Post on 08-Jan-2017
Pedagogia Griô: relato de prática
fundante na educação das
relações étnico-raciais em Porto
Alegre
*Vanderlei de Paula Gomes
* Vanderlei de Paula Gomes, (Vander de Paula) Griô Aprendiz formado pela Pedagogia Griô de Lençóis-BA, graduado em Pedagogia da Arte, Teatro Licenciatura, pela UERGS, especialista em Supervisão Escolar pela UBM, percussionista, com atuação nacional e internacional. Há três anos Coor-denador de Educação das Relações Étnico-Raciais da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre. Filho de Ogum com Iansã. Coordenador de projeto comunitário Nação Periférica e Comunidar-te, percussão e maracatu, respectivamente. Estudioso de saberes tradicionais de tradição oral, para projeto de vida de Mestre Griô.
O trabalho de
educação das
Relações Étnico
-Raciais da rede
pública muni-
cipal de ensino de Porto Alegre
objetiva efetivar a aplicação
dos artigos 26A e 79B, da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDBEN (alterados
pelas leis 10639/03 e 11645/08)
bem como o parecer 003/04 do
CNE, juntamente com a viabi-
O artigo expõe procedimentos da Pedagogia Griô como elementos importantes para a inclusão de vivências na formação continuada de professores da rede municipal de ensino de Porto Alegre, quan-to prerrogativas da lei 10639/03, substituída pela lei 11645/08. As condições iguais e as potenciais vantagens dos procedimentos didático-pedagógicos da Pedagogia Griô, diante de epistemologias dos cur-sos acadêmicos, evidenciam valores epistêmicos dos saberes e conhecimentos de Mestres e Mestras Griôs, os quais melhoram as relações humanas, agregando respeito à diversidade étnico-racial e cultural de cada uma das regiões nas quais estão instaladas as escolas públicas. Palavras-Chave: Pedagogia Griô, epistemologia, diversidade
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lização objetiva do Plano Nacional de Implementação
das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História Afro
-brasileira e Africana e, finalmente, alcançar o efetivo
cumprimento do parecer 297/2009 do Conselho Esta-
dual de Educação que institui normas complementares
às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana e trata da obrigatorie-
dade da inclusão do estudo da história e cultura indíge-
na, nos currículos escolares das instituições de ensino,
integrantes do Sistema Estadual de Ensino.1
A ação de Assessoria Pedagógica proposta, consiste
em realizações de formação diretamente com o as-
sessor e na criação, articulada com professores(as) da
RME, Universidades, organismos governamentais e não
governamentais, agentes do movimento social e cultural
da cidade, de espaços de formação continuada para o
corpo docente da RME, na perspectiva de acrescer, junto
ao conceito de educação integral da Secretaria Muni-
cipal de Educação de Porto Alegre, princípios metodo-
lógicos de ação didática, que tenham foco a busca de
1 Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação Continuada, alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional da Educação. Câmara Nacional de Educação Básica.
uma educação para a diversidade racial, multicultural e
pluriétnica, em todos os níveis e modalidades de en-
sino das comunidades escolares municipais, os quais
possam viabilizar experiências educativas de divulgação
e promoção de costumes, saberes, conhecimentos e
atitudes, de maneira equânime de todas as especificida-
des das culturas e etnias de Porto Alegre, nos ambientes
escolares de ensino.
A articulação dos serviços de Formação Continuada
da Assessoria de Educação das Relações Étnico-Raciais,
ocorre tanto à RME quanto para entidades educativas
conveniadas, no que se refere elucidação dos conceitos,
posturas, saberes e conhecimentos da Educação das Re-
lações Étnico-Raciais para educadores sociais e profis-
sionais da educação, funcionários estatutários do qua-
dro de professores e professoras da Rede Municipal de
Ensino de Porto Alegre. A principal metodologia utiliza-
da no trabalho da Assessoria de Educação das Relações
Étnico-Raciais de Porto Alegre é a Pedagogia Griô, como
reinvenção das infinitas possibilidades de construção de
vínculos afetivos entre professores, professoras, estu-
dantes e comunidade em geral nas escolas municipais.
Os fundamentos da ação da Assessoria de Educação das
Relações Étnico-Raciais, tem origem na formação de seu
coordenador Vanderlei de P. Gomes, professor de Teatro
(Graduado na UERGS - Pedagogia da Arte, qualificação
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em Teatro Licenciatura), músico e Griô Aprendiz forma-
do na Pedagogia Griô. Sendo assim, as proposições da
Assessoria de Educação das Relações Étnico-Raciais são
produtos de uma caminhada pessoal que, não fosse a
existência de mestres e mestras de saberes populares
de tradição oral, os Griôs das várias regiões de nosso
país, não teria sua viabilidade encantadora de resistên-
cia cultural, utilizando-se, em função disso, os elemen-
tos que constituem a Pedagogia Griô, que absorve e so-
cializa conhecimentos e práticas dos saberes populares
de tradição oral, nas práticas de formação continuada
dessa Assessoria.
É dessa forma que fica evidente os fundamentos que
embasam a atuação da Assessoria de Educação das Re-
lações Étnico-Raciais, advindos dos princípios identifi-
cados em práticas dos programas pedagógicos de Vanda
Machado, baiana, doutora em educação que, inclusive,
foi uma das assessoras pedagógicas da Ação Griô Nacio-
nal, Líllian Pacheco e Márcio Caires, educadores criado-
res e coordenadores da Ação Griô Nacional, do Ponto de
Cultura Grãos de Luz e Griô e da Pedagogia Griô e, além
de interações com outros Pontos de Culturas e Organi-
zações, tais como: Nina Griô, de Campinas (SP), Bola de
Meia, de São José (SP) e, principalmente, Griôs, Mestres
e Mestras Griôs, os mestres e mestras de saberes po-
pulares de tradição oral do Rio Grande do Sul e do país.
Pessoas como D. Andila Kaingang (professora e pedago-
ga da comunidade Kaingang de Ronda Alta-RS), mestres
e mestras de Porto Alegre, como o Mestre Renato Beabá
de Angola, Mestra D. Elaine (comunidade Mocambo),
professora D. Franquilina, Mestre Chico, Mestra Iara e
Paulo Romeu (Odomodê), Professor Pernambuco, Pingo
(filho do Mestre Borel), Zezão da Terreira, Mestre Guto
Africanamente (capoeira), Baba Diba de Iemonjá, Nina
Fola, Jessé (Grupo Caixa Preta), Dra. Rosa Rosado M’Byá,
Vherá Poty (Cacique M’Byá Guarani) e Grupo de Ação
Afirmativa Afrodescendente e seu núcleo de ação cultu-
ral e cinematográfica.
Dentro da demanda atual do cotidiano das escolas
municipais a Educação das Relações Étnico-Raciais é
um fator que vem consolidando-se como ferramenta
importante nas questões que se referem à afirmação
positiva das relações humanas contidas nos encontros
dos processos de ensino-aprendizagem. Essas relações
são previamente definidas em projetos apresentados ao
setor pedagógico da mantenedora, cujas características
fundamentais referem-se aos assuntos de ordem cul-
tural, ambiental e étnica, que definem posturas à cria-
ção de espaços de convivências, divulgação, promoção
e garantia de direitos e deveres ligados à diversidade
racial, multicultural é pluriétnica das crianças e jovens
recebidos, principalmente, nos ambientes formais de
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ensino e educação. Nesse sentido, temos a Educação das
Relações Étnico-Raciais focada na prática de criação de
bons encontros da Pedagogia Griô, atuante no sentido
de fomentar o surgimento de experiências “reflexivas”
que a escola deve propiciar aos seus alunos, para que
seus ambientes possam voltar a fazer parte de ações
que marquem positivamente a vida dos e das estudan-
tes da Rede Municipal de Ensino.
O tratamento com os professores da rede, feito pela
Assessoria de Educação das Relações Étnico-Raciais, vai
desde o contato direto com os professores-referências
nos encontros de Formação Continuada de cada escola
até o acompanhamento das ações de professores-agen-
tes sociais proponentes (PAS), como são denominados
nessa assessoria. Os PAS são os elementos fundado-
res de instrumentos de uma ação pedagógica geradora
da diminuição das tensões entre a escola normal, em
relação ao que a escola integral vem inovando e pro-
pondo às comunidades escolares. A partir do estudo e
convivência coletiva com a realidade étnico-cultural dos
alunos e alunas, os projetos, elaborados por professo-
res e agentes comunitários, artistas, ONGs e alunos, são
apresentados para serem analisados pelo pedagógico
da SMED (Secretaria Municipal de Educação) de Porto
Alegre e instalados dentro da dinâmica estrutural do
conceito de Educação Integral da Rede Municipal de
Ensino2, através de um programa denominado Cidade
Escola, que garante horas a educadores sociais e profes-
sores da rede para trabalhos em temáticas específicas,
durante todo o ano em turno e contra turno. É nesse
ínterim que age a Pedagogia Griô, focada em projetos
propostos que têm como proposição fundante assuntos
ligados à Educação das Relações Étnico-Raciais, ambien-
tais e de expressão artística.
A operacionalidade da ação proposta nos projetos
apresentados, gera os encaminhamentos que vão sen-
do estruturados no ambiente formal de ensino, com
horários específicos a sua aplicabilidade. O projeto e
a ação resultam em uma catalização, no ambiente das
escolas, de valores culturais das etnias que compõem a
diversidade cultural da comunidade escolar, através de
suas provocações a alunos, professores, funcionários e
comunidade em geral. Assim, com a ajuda da Assessoria
de Educação das Relações Étnico-Raciais, vão estrutu-
rando-se redes de colaboração entre a escola e os agen-
tes comunitários que as cercam: pais, mães, responsá-
veis, ONGs, associações, clubes, igrejas, casas de religião
2 Articulada pelo Programa Cidade Escola da Secretaria Municipal de Edu-cação de Porto Alegre e na condição de instrumento de política pública, a educação integral atende três vertentes: a ampliação do turno escolar, a complementação do currículo de atividades no “contraturno” e a sustenta-ção financeira de resgate do currículo em jornada integral.( http://www2.portoalegre.rs.gov.br/)
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de matriz africana, terreiros e comunidades de terreiros,
grupos culturais, artistas, comunidades de quilombos
urbanos, religiosos em geral, entre outros organismos
sociais e culturais. Os espaços de projetos de Educação
das Relações Étnico-Raciais, dentro do Programa Cidade
Escola, constituem-se em um dos ambientes principais
à consolicação da abertura diferenciada e qualitativa
dos portões das escolas municipais à efetiva construção
do encontro entre os saberes da escola e os saberes da
localidade na qual ela está instalada.
Pedagogia Griô como instrumento da formação continuada de professores
Algumas escolas começam a propor uma prática de
ensino onde experiências reais, com fins em si mes-
mas, e não apenas “preparatórias”, onde relações inter-
pessoais, baseadas no respeito mútuo, se estabelecem
em diversos níveis e onde os aprendizados científicos
e para as vidas públicas e privadas acontecem de ma-
neira integrada (Dewey, 1990). É nesse contexto que a
Pedagogia Griô surge como uma ferramenta fundamen-
tal utilizada pela Assessoria de Educação das Relações
Étnico-Raciais.
Essa nova dinâmica do cotidiano escolar, leva em
consideração aspectos que são estruturados, a partir de
realidades conflitantes dos modos de ser e fazer, nele
encontrados. A Pedagogia Griô situa-se nas escolhas
emblemáticas entre os professores, com suas forma-
ções culturais pessoais, juntamente com as ações de
realizações de experimentações efetivas, advindas da
formação cultural de cada aluno participante dos proje-
tos, que trazem novos e diferentes personagens, cores e
linguagens ao ambiente formal de educação, tais como:
Mestres e Mestras Griôs de várias regiões da cidade
e projetos sociais relacionados a grupos religiosos de
matriz africana, povos indígenas (trazidos e visitados),
ciganos, descendentes de italianos, judeus e alemães,
capoeiristas, tamboreiros, dançarinos, bailarinas, além
de grupos de teatro e estudantes universitários.
E nesse ambiente, que se cria e vai expondo, nas
paredes das escolas, emblemas simbólicos da existên-
cia de patrimônios materiais e imateriais dos povos e
etnias que constituem a população da cidade de Porto
Alegre. Criam-se diversas possibilidades de trocas no
exercício prático do respeito à diferença, na convivência
diária: ações de combate ao racismo, sexismo, machis-
mo e homofobias, por meio da comunicação, exposição
e promoção de experiências, que consolidam dentro
daquilo que vem sendo denominado Educação Integral
em Porto Alegre. È a Pedagogia Griô pedindo passagem e
integrando as várias identidades coletivas e suas iden-
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tidades individuais, dos grupos agremiados em cada
bairro, vila, comunidade, nas quais estão instaladas as
escolas Municipais.
As ferramentas evidentes da Pedagogia Griô são as
que explicitamente provocam reverberações nas rela-
ções interpessoais dos entes aprendentes que parti-
cipam dos projetos aprovados pelo programa Cidade
Escola e executados durante o ano letivo em sua maio-
ria nas relações extraclasse do ambiente escolar. São
proposições ligadas às rodas de conversas “informais”,
estruturação de grupos de teatro que tenham assun-
tos temáticos ligados à questões ambientais e com-
portamentais, além das proposições que já trazem em
seu bojo a participação de Mestres e Mestras Griôs de
ofícios e folguedos específicos, tais como os mestres
confeccionadores de tambores, capoeiristas, contadoras
de história, coletivos de griozinhos (crianças contadoras
de história), Mestras Griôs de customização, projetos
focados nas danças folclóricas locais e do país, coletivos
articuladores da oralidade via equipamentos de novas
tecnologias, além de uma infinidade de outras ativida-
des ligadas a territórios indígenas visitados e trazidos
aos ambientes escolares, territórios negros da cidade,
que são estudados in loco, com programas de coletas de
imagem desenhada, grafitada ou fotografada.
Relato sobre a mudança de abordagem da forma-ção continuada
A Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre é, pro-
vavelmente, uma das redes de capitais de Estado cuja
formação acadêmica, dos professores atuantes em sala
de aula, atinge um alto nível. De um total aproximado
de 4.300 professores, distribuídos em 96, 83,2% dos pro-
fissionais são graduados, dos quais 39,9% são mestres e
doutores que atuam em sala de aula e outra parte são
todos especialistas.
Essa ilustração de observações numéricas sobre a for-
mação dos profissionais de educação atuantes em sala
de aula, fornecidas pelo SIE/SMED Porto Alegre (Sistema
de Informações e Estatísticas) serve para que possamos
afirmar o quanto ainda se enfrenta resistências, dentro
do trabalho com a Pedagogia Griô, que é realizado pela
Assessoria de Educação das Relações Étnico-Raciais, na
rede de ensino municipal. As formações precisam ser
bem fundamentadas dentro dos aspectos teóricos e a
reflexão realizada, por coordenadores anteriores des-
sa Assessoria de Educação das Relações Étnico-Raciais,
colocava a condição da discussão teórica antecipada
à fruição vivencial, o que foi invertido na postura das
ações do novo Assessor de Educação das Relações
Étnico-Raciais, uma vez que a formação acadêmica e
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cultural desse funcionário é permeada por elementos
da educação, pertencentes, ao campo das artes do corpo
e da vivência presencial, antecipada à fundamentação
teórica, aprendizado que é reforçado pelas proposições
ou modos de vida dos Mestres e Mestras Griôs.
A metodologia dos encontros de formação conti-
nuada, reintroduzida a partir do ano de 2012, pela nova
composição da Assessoria de Educação das Relações
Étnico-Raciais, aproximou-se muito da ação didático-pe-
dagógica de oficineiros e educadores sociais (em sua
grande maioria não graduados) já atuantes dentro dos
ambientes formais das unidades de ensino da rede, que
geralmente não são incluídos com boa consideração nos
planejamentos pedagógicos, realizados pelos serviços de
orientação e supervisão “oficiais” das unidades de ensino.
As ações vivenciais nos encontros dos professores e
professoras, passou a exigir, previamente, os seguintes
requisistos para sua realização: roupa adequada para
participação, um mínimo de três horas para sua efeti-
vação, um espaço físico em que se possa fazer rodas
e danças, um equipamento de som, datashow, entre
outros materiais necessários à confecção de instrumen-
tos didático-pedagógicos, além da abertura do convite à
participação de outros agentes, que não apenas profes-
sores e professoras, profissionais de sala de aula.
Nos encontros de formação continuada, com a
Assessoria de Educação das Relações Étnico-Raciais, a
prioridade foi dada ao processo do encontro mais hu-
manizado em busca de saber que professor é esse, bem
graduado, que atua em comunidades escolares tem,
muitas vezes, a maioria de sua clientela com formação
cultural, extremamente, distinta da sua. A ação de for-
mação continuada se antecipa à observação do elemen-
to teórico, então fundante da relação ensino-aprendiza-
gem e vai ao encontro de envolver afetivamente, através
da história de vida de cada professor, suas memórias
físicas e emocionais, para depois avançar às funda-
mentações mais teóricas e experiências das formações
acadêmicas de cada professor, aliadas ao nível de expe-
rimentações ligadas ao tempo de cada professor na rede
de ensino municipal, respeitando-se os mais velhos
educadores e educadoras dessa caminhada de formação
continuada no campo institucional da educação.
No contexto acima ilustrado, enviamos, previamente
para cada escola materiais (textos, vídeos e referên-
cias bibliográficas) sobre os fundamentos da Pedagogia
Griô, que mostram (visibilizando e valorizando) desde
os mestres da Rede Ação Griô Nacional em conceitos in-
seridos pela Dra. Líllian Pacheco e Márcio Caires, até os
fundamentos de Griôs da história do país, como Abdias
do Nascimento e tantos outros, do Estado do Rio Gran-
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de do Sul, de Porto Alegre. Quando o Assessor Peda-
gógico de Educação das Relações Étnico-Raciais chega
na escola para trabalhar com o grupo de professores e
professoras, alguns já tem noções sobre os fundamen-
tos da Pedagogia Griô, então parte-se para a vivência
mais integral de corpo e pensamento, o que surpreende
grande maioria de participantes. A metodologia é guiada
pelos valores civilizatórios afro-brasileiros e indígenas:
corporeidade, oralidade, axé, ludicidade, circularidade,
ancestralidade, religiosidade, territorialidade, musicali-
dade, cooperativismo, comunitarismo e memória.
O encontro visa construir uma “aura” de alegria, leve-
za, abertura e cumplicidade entre o grupo que está na
formação para possibilitar um momento de se conhe-
cerem sem a mediação da excessiva verbalização esté-
ril. Os colegas são colocados em círculo e começamos
um conjunto de ações com os pedidos de respeito aos
nossos ancestrais aos mais velhos presentes, avança-
mos para cantorias e, logo após, o grupo de participan-
tes é introduzido em um conjunto de jogos do teatro
do oprimido, para desestruturação dos gestos e com-
portamentos condicionados, abertura para o momento
criativo e de alto potencial de crítica que vamos fazer
em nossa abordagem teórica, em relação à escola onde
atuamos na qual percebemos o quanto estamos vicia-
dos e mergulhados, reforçando velhos preconceitos ra-
cistas, homofóbicos, de gênero e sexualidade, com nos-
sas posturas etnocêntricas e obtusas quanto ao que se
refere às diversidades existentes, diariamente, na pró-
pria escola onde os professores e professoras atuam.
No meio da vivência, retomamos cantorias e danças e
ao final ainda construímos jogos lúdicos nos quais as
pessoas (professores e professoras presentes) deixam
transparecer crianças envolvidas por um corpo adulto
que tornou-se sisudo e fechado a propostas vívidas que
permeiam o dia a dia de trabalho, que na maioria das
vezes, deixadas à margem, são consideradas não con-
dizentes com os objetivos e metas do ritual viciado das
rotinas do ano letivo e seus currículos escolares.
Durante a vivência são evidenciados os Valores Civi-
lizatórios Afro-Brasileiros e Indígenas, junto de cada um
dos exercícios. Os mais difíceis de serem compreendi-
dos são aqueles ligados aos ritos indígenas e de religio-
sidades de matriz africana ou afro-brasileiras, junto dos
quais identificamos muitas posturas, dos participantes
da formação continuada, relacionadas ao preconceito
quanto ao diferente, da cultura de outros povos, que
não os europeus. A última parte do encontro é uma
apresentação dos conceitos, de onde vêm, aliado aos
porquês que a escola precisa entender para abrir seus
portões aos saberes das ciências empíricas trazidos por
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Mestres e Mestras Griôs de saberes populares de tradi-
ção oral de sua região, de sua cidade ou país.
A cada ano trabalhamos em número cada vez maior
de escolas com essa metodologia. O primeiro encontro é
o mais intenso, posteriormente retomamos relações com
professores em trabalhos de planejamentos de aborda-
gens, que são mais ligados ao que se chama de conteúdo
curricular, para que se possa envolver alunos, Mestres e
Mestras Griôs, estudiosos e, principalmente, crianças e
adolescentes na abordagem didático-pedagógica.
Esse ano introduzimos a formação com Pedagogia
Griô em 70 (setenta), das noventa e seis escolas da rede,
entretanto, ainda temos um problema quanto a conti-
nuidade de proposição posterior ao primeiro encontro
de formação continuada. Das 70 escolas apenas 42 estão
em um trabalho que exige um acompanhamento mais
continuado, após o primeiro encontro da Assessoria de
Educação das Relações Étnico-Raciais.
Com as ferramentas pedagógicas que constituem à
Pedagogia Griô, com seu jeito de penetrar na “dureza” e
rotina fria da escola formal, utilizando-se de muita frui-
ção artística, alegria, respeito, encantamento e carisma
inicia-se então, o alargamento de seu espaço de exercí-
cio de ensino, por esse motivo não é incomum notar-
mos que várias das produções que ocorrem em uma
ação do Cidade Escola3, com as temáticas da Educação
das Relações Étnico-Raciais de uma comunidade escolar
da Região Norte possa ser apresentada, por seu profes-
sor, ou agente cultural responsável, como boa prática
pedagógica, como vivência em uma Escola da Região Sul
e vice-versa.
O que devemos garantir, para além da aplicabilidade
das leis, é que o processo educacional, em sua lógica
mais integral, caracterizado pela interação entre ação,
interesse, compartilhamento e pensamento continue
se realizando da mesma forma e em condições ainda
melhores, pois os estudos da Educação das Relações
Étnico-Raciais, trazidos ao ambiente formal de educa-
ção apropriam-se, na sua maioria, de conteúdos pou-
co vivenciados dentro do ambiente escolar. Apesar da
escola ser laica, ainda enfrentamos muitas dificuldades
na compreensão do papel da mantenedora, na execução
de um serviço educativo com equidade e sem racismo,
principalmente, nos estudos que referem-se às temá-
ticas da mitologia africana e de povos indígenas, suas
ritualidades e religiões, sazonalidades e outras perspec-
tivas de cosmovisões de povos ciganos, negros, judeus,
indígenas e asiáticos.
3 Programa responsável pelo processo de instalação da educação integral em toda a rede de ensino de Porto Alegre, utilizando-se de envolvimento das horas de projetos que as escolas tenham em contraturno.
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A Educação das Relações Étnico-Raciais, com a Peda-
gogia Griô e dentro das novas dinâmicas propostas pelo
modelo de Educação Integral da Rede Municipal de En-
sino de Porto Alegre (RME-POA), acrescenta aos espaços
formais de educação das escolas da cidade novas cores,
novos sabores, novos jeitos de fazer e de saber, sobre
povos, nações e culturas não europeias, pois ainda te-
mos, na maioria das escolas do país, um olhar ainda ex-
cessivamente centrado na cultura dos povos europeus,
que acaba deixando à margem crianças, jovens e adoles-
centes que precisam conviver, na escola normal, com as
referências da cultura, seus saberes e conhecimentos,
de outros povos que também compõem a diversidade
cultural, multirracial e pluriétnica do povo brasileiro.
Fórum Ubuntu de prática pedagógicas em educa-ção das relações étnico-raciais
A ação mais ampla da Assessoria de Educação das
Relações Étnico-Raciais em sua meta de divulgação da
Pedagogia Griô, amplia-se em toda a rede de ensino
de Porto Alegre, tendo como meta principal o encanta-
mento e a sensibilização de professores a fim de que
os mesmos criem coragem de assumir novas posturas
e metodologias para suas práticas de ensino-aprendiza-
gem e possam entender a necessidade pessoal e profis-
sional de se reconectarem à vida de si e de seus pró-
prios alunos e alunas dentro dos ambientes escolares.
Nas escolas nas quais temos essa nova postura fica evi-
dente a real possibilidade da retomada de relações mais
humanizadas nos ambientes com o alcance da necessária
flexibilização das rotinas e burocracias da escola, o que
vem diminuindo drasticamente a violência existentes nas
relações interpessoais nos processos de ensino-aprendi-
zagem, reduzindo evasão e desistência escolares.
Para que se pudesse ter o efeito de como essa prática
existe e é intensa, com a utilização de várias metodologias
e diferentes epistemologias, que ainda não tinham sido
vistas sob a ótica da Pedagogia Griô, foi criado um espaço
ao final do ano letivo, que denominamos UBUNTU. Um
encontro realizado em dois dias, com inscrição prévia
de relatores e relatoras, para mostra e demonstração de
boas práticas realizadas durante o ano letivo nas escolas
da rede municipal de ensino. Nesse encontro, expõem
os trabalhos os professores e professoras e seus alunos,
ou outro colaborador, Mestre ou Mestra Griô, agente
cultural comunitário, artista da cidade, entre outros tan-
tos participantes que constaram na boa prática pedagó-
gica.
UBUNTU, definido como a filosofia de povos afri-
canos, trazida à luz da humanidade pelo Presidente
Nelson Mandela da Àfrica do Sul, refere-se ao fato da
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diminuição da ação do pronome pessoal de autoria in-
dividual em ações pedagógicas “EU”, e sua amplificação
para o pronome pessoal “NÓS”, traduzido no significado
maior da filosofia UBUNTU, nas frases proferidas por
Mandela “Eu sou, porque somos todos nós”, “Eu sou,
porque todos nós somos”.
O III Fórum Ubuntu de Práticas Pedagógicas da SMED
Porto Alegre, teve a participação de 43 escolas e 60 rela-
toras de práticas. Os relatores são professores e alunos
que expõem ou apresentam resultados práticos de con-
tação de história, teatro, música, painéis desenhados,
artefatos produzidos pelas escolas, esculturas, totens,
máscaras, tambores e instrumentos musicais diversos,
feitos com materiais recicláveis, grupos de vozes e rit-
mos corporais, desfiles de orixás, jogos indígenas e de
culturas de povos africanos, entre outras vivências pro-
postas nos ambientes escolares, como ferramentas pos-
síveis aos processos de instrução, maiores instrumentos
pedagógicos de geração de motivação aos encontros das
escolas com seus assistidos.
A Pedagogia Griô constitui-se em uma ferramenta
essencial à garantia de continuidade dos encontros de
formação e de assessoria entre professores e o Asses-
sor Pedagógico de Educação das Relações Étnico-Raciais
da SMED Porto Alegre, uma vez que ela evidencia, antes
de relações pragmáticas, que possibilitam o encontro
apenas no papel, a identificação da geografia dos corpos
atuantes na educação, sejam eles dos e das estudantes,
dos professores e professoras e dos corpos e saberes
de seus agentes locais. É prioridade a corporificação de
exemplos pela prática do respeito ao valor sagrado do
encontro que tem por base a troca de saberes e conhe-
cimentos entre as pessoas humanas, seja nos ambientes
da educação formal (escolas públicas), seja nos ambien-
tes da educação informal: associações de bairro, CTGs,
clubes, Escolas de Samba, terreiros, sedes e núcleos de
expressões artísticas, ateliês, entre outros espaços pos-
síveis que a escola atual começa a entender como ne-
cessários ao desvelamento de atitudes racistas, sexistas
e homofóbicas, em prol de uma vida mais integralizada
com elementos da natureza e do cosmos.
Referências bibliográficas
Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação
Básica. Secretaria de Educação Continuada, fabetiza-
ção, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional da
Educação. Câmara Nacional de Educação Básica.
PACHECO, Líllian. Pedagogia Griô – A reinvenção da
Roda da Vida. Grão de Luz e Griôs, Lençóis/BA, 2006.
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Articulada pelo Programa Cidade Escola da Secretaria
Municipal de Educação de Porto Alegre e, na condi-
ção de instrumento de política pública, a educação
integral atende três vertentes: a ampliação do turno
escolar, a complementação do currículo de atividades
no “contraturno” e a sustentação financeira de res-
gate do currículo em jornada integral.(http://www2.
portoalegre.rs.gov.br)
Programa responsável pelo processo de instalação da
educação integral em toda a rede de ensino de Porto
Alegre, utilizando-se de envolvimento das horas de
projetos que as escolas tenham, em contraturno.