (ibid.; p. 30).
90
Nietzsche, no aforismo “o que é o conhecer”, dirá que olhamos o mundo
com pretensões. O mundo seria desde sempre colorido, mas na realidade somos
nós que o colorimos com nossas idéias, como o intelecto humano, que transfere
para o mundo suas pretensões e fundamentos os mais errôneos possíveis. A vida
e a experiência foram inseridas no mundo dos fenômenos pelos filósofos
metafísicos. Este mundo deveria ser corretamente interpretado para conseguirmos
apreender o sentido exato das coisas em si. As buscas por uma verdade e pelo
conhecimento são situadas dentro da natureza humana e da essência a vida. A fé
e a convicção deixaram de ser as únicas forças da vida. Todas as paixões foram
postas a serviço do conhecimento. O combate da razão se tornou motivo de
dignidade, patrimônio da espécie humana. Mas o filósofo dirá que esses espíritos
aprisionados se enganam. O conhecimento é a forma mais fraca da verdade. Ele é
posta como condição de verdade e princípio da própria vida. A partir daí
inventaram o sábio, como homem da intuição, impessoal, detentor da concepção
universal (Nietzsche, 1882, parágrafo 16).
A genealogia considera todo o saber como materialidade, como prática,
como acontecimento. Esta faz um uso antiplatônico da história. A história é a
história efetiva da construção de sentidos. O sentido histórico utilizado pela
genealogia irá permitir a possibilidade de reconstrução dos sistemas de idéias e
de sentimentos de uma dada época, em um conjunto de condições que
produziram estes sistemas. Os estudos do sentido histórico nos convidam a entrar
em uma determinada época da história de um povo, e nos permites imaginar uma
cadeia de pensamentos, o predomínio de alguns e o retrocesso de outros,
apontando-nos as condições que produziram isto (Nietzsche, 1878, parágrafo
274). Assim esta perspectiva entende que os conceitos, as idéias, os saberes, a
verdade são inventados, produzidos a cada contexto, a cada batalha de forças e
cada um destes saberes é mutável, pois a cada combate uma força superior se
apodera do domínio criando outro conceito. Para a genealogia, o conhecimento
não é o resultado da vitória das paixões do sujeito, para conseguir descobrir. Toda
91
a regra, todo o conceito, toda verdade é fruto desta dominação e nunca de uma
aceitação pacífica de uma lei, não há nada de moral nisto. A verdade, o
conhecimento é assim, instalado em cada outro conhecimento, em cada outra
verdade, em cada outra regra, através da violência, e de dominação em
dominação, sempre se produz, se inventam outras seguintes.
4.5 - A noção de acontecimento histórico
Durante muito tempo, os estruturalistas, lê-se pensadores da perspectiva
metafísica, tentaram combater duramente a noção de acontecimento, criando
assim uma dicotomia entre esta e as estruturas. Os Etnólogos, principalmente,
defendiam que somente as estruturas poderiam alcançar o nível da razão, do
pensamento. O acontecimento, em contra partida era o lugar“ do irracional, do
impensável, daquilo que não entra e não pode entrar na mecânica e no jogo o da
análise” (Foucault, 1979, p. 4). Só que os estruturalistas não conseguiram tão
facilmente retirar da etnologia, principalmente, da história, o conceito de
acontecimento. Havia certos pontos que a noção de estrutura era muito simples
para descrever e compreender um fenômeno tão complexo quanto o
acontecimento.
Da mesma forma, como os estruturalistas, a dialética e a semiótica não
deram conta para explicar o que ocorre nos confrontos das forças que produzem
como efeito o acontecimento. A dialética evita a todo custo a realidade plural e
conseqüentemente a possibilidade das diversas interpretações sobre esta.
Enquanto que a semiótica nega o caráter do confronto da batalha das forças,
acreditando que um saber é fruto de um apaziguamento, de uma relação pacífica
dos instintos, aliando-se assim a concepção platônica (ibid., p.5). A história
tradicional também não se dedica ao acontecimento, talvez nem saibam que este
existe ou sejam contra este, pois “dissolve o acontecimento singular em uma
continuidade ideal – encadeamento natural” (ibid.,20).
92
Foucault utiliza várias vezes em suas pesquisas a idéia de que a história é
a mais perfeita forma de devir, pois esta é “a condição e a superfície dos
acontecimentos” (ibid.,p.20), “(...) é uma miríade de acontecimentos
entrelaçados(...)” (ibid.,29) A alma não pode ser marcada pela história, pois esta
está relacionada com os conceitos eternos, com o Mundo das Idéias e, portanto
nunca será afetada pela história, ela é imutável. Somente o corpo, mas o corpo
abstrato, este como potência do acontecimento, da produção e transformação de
sentidos ao logo da história é que pode ser a inscrição dos acontecimentos. Logo,
os estes são produzidos, são efeitos da relação das forças, da batalhas entre
estas “que se inverte, um poder confiscado, um vocabulário retomado e voltado
contra seus utilizadores, uma dominação que se enfraquece, se distende, se
envenena e uma outra que faz sua entrada mascarada” (ibid.,20).
Todavia, Foucault deixa claro que a noção de acontecimento implica
diversas outras espécies de acontecimento, com diversos alcances, diversas
cronologias e diversas potências de produção de efeitos. Não podemos inserir
todos os efeitos da história em uma mesma palavra “acontecimento”, caso
façamos isto estaríamos generalizando propriedades singulares de cada
acontecimento. É trabalho dos genealogistas distinguir as espécies de
acontecimentos para reencontrar quais relações foram estabelecidas e em quais
condições isto foi permitido e produzido, uns a partir de outros – emergência e
proveniência. A história para os estruturalistas é tão absurda, sem sentido,
impossível de ser entendida, justamente porque esta só pode ser compreendida
pela relação, pelo combate, pela estratégia das forças, e estes teóricos não
alcançam este método.
Canguilhem (1986) escreveu um artigo em uma revista em homenagem a
Foucault. Neste artigo conseguimos apreender o que Foucault entendia como um
acontecimento, utilizando a história da loucura como um exemplo. O conceito de
loucura foi criado a partir de inúmeras condições de possibilidades da época 10.
10 Ver A história da Loucura , de Michel Foucault.
93
Assim, a loucura é vista por Foucault como um acontecimento, na medida em que
esta é repleta de singularidades e de relações de poder, de forças da época onde
a loucura é produzida gerando modos de pensar, de agir e de viver. Isto só é
possível, pois houve a produção de um acontecimento, do conceito de loucura,
que é sempre um dado novo em relação ao que já existia. Um conhecimento
assim é um acontecimento, pois é fruto do combate das forças.
Veyne, em diversos trechos do seu livro cita a palavra acontecimento. O
autor adota na concepção de como se faz a história a perspectiva genealógica,
utilizando freqüentemente os estudos de Foucault como referência. Podemos
entender que o que Veyne entende sob acontecimento assume também a forma
da palavra evento. A história para ele assim, é a narrativa ou a série de eventos
que se multiplicam: “um acontecimento só tem sentido dentro de uma série”
(ibid.,p.36). Cada evento é diferença é individualidade, é singularidade, é
especificidade. O caráter desta diferença dos eventos não são puramente os
detalhes, ou o seu conteúdo, mas sim o fato de que eles acontecem em um dado
momento, reunindo condições de possibilidade para sua emergência, assim “ a
história nunca se repetiria, mesmo que viesse a contar a mesma coisa” (Veyne,
1982, p. 22).
Estes eventos ou acontecimentos não podem ser postos numa mesma
escala. Existem, e é o que nos interessa para o sentido histórico, os eventos não-
factuais, ou seja, aqueles que ainda não foram consagrados como tais, que estão
ainda em construção e que em muitas das vezes não temos consciência disto.
São sentidos construídos infinitamente que não se esgotam com o tempo. Um dos
exemplos citados pelo autor é a história da loucura (ibid.,p.29). Cada série de
acontecimentos produzirá um valor relativo a determinados contextos, sejam
sociais, pessoais, econômicos, culturais. Portanto, os acontecimentos assumirão
sentidos diversos dependendo destes contextos. Estes acontecimentos somente
serão conhecidos a partir de pistas de fatos do quotidiano. Daí penetrarmos nas
mais “simples” realidades, pois um acontecimento não começa como algo
94
grandioso, cuja primeira percepção nos ofusca. Ele é produzido sob uma trama. A
história é assim, uma trama e um entrecruzamento de uma série de
acontecimentos. A todo o momento se produzem acontecimentos com múltiplas
singularidades e especificidades. Desta forma, Veyne conclui que o mundo, a
humanidade é um vir- a- ser, um devir constante de liberdade e de acaso também:
“ (...) um acontecimento (...) é um corte que realizamos livremente na realidade”
(ibid., p. 48). Como Nietzsche, Veyne coloca que os acontecimentos não são
totalidades, mas núcleos, efeitos de relações. Portanto é errôneo pensamos em
uma organização natural do mundo, uma verdade universal e em um sentido único
das coisas do mundo, ou dos próprios acontecimentos da história, visto que tudo
está em movimento e produção de sentido. A história se interessaria pelas
especificidades dos acontecimentos (Ibid., p. 37;47;85).
Mas como foi produzida a noção de acontecimento histórico? Os filósofos
Estóicos foram os pensadores, pesquisados e estudados por Nietzsche, Foucault,
Deleuze, Veyne, dentre outros como sendo os primeiros a pensarem algo como
sendo o princípio, a base da formulação da noção de acontecimento. Um
acontecimento para o Estoicismo, segundo nos informa Deleuze (1969), é,
primeiramente, algo de incorporal, ou seja, possível de construção de um sentido.
Deleuze utiliza como exemplo, a morfologia das palavras para mostrar de
que espécie pode ser um acontecimento. Este não é um substantivo, aquilo que é,
uma identidade e nem um adjetivo, uma qualidade que se refere a um substantivo
e que assim, não deixa também de ser relativa a uma identidade. Os
acontecimentos, pelo contrário, são verbos, são puras ações ou estados, nos
tempos infinitivos e gerúndio, ou seja, são ações abertas ao passado e ao futuro,
nunca no presente. O gerúndio marca um “sendo”, o que se passa entre duas
ações, passado e futuro, ou sendo fruto da relação de dois acontecimentos
diversos. São simultaneamente os dois tempos verbais (ibid., p.6).
Logo, Deleuze afirma que o acontecimento é um devir, ou seja, é “um vir a
ser”, um “sendo”. Assim, um acontecimento é sempre infinito, nunca acaba a
95
produção do acontecimento, nunca cessa a relação dos acontecimentos entre si
para produzir outros. Sempre se afasta do presente, pois o presente o fixaria em
um determinado tempo, mas o acontecimento sempre está em transmutação ou
“são presentes vivos, mas infinitos” (ibid). Por esta razão dizemos que um
acontecimento não é uma coisa e nem outra, pois ele é construído em um campo
de imanência, como denomina Deleuze, ou em condições de possibilidades, como
chama Foucault, ou seja, o campo de batalha, de confronto das forças ativas e
reativas, referente a emergência, como denomina Nietzsche. Portanto o
acontecimento não é nem a força ativa, nem a força reativa, nem o passado, nem
o futuro, este é o efeito, é a relação das forças, o que Deleuze denomina em
diversos livros como agenciamentos dos corpos ou das forças que compõe um
corpo. Posto isso, dizemos também que um acontecimento implica um devir
ilimitado que sempre se afasta do presente. É sempre os dois tempos, passado e
futuro, mas nunca o presente. Ele é “eternamente o que vai se passar, mas nunca
o que se passa” (ibid., p.9).
A imagem da personagem e protagonista Alice, do livro Alice no país das
maravilhas do autor Lewis Carroll, baseada na história de Charles Lutwidge
Dodson em 1862, cuja história pode ser interpretada de múltiplas formas, foi um
recuso utilizado por Deleuze para ilustrar o que seria um acontecimento puro ou
um puro devir, termo utilizado também por Nietzsche. Quando o autor de Alice fala
“Alice cresce”, quer dizer que ela é maior do que era antes e menor do que será
depois. É ao mesmo tempo um e outro. Isto é o puro devir: é a propriedade da
simultaneidade de furtar-se ao presente é a sua essência (ibid.,p.1). Isto permite
que o devir não possa ser dividido, distinguido entre isto ou aquilo, passado e
futuro, por exemplo.
Deleuze faz um paralelo ao que ele entende como sendo o pensamento
principal do bom senso e do senso comum. O bom senso e o senso comum
julgam as coisas com um determinismo, o que é certo, o que é algo e não o que
algo pode ser. Também acreditam que existe um saber geral, universal, imutável,
96
verdadeiro que todos deveriam alcançar, ou seja, a melhor opção que se poderia
escolher. Este pensamento é baseado na dimensão do mundo das Idéias de
Platão: da limitação, das qualidades permanentes, estabelecimento do presente,
do que é, da identificação. Já o puro devir, ou o acontecimento puro se relaciona
mais com o mundo das Cópias ou dos Simulacros, o que também pode ser
denominado de “o devir - louco” (ibid.,p.1), nunca pode ser detido por nada é uma
“matéria indócil”(ibid.,p.2). Se o devir fosse finalizado não mais seria o “vir a ser”,
apenas seriam (Platão, Fiebo, Parmênides, op. cit Deleuze, p.1-2). O puro devir
seria assim, a matéria do Simulacro, do ilimitado, da produção, na medida em que
se furta a ação da Idéia, do presente, pois idéias são as coisas medidas, mas
também o puro devir contesta ao mesmo tempo tanto o modelo da Idéia, quanto
da cópia do Simulacro. A Idéias não conseguem comandar completamente as
coisas, pois o fluxo do devir, o seu elemento louco impede isso.
A partir deste pensamento Deleuze analisa que o devir, o acontecimento
tem um paradoxo uma ambigüidade intrínseca, que juntos criam a noção de
acontecimento. O devir nega uma identidade, aquela identidade das Idéias, mas
paradoxalmente ele tem uma identidade infinita, ou seja, a capacidade de ser um
devir ilimitado, de ser sempre potência de criação, de ser duas coisas ao mesmo
tempo. Assim, este paradoxo, esta identidade infinita é o que permite que o
acontecimento seja singular, pois uma identificação garante a permanência de um
saber, o “é”. Mas o fluxo do acontecimento puro, do devir puro faz com que tudo o
que parecia identidade possa se perder. Isto produz em nós uma incerteza, que
não é uma dúvida externa, segundo Deleuze, mas sim a estrutura objetiva do
próprio acontecimento, na medida em que ele é sempre constituído por múltiplos
sentidos, no mínimo dois, todavia sempre queremos optar por um, daí nossa
incerteza. O acontecimento assim quebra o sujeito de um saber absoluto, pois é
impossível chegar eternamente a uma essência, a um saber único e uniforme das
coisas. O devir impede completamente isso. Tudo é fluxo, tudo é potência de
criação. E isso é vida. Por esta razão Nietzsche afirma que a genealogia está em
97
nome da vida, do poder de afirmar e criar (Foucault, 1979, p.37). O paradoxo é
assim o que destrói o bom senso como posição absoluta de um sentido único
possível das coisas, o que é uma utopia para a noção de devir e acontecimento, e
também por destruir a posição do senso comum como portador de identidades
permanentes (Deleuze, 1969, p. 3).
As singularidades, quando se comunicam formam um acontecimento que
não pára de ser produzido e desta forma criam e transformam a história. Assim,
um acontecimento é por si só um campo problemático e problematizante, pois está
inscrito em um determinado território, formado por um conjunto de outros
acontecimentos, assim, Deleuze dirá que “não se pode falar dos acontecimentos
senão como singularidades que se desenrolam em um campo problemático e na
vizinhança das quais se organizam as soluções” (ibid., p. 59).
Um acontecimento tem uma dupla estrutura, ou seja, o momento presente
de sua efetuação, ou seja, aquele em que o acontecimento se integra a um estado
de coisas, o momento em que conseguimos apontar quando este se efetua –
campo de efetuação –; e os tempos futuro e passado do acontecimento e que
podemos somente julgá-los por meio deste presente, do ponto de vista daquele
indivíduo que o sente como acontecimento, como produtor de sentido, mas que
por outro lado estes tempos também afastam todo presente –campo de contra-
efetuação, pois se isto não ocorresse o acontecimento não seria livre produtor de
sentido, mas totalmente neutro, impessoal. Assim, podemos dizer que “(...) não há
outro presente além daquele do instante móvel que o represente, sempre
desdobrado em passado-futuro (...)” (Ibid., p. 154). Logo, por um lado um
acontecimento se cumpre, mas pelo outro ele não pode se realizar – efetuação e
contra-efetuação.
A partir desta dupla estrutura do acontecimento Deleuze estabelece duas
dimensões que afetariam o individuo: na primeira o indivíduo acreditaria que a sua
vida seria muito fraca por que escapa em um ponto presente; na segunda o
indivíduo acreditaria ser muito fraco para a vida, pois a vida seria muito grande
98
para ele, repleta de múltiplos sentidos, de singularidades que pareceriam não ter
relação com ele, sem um momento determinável como presente (ibid)
Vamos voltar à base do pensamento do Estoicismo. Deleuze afirma que a
moral Estóica pertence ao acontecimento. Isto significa que os Estóicos queriam o
que acontecia enquanto acontecia, o que difere de querer no acontecer. Eles
defendiam as possibilidades que algo tinha para acontecer, o que se chamava de
presente cósmico. Uma vez que isto ocorria, deixava-se de lado tudo o que tinha
para acontecer, ou seja, a efetuação de algo limitava o não acontecer (ibid.,
p.145). Podemos ilustrar com a seguinte passagem: “Torna-te homem de tuas
próprias infelicidades, aprende a encarar tua perfeição e teu brilho” (Bousuet, 1950
p. 152 op cit. Nelli et Alquié et Deleuze, 1969 p. 151). Um acontecimento assim,
sempre teria uma quase causa. Desta forma os Estóicos afirmavam
incondicionalmente os acontecimentos, não era necessário um motivo para estes.
Por esta razão Nietsche chamava esta afirmação do acontecimento puro, aquele
ainda não efetuado, como vontade Estóica.
Deleuze se aprofunda nesta vontade Estóica do acontecimento afirmando
que esta é que nos transforma em acontecimentos. São os acontecimentos os
produtores das nossas superfícies e das nossas dobras com o coletivo. Desta
maneira o acontecimento se manifesta em nós como incorporal, ou seja, como
produtor de sentido, e é neste onde se encontra o seu encantamento. O
acontecimento não é o que acontece, ele é no que acontece, o seu sentido
singular. Deleuze apresenta três determinações em torno da vontade do
acontecimento: este deve ser o que deve ser compreendido, o que deve ser
querido e o que deve ser representado no que acontece, ou seja, se tornar corpo.
O acontecimento se situa numa dimensão que está muito além de qualquer
dicotomia. Não há assim, acontecimentos universais e particulares, tudo é
singular, portanto um acontecimento abrange ao mesmo tempo múltiplos
aspectos. Ele pertence ao mundo. O acontecimento está em um nível tão profundo
de nossa existência que Deleuze afirma que “(...) tudo estava no lugar nos
99
acontecimentos de minha vida antes que eu os fizesse meus; e vivê-los é me ver
tentado a me igualar a eles como se eles não devessem ter senão de mim o que
eles tem de melhor e de perfeito” (ibid.,p.151).
A partir do exposto neste capítulo podemos concluir que a perspectiva
genealógica está aliada a noção de acontecimento e esta a primeira, na medida
em que a genealogia afirma a existência do acontecimento como efeito do
combate das forças, enquanto que a noção de acontecimento está inserida na
perspectiva genealógica, na medida em que o acontecimento é produtor de
sentidos múltiplos e transformáveis ao longo do tempo, sendo produzido em um
campo de emergência, em um campo problematizante, em um campo de
efetuação e contra efetuação, ou ainda, efeito do embate de forças produzido pelo
acaso. Assim, a noção de acontecimento e a perspectiva genealógica são
complementares, aliadas entre si, produzindo um novo ponto de vista de como a
história é produzida. As diversas formas de falar sobre a noção de acontecimento
citadas neste capítulo através dos autores referenciados ampliam o nosso campo
de sentido e pesquisa deste conceito. Deleuze foca o acontecimento em sua
essência como uma série de devires, modos que estão em constituição a partir do
agenciamento, das relações de acontecimentos; Foucault, a partir de Nietzsche
foca o acontecimento como o efeito de uma batalha, como a violência das forças
de qualidades e quantidades diferentes cujo acaso é a condição para possibilitar
este embate; e Veyne acredita que o acontecimento é uma série de eventos que
compõem o devir da humanidade, do mundo e da história. Deleuze assim, se
dedicará em suas pesquisas em como se agenciou os acontecimentos; Foucault
investigará como se formaram, como foi a emergência destes acontecimentos; e
Veyne, como Foucault, se deterá na especificidade de cada acontecimento e nos
diversos sentidos que podem ser produzidos. Desta forma, emergência,
agenciamentos e séries são idéias estreitamente ligadas, senão, formas diversas
de falar de um mesmo assunto: a construção do acontecimento histórico sempre
em uma perspectiva genealógica.
100
CAPÍTULO V – CONTRIBUIÇÕES DOS CONCEITOS DA
PESPECTIVA GENEALÓGICA E ACONTECIMENTO
HISTÓRICO Á TERAPIA DE FAMÍLIA
O profissional que trabalha com terapia de família e que descobre a
possibilidade de atuar com a perspectiva genealógica, e conseqüentemente, com
a noção de acontecimento histórico, na medida em que se aprofunda nestes
estudos, apreciando estes pontos de vista, inevitavelmente leva para a sua prática
estes conceitos no trabalho com as famílias.
Este profissional se depara com o surgimento de mudanças complexas,
dentre elas: a necessidade de reformulação de sua percepção, de sua postura
como terapeuta, a reformulação do olhar sobre a família que está acolhendo, bem
como de sua prática e dos modos de intervenções possíveis; transformações
estas que se darão a partir da adoção do conteúdo do pensamento genealógico e
do conceito de acontecimento histórico, como linhas norteadoras de seu trabalho.
Nortear-se pelo pensamento genealógico exigirá que o profissional
abandone a idéia de que existem modelos universais, ou seja, de que só há uma
família real, enquadrada em um modelo ideal, um modelo acreditado como
absoluto, certo e verdadeiro do que seja a família. O modelo ideativado pode ser
baseado no que aprendemos como sujeitos, ou através de nossas vivências, ou
por meio de uma linha teórica. Tal pensamento seria reducionista diante da
riqueza das possibilidades de ser e estar no mundo. A idéia de família ideal
implica uma prática de enquadramento de uma dada família colocada sob esta
ótica. Adotando a perspectiva genealógica o terapeuta saberá que aquele grupo
de pessoas diante dele, demandando sua ajuda e seu cuidado é sim “uma família”
e não “a família”, á medida em que o profissional afirme uma positividade neste
modo de ser família, com suas singularidades, peculiaridades inerentes e próprias
daquele grupo. Interessar-se em saber como aquela família foi produzida, quais as
101
condições que permitiram tal arranjo, além de todo o processo, ou de todas as
forças, ou de toda a rede de acontecimentos, o mais ínfimos que pareçam, que
destruíram e criaram sentidos no interior dela, é fundamental. É um trabalho de
dedicação, de se dispor a estar diante de algo totalmente novo e respeitá-lo em
sua vitalidade. Não há nenhuma família igual áquela e o terapeuta deverá lidar
com o modo de ser possível daquela família, sem preconceitos, sem técnicas
exteriores que estejam fora do contexto deles. Este é o primeiro ponto de partida
para que o profissional consiga trabalhar com a terapia de família no ponto de
vista genealógico e de acontecimento. Isto por si só já implica em uma completa
mudança teórica/técnica de seu posicionamento diante daquele que pede auxílio a
seu trabalho.
Outrossim, admitimos que não haja uma neutralidade total no trabalho com
as famílias. O terapeuta quanto mais ciente disto, mais poderá fazer um trabalho
que leve em conta esta singularidade família, de modo que deverá estar sempre
atento em relação, a suas ideativações, diante dos conceitos da família que se
apresenta. A neutralidade não existe, na medida em que o terapeuta não pode se
despojar totalmente do que lhe constitui como sujeito. Isto não o fará se aproximar
de uma verdade universal em questão, mas somente abolir as verdades
particulares desta família. Para tanto é necessário termos como ferramenta uma
sensibilidade que nos permita saber até que ponto repreendemos a família que
está diante de nós. Não o façamos sem estudarmos amiúde os pensadores que
conceitualizaram a genealogia e o acontecimento como perspectivas alternativas
de conceber a vida. Além do estudo, é muito importante e construtivo termos o
auxílio de uma supervisão para que possamos ampliar nossas mentes, nossos
sentidos, ou até mesmo um grupo de estudo com profissionais, grupo de pessoas,
que estejam afim de conhecer se aprofundar nestas questões ou até mesmo
observar no próprio coletivo a riqueza da vida diante de nós. Isto nos permitirá
construir e ampliar sempre novos sentidos possível de ser nesta vida, ou indo
mais além, afirmarmos a vida em sua total capacidade de ser, em suas
102
multicoloridas formas, em suas facetas, em suas diversidades. Entrarmos em
contato com uma família que nunca vimos, que talvez não corresponda ao que
acreditávamos ser o único sentido possível de ser família não será um limite ou
um impedimento para o nosso trabalho, mas sim, um desafio, um convite a
desvendarmos as singularidades daquela família a ser acolhida e afirmar a
capacidade do devir dos sentidos no mundo.
O processo e a dinâmica da terapia também assumirão outro patamar. A
terapia não terá intrinsecamente um caráter evolutivo, um objetivo ideal
predeterminado pelo terapeuta. Pelo contrário, é a família que conduzirá o
processo como ela pode, é ela que dirá o que pode ser feito, os seus limites, as
suas construções de sentidos para seus conflitos na sua dinâmica interna.A
família não sai de um estágio “menor” para um estágio maior, mais evoluída, pois
quando falamos de evolução, entendemos que o que havia antes era inferior. O
terapeuta precisa respeitar o caminhar deste processo e estimular a construção de
novos sentidos e não para a família, levando em conta as particularidades desta.
Podemos apontar, mas especificamente, uma abordagem dentro da terapia
de família, que se assemelha, de certa maneira, a essas perspectivas,
principalmente, a genealógica: A Terapia Familiar Sistêmica. Esta abordagem no
trabalho com famílias está orientada pelo paradigma sistêmico, ou seja, uma nova
proposta de paradigma que critica radicalmente o paradigma tradicional da
ciência, ou a perspectiva metafísica.
O paradigma sistêmico se fundamenta em diversos acontecimentos da
história das ciências, dentre eles, a física quântica e a teoria da relatividade de
Einstein, que rompe com a idéia de uma única realidade absoluta, e por tanto
múltiplos sentidos possíveis, dependendo da natureza, de diversas condições
daquele que a observa. Conseqüentemente, nega a neutralidade da ciência
afirmando a intersubjetividade como condição de construção do conhecimento.
Além destas bases do pensamento sistêmico, há a crença na complexidade em
todos os níveis da natureza, ou seja, há uma rede de acontecimentos que se
103
arranjam de determinadas formas para compor isto o que vemos como
aparentemente simples. Tudo é relação, nada é absoluto. A crença na
instabilidade do mundo, ou seja, o mundo sempre estando em processo de tornar-
se, ou seja, afirmando o devir deste, e conseqüentemente a impossibilidade de
prever e controlar são outras características marcantes deste paradigma. O
mundo não caminha para um sentido universal, eterno e absoluto: a sua dinâmica
se constrói a cada dia a cada contexto. O próprio paradigma sistêmico convoca
também para uma reformulação da ética do cientista, pois a proporção que ele
concebe estas crenças, inevitavelmente modifica todo o seu repertório destas, o
seu modo de estar e perceber o mundo: é uma mudança radical na percepção de
si, dos outros e do mundo.Logo a transformação sugerida no paradigma sistêmico
está muito além da prática profissional, ela passa pelo modo de estar diante da
própria existência.
Assim, é possível adotarmos no trabalho da terapia de família uma postura
genealógica que considere a noção do acontecimento, do devir e do tornar-se. Na
verdade ela já existe, já está inserida de certa forma, dentre outras contribuições,
na Terapia Familiar Sistêmica.
104
CONCLUSÃO De acordo com a fundamentação teórica apresentada acerca da
perspectiva genealógica e da noção de acontecimento histórico, pontos de vista
sobre um novo modo de analisar a história e os próprios conceitos e valores como
portadores de sentido histórico, concluímos que o nosso problema, ou seja, ser
possível analisar a família na Grécia Antiga como a construção de um modo de
ser, de conceitos e de sentidos produzidos no contexto da época envolvendo
diversos eventos, foi conquistada.
É possível analisarmos a família na Grécia Antiga como a construção de um
sentido de família que envolve, e não poderia deixar de ser o contrário, uma série,
uma rede de acontecimentos, ou de eventos, como o próprio modo de
organização da sociedade em questão, o forte valor da influência dos deuses na
vida desta civilização, além de toda a rede de valores, que compõem o modo
singular de família da época, como o que os gregos entendiam como ser criança,
homem, mulher, as relações pedagógicas homoeróticas, o casamento e as
relações extraconjugais. Se analisarmos apenas um destes acontecimentos e nos
basearmos nele para afirmar deterministicamente como era “a” família na Grécia
Antiga, estaríamos caindo em um erro típico da história tradicional que se apega a
idéias únicas, modelos universais, extremamente reduzidos, que não obedecem a
organização e o devir dos acontecimentos das condições de possibilidades
formadas na época.
Assim, conceber a família na Grécia Antiga é antes de tudo, permitir
adentrarmos ao complexo quotidiano deste povo. Podemos até mesmo, e é
inevitável, compararmos com o nosso valor e sentido pessoal de família, mas
nunca reduzirmos o sentido de família na Grécia Antiga, ao encaixarmos o nosso
modo de ver ao deles. A História seria muito pobre se agíssemos desta
forma.Vamos retirar o lugar da evidência deste sentido/conceito e buscar como se
deu a sua singular construção, a emergência deste modo de ser, sendo ao mesmo
105
tempo, produto e produtora de outros modos de viver, de agir, de pensar e de se
portar no mundo.
Entendemos também que são possíveis a perspectiva genealógica e a
noção de acontecimento histórico serem ferramentas para refletirmos a
prática/técnica da terapia de família. Estes conceitos podem ser integrantes da
prática em terapia de família, já havendo até algumas linhas deste trabalho que
adotam este pensamento.
Se seguirmos o pensamento oferecido pelas perspectivas teóricas
desenvolvidas neste trabalho, lembraremos que o nosso conhecimento é sempre
parcial, pois outras relações serão estabelecidas, e outras perspectivas e valores
nos serão apresentados. Não lidaremos com um conhecimento absoluto, mas
sempre com a relatividade dele e a possibilidade de vir-a-ser.
106
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Tradução de Alda Baltazar e Maria Auxiliadora Kneipp, Título original: Comment
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l´histoire, 1982, Editora UNB, Brasília, 2008, 285p Cap 6 81-96
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2009
115
ANEXO 1
A pólis Grega
Fonte: http://www.dialogocomosfilosofos.com.br/
A pólis Grega
Fonte: http://roberas.blogspot.com/
116
ANEXO 2
Zeus
Fonte:www.tawakan.com.
Deméter
Fonte:http://elore.com/Portugues/misterios.htm
Hera
Fonte: http://images.elfwood.com
Atena
Fonte:www.portalsaofrancisco.com.br
Poseidon
Fonte: http://www.mlahanas.de
Héstia
Fonte:artesanatoecozinha.blogspot.com.br
111
Perséfone
Fonte: http://vidaliteraria.zip.net
Dionísio
Fonte: convesademenina.wordpress.com
Hermes
Fonte: www.filosofix.com.br
Apollo
Fonte:www.medilac.net
Hefeso
Fonte:esoterismo-kiber.blogs.sapo.pt
Artemis
Fonte: tirocomarcozalt.blogspot.com
Ares
Fonte: http://artesantigas.com
Hades
http://virtualiaomanifesto.blogspot.c
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 9
CAPITULO I 12
O MODO SINGULAR DA ESTRUTURAÇÃO DA SOCIEDADE GREGA ANTIGA 1.1 Os primeiros gregos 13
1.2 A pólis Grega 16 1.3 A distribuição das classes sociais 18 1.4 A concepção de mundo e a lei ordenadora da vida 20
CAPÍTULO II 25
O MUNDO IMORTAL: O MUNDO GREGO ANTIGO GOVERNADO POR DEUSES
2.1 A dimensão do sagrado e o culto aos deuses 26
2.2 O mito e a mitologia 31
2.3 A Comunicação entre homens e deuses 36 2.3.1 Os sacerdotes 38 2.3.2 Os adivinhos 40 2.3.3 Os médicos 41
2.4 Os mistérios e as seitas de caráter “marginal” 43
CAPÍTULO III 47
A COMPLEXIDADE DO SER FAMÍLIA NA GRÉCIA ANTIGA
3.1 A vida doméstica nas artes 48 3.2 Ser criança 50 3.3 Ser homem: uma questão de cidadania 56
113
3.4 As relações homoeróticas 59 3.5 Ser mulher: a condição para a propagação dos herdeiros da pólis 63 3.6 O casamento e a os relacionamentos extraconjugais 68
CAPÍTULO IV 75
A PESRPECTIVA GENEALÓGICA E A NOÇÃO DE ACONTECIMENTO
HISTÓRICO
4.1 A doutrina das idéias e das Cópias 75
4.2 A concepção metafísica 76
4.3 A teoria das forças de Nietzsche 78
4.4 A perspectiva genealógica 85
4.5 A noção de acontecimento histórico 91
CAPÍTULO V 100
CONTRIBUIÇÕES DOS CONCEITOS DA PERSPECTIVA GENEALÓGICA E
ACONTECIMENTO HISTÓRICO Á TERAPIA DE FAMÍLIA
CONCLUSÃO 104
BIBLIOGRAFIA 106
WEBGRAFIA 114
ANEXOS 115
ÍNDICE 118