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A CONEXÃO ORÇAMENTÁRIA: REPRESENTAÇÃO POLÍTICA,
ORÇAMENTO PÚBLICO E QUALIDADE DA DEMOCRACIA NO
BRASIL E NA ARGENTINA
JOÃO HENRIQUE PEDERIVA
DANIEL MARCELINO
LUCIO RENNÓ
1 INTRODUÇÃO
O objetivo do trabalho é relacionar a representação política com a variabilidade do
orçamento público, empregada como unidade analítica de estudos comparativos da qualidade
da democracia. O modo como o estado obtém e aplica recursos consiste, segundo Weber
(2004), no meio de poder legiferante decisivo e numa arena natural de expressão dos conflitos
de interesses. O orçamento público, nessa visão, nada mais é do que o instrumento central de
coordenação do sistema político, afetado por ordenamentos institucionais e interesses dos
atores envolvidos. Por conseguinte, a qualidade da representação política pode ser aferida por
uma análise detalhada do orçamento público, algo ainda explorado insuficientemente pela
literatura que se dedica a discutir a qualidade da democracia e da representação política
(O'DONNELL; CULLELL; IAZZETTA, 2004; DIAMOND; MORLINO 2005).
Este trabalho lida com o grau do alinhamento intertemporal das diferentes escolhas
públicas orçamentárias e argumenta que a variação nas ordens de escolhas públicas expressas
pelos gastos, nas funções orçamentárias identificadoras das alocações de recursos em temas
específicos, é um indicativo da responsividade e da porosidade do orçamento aos conflitos de
interesses. Tal capacidade de absorção e inclusão do orçamento, conjugada com o grau de
sustentabilidade dos acordos políticos firmados, possibilita formular um juízo acerca da
qualidade do regime democrático.
Conforme Bourdieu (2007, p.165), "[...] os produtos oferecidos pelo campo político
são instrumentos de percepção e de expressão do mundo social (ou, se assim se quiser,
princípios de di-visão) [...]" do mundo social. Tais divisões definem os acessos dos indivíduos
aos recursos coletivos e são, portanto, permeadas por conflitos. Assim, a representação
política consiste num processo circular, suscetível de fricções, entre as instituições1 do estado
e as práticas sociais em disputa por esses acessos (URBINATI, 2006; POWELL JR., 2005).
Há quem considere tais fricções entre instituições políticas e práticas sociais como patologias,
desvios ou custos evitáveis da representação democrática (PEREIRA; MUELLER, 2002;
KEECH, 1995).
Nesse contexto, indaga-se sobre o que de fato representa a variabilidade nas funções
orçamentárias. Por um lado, a menor dispersão das escolhas orçamentárias aponta para o
funcionamento mais regular e homogêneo das democracias. Ou seja, variações intensas das
1 As instituições são as regras utilizadas, nos contatos sociais, que condicionam as interações humanas (NORTH,
1990; HELMKE; LEVITSKY, 2006); elas "aprendem" com as novas experiências dos agentes, por intermédio
do encapsulamento das informações consideradas relevantes na herança cultural. (DOUGLAS, 1998). Dessa
maneira, o passado das instituições constrange e direciona as visões coletivas do presente e do futuro, adotadas
pela representação política, como ocorre nas relações entre planejamento estatal e instituições orçamentárias.
2
funções orçamentárias seriam indícios fortes de políticas do estilo stop-and-go, que Spiller e
Tommasi (2007) indicam como sendo rotineiras na Argentina, por conta de sua exagerada
centralização política. Nessa visão, mudanças nas classificações orçamentárias expressam
rupturas nos acordos sociais anteriores, subjacentes aos equilíbrios políticos da representação.
Por outro lado, a inclusão e a mudança das categorias classificatórias sugerem o
reconhecimento da legitimidade de novas agências nas disputas políticas. As distintas
freqüências e materialidades das mudanças orçamentárias apontam, pois, para as diferentes
dinâmicas subjacentes às alterações no equilíbrio do poder político e indicam a abertura do
sistema às mudanças de interesses e do grau de aderência às demandas sociais.
A resolução desse impasse não se esgota na análise exclusiva da variabilidade, mas
exige também avaliar como ela se associa à geração de dívidas no orçamento. Assim, passa a
ser importante analisar como a variabilidade está associada aos componentes do orçamento
relacionados com endividamento, entendido aqui como uma forma de protelação da solução
de impasses transacionais do presente. Ou seja, a variabilidade das funções orçamentárias
associada ao aumento da dívida é uma estratégia de transferir para o futuro a realização dos
custos de transação do presente.
Dessa maneira, argumenta-se que a análise de uma configuração orçamentária que
conjugue instabilidade nos gastos das funções com aumento dos componentes de dívida
sinaliza incapacidade no presente de pagar os custos de transação da incorporação de novos
setores, em disputa por recursos públicos, e um adiamento da resolução dos enlaces políticos.
Tal padrão pode representar crises iminentes. Nesse sentido, os casos do Brasil e da Argentina
passam a ser interessantes, pois o segundo viveu situação, no passado recente, que pode ainda
ocorrer no primeiro, devido ao seu padrão de gasto orçamentário.
Tendo em vista os fins deste artigo, a variabilidade orçamentária constitui atributo
característico de conflitos ou controvérsias entre as diferentes cadeias de associações ou
afirmações sobre o mundo (LATOUR, 2000). Assim, a mensuração dessa variabilidade, ao
longo do tempo e entre estados nacionais, permite indicar a porosidade das instâncias
deliberativas, comparar as mudanças ocorridas nas respectivas representações políticas e
construir narrativas acerca da sua evolução (URBINATI, 2006).
Em regimes democráticos, supõe-se que as políticas públicas – a concessão, a
fundamentação e a delimitação dos direitos individuais e a definição de quem ganha o que,
porque e que diferença isso faz (SOUZA, 2006) – elaboradas e executadas pelos agentes
delegados espelhem os interesses dos delegantes e observem tanto as formalidades dos
processos legais quanto a substância dos valores individuais (POWELL JR., 2005; KEECH,
1995). No entanto, essas políticas ocorrem mediante processos contínuos de agregações de
preferências que não são neutros em relação aos resultados possíveis (ARROW, 1963).
Isso posto, a pesquisa versa sobre a relação entre a democracia e as escolhas
orçamentárias expressas pelos representantes políticos brasileiros e argentinos na defesa dos
mais variados interesses. Ao inquirir sobre o grau de alinhamento das escolhas orçamentárias
brasileiras e argentinas, a pesquisa refere-se ao orçamento como mecanismo de convergência
das expectativas coletivas, capaz de formalizar e expressar em um denominador comum
monetário a variedade dos interesses em jogo (DAVIS; DEMPSTER;WILDAVSKY, 1966).
O orçamento também se configura num instrumento de accountability 2 – prestação de
2 Accountability é "[…] the holding to account of the representative for his actions" (PITKIN, 1972, p. 11).
3
contas (O'DONNELL, 1999) – da representação política nessas duas democracias integrantes
da América Latina. É justamente esse jogo de interesses e disputas materializados no perfil
orçamentário adotado, composto por idas e vindas e por equilíbrios precários, que constitui a
conexão orçamentária. Tal conexão liga os indivíduos, a sociedade, os interesses organizados
e os representantes eleitos aos resultados práticos na forma de políticas públicas.
Dessa maneira, o presente trabalho insere-se em um debate cada vez mais pertinente,
sobre como a qualidade da representação pode ensejar fraturas, interrupções e crises
democráticas (HAGOPIAN; MAINWARING, 2005; MAINWARING; BEJARANO;
PIZARRO, 2006). Ademais, ele oferece um instrumento empírico adicional de aferição da
qualidade da democracia na América Latina (O´DONNELL; CULLELL; IAZZETTA, 2004).
Estudos anteriores enfocaram outros indicadores dessa qualidade, como a percepção
da população sobre seus representantes e instituições, a efetividade das decisões
governamentais, a presença do estado como garantidor da ordem e da segurança pública.
Nenhum deles, todavia, examinou como os padrões de alocação de recursos no orçamento
federal podem se configurar em um mecanismo de avaliação dos mecanismos de
representação e prestação de contas da democracia. O trabalho inova, portanto, ao propor uma
metodologia adicional de análise do orçamento como instrumento de representação política e
accountability e testá-la nos casos brasileiro e argentino.
Após a presente introdução, expõe-se o modelo conceitual analítico subjacente ao
trabalho, com justificativas para a hipótese de relevância das políticas intertemporais e a
delimitação das variáveis pertinentes, os procedimentos empregados, na obtenção dos dados e
no seu processamento, os resultados obtidos, acompanhados das análises, e as conclusões.
2 MODELO ANALÍTICO E CONTEXTO TEÓRICO
O modelo analítico proposto relaciona preferências individuais com escolhas coletivas
orçamentárias, levando em conta o condicionamento e a capacidade de as instituições
moldarem a transformação das preferências individuais em escolhas coletivas. Nesse sentido,
há clara proximidade de nossa abordagem teórica com a desenvolvida por Bingham Powell Jr.
(2005). O objetivo mais amplo da pesquisa é delinear uma perspectiva em que as estruturas
orçamentárias possam ser compreendidas como instrumento de representação de interesses
dos cidadãos e da cidadania.
Tal esforço de teorização também auxiliará a demarcar de forma precisa a maneira e a
instância ou o momento em que a representação do orçamento público torna-se objeto central
de análise, dado que o modelo usualmente aceito de representação política prevê etapas
sucessivas, marcadas pela participação de diversos atores em arenas variadas. O texto enfoca
a arena orçamentária, referida como conexão orçamentária.
2.1 Ciclo da representação política e conexão orçamentária
Num primeiro modelo, expresso pelo Fluxograma 1, os valores ou as preferências
individuais orientam as escolhas da população representada. Esse modelo é mais complexo
que o apresentado por Powell Jr. (2005), uma vez que detalha mais claramente os vínculos de
retro-alimentação entre os distintos estágios do processo e coloca mais claramente o
orçamento como principal resultado, output, oferecido pelo sistema de representação. Os
institutos eleitorais direcionam a eleição dos representantes, que modificam direitos legais,
4
mediante processos definidos pelas instituições legislativas. Tais direitos são efetivados ou
não na execução orçamentária. Assim, as relações entre indivíduos e instituições legislativas
são mediadas por instituições eleitorais e orçamentárias.
Fonte: elaboração própria.
FLUXOGRAMA 1 – Instituições de representação política democrática e conexão orçamentária
Conforme o Fluxograma 1, os retângulos representam os estágios, composto por
estruturas e instituições formais e informais, relativamente estáveis no tempo, e as setas
identificam os eventos, as ações ou as agências, que conduzem às situações de relativa
estabilidade. A duplicidade de sentidos das agências ou ações reflete as possibilidades de
direcionamento das hipóteses causais a serem investigadas. O Fluxograma 1 distingue a
conexão eleitoral, cujas bordas das figuras são contínuas, da conexão legislativa ou
governativa, cujas bordas são formadas por traços e pontos. O Fluxograma 1, representando a
totalidade da dita conexão orçamentária, ainda evidencia as relações entre as preferências
individuais e o orçamento público.
Nas democracias representativas, baseadas na delegação de poderes (fluxo no sentido
horário), as instituições eleitorais e legiferantes situam-se entre as preferências individuais e
as realizações das políticas públicas, mediante a execução orçamentária, e podem afastar as
preferências da maioria dos representados das escolhas dos representantes. No sentido anti-
horário, a passagem sem intermediações do Número 1 ao Número 4, das preferências
individuais ao orçamento e às realizações governamentais, aparentemente, prescindiria das
instituições eleitorais e legislativas, remetendo à democracia direta.
Segundo o Fluxograma 1, havendo democracia representativa, as preferências
individuais (Número 1: valores sociais) determinam (Letra A: accountability vertical, uma
contrapartida da delegação e um dever acessório da representação) a escolha de representantes
e programas partidários alinhados com a representação política (Número 2: instituições
eleitorais). O jogo eleitoral, que concentra a seleção dos agentes legitimados ao exercício do
poder político, não constitui objeto imediato da pesquisa. A literatura sobre elites distingue,
claramente, o jogo eleitoral do governativo, relacionado ao uso desse poder.
Na conexão legislativa, a seleção das políticas públicas relaciona-se (Letra B:
accountability horizontal) com o planejamento estatal, sob a forma de leis e normas (Número
3: instituições legislativas). A viabilização do planejamento estatal, no âmbito da conexão
2) Instituições eleitorais:
atuam na escolha dos
representantes e dos programas
partidários
3) Instituições legislativas: definem
quem ganha o que, porque e que
diferença faz
1) Valores sociais: manifestação
das preferências individuais 4) Instituições orçamentárias:
realização das políticas públicas com
o patrimônio próprio
A) Escolher
programas
partidários e
representantes:
accountability
vertical
C) Identificar as
origens e as
aplicações de
recursos públicos:
responsabilidade
fiscal
D) Reforçar ou coibir
preferências coletivas:
responsabilidade social
B) Escolher políticas
públicas: accountability
horizontal
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orçamentária, exige (Letra C: responsabilidade fiscal) a identificação das origens e das
aplicações de recursos públicos, o que conduz à elaboração e à execução do orçamento
(Número 4: instituições orçamentárias), reforçando ou coibindo (Letra D: responsabilidade
social) as preferências individuais (Número 1: valores sociais).
Desse modo, as preferências individuais e os valores coletivos de cada comunidade
atuam sobre o conjunto da representação política, em estágios sucessivos e com mecanismos
de feedback, resultando no ordenamento das escolhas públicas, desvendando-se a conexão
orçamentária em sua totalidade. No modelo inicial, a efetividade ou a eficácia social das
políticas públicas relacionadas ao planejamento estatal e à execução orçamentária é aferida
tanto pelos cidadãos – por intermédio da responsabilidade social, diretamente, e da
accountability vertical, indiretamente – quanto pelos demais representantes – mediante a
responsabilidade fiscal, diretamente, e, indiretamente, pela accountability horizontal.
A estabilidade dos padrões orçamentários, na forma da base e do justo quinhão3 por
ocasião da partilha dos recursos públicos disponíveis, corresponde, pois, à manutenção das
práticas e instituições eleitorais e legislativas, assim como as mudanças desses padrões têm
relação com alterações nessas práticas e instituições. Tal construção teórica baseia-se, então,
na noção de que os orçamentos públicos representam os valores sociais predominantes,
explicitados num horizonte temporal, conforme os objetivos das políticas públicas
(DOUGLAS, 1998; WILDAVSKY, 2001; INGLEHART; WELZEL, 2005).
Os orçamentos públicos são meios de representação política que expressam um
determinado modo de vida (WILDAVSKY, 2001). Eles incorporam as expectativas dos
agentes sociais, com destaque para os legisladores, na direção da política (WEBER, 2004, p.
560)."By encapsulating the past in the present through the base, budgeters limit future
disputes" (WILDASVSKY, 2001, p. 182). Operacionalmente, a base pode ser definida como
a dotação orçamentária anterior, mais um incremento ou menos uma diminuição, devido às
circunstâncias atuais (DAVIS; DEMPSTER;WILDAVSKY, 1966). Assim, a dinâmica do
incrementalismo orçamentário sinaliza rupturas, mudanças, re-elaborações de contratos e re-
alinhamentos de interesses. Dessa forma, o grau de convergência ou divergência das escolhas
orçamentárias reflete as práticas individuais e coletivas, constrangidas pelas instituições
eleitorais, legislativas e orçamentárias.
Diferentemente de outras atividades governamentais em que também são escolhidos
valores, instituições e resultados sociais, as decisões orçamentárias renovam-se em ciclos
regulares. Nos regimes democráticos representativos, a autorização orçamentária para o uso
de recursos ocorre periodicamente, sob pena da não prestação das utilidades coletivas daí
decorrentes (SCHICK, 2007). Tal regularidade permite averiguar a consistência intertemporal
das decisões políticas quanto à representação democrática.
Isso tudo conduz à indagação de como a qualidade da democracia relaciona-se com o
3 "Incremental calculations proceed from an existing base. (By 'base' we refer to commonly held expectations
among participants in budgeting that programs will be carried out at close to the going level of expenditures.)
The widespread sharing of deeply held expectations concerning the organization's base provides a powerful
(although informal) means of securing stability. The most effective coordinating mechanisms in budgeting
undoubtedly stem from the roles adopted by the major participants. Roles (the expectations of behavior attached
to institutional positions) are parts of the division of labor. They are calculating mechanisms" (DAVIS;
DEMPSTER;WILDAVSKY, 1966, p. 530). Note-se que a base, uma instituição orçamentária informal, pode ser
formalizada, aumentando as expectativas de realização dos acordos: "The difference between informal and
formal constraints is one of degree [of enforcement]." (NORTH, 1990, p. 46)
6
alinhamento das escolhas orçamentárias. Ou seja, vale questionar de que maneira os
componentes discutidos no Fluxograma 1 de fato se articulam, gerando rupturas ou mudanças
na conexão orçamentária, expressa empiricamente pela variabilidade nos gastos
orçamentários e pela sustentabilidade das disputas políticas e dos acordos de distribuição de
recursos estabelecidos para pacificar os conflitos sociais.
2.2 O significado da variação das alocações orçamentárias: disputas simbólicas,
representação, accountability e custos transacionais
Conforme argumentado anteriormente, as decisões governamentais em uma
democracia representativa envolvem a conciliação entre valores, preferências e interesses
diversos, nem sempre convergentes, bem como a capacidade de prestação de contas
(accountability) das tomadas de posição dos agentes (BOURDIEU, 2007; URBINATI, 2006;
MANIN, 1997; PITKIN, 1972). Quais valores, preferências ou interesses prevalecem e quais
não é um ponto chave no entendimento da dinâmica da representação política
(MESSENBERG, 2008; WILDAVSKY; CAIDEN, 2004; WILDAVSKY, 2001, 1987;
PETERS, 1998).
Sem a cooperação contínua entre os agentes governamentais e privados, não é possível
a criação e a manutenção de políticas públicas capazes de dar conta das demandas da
população de modo eficiente e sustentável (SPILLER; TOMMASI, 2007). Nesse sentido, as
ordens de escolhas orçamentárias resultam das disputas inerentes às escolhas coletivas,
mediadas por instituições, como as categorias classificatórias orçamentárias. A divisão do
mundo social em tais categorias associa-se ao poder político, entendido como forma de poder
simbólico (BOURDIEU, 2007) ou capacidade de mobilização de aliados (LATOUR, 2000).
O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de
fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e,
deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico
que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou
econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for
reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário (BOURDIEU, 2007, p.
14).
Tais classificações explicitam os compromissos assumidos entre agentes delegados e
cidadãos delegantes (RUBIN, 2006) e estruturam as accountabilities vertical e horizontal e as
responsabilidades fiscal e social, em fluxos ininterruptos e renovados de disputas simbólicas e
escolhas coletivas, cujas intermediações políticas e narrativas ideológicas são regradas pelas
instituições eleitorais, legislativas e orçamentárias.
Dado que os interesses diretamente envolvidos na luta pelo monopólio da
expressão legítima da verdade do mundo social tendem a ser o equivalente
específico dos interesses dos ocupantes das posições homólogas no campo
social, os discursos políticos acham-se tocados de uma espécie de
duplicidade estrutural: na aparência, diretamente destinados aos mandantes,
eles são, na realidade, dirigidos aos concorrentes no campo [político]
(BOURDIEU, 2007, p. 155-156).
7
Assim, os outputs – resultados – orçamentários específicos das disputas e o grau de
conflito em torno das categorias classificatórias permitem inferências sobre o campo político
e a qualidade da democracia. A ausência de contestação, quanto às categorias classificatórias
empregadas do orçamento público e às distribuições de valores efetivamente realizadas entre
elas, pode significar tanto a estabilidade da representação isto é, a aceitação generalizada da
legitimidade dessa representação do mundo social, pelos concorrentes no campo político,
quanto a imposição dessas categorias de cima para baixo, sem aberturas para processos de
disputa política entre campos e projetos diversos.
A primeira opção sugere que a variabilidade decrescente das categorias classificatórias
e das classificações, ao longo do tempo, relaciona-se ao acirramento das disputas políticas
marginais, associado à sustentabilidade e manutenção ou ampliação da base, o que é, até certo
ponto, natural em regimes que se consolidam no respeito às regras do jogo democrático. No
segundo caso, a imposição de um projeto político hegemônico diminui os incentivos para os
agentes detentores do poder demonstrarem essa sustentabilidade. Tais agentes podem buscar
subterfúgios para a ocultação das dificuldades associadas ao seu projeto de poder, o que causa
problemas semânticos e compromete a fidedignidade da representação.
A idéia de custos transacionais característicos das democracias representativas
(KEECH, 1995; EPSTEIN; O´HALLORAN, 1999; SPILLER E TOMMASI, 2007) auxilia a
compreender como o grau de variação das categorias orçamentárias pode apontar para os
custos da democracia, além de indicar porosidade às demandas sociais que se renovam. Tais
custos correspondem aos investimentos necessários para que os agentes superem as
assimetrias informacionais e convirjam, nas suas expectativas, quanto aos meios e aos
resultados das agregações de vontades individuais, para a formação da vontade coletiva e das
deliberações governamentais (SPILLER; TOMMASI, 2007).
Portanto, os processos de agregação das preferências individuais e transformação
dessas preferências em escolhas coletivas, sintetizados nos orçamentos públicos, também
refletem custos, mensuráveis pelo grau de fricção entre as instituições e as práticas sociais, ou
seja, pela variabilidade das prioridades estabelecidas na forma das instituições orçamentárias.
Os ambientes com maior variância nas fricções apresentam custos de transação também mais
elevados, aumentando o estímulo para os agentes preservarem os investimentos pessoais,
ainda que contrariem os melhores interesses dos representados e, eventualmente, até mesmo
as disposições legais. Esse pode ser o lado indesejado da porosidade do sistema orçamentário
às pressões sociais, gerando imprevisibilidade e incerteza futuras.
Seguindo esta lógica, quanto mais regulares forem as distribuições de recursos, ao
longo de sucessivos exercícios financeiros, mais adequados parecem ser a classificação e o
perfil orçamentários associados às demandas da democracia representativa, no sentido de que
o equilíbrio dos poderes de representação inclui a disseminação de soberania entre instâncias
deliberativas, que coíbe a existência de assimetrias a serem exploradas. Antes de detalhar
ainda mais a natureza dessa associação, vale lembrar que as escolhas orçamentárias podem ser
ordenadas conforme a sua materialidade, identificada por média e variância (KING;
KEOHANE; VERBA,1994).
Se as mudanças orçamentárias intensas podem indicar maior porosidade do processo
orçamentário aos distintos interesses da sociedade, com ganhos de representatividade, ao
mesmo tempo, apontam para um alto grau de instabilidade e acentuado aumento dos custos de
transação na construção de consensos. Como solucionar esses impasses e diferenciar o que as
variação orçamentárias efetivamente representam?
Uma alternativa é avaliar a sustentabilidade do projeto político expresso pelo
orçamento. Se as mudanças sociais e políticas têm reflexos nas contas públicas, espera-se que
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alterações muito intensas sejam especialmente agrupadas em categorias orçamentárias afins às
questões temporais, como a dívida pública, os encargos especiais e a previdência social. Essas
são classificações que lidam com conteúdos mais relacionados ao crédito público e, portanto,
mais aptas à repactuação, devido aos menores custos transacionais imediatos, para os agentes
políticos, decorrentes da reduzida visibilidade dos efeitos intertemporais dessas escolhas.
Nesse contexto, a dissociação dos fluxos de caixa dos atos administrativos que lhes
deram causa é capaz de alterar a percepção dos resultados orçamentários e das
responsabilidades dos agentes políticos pela situação social e econômica vigente:
Los sistemas presupuestarios han sostenido tres soluciones [para o
reconhecimento do gasto]: la jurídica (por el compromiso), económica (por
el devengado) y la financiera estricta (o de caja). La utilización de los
criterios del compromiso y del devengado en la registración del gasto
presupuestario, pueden originar problemas al cierre del ejercicio; por
ejemplo, los contratos celebrados y las obligaciones reconocidas al
acreedor respectivamente no siempre se pagan en el ejercicio en el que se
originaron. La solución que se adoptó es que todos los pagos que, debiendo
realizarse en un año, quedaban pendientes al final del mismo, se recogían
en una cuenta denominada, en el caso del compromiso, 'residuos pasivos'
[restos a pagar, no Brasil] y, en el devengado, es la cuenta de 'resultas' que
queda imputada contablemente al ejercicio en que respectivamente se
verificaron. (TREJO, 2008, p. 136-137)
A escolha de um desses três critérios, por si só, já identifica um possível conflito,
relativo à atribuição de responsabilidades às agências ou aos agentes públicos no exercício do
jogo governativo. Tanto Brasil quanto Argentina adotam o regime de competência – critério
econômico: liquidado ou devengado – para o registro das despesas e o de caixa para as
receitas orçamentárias (GIACOMI, 2005; TREJO, 2008). Por conseguinte, a despesa
orçamentária é atribuída ao exercício em que ocorre o compromisso de pagamento,
independentemente do efetivo fluxo financeiro. A exigência de prévia dotação orçamentária
impossibilita a antecipação dos fluxos de pagamentos, em relação à despesa.
A caracterização brasileira do Refinanciamento e dos Encargos Especiais como
despesas neutras, em relação às quais não se associam bens ou serviços gerados no processo
produtivo corrente, como dívidas, ressarcimentos, indenizações e afins (MPOG, 1999), tende
a transformar as políticas intertemporais em "caixas pretas" (LATOUR, 2000), apesar da sua
importância para o equilíbrio do poder político.
Los análisis que realizan en general los expertos y estudiosos del tema
[resultados presupuestarios] centran su atención en el 'Resultado
Financeiro' ([…] lhamado 'convencional' o sobre la línea), propiciando que
el mismo sea equilibrado (déficit cero). […] Con ser importantes esas
pautas de disciplina fiscal desde la perspectiva económica, es una medida
insuficiente de la realidad financiera, dado que el país [Argentina] no
expone la verdadera dimensión de la situación fiscal, al no tener en
consideración importantes componentes de los recursos y gastos públicos
(los de bajo la línea) ni explicita la medida en que los recursos genuinos no
alcanzan a cubrir la totalidad de los gastos en su concepción integral:
corrientes, de capital y aplicaciones financieras. En países en desarrollo,
donde la deuda pública constituye un problema de Estado, no es admisible
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obviar los significativos montos de dichas Aplicaciones Financieras, por lo
cual se propicia tener también en cuenta el resultado clásico para la toma
de decisiones y el control. (TREJO, 2008, p. 168)
Os resultados acima e abaixo da linha estão relacionados às necessidades de
financiamento do setor público. Os primeiros correspondem à diferença entre as receitas e as
despesas dos tesouros incluídas nos orçamentos e os segundos, à variação dos saldos das
obrigações do setor governamental ou público junto às instituições financeiras (SANCHES,
2004). Os resultados acima da linha são, geralmente, calculados pelos ministérios de fazenda
e os resultados abaixo da linha, pelos bancos centrais.
The conventional deficit measures the difference between revenues and
expenditures. In its measurement one makes reference to the line: above the
line is everything that is a genuine revenue or expenditure, and below the
line are the operations that are use to balance those two actions. The most
common way to measure this deficit is to show the net debt variation below
the line. Thus, if interest on the debt is being paid, it is shown as an
expenditure. But if interest on the debt is amortized, that goes below the line.
The use of this concept rests on the need to identify the impact of government
actions on aggregate demand. In that measure, and in the example given, the
assumption is that interest payments have an impact on aggregate demand,
while repayment of the debt does not. (PETREI, 1998, p. 421)
Nesse particular, o impacto político pode diferir significativamente do impacto
econômico. A existência de diferenças entre os dois resultados – acima e abaixo da linha –
exige conciliação de valores e transparência no seu significado. As considerações sobre acima
ou abaixo da linha referem-se, pois, à observância da universalidade orçamentária –
capacidade de o orçamento abranger todos os conflitos e as decisões políticas relevantes para
a distribuição dos recursos públicos e a continuidade do regime político, assim como às
questões semânticas já relacionadas à fidelidade da representação.
Os dois últimos trechos transcritos evidenciam que, além das dificuldades relativas à
responsabilização dos agentes, há divergências pertinentes aos efeitos financeiros dos acordos
políticos que devem ser objeto de registro. Para fins deste trabalho, adotam-se os critérios
denominados convencionais de análise. Cumpre frisar que a utilização do critério abaixo da
linha, como quer Trejo (2008), pode ensejar resultados diferentes daqueles ora encontrados,
sem que isso prejudique a metodologia elaborada para a obtenção de uma resposta à questão
de pesquisa, o cumprimento dos objetivos propostos e o teste de refutação da hipótese (KING;
KEOHANE; VERBA,1994), uma vez que há viés sistemático de redução do endividamento,
na abordagem acima da linha, quando comparada com a abordagem abaixo da linha.
Em suma, as variações orçamentárias são indícios de dois fatores contraditórios. No
que tange ao funcionamento da democracia representativa, por um lado, elas sugerem uma
relação direta com a descentralização do processo e a porosidade do regime político às novas
pressões sociais e, por outro, uma relação também direta com o aumento dos custos de
transação para formação dos consensos políticos e conseqüente postergação dos conflitos na
forma de endividamento.
A elevação da instabilidade das categorias orçamentárias, relacionada às mudanças no
quadro político, conjugada com o inchaço dos diversos mecanismos de postergação de crises,
representado pelo aumento nos valores das categorias relacionadas às dívidas intertemporais,
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e a insustentabilidade do projeto político, dimensionada pela continuidade dos déficits
correntes, pode indicar que os custos transacionais do presente são muito elevados e estão
sendo transferidos para o futuro. Nesse caso, a caixa preta da conexão orçamentária tem
plenas condições de transformar-se em uma bomba-relógio social, prejudicando a qualidade
da democracia representativa.
Por outro lado, argumentamos que a existência de variabilidade nas categorias
orçamentárias, sem aumento das dívidas intertemporais, representaria uma capacidade de
incorporação de novas preferências no sistema político e de resolução sincrônica dos custos
de transação, o que não poderia ser visto como indicativo de elevação do risco de ruptura no
processo de representação que resulta na conexão orçamentária. Pelo contrário, configura-se
num salutar exercício de inclusão social e expansão da democracia representativa.
Tais afirmações são testadas com dados orçamentários do Brasil e da Argentina.
3 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
As classificações e escolhas orçamentárias representam o ponto terminal de disputas
de representação e legitimidade do exercício do poder político no uso dos dinheiros públicos.
Dada a hipótese de proeminência da dimensão temporal, cabe destacar as classificações da
despesa por funções e da receita e da despesa por categoria econômica (receita corrente e de
capital e despesa corrente e de capital). Ambas as classificações têm relativa estabilidade
temporal e disseminação entre países, o que respalda o seu uso como variáveis analíticas. Por
conseguinte, essa metodologia permite estudos comparativos internacionais, assim como entre
unidades subnacionais.
É oportuno lembrar que Brasil e Argentina, entre outros países, firmaram acordos para
a adoção das normas internacionais de contabilidade, que incluem a padronização das
classificações orçamentárias. Embora tal padronização não seja requisito para o
relacionamento ora estabelecido entre as variáveis, a comparabilidade direta das proporções
dos gastos nacionais e subnacionais permitirá ampliar ainda mais o conhecimento sobre as
relações entre a conexão orçamentária e a qualidade da democracia.
As classificações orçamentárias brasileiras já são padronizadas, em todas as esferas
federativas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), pelo Ministério de Planejamento,
Orçamento e Gestão (MPOG). Embora o órgão central de planejamento e orçamento da União
seja o MPOG, é a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), órgão do Ministério da Fazenda,
que publica os dados da execução orçamentária, extraídos do Sistema Integrado de
Administração Financeira (Siafi), principal fonte das informações sobre a execução financeira
e orçamentária federal brasileira.
Quanto ao recorte temporal, no Brasil, a introdução do real e a maior estabilidade do
poder aquisitivo da moeda, a partir de 1994, refletem um novo quadro institucional, que se
sustenta até hoje. Em 2000, as funções orçamentárias passaram de 16 para 28, sem considerar
o refinanciamento da dívida. Destaca-se a criação da Função Encargos Especiais, gastos sem
contrapartida direta em bens e serviços prestados pela administração pública no exercício em
que figuram no orçamento (MPOG, 1999), que já foi objeto de comentário. A Argentina
também passou por reformas institucionais, especialmente com a Ley nº 24.156, de 1992, que,
pelo art. 1º, "[...] establece y regula la administración financiera y los sistemas de control del
sector publico nacional" (MECON, 2008). A partir do orçamento de 2002, inseriu-se a nova
função Inteligencia. Vislumbra-se, por conseguinte, que a dinâmica da democracia
representativa brasileira exigiu maior detalhamento das instituições de representação,
11
inclusive a orçamentária, o que denota maior porosidade à inclusão de novos atores políticos.
Após tais considerações, examinam-se os dados dos orçamentos federais brasileiros
(13 exercícios financeiros: 1995-2007) e argentinos (14 exercícios por funções – 1993-2006 –
e 13 por categoria econômica: 1994-2006). Considerando as mudanças promovidas nas
classificações por funções, há que distinguir dois momentos específicos. No Brasil, o primeiro
período estende-se de 1995 a 1999 e o segundo, de 2000 a 2007. Na Argentina, tais períodos
vão, respectivamente, de 1993 a 2001 e 2002 a 2006. As categorias econômicas não
apresentaram mudanças nos períodos examinados.
A análise e a comparação dos Países empregam os respectivos coeficientes de variação
de Pearson (CVP) 4, isto é, a relação entre o desvio-padrão e a média das funções e das
categorias econômicas orçamentárias como indicador do grau de dispersão de variáveis com
escalas diferentes (WATSHAM; PARRAMORE, 1997). Desse modo, estima-se a estabilidade
das prioridades, mediante o coeficiente de variação das classificações orçamentárias por
funções e categorias econômicas. A relevância das funções é dada pela materialidade, ou seja,
pela representação proporcional dos respectivos montantes.
4 CASOS E ANÁLISES
A conexão orçamentária, conforme argumentado anteriormente, é condicionada pelo
quadro institucional dos países. Nesse sentido, é fundamental discutir os dois casos estudados.
Anastasia e Inácio (2008) – com base em Tsebelis – explicitam o pressuposto de que o
presidencialismo de coalizão brasileiro resulta de dois jogos inter-relacionados ou aninhados:
o eleitoral e o governativo. Os estímulos eleitorais para os agentes usufruírem de acesso
privilegiado aos recursos públicos, no jogo governativo, ainda que por meios vedados pelas
instituições formais, tendem a aumentar os custos transacionais da democracia representativa.
Esses custos podem ser ampliados por uma maior participação, no ciclo orçamentário,
e uma maior fragmentação de interesses, no sistema político brasileiro, indicados por um alto
número de partidos políticos com influência, nas decisões legislativas, em comparação com o
caso argentino. Se, por um lado, isso indica maior porosidade da conexão orçamentária, no
Brasil, por outro resulta em maiores custos de transação. Tais custos incentivam a busca pela
estabilidade do status quo e a postergação da sua realização, sob a forma de endividamento.
Assim, atinge-se um paradoxo: maior representação custa mais caro e pode resultar em maior
imprevisibilidade futura na forma de aumento das transferências intertemporais dos custos.
Spiller e Tommasi (2007) realizam análise semelhante acerca do jogo legislativo
argentino. Na Argentina, também há dominância presidencial no processo orçamentário,
reduzida ou nula participação do Congresso e envolvimento significativo de outros atores
formais e informais, como os governadores das províncias, na formulação das políticas
públicas federais (SPILLER; TOMMASI, 2007). Contudo, claramente, o processo é mais
centralizado e menos poroso. Isso pode resultar em arbitrariedades, na forma de maior
insulamento e estabilidade de curto prazo das decisões orçamentárias, com variações intensas
em períodos de tempo mais extensos, no estilo de políticas stop and go, e instabilidade de
4 CVP 100. O coeficiente de variação de Pearson é operacionalmente dado pela relação percentual entre
o desvio-padrão e a média.
12
contratos e políticas públicas de longo prazo, como argumentam Spiller e Tommasi (2007).
Ambos os Países, contudo, compartilham um atributo específico do processo
orçamentário – a iniciativa e a preponderância dos executivos. Assim, a pesquisa analisa
variação em uma família de casos que muito se diferenciam de orçamentos controlados pelo
poder legislativo, como nos Estados Unidos.
4.1 Representação orçamentária federal brasileira
Segundo Sanches (2004), a atuação incremental exige o constante aumento das
receitas públicas, de modo que os novos acordos políticos não prejudiquem os já
estabelecidos. A Figura 2 sugere que isso se aplica ao orçamento federal brasileiro no período
examinado (1995-2007).
0
200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1.400.000
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007Ano
Em R
$ m
ilhõe
s de
2008
Total Sem refinanciamento
Fonte: elaboração própria, com base em STN (2008).
FIGURA 2 – Gastos federais brasileiros em valores de 2008 (1995-2007)
Para o incrementalismo, a interação entre a racionalidade limitada do processo
decisório, a fragmentação das instituições políticas, a atuação em paralelo dos subsistemas
decisórios e a capacidade serial de atenção dos agentes restringem as decisões futuras e
limitam a capacidade de os governos adotarem novas políticas públicas ou de reverterem as
rotas das políticas atuais (TRUE; JONES; BAUMGARTNER, 2007). Os Apêndices A e B, ao
final do trabalho, detalham os valores empregados na Figura 2 e nas Tabela 1 e 2.
TABELA 1 – Gastos federais brasileiros por funções (1995-1999)
F Função %(1) %(2) CVP
3 Administração e Planejamento 33% 20% 49%
15 Assistência e Previdência 30% 18% 9%
7 Desenvolvimento Regional 10% 6% 6%
... ... ... ...
(1) Total sem refinanciamento 100% 61% 169%
17 Refinanciamento da Dívida – 39% 35%
(2) Total com refinanciamento – 100% 185%
Fonte: elaboração própria, com base em STN (2008).
13
Entre 1995 e 1999, o somatório das Funções 3 (Administração e Planejamento), 15
(Assistência e Previdência) e 7 (Desenvolvimento Regional) alcançou 73% do total, sem o
refinanciamento (Tabela 1). Consoante a Tabela 2, com dados da execução orçamentária
federal, entre 2000 e 2007, em valores de 2008, sem os efeitos do refinanciamento da dívida,
três quartos das despesas executadas concentram-se nas Funções 28 (Encargos Especiais) e 9
(Previdência).
TABELA 2 – Gastos federais brasileiros por funções (2000-2007)
F Função %(1) %(2) CVP
28 Encargos Especiais 46% 28% 18%
9 Previdência 29% 18% 10%
... ... ... ...
(1) Total sem refinanciamento 100% 61% 276%
29 Refinanciamento da Dívida – 39% 20%
(2) Total com refinanciamento – 100% 263%
Fonte: elaboração própria, com base em STN (2008).
As Tabelas 1 e 2 demonstram que a Função 17 (Refinanciamento da Dívida) continua
absorvendo, no período posterior a 1999, 39% do total dos gastos, apesar do aumento do
número de funções e do menor coeficiente de variação, em relação ao período anterior a 2000.
De um lado, o aumento do número de funções reflete a ampliação dos interesses e dos agentes
reconhecidos pelas instituições orçamentárias. De outro, o aumento do coeficiente de variação
dos conjuntos com e sem o refinanciamento, de um período para o outro, aponta para a menor
estabilidade, certeza e previsibilidade, nos acordos políticos estabelecidos, em que pese a
redução desse coeficiente na rolagem da dívida.
O vislumbre do aumento de instabilidade acompanha a maior concentração de
despesas relevantes em um menor número de funções, no segundo período, em relação ao
primeiro. A redução de 3 para 2 funções sugere que a quantidade de agências com acesso
relevante aos recursos públicos restringiu-se, o que parece condizente com um movimento em
direção à democracia de elites, em lugar da democracia representativa. A Tabela 3 sintetiza os
coeficientes de variações obtidos das Tabelas 1 e 2, com e sem o refinanciamento da dívida.
TABELA 3 – Comparativo dos coeficientes de variação das funções (Brasil)
Item 1995-1999 2000-2007
(1) Total sem refinanciamento 169% 276%
(2) Total com refinanciamento 185% 263%
Fonte: elaboração própria, com base em STN (2008).
A literatura sobre incrementalismo orçamentário refere-se à existência de uma base e
às mudanças marginais, nos componentes do orçamento, especialmente quando eles tendem à
expansão. Nesse sentido, os dados aqui expostos indicam que as funções que lidam mais
diretamente com as questões intertemporais assumiram papel de destaque, nos ajustamentos
incrementais ocorridos ao longo do período examinado. Do primeiro período (1995-1999)
para o segundo (2000-2007), houve aumento tanto da concentração das alocações de recursos
em um menor número de funções quanto da variabilidade orçamentária.
O destaque para as políticas intertemporais pode ser mais bem observado nos
resultados entre as respectivas receitas e despesas correntes – caso os efeitos da receita e da
despesa esgotem-se no próprio exercício – ou de capital – quando afetam exercícios
subseqüentes. O refinanciamento evidencia decisões pertinentes ao gerenciamento da dívida
14
pública. Os dados de receitas e despesas, divulgados pela STN, em valores de 2008, permitem
a construção da Figura 3, com os três resultados mencionados, e indicam a inconsistência
intertemporal, em 1998, 2006 e 2007, identificada pelo déficit (resultado negativo) corrente.
-250
-200
-150
-100
-50
0
50
100
150
200
250
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
(3) Resultado corrente (1-2)(6) Resultado de capital (4-5)(10) Resultado do refinanciamento (8-9)
R$
bil
hõ
es d
e 2
008
Ano
Fonte: elaboração própria, com base em STN (2008).
FIGURA 3 – Resultados federais brasileiros em valores de 2008 (1995-2007)
Houve substanciais déficits correntes consecutivos nos dois últimos exercícios,
supridos com receitas de capital ou do refinanciamento da dívida, isto é, pelo
comprometimento dos recursos disponíveis para os exercícios futuros. Essa tendência de
transferência dos custos transacionais presentes para o futuro, combinada com a elevação da
incerteza sobre a alocação dos recursos e a maior concentração dos agentes e das agências
relevantes para o processo decisório, caso subsista, não configura um futuro salutar para a
democracia representativa brasileira.
A Figura 3 evidencia ainda movimentos compensatórios entre os resultados de capital
e do refinanciamento, com exceção dos dois primeiros exercícios, quando o saldo do
refinanciamento foi zero. Tais movimentos harmonizam-se com a hipótese de que a política
de refinanciamento é utilizada ativamente para o ajustamento dos fluxos financeiros da União.
Em outros termos, o refinanciamento não é neutro, do ponto de vista das políticas públicas
relacionadas às escolhas e à consistência intertemporal.
Na Tabela 4, consta a síntese das receitas, das despesas e dos resultados econômicos
do período apreciado. Observe-se que o coeficiente de variação das receitas de
refinanciamento, superior ao das receitas correntes, é inferior ao das receitas de capital, o que
sugere uma precedência na ordem das escolhas: primeiro as correntes, depois as de
refinanciamento e, por fim, as de capital. Essa mesma ordem é seguida pelas despesas. Assim,
após a definição dos itens correntes, deliberam-se os de refinanciamento, seguidos dos de
capital. A anterioridade das decisões de refinanciamento, em relação às receitas de capital, na
realização dos montantes relativos à dívida pública, faz supor que o gerenciamento da dívida
não é passivo, mas ativo.
15
TABELA 4 – Receitas e despesas federais brasileiras por categorias econômicas (1995-2007)
Item Soma (R$ bilhões) Média (R$
bilhões)
Desvio-padrão
(R$ bilhões) CVP
(1) Receita corrente 7.237 557 83 15%
(2) Despesa corrente 7.303 562 93 17%
(3) Resultado corrente (1-2) -66 -5 20 -387%
(4) Receita de capital 2.119 163 69 42%
(5) Despesa de capital 2.119 163 61 37%
(6) Resultado de capital (4-5) – 0 78 248.754%
(7) Subtotal (3+6) -66 -5 82 -1.602%
(8) Receita de refinanciamento - operações de
crédito 6.647 511 170 33%
(9) Despesa de refinanciamento - amortização
de dívidas 6.043 465 113 24%
(10) Resultado do refinanciamento (8-9) 604 46 75 160%
(11) Total (7+10) 538 41 26 62%
Fonte: elaboração própria, com base em STN (2008).
Dito de outra forma, há mais graus de liberdade política, no gerenciamento da dívida,
do que reconhecem os textos oficiais.
4.2 Representação orçamentária federal argentina
O orçamento federal argentino parece mais bem descrito pelo equilíbrio pontuado, em
que os períodos de relativa estabilidade do incrementalismo são intercalados por mudanças
abruptas nas condições sociais e nas instituições (TRUE; JONES; BAUMGARTNER, 2007).
Aparentemente, as práticas sociais obtiveram um momento de vantagem no seu embate com
as instituições da democracia representativa. 5
Conforme a Figura 4, com os dados do gasto federal argentino, divulgados pela
Oficina Nacional de Presupuesto (ONP, 2007) da Subsecretaría de Presupuesto da Secretaría
de Hacienda do Ministerio de Economía e Producción (Mecon), entre 1993 e 2006, em
valores de 2006, as instituições argentinas não deram conta do processo político.
5 Em 12 dias, a Argentina teve 6 Presidentes. Com a renúncia de Fernando de la Rúa, em 20 de dezembro de
2001, Ramón Puerta assume interinamente, em 21 de dezembro. Em 22 de dezembro, Adolfo Rodríguez Saá é
escolhido, mas se afasta, em 30 de dezembro. Volta Ramón Puerta, por 15 minutos. No dia 31, Eduardo Camaño
assume interinamente, até a posse de Eduardo Duhalde, em 2 de janeiro de 2002. (FOLHA ONLINE, 2002)
16
0
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
120.000
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Ano
Em
milh
ões
de
pes
os d
e 20
06Total Sem dívida pública
Fonte: elaboração própria, com base em dados da ONP (2007).
FIGURA 4 – Gastos federais argentinos em valores de 2006 (1993-2006)
Pela Figura 4, em 2002, ocorreu uma queda brusca de mais de um quarto do
orçamento total; a partir de 2002, seguiu-se uma trajetória ascendente, até 2006, último
exercício disponível. O comportamento é similar com e sem o serviço da dívida. 6 Todavia, há
uma distribuição mais equilibrada dos gastos públicos, em relação ao Brasil, consoante as
Tabelas 5 e 6, respectivamente com os principais gastos federais argentinos por funções, entre
1993 e 2001 e 2002 e 2007, com segregação dos montantes concernentes ao serviço da dívida.
TABELA 5 – Gastos federais argentinos por funções (1993-2001)
F Função
Soma
(milhões
de pesos)
% (1) % (2)
Média
(milhões de
pesos)
Desvio-padrão
(milhões de
pesos)
CVP
33 Seguridad Social 380.761,8 50% 43% 42.306,87 2.950,159 7%
34 Educación y Cultura 52.533,8 7% 6% 5.837,09 785,969 13%
31 Salud 47.617,5 6% 5% 5.290,83 2.497,681 47%
21 Defensa 39.519,4 5% 4% 4.391,04 223,915 5%
32 Promoción y Asistencia Social 30.743,7 4% 3% 3.415,97 873,951 26%
... ... ... ... ... ... ...
(1) Sem Servicio de la Deuda Pública 765.767,4 100% 86% 3.151,31 7.903,977 251%
51 Servicio de la Deuda Pública 127.280,1 – 14% 14.142,23 7.060,095 50%
(2) Com Servicio de la Deuda Pública 893.047,5 – 100% 3.543,84 8.123,932 229%
Fonte: elaboração própria, com base em dados da ONP (2007).
Note-se que, nessa comparação, ao contrário do que houve no Brasil, diminuiu
substancialmente a materialidade do gasto na Função 33 (Seguridad Social). A
desconcentração previdenciária permitiu que outras funções ampliassem as suas participações.
Como resultado, 72% do orçamento federal argentino distribuíram-se em 6 funções, em lugar
das 5 funções correspondentes no período anterior. Enquanto o Brasil concentrou recursos
6 El Servicio de la Deuda Pública comprende: a) Amortización del Capital y b) el pago de los intereses,
comisiones y otros cargos que eventualmente puedan haberse convenido en las operaciones de crédito público.
[…] El concepto de los 'Servicios de la Deuda Pública' está fijado por el art. 70 de la Ley 24156 que plasma en
el derecho positivo dicha acepción (TREJO, 2008, p. 226-227)
17
num número menor de funções, a Argentina ampliou o espectro de agentes e agências
relevantes para o processo decisório.
TABELA 6 – Gastos federais argentinos por funções (2002-2007)
F
Função Soma
(milhões
de pesos)
% (1) % (2)
Média
(milhões
de pesos)
Desvio-padrão
(milhões de
pesos)
CVP
33 Seguridad Social 153.427,4 42% 37% 30.685,5 3.784,9 12%
34 Educación y Cultura 26.686,0 7% 6% 5.337,2 1.618,6 30%
32 Promoción y Asistencia Social 25.308,6 7% 6% 5.061,7 1.774,0 35%
36 Trabajo 20.440,0 6% 5% 4.088,0 810,3 20%
31 Salud 17.444,5 5% 4% 3.488,9 529,0 15%
43 Transporte 17.166,9 5% 4% 3.433,4 2.408,1 70%
... ... ... ... ... ... ...
(1) Sem Servicio de la Deuda Pública 367.138,9 100% 88% 2.622,4 5.736,8 219%
51 Servicio de la Deuda Pública 51.585,5 – 12% 10.317,1 2.469,1 24%
(2) Com Servicio de la Deuda Pública 418.724,4 – 100% 2.887,8 5.824,3 202%
Fonte: elaboração própria, com base em dados da ONP (2007).
O serviço da dívida diminuiu tanto a sua participação percentual quanto o seu
coeficiente de variação. Isso sugere que a repactuação política, ocorrida em 2002, contribuiu
para a maior estabilidade do regime político e a redução dos custos de transação, com a
redução da porosidade e da abertura do campo político para as novas instâncias de
representação da soberania popular.
Tal entendimento é corroborado pela síntese, elaborada na Tabela 7, que compara os
coeficientes de variação dos dois períodos, na Argentina e no Brasil.
TABELA 7 – Comparativo dos coeficientes de variação das funções (Argentina)
Argentina 1993-2001
(CVP)
2002-
2006
(CVP)
Brasil 1995-1999
(CVP)
2000-2007
(CVP)
(1) Sem Servicio de la
Deuda Pública
251% 219% (1) Total sem
refinanciamento 169% 276%
(2) Com Servicio de la
Deuda Pública
229% 202% (2) Total com
refinanciamento 185% 263%
Fonte: elaboração própria, com base em dados da ONP (2007).
Assim, juntamente com a elevação dos custos transacionais, no campo político, o
Brasil ampliou as suas oportunidades de inclusão e reconhecimento sociais, em graus maiores
do que na Argentina. Nesta última, o acordo político estabelecido após a crise parece haver
caminhado no sentido de conferir maior estabilidade ao quadro vigente, resultando numa
menor variabilidade do orçamento.
Pela classificação econômica, os dados disponibilizados, pela ONP (2008), também a
preços de 2006, iniciam em 1994. A Figura 5 demonstra que, entre 1995 e 2001, ou seja, no
período que antecede a crise, os resultados correntes e financeiros foram sistematicamente
negativos, denotando acordos políticos insustentáveis no tempo. Com a reconstrução do pacto
político, em 2002, os resultados correntes argentinos tornaram-se positivos, o que evidencia a
viabilidade intertemporal das escolhas adotadas depois da crise.
18
Fonte: elaboração própria, com base em dados da ONP (2008).
FIGURA 5 – Resultados federais argentinos em valores de 2006 (1994-2006)
O resultado de capital negativo significa aplicações de recursos em benefícios futuros
maiores do que a sua desmobilização. A partir de 2002, tais investimentos passaram a ser
financiados com o resultado corrente positivo e o saldo líquido dos fluxos de financiamento.
As taxas de retorno dos respectivos fluxos de fontes e aplicações dos recursos relacionados
principalmente à dívida pública determinarão, ao longo do tempo, se a postergação dos
conflitos distributivos foi uma opção salutar para a Argentina. No curto prazo, o resultado
corrente positivo e de capital negativo expressam uma situação em que o patrimônio líquido,
o saldo dos recursos não comprometidos à disposição das gerações futuras, tende a aumentar.
A Tabela 8, contém o somatório das receitas e das despesas federais argentinas, por
categoria econômica, entre 1994 e 2006, em milhões de pesos de 2006.
TABELA 8 – Receitas e despesas federais argentinas por categoria econômica (1994-2006)
Item Soma (milhões
de pesos)
Média (milhões
de pesos)
Desvio-padrão
(milhões de pesos) CVP
(1) Receita corrente 1.214.067,0 93.389,8 13.717,1 15%
(2) Despesa corrente 1.194.188,0 91.860,7 11.868,1 13%
(3) Resultado corrente (1-2) 19.879,0 1.529,2 13.146,8 860%
(4) Receita de capital 14.880,0 1.144,6 1.029,1 90%
(5) Despesa de capital 109.953,2 8.457,9 3.483,4 41%
(6) Resultado de capital (4-5) -95.073,2 -7.313,3 3.554,5 -49%
(7) Resultado Financeiro (3+6 ou 9-8) -75.194,2 -2.892,1 10.457,3 -362%
(8) Receitas financeiras 879.862,2 67.681,7 19.054,7 28%
(9) Despesas financeiras 804.668,0 61.897,5 22.154,0 36%
Fonte: elaboração própria, com base em dados da ONP (2008).
Constata-se, pela Tabela 8, que o resultado corrente positivo respaldou apenas um
quinto das aplicações de recursos que beneficiaram outros exercícios – despesas de capital. O
restante dependeu de financiamentos (receitas financeiras), ou seja, da administração da
dívida e da postergação dos conflitos presentes.
Esse ajustamento da Argentina contrasta com a tendência brasileira, observada nos
19
últimos anos do período analisado, em que se conjugaram resultado corrente negativo e
resultado de capital positivo. A utilização de receitas de capital para atender despesas
correntes constitui uma prática atentatória ao equilíbrio fiscal, que pode comprometer o
regime político, caso a redução do saldo patrimonial daí decorrente inviabilize a gestão dos
agentes eleitos. A lição aparentemente assimilada pela classe política argentina precisa ser
lembrada pelos brasileiros.
De modo similar ao que ocorre no Brasil, com o refinanciamento da dívida, as receitas
e as despesas financeiras federais argentinas situam-se a meio-termo, entre as correntes, com
o menor coeficiente de variação, e as de capital, com a maior variabilidade. Ou seja, as
escolhas orçamentárias tendem a acompanhar a elevação dos custos transacionais, no sentido
de iniciarem pelas decisões com menor nível de variabilidade para concluírem naquelas com o
maior nível.
Note-se, por fim, que as fontes e as aplicações ou as receitas e as despesas financeiras
são explicitamente utilizadas para equilibrar os resultados correntes e de capital no caso da
Argentina. Tal situação remete ao alerta formulado por Trejo (2008), acerca da possível
ausência de elementos relevantes para a fiel representação orçamentária das escolhas públicas
e do seu impacto na democracia representativa. Essa é uma questão semântica, de fidelidade
da representação, superadas apenas pela harmonização dos critérios de reconhecimento,
mensuração e evidenciação dos fenômenos sociais, que foge às possibilidades imediatas do
trabalho e do seu objetivo de discutir as relações entre os orçamentos públicos e a qualidade
da democracia.
5 CONCLUSÃO
O orçamento público, como uma forma de expressão da divisão do mundo, reflete as
fricções entre as instituições do estado e as práticas sociais, características das disputas em
torno da representação política nas democracias representativas. Nesse sentido, o trabalho
objetivou estabelecer relações entre o orçamento público, uma instituição política, e a
qualidade da democracia, mediante o exame da variabilidade orçamentária das classificações
por funções e por categorias econômicas das esferas federais do Brasil e da Argentina.
Nesses dois Países, as políticas públicas intertemporais reservam para si, pelo menos,
metade do gasto público federal, o que significa uma ampla possibilidade de postergação de
conflitos cujo custo transacional presente seja considerado elevado. A tendência de resultado
corrente negativo, nos anos mais recentes do Brasil, aponta para a insustentabilidade dos
padrões de receitas e despesas empregados e dos respectivos acordos políticos que lhes
justificam e mantêm. O aumento da variabilidade dos gastos por funções, no Brasil, sugere
políticas públicas de maior inclusão social, acompanhadas de um gerenciamento do custo
transacional capaz de promover rupturas democráticas no futuro.
Assim, a mudança classificatória de 1999, nas funções, não resultou efetivamente de
um novo pacto social e político sustentável, mas da emergência de novos atores que ainda
negociam as suas posições no acesso aos recursos coletivos. Na Argentina, ao contrário do
Brasil, com o ocorrido em 2002, quando houve uma ruptura dos pactos políticos,
evidenciando uma espécie de equilíbrio pontuado orçamentário, aparentemente caminhou-se
para uma menor instabilidade institucional, indicada pela redução da variabilidade dos gastos
com funções e pelo movimento em direção ao equilíbrio sustentável das receitas e das
despesas correntes. Cumpre notar que, os seguidos déficits correntes já anunciavam a
insustentabilidade dos pactos subjacentes ao orçamento federal argentino antes da crise.
20
Em suma, os resultados obtidos são coerentes com as expectativas dos autores deste
trabalho. A menor dispersão do orçamento executado parece harmonizar-se com os ideais da
democracia representativa, ou seja, a menor variabilidade das escolhas orçamentárias sinaliza
a melhor qualidade do regime político e das escolhas orçamentárias. No Brasil, o
comportamento supostamente incremental dos gastos públicos federais totais oculta uma
diminuição da estabilidade das instituições orçamentárias e políticas, mensurada pelos
coeficientes de variação das classificações por funções. Na Argentina, ao contrário do Brasil,
os dados disponíveis indicam a redução na variabilidade das alocações de recursos, ou seja,
uma menor capacidade de inclusão social, acompanhada de maior sustentabilidade
intertemporal das escolhas políticas após a crise.
Portanto, Brasil e Argentina apresentam situações orçamentárias distintas, indicando
diferentes e importantes tendências das respectivas democracias. No Brasil, o equilíbrio
dinâmico intenso, conforme a linguagem usada por Pereira e Mueller (2003), associado aos
déficits correntes, sugere uma instabilidade política latente e crescente, capaz de trazer
problemas para a democracia no futuro. Na Argentina, a significativa redução dos valores
orçamentários, ocorrida em 2002, ensejou um rearranjo nos pactos sociais e políticos até então
vigentes, com efeitos positivos, no sentido da maior estabilidade e sustentabilidade das
instituições de representação democrática.
A oportunidade e a conveniência de estender esse tipo de pesquisa a outros estados
nacionais é patente, especialmente quando há perspectivas de convergência das classificações
orçamentárias no bojo da padronização internacional da contabilidade governamental. Tal
padronização diminuiria o impacto das questões semânticas na coleta dos dados e na
apreciação dos resultados. Por exemplo, podemos supor que em democracias mais novas,
onde a inclusão de novos setores no processo orçamentário ainda está em andamento, as
oscilações orçamentárias sejam maiores do que em regimes democráticos mais antigos. Ou
ainda, que em sistemas políticos que privilegiam a eficiência, ao invés da representação, como
os casos de sistemas bipartidários, com regras eleitorais majoritárias e controle legislativo do
orçamento, os custos de transação sejam menores e a postergação de seu pagamento menor.
Contudo, essas são hipóteses abertas a teste.
Além da comparação entre países, outra linha interessante de desenvolvimento da
pesquisa passa pelas questões federativas, mediante a inclusão dos orçamentos subnacionais
no exame. Isso ampliaria ainda mais o entendimento dos vínculos entre as conexões
orçamentárias e a qualidade das democracias.
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APÊNDICE A – DESPESA ORÇAMENTÁRIA POR FUNÇÕES (1995-1999)
f Função Soma % (1) % (2) Média
Desvio-
padrão CVP
1 Legislativa 2,00E+10 1% 0% 4,00E+09 4,05E+08 10%
2 Judiciária 6,89E+10 2% 1% 1,38E+10 3,10E+09 22%
3 Administração e Planejamento² 1,10E+12 33% 20% 2,20E+11 1,08E+11 49%
4 Agricultura 1,07E+11 3% 2% 2,14E+10 3,98E+09 19%
5 Comunicações 2,58E+09 0% 0% 5,16E+08 1,98E+08 38%
6
Defesa Nacional e Segurança
Pública 1,35E+11 4% 2% 2,69E+10 9,14E+08 3%
7 Desenvolvimento Regional 3,31E+11 10% 6% 6,62E+10 3,97E+09 6%
8 Educação e Cultura 1,67E+11 5% 3% 3,34E+10 5,41E+09 16%
9 Energia e Recursos Minerais 1,09E+10 0% 0% 2,19E+09 4,08E+08 19%
10 Habitação e Urbanismo 4,16E+09 0% 0% 8,31E+08 3,09E+08 37%
11 Indústria Comércio e Serviços 1,98E+10 1% 0% 3,97E+09 1,47E+09 37%
12 Relações Exteriores 6,62E+09 0% 0% 1,32E+09 1,99E+08 15%
13 Saúde e Saneamento 2,34E+11 7% 4% 4,68E+10 2,71E+09 6%
14 Trabalho 9,98E+10 3% 2% 2,00E+10 1,09E+09 5%
15 Assistência e Previdência 9,92E+11 30% 18% 1,98E+11 1,72E+10 9%
16 Transporte 4,48E+10 1% 1% 8,96E+09 1,30E+09 14%
Total sem refinanciamento 3,34E+12 100% 61% 4,18E+10 7,08E+10 169%
17 Refinanciamento 2,20E+12 39% 4,39E+11 1,52E+11 35%
Total com refinanciamento 5,59E+12 100% 6,58E+10 1,22E+11 185%
Fonte: elaboração própria, com base em STN (2008).
24
APÊNDICE B – DESPESA ORÇAMENTÁRIA POR FUNÇÕES (2000-2007)
f Função Soma % (1) % (2) Média
Desvio-
padrão CVP
1 Legislativa 3,49E+10 1% 0% 4,37E+09 3,55E+08 8%
2 Judiciária 1,09E+11 2% 1% 1,36E+10 1,10E+09 8%
3 Essencial à Justiça 1,88E+10 0% 0% 2,34E+09 7,21E+08 31%
4 Administração 9,90E+10 2% 1% 1,24E+10 1,55E+09 13%
5 Defesa Nacional 1,59E+11 3% 2% 1,98E+10 2,53E+09 13%
6 Segurança Pública 3,27E+10 1% 0% 4,09E+09 6,26E+08 15%
7 Relações Exteriores 1,40E+10 0% 0% 1,75E+09 2,35E+08 13%
8 Assistência Social 1,33E+11 2% 1% 1,66E+10 7,10E+09 43%
9 Previdência Social 1,77E+12 29% 18% 2,22E+11 2,32E+10 10%
10 Saúde 3,48E+11 6% 3% 4,35E+10 2,74E+09 6%
11 Trabalho 1,26E+11 2% 1% 1,57E+10 3,15E+09 20%
12 Educação 1,68E+11 3% 2% 2,09E+10 1,63E+09 8%
13 Cultura 3,91E+09 0% 0% 4,89E+08 1,08E+08 22%
14 Direitos da Cidadania 6,79E+09 0% 0% 8,49E+08 2,19E+08 26%
15 Urbanismo 1,02E+10 0% 0% 1,27E+09 8,41E+08 66%
16 Habitação 7,22E+09 0% 0% 9,02E+08 1,11E+09 123%
17 Saneamento 1,36E+09 0% 0% 1,70E+08 1,49E+08 87%
18 Gestão Ambiental 1,67E+10 0% 0% 2,09E+09 7,78E+08 37%
19 Ciência e Tecnologia 2,64E+10 0% 0% 3,30E+09 6,43E+08 20%
20 Agricultura 8,03E+10 1% 1% 1,00E+10 1,00E+09 10%
21 Organização Agrária 2,58E+10 0% 0% 3,23E+09 1,08E+09 33%
22 Indústria 1,21E+10 0% 0% 1,51E+09 9,09E+08 60%
23 Comércio e Serviços 2,65E+10 0% 0% 3,32E+09 1,07E+09 32%
24 Comunicações 5,89E+09 0% 0% 7,37E+08 1,84E+08 25%
25 Energia 2,34E+10 0% 0% 2,92E+09 4,55E+09 155%
26 Transporte 5,51E+10 1% 1% 6,89E+09 1,67E+09 24%
27 Desporto e Lazer 4,20E+09 0% 0% 5,25E+08 2,33E+08 44%
28 Encargos Especiais² 2,80E+12 46% 28% 3,49E+11 6,45E+10 18%
Total sem refinanciamento 6,12E+12 100% 61% 2,73E+10 7,54E+10 276%
29 Encargos Especiais - Refinanciamento 3,90E+12 39% 4,87E+11 9,68E+10 20%
Total com refinanciamento 1,00E+13 100% 4,32E+10 1,13E+11 263%
Fonte: elaboração própria, com base em STN (2008).