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NALI DE JESUS SOUZA
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Capítulos complementares ao livroDesenvolvimento Econômico
MATERIAL DE SITE
SÃO PAULOEDITORA ATLAS S.A. – 2005
SUMÁRIO
1 Indicadores de desenvolvimento econômico
2 Estrangulamento externo da economia brasileira
3 Modelos neoclássicos de crescimento econômico
4 Crescimento econômico da Rússia, México e Brasil
5 Desenvolvimento de outros países: França, Alemanha, Itália, Portugal, Canadá e
Austrália
6 Desenvolvimento segundo Stuart Mill e Alfred Marshall
7 Pensamento econômico brasileiro
8 Globalização e liberalização da economia mundial
9 Teoria dos pólos de crescimento de François Perroux
10 Setores-chave da economia brasileira
11 Integração regional e Mercosul
12 Inovações tecnológicas na agricultura
1INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO1
SOUZA, Nali de Jesus.Desenvolvimento Econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
Em meados dos anos de 1990, Hirschman constatou na América Latina o
surgimento de uma nova consciência acerca do desenvolvimento. Entre 1950/1981, o
PIB da região foi multiplicado por cinco, em termos reais, e o crescimento da renda
per capita acompanhou o crescimento demográfico (2,7%), passando de US$ 420 para
US$ 960, a preços de 1970. Os indicadores sociais da região melhoraram no período:
a vida média passou de 50 para 65 anos; a taxa de mortalidade infantil reduziu-se de
130 por mil para 50 por mil; a educação primária universalizou-se; a taxa de
natalidade reduziu-se de 4,5% para 3%, em função do uso generalizado de
anticoncepcionais, sobretudo pelas classes média e rica. Ele concluiu que os
indicadores sociais estão melhorando, apesar do crescimento da dívida externa e da
inflação. A melhoria desses indicadores depende tanto da educação e da
conscientização social dos governantes, como do aumento da renda per capita(Hirschman, 1996, p. 881-890).
Esse mesmo fenômeno parece estar ocorrendo em nível mundial. Entre
1990/1999, o valor agregado pela indústria, como percentual do PIB, reduziu-se de
31% para 30% nas economias de baixa renda e de 39% para 36% nos países de renda
média. Ao mesmo tempo, entre 1980/1998, a taxa de mortalidade de menores de
cinco anos reduziu-se nesses países, respectivamente, de 177 por mil nascidos vivos
para 107 por mil, e de 79 por mil para 38 por mil. Melhoria similar ocorreu no
número de matrículas nas escolas primárias e secundárias (Banco Mundial, 2003).
1 Correlação entre indicadores de desenvolvimento
O crescimento da renda, variável fundamental do desenvolvimento, não se
explica apenas pelo emprego de mais capital ou de mais trabalho. A educação geral e
a educação feminina apresentam correlação positiva e significativa com o crescimento
da renda (Tabela 1). Não se observa correlação significativa entre crescimento da
renda e níveis de liberdades políticas e individuais; no entanto, verifica-se correlação
positiva de certa magnitude entre esta última variável e o declínio da mortalidade
infantil, nível de educação em geral e educação feminina, tanto em termos absolutos 1 Esta é uma versão ampliada da seção 1.3 do livro Desenvolvimento Econômico (Souza, 2005).
como em termos de variação.
Maior liberdade pessoal significa imprensa livre e debate público aberto, o que
certamente tem influência sobre indicadores de bem-estar. Indiretamente, no entanto,
a variável não econômica liberdades políticas e individuais influencia o crescimento
da renda, pois as variáveis educacionais, absolutas e relativas, correlacionam-se com o
crescimento da renda. A variável “declínio da mortalidade infantil” correlaciona-se
positivamente, na ordem, com o nível de educação feminina, nível de educação em
geral, liberdades políticas e individuais e variação na educação feminina. Outro
estudo do Banco Mundial (1991), envolvendo países selecionados no período de
1960/1987, concluiu que maior nível de educação feminina (mãe, avós, tias, irmãs)
reduz a taxa de mortalidade infantil. Se as mães passam a amamentar os recém-
nascidos no peito, a esterilizar a mamadeira e a aplicar soro caseiro, certamente
muitas doenças poderão ser evitadas.
Tabela 1 Matriz de correlação para medições do desenvolvimento mundial, 1973/1987.
Indicadores dedesenvolvimento
Cresci-mento da
renda
Declínioda morta-
lidadeInfantil
Variaçãoda
educa-ção emgeral
Variaçãoda
educa-ção
feminina
Variação dadefasagem entre
educaçãomasculina/feminina
Nível deeducaçãoem geral
Nível deeducaçãofeminina
Liberdadespolíticas eindividuais
Crescimento da renda 1,00 0,30 0,12* 0,23 0,31 0,42 0,37 0,19*Declínio da mortalidadeinfantil − 1,00 0,27 0,41 0,29 0,67 0,71 0,59Variação da educaçãogeral − − 1,00 0,92 -0,18* 0,30 0,25 0,32*Variação da educaçãofeminina − − − 1,00 0,22 0,52 0,48 0,28Var. defasagem entreeduc. masc./feminina − − − − 1,00 0,55 0,56 0,39Nível da educação emgeral − − − − − 1,00 0,98 0,57Nível da educação femi-nina − − − − − − 1,00 0,63Liberdades políticas eindividuais − − − − − − − 1,00
Fonte: Banco Mundial (1991, p. 57).Nota: Amostra de 68 economias. Os coeficientes de correlação são significativos pelo menos a 10%, salvo os com asterisco.
Tendo em vista que o desenvolvimento econômico é definido pelo aumento
contínuo dos níveis de vida, incluindo maior consumo de produtos e de serviços
básicos para o conjunto da população, apenas o valor da renda per capita é
insuficiente para refletir corretamente os diferenciais de desenvolvimento entre países
ou regiões. Torna-se necessário, portanto, considerar indicadores adicionais que
possam refletir melhorias sociais e econômicas, como mais alimentação, melhor
atendimento médico e odontológico, educação mais qualificada, mais segurança e
melhor qualidade do meio ambiente. Medidas destinadas a reduzir a pobreza podem
ser indispensáveis quando forem grandes a concentração da renda e o contingente de
pessoas carentes. Nem sempre maior nível de renda significa melhores índices de
desenvolvimento. Determinados indicadores, como mortalidade infantil, número de
matrículas escolares, igualdade dos sexos na educação e liberdades políticas
apresentam uma correlação imperfeita com a renda per capita. Contudo, a distribuição
direta de renda através de programas de saúde, educação e alimentação da população
mais pobre é indispensável para a melhoria dos indicadores de desenvolvimento.2
2 Indicadores econômicos globais do desenvolvimento mundial
Nas últimas décadas, percebe-se uma melhoria dos indicadores econômicos e
sociais em todo o mundo, com certa redistribuição de renda entre os países. Entre
1980/1993, a taxa média de crescimento anual do PNB per capita foi de 3,7% em
economias de baixa renda, de apenas 0,2% nas economias de renda média e de 2,2%
nas economias de alta renda. Nesse período, o crescimento médio anual do
investimento interno bruto nessas economias foi, respectivamente, de 6,1%, 1,3% e
3,4%. O crescimento demográfico nas economias mais pobres, no entanto,
apresentou-se de modo mais acelerado no período (2%), sendo amplamente
compensado pelo ritmo da formação de capital (Banco Mundial, 1991 e 1995).
Da mesma forma, alguns indicadores mostram que o nível de vida vem
aumentaNdo em nível mundial. Entre 1988 e 1993, a expectativa de vida elevou-se de
60 para 62 anos nos países pobres, de 66 para 68 nas economias de renda média e de
76 para 77 nos países ricos. No período de 1985 a 1990, o analfabetismo entre
adultos reduziu-se de 44% para 41% nos países pobres, de 26% para 17% nas
economias de renda média e de 24% para 14% nas economias de renda média alta.
Entre 1970 e 1998, a taxa de mortalidade infantil por mil nascidos vivos reduziu-se
2 O Programa Nacional da Bolsa-Escola foi criado em 2001 para atender às famílias com renda per
capita mensal de até R$ 90, com crianças de 6 a 15 anos que estiverem freqüentando o EnsinoFundamental. O programa consiste em repassar a essas famílias R$ 15 por criança na escola, até olimite de R$ 45 por família. A cada três meses, a freqüência das crianças na escola é avaliada e oprograma renovado ou suspenso. O Governo Lula lançou em janeiro de 2003 o Programa Fome-Zero,para as pessoas carentes, sendo financiado com recursos públicos e por doações da comunidade.
substancialmente. Assim, nos anos de 1970, 1980 e 1998, essas taxas caíram,
respectivamente, de 108 para 97 e 68 nos países pobres, de 74 para 60 e 31 nas
economias de renda média e de 19 para 12 e 6 nos países ricos (Banco Mundial, 1990,
1995 e 2003).3
Tradicionalmente, a renda per capita tem sido usada como o principal indicador
de desenvolvimento. É um indicador importante; porém, como média, camufla a
distribuição de renda, não refletindo o nível de bem-estar da população de baixa
renda, que pode ser bastante numerosa. Economias com renda muito concentrada,
como a dos países exportadores de petróleo do Oriente Médio, possuem altas rendas
per capita. Existe nesses países, porém, um número reduzido de pessoas ricas, com a
maioria da população vivendo na miséria.
Na Tabela 2 (coluna 1), observa-se que o PIB per capita (ponderado pela
paridade do poder de compra de cada país), correspondente a 2001, variava de US$
470 em Serra Leoa, o país mais pobre do mundo, a US$ 34.320 nos Estados Unidos, o
país mais rico e poderoso. Serra Leoa é o país com o menor Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), segundo o PNUD (0,275), apresentando a mais alta
taxa de mortalidade infantil (182 mortes por mil nascidos vivos) e a menor média de
vida (34,5 anos).4
Em 2001, o PIB per capita dos países de baixa renda foi de US$ 2.230, grupo no
qual se incluem a Índia (US$ 2.840) e o Paquistão (US$ 1.890), entre outros países.
No grupo das nações de renda média baixa (US$ 4.674), aparecem o Egito (US$
3.520), o Paraguai (US$ 5.210) e a Turquia (US$ 5.890). O Brasil (US$ 7.360)
encontra-se entre as economias com renda média alta (US$ 11.377), juntamente com
o México (US$ 8.430) e a Argentina (US$ 11.320). Entre os países de alta renda (US$
26.989), incluem-se Estados Unidos (US$ 34.320) e a maioria dos países europeus.
Em 2001, o PNB médio mundial foi igual a US$ 7.376.
Os países com as maiores taxas de crescimento anual do PIB per capita, entre
1990/2001, foram China (8,8%) e Coréia do Sul (4,7%). Nesse mesmo período, o PIB
per capita se reduziu em alguns países, como Serra Leoa (−6,6%) e Federação Russa
(−3,5%). No Brasil, ele ainda aumentou 1,4% no período, sendo bastante baixo seu
crescimento na África do Sul (0,2%), país que ainda tem graves problemas raciais, e
na Suíça (0,3%), provavelmente por ter chegado a alto nível de desenvolvimento. 3 Em 1993, a expectativa de vida ao nascer, no Brasil, chegava a 67 anos. Em 1970, esse valor era igual
a 54 anos nas cidades e 53 anos no campo. No meio urbano, o índice variava de 44 anos no NordesteCentral a 61 anos no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. No meio rural, a expectativa de vida eraligeiramente superior na maioria das regiões. A vida média era crescente, também, com o nível derenda em todas as regiões. A média brasileira no meio urbano alcançava 46 anos nos estratos maispobres, subindo a 53, 57 e a 62 anos nos estratos de renda mais elevada (Fava, 1984, p. 139).
4 País africano com 71.740 km2 e 4,8 milhões de habitantes em 2002. A extração de diamantes é aprincipal atividade econômica do país. A guerra civil da década de 1990, cuja paz ocorreu em 2001,matou mais de 30 mil pessoas.
Tabela 2 Indicadores selecionados do desenvolvimento mundial(continua)
AMOSTRA DEPAÍSES
POR NÍVEIS DE RENDA
(Y)
1) PIB percapita
(dólaresPPC 2001)
2)Taxamédia de
crescimentoanual do PIB
per capita(%,1990/
2001)
3) Taxamédia de
crescimentoanual doPNB (%,
1998/1999)
4) Taxamédia de
crescimentoanual da
população(1990/1999)
5) Taxa demor-talidadeinfantil (pormil nascidosvivos, 2001)
6) Expec-tativa devida ao
nascer (anosde vida,2001)
7) Gastopúblico comeducação (%
do PNB,1998/2000)
8) Despesascom saúde
(dólares PPCper capita,
2000)
9) Taxa dealfabetiza-
ção (15 anose mais, %,
2001)
10) A-cessoa sanea-mento
melhorado(%, 2000)
11) Acesso aágua tratada
(%, 2000)
I – BAIXA RENDA 2.230 1,6 4,4 2,0 127 59,1 3,35 1,36 63,0 44 76 1. Serra Leoa 470 −6,6 −8,1 2,4 182 34,5 1,0 24 36,0 66 57 2. Etiópia 810 2,4 7,4 2,8 116 45,7 4,8 14 40,3 12 24 3. Moçambique 1.140 4,3 8,6 2,2 125 39,2 2,4 30 45,2 43 57 4. Paquistão 1.890 1,2 3,6 2,5 84 60,4 1,8 76 44,0 62 90 5. Angola 2.040 −1,1 −35,5 3,2 154 40,2 2,7 52 42,0 44 38 6. Bolívia 2.300 1,4 2,2 2,4 60 63,3 5,5 145 86,0 70 83 7. Índia 2.840 4,0 6,9 1,8 67 63,3 4,1 71 58,0 28 84II – Y MÉDIA BAIXA 4.674a 1,6b 3,3 1,1 31b 69,2b 3,5e 3,0f 86,6b 60b 82b
8. Egito 3.520 2,5 5,7 1,9 35 68,3 4,85 143 56,1 98 97 9. Filipinas 3.840 1,0 3,6 2,3 29 69,5 4,2 167 95,1 83 86 10. China 4.020 8,8 7,2 1,1 31 70,6 2,1 205 85,8 40 75 11. Peru 4.570 2,4 3,4 1,7 30 69,4 3,3 238 90,2 71 80 12. Paraguai 5.210 −0,6 −1,5 2,7 26 70,5 5,0 323 93,5 94 78 13. Venezuela 5.670 −0,6 −6,8 2,2 19 73,5 5,2e 280 92,8 68 83 14. Turquia 5.890 1,7 −6,4 1,5 36 70,1 3,5 315 85,5 90 82III – Y MÉDIA ALTA 11.377a 1,6b 2,0 1,4 31b 69,2b 5,0e 3,3f 86,6b 60b 82b
15. FederaçãoRussa 7.100 −3,5 1,3 −0,1 29 66,6 4,4 405 99,6 − 99 16. Brasil 7.360 1,4 −2,0 1,4 31 67,8 4,7 631 87,3 76 87 17. Uruguai 8.400 2,1 −3,4 0,7 14 75,0 2,8 1.007 97,6 94 98 18. México 8.430 1,5 4,1 1,8 24 73,1 4,4 477 91,4 74 88 19. Chile 9.190 4,7 −1,4 1,5 10 75,8 4,2 697 95,9 96 93 20. África do Sul 11.290 0,2 0,8 2,0 56 50,9 5,5 663 85,6 87 86 21. Argentina 11.320 2,3 −2,9 1,3 16 73,9 4,0 1.091 96,9 80c 65d
22. Coréia do Sul 15.090 4,7 11,0 1,0 5 75,2 3,8 899 97,9 63 92 23. Grécia 17.440 2,0 3,3 0,4 5 78,1 3,8 1.349 97,3 100 − 24. Portugal 18.150 2,6 3,1 0,1 5 75,9 5,8 1.397 92,5 100 82d
AMOSTRA DEPAÍSES
POR NÍVEIS DE RENDA
(Y)
1) PIB percapita
(dólaresPPC 2001)
2) Taxamédia de
crescimentoanual do PIB
per capita(%,1990/
2001)
3) Taxamédia de
crescimentoanual doPNB (%,
1998/1999)
4) Taxamédia de
crescimentoanual da
população(1990/1999)
5) Taxa demortalidadeinfantil (pormil nascidosvivos, 2001)
6) Expec-tativa devida ao
nascer (anosde vida,2001)
7) Gastopúblico comeducação (%
do PNB,1998/2000)
8) Despesascom saúde
(dólares PPCper capita,
2000)
9) Taxa dealfabetiza-
ção (15 anose mais, %,
2001)
10) A-cessoa sanea-mento
melhorado(%, 2000)
11) Acesso aágua tratada
(%, 2000)
IV – ALTA RENDA 26.989 2,1 2,6 0,6 5 78,1 5,4e 6,2f 99,0 100 100 25. Espanha 20.150 2,2 3,7 0,2 4 79,1 4,5 1.547 97,7 100 100 26. França 23.990 1,5 2,4 0,5 4 78,7 5,8 2.380 99,0 100 100 27. Reino Unido 24.160 2,5 1,7 0,3 6 77,9 4,5 1.804 99,0 100 100 28. Suécia 24.180 1,7 3,9 0,4 3 79,9 7,8 2.101 99,0 100 100 29. Itália 24.670 1,4 1,0 0,2 4 78,6 4,5 2.028 98,5 100 100 30. Japão 25.130 1,0 1,0 0,3 3 81,3 3,5 2.009 99,0 100 100 31. Alemanha 25.350 1,2 1,2 0,4 4 78,0 4,6 2.768 99,0 100 100 32. Canadá 27.130 2,1 3,8 1,1 5 79,2 5,5 2.534 99,0 100 100 33. Suíça 28.100 0,3 1,4 0,7 5 79,0 5,5 3.161 99,0 100 100 34. Noruega 29.620 2,9 0,6 0,5 4 78,7 6,8 2.769 99,0 100 100 35. EUA 34.320 2,1 4,1 1,0 7 76,9 4,8 4.499 99,0 100 100MUNDO 7.376 1,2 2,7 1,0 56 66,7 4,8e 2,5f − 61 82Fontes: Banco Mundial. Relatório do Desenvolvimento Mundial 2000/2001; PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano 2003.Notas: a A média do PIB per capita de cada grupo de renda refere-se aos países apresentados na tabela; b Essa taxa de crescimento refere-se aos países de renda média, sem diferenciar entre média
baixa e média alta; c População com acesso a saneamento em áreas urbanas, 1990/96; d Os dados se referem a 1990/96; e Dados de 1997 (% do PNB); f Dados de 1990/98 (% do PNB);
Tabela 2 Indicadores selecionados do desenvolvimento mundial(conclusão)
AMOSTRA DEPAÍSES
POR NÍVEIS DE RENDA
(Y)
12. Taxamédia de
crescimentoanual do
valoragregadop/agricul-tura (%,
1990/1999)
13. Índice daprodução de
alimentos1996/1998
(1989/1991
= 100)
14. Valoragregadop/traba-lhador
agrícola(dólares de1995, 1996/
1998)
15.Tratorespor mil
trabalha-dores
agrícolas(1995/1997)
16. Taxamédia de
crescimentoanual do
valoragregado
p/indústria(%, 1990/
1999)
17. Taxamédia de
crescimentoanual das
exportações(%, 1990/
1999)
18. Taxa decresc. anualdo investi-
mentointerno
bruto (%,1990/1999)
19. Con-sumo de
eletricidadeper capitaem 2000(kwh)
20. Pedidosde patentes
p/resi-dentes(1997)
21. Variaçãomédia anualde desma-tamento(%,1990/1995, %)
22. Índice deGini
I – BAIXA RENDA 2,5 124,3 − − 1,1 5,3 −1,4 352 3.978 0,7 − 1. Serra Leoa 1,6 99,5 411 0 −7,1 −12,2 −10,3 − − 3,0 62,9 2. Etiópia 2,5 123,5 − 0 6,3 9,3 13,4 22 4 0,5 40,0 3. Moçambique 5,2 130,9 127 1 9,9 13,4 13,1 53 − 0,7 39,6 4. Paquistão 4,3 136,2 626 13 4,9 2,7 2,1 352 16 2,9 31,2 5. Angola −3,1 130,0 123 3 4,2 8,2 12,9 88 − 1,0 .. 6. Bolívia − 134,1 − 4 ¨ 4,9 10,1 387 17 1,2 42,0 7. Índia 3,8 119,9 406 6 6,7 11,3 7,4 355 − 0,0 37,8II – Y MÉDIA BAIXA 2,0 151,1 − − 5,2 6,7 3,5 1391 31.781 0,2 − 8. Egito 3,1 139,7 1.189 11 4,7 3,1 6,7 976 504 0,0 28,9 9. Filipinas 1,5 125,8 1.352 1 3,4 9,6 4,1 477 125 3,5 46,2 10. China 4,3 153,5 307 1 14,4 13,0 12,8 827 12.786 0,1 40,3 11. Peru 5,8 140,5 1.663 3 6,7 9,0 9,0 668 48 0,3 46,2 12. Paraguai 2,8 120,2 3.448 25 2,8 5,1 1,5 838 − 2,6 59,1 13. Venezuela 0,7 114,4 5.036 59 2,6 5,6 2,9 2.533 201 1,1 48,8 14. Turquia 1,6 111,3 1.858 58 4,8 11,9 4,6 1.468 233 0,0 41,5III – Y MÉDIA ALTA 1,9 118,5 − − 3,9 10,8 4,4 1.391 114.155 0,5 − 15. Federação
Russa −6,3 64,4 2.476106
−9,8 2,3 −13,3 4.181 15.277 0,0 48,7 16. Brasil 3,0 125,7 4.081 57 3,2 4,9 3,1 1.878 1.292 g 0,5 60,0 17. Uruguai 4,3 130,8 9.826 173 1,7 7,0 8,9 1.924 32 0,0 42,3 18. México 1,3 120,2 2.164 20 3,6 14,3 3,9 1.655 429 0,9 53,7 19. Chile 1,3 129,6 5.039 49 6,3 9,7 11,4 2.406 189 0,4 56,5 20. África do Sul 1,0 100,8 3.958 68 0,9 5,3 3,0 3.745 − 0,2 59,3 21. Argentina 3,1 125,9 9.597 190 4,8 8,7 9,1 2.038 824 0,3 − 22. Coréia do Sul 2,1 122,2 11.657 41 6,2 15,6 1,6 5.607 92.798 0,2 31,6 23. Grécia 2,0 99,0 − 277 −0,5 3,3 1,3 4.086 53 −2,3 32,7 24. Portugal −0,4 97,0 − 208 0,7 5,6 3,5 3.834 92 −0,9 35,6Notas: g Dado do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil (<www.inpi.gov.br>).
AMOSTRA DEPAÍSES
POR NÍVEIS DE RENDA
(Y)
12. Taxamédia de
crescimentoanual do
valoragregadop/agricul-tura (%,
1990/1999)
13. Índice daprodução de
alimentos1996/1998
(1989/1991
= 100)
14. Valoragregadop/traba-lhador
agrícola(dólares de1995, 1996/
1998)
15.Tratorespor mil
trabalha-dores
agrícolas(1995/1997)
16. Taxamédia de
crescimentoanual do
valoragregado
p/indústria(%, 1990/
1999)
17. Taxamédia de
crescimentoanual das
exportações(%, 1990/
1999)
18. Taxa decresc. anualdo investi-
mentointerno
bruto (%,1990/1999)
19. Con-sumo de
eletricidadeper capitaem 2000
(kwh/hora)
20. Pedidosde patentes
p/resi-dentes(1997)
21. Variaçãomédia anualde desma-tamento(%,1990/1995, %)
22. Índice deGini
IV – ALTA RENDA 0,8 107,5 − 906 2,6 6,5 2,6 8.651 648.093 −0,2 − 25. Espanha −2,5 110,1 13.499 546 − 10,9 −0,5 4.653 2.856 0,0 32,5 26. França 0,5 105,4 36.889 1.236 0,6 4,9 −1,6 6.539 18.669 −1,1 32,7 27. Reino Unido − 99,7 − 883 − 6,0 1,8 5.601 26.591 −0,5 36,1 28. Suécia − 96,8 − 627 − 2,2 −0,4 14.471 5.814 0,0 33,1 29. Itália 1,1 101,2 20.031 913 0,9 7,2 −1,0 4.732 2.574 −0,1 27,3 30. Japão −1,3 95,2 31.094 637 1,1 5,1 1,1 7.628 351.487 0,1 24,9 31. Alemanha 0,5 92,3 22.759 991 − 4,1 0,5 5.963 62.052 0,0 30,0 32. Canadá 1,1 117,7 − 1.642 2,2 8,8 2,6 15.620 4.192 −0,1 31,5 33. Suíça − 100,8 − 958 − 8,3 −2,2 7.294 7.893 0,0 25,0 34. Noruega 4,1 100,9 32.600 1.276 5,5 6,1 5,1 24.422 1.518 −0,2 25,8 35. EUA 2,5 117,9 39.001 1.484 4,9 9,3 7,0 12.331 125.808 −0,3 40,8MUNDO 1,6 130,3 − 20 3,0 6,9 2,9 2.156 798.007 0,3 −Fontes: Banco Mundial. Relatório do Desenvolvimento Mundial 2000/2001; PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano 2003.
No início dos anos de 1990, o principal problema dos países pobres era o
processo inflacionário crônico, além da grande dimensão da dívida externa. Na quase
totalidade desses países, a inflação foi debelada, mas a dívida pública interna e
externa agravou-se. A política de juros altos, para vender títulos públicos e rolar as
dívidas, aumentou o montante e o serviço da dívida pública. Para evitar o retorno da
inflação e poder pagar o principal e os juros da dívida pública, os governos têm
reduzido os gastos e sacrificado investimentos, o que vem afetando o crescimento
econômico.
O PNB per capita dos países mais pobres cresceu razoavelmente entre
1980/1993 (3,7%, Banco Mundial, 1995) e entre 1998/1999 o PNB desses países
cresceu mais do que o dos países mais ricos (Tabela 2, coluna 3). Essas taxas foram
capazes de cobrir o crescimento demográfico mais acelerado deste último período
(2%), em relação aos países mais ricos (coluna 4).
Entre os países de alta renda, a taxa de crescimento do PNB entre 1998/1999
foi inferior à dos países mais pobres (2,6%), não obstante o bom desempenho
econômico de países como EUA (4,1%), Suécia (3,9%) e outros. Os países de renda
média alta, por seu turno, cresceram menos em termos per capita (2%), porque a
maioria deles esteve envolvida com sucessivos planos de estabilização e elevada dívida
externa, o que puxou a média para baixo.
A melhoria do bem-estar ocorre também com a redução do crescimento
demográfico, que em nível mundial foi de 1,7% ao ano, entre 1980/1993 (Banco
Mundial, 1995) e 1% entre 1990 e 1999 (Tabela 2, coluna 4). Nesse mesmo período,
as maiores taxas de crescimento anual da população ocorreram nas economias de
baixa renda (2%) e de renda média alta (1,4%), contra 1,1% nas economias de renda
média baixa e apenas 0,6% nas economias de alta renda. No Brasil, a população
cresceu 1,4% ao ano, taxa inferior à do México (1,8%) e Chile (1,5%), mas superior
às taxas da China (1,1%) e Coréia do Sul (1%). Quanto mais a população cresce,
maiores serão as dificuldades para atender a suas necessidades básicas e melhorar os
indicadores de desenvolvimento.
3 Nutrição e expectativa de vida
Em 1970, a taxa de mortalidade infantil por mil nascidos vivos era
relativamente alta mesmo nos países ricos, sendo igual a 20 por mil nos EUA e a 18
por mil no Reino Unido e França. Em 1993, esse indicador reduziu-se para 9 nos EUA
e para 7 nos dois últimos países (Banco Mundial, 1995). Entre 1980 e 1998, houve
grande melhoria desse indicador, em razão da vacinação em massa das crianças. Em
2001, essa taxa era de 127 por mil em países de baixa renda, 31 por mil em países de
renda média e de apenas 5 por mil nos países de alta renda (Tabela 2, coluna 5).
Nesse mesmo ano, a taxa de mortalidade infantil ainda se apresentava
relativamente elevada em países de renda média, como a África do Sul (56 por mil),
Brasil (31 por mil) e México (24 por mil). Essa taxa ainda era muito alta nos países
mais pobres como Serra Leoa (182 por mil) e Angola (154 por mil). Na China, a taxa
de mortalidade infantil (31 por mil) é igual a do Brasil; porém, na Índia, apesar da
melhoria significativa dos últimos anos, ela ainda se mostra bastante elevada (67 por
mil).
Além da vacinação em massa de crianças, água tratada, saneamento básico e
melhorias no sistema de higiene, o combate à fome também é fundamental para se
reduzir a mortalidade infantil. Alimentação mais adequada ajuda a melhorar a saúde
e o desempenho escolar das crianças. Maior consumo de carnes é apontado como
responsável pela elevação da altura média dos adultos nos EUA, Europa e Japão.
Maior consumo de proteínas e vitaminas também eleva o índice de massa corporal dos
indivíduos. A eliminação da desnutrição crônica não depende apenas de maior
disponibilidade interna de alimentos, mas também da elevação do poder aquisitivo da
população mais pobre e de melhorias no sistema de distribuição de alimentos. Torna-
se fundamental a pesquisa agronômica para desenvolver variedades de alimentos mais
produtivas e mais baratas. A manutenção de estoques reguladores de produtos
agrícolas, por parte do Governo, evita crises de abastecimento e elevação dos preços
de gêneros de primeira necessidade, favorecendo as populações mais pobres.
Em decorrência do aumento do nível de renda, de melhor alimentação e do
desenvolvimento da medicina, tem se elevado a expectativa de vida ao nascer, a qual
oscilava em 2001 entre 34,5 anos em Serra Leoa a 81,3 anos no Japão (Tabela 2,
coluna 6). Examinando atentamente essa tabela, observa-se que há correlação positiva
entre níveis de renda e expectativa de vida ao nascer: nas economias de baixa renda, a
vida média em 2001 era de 59,1 anos; nas economias de renda média, 69,2 anos e nas
economias de alta renda, 78,1 anos.
Entre 1880 e 1980, a expectativa de vida ao nascer nos países industrializados
aumentou de 45 para 75 anos. No Japão, ela passou de 60 anos, em 1950, para 81,3,
em 2001, sendo a mais elevada do mundo. Grande salto desse indicador ocorreu
também no Sri Lanka (Sul da Ásia), que subiu de 45 anos, em 1945, para 64, em
1971, e para 72, em 1993. Nos países do Mercosul, em 2001, a expectativa de vida ao
nascer variava de 67,8 anos no Brasil a 75,8 no Chile. No Paraguai, essa idade era de
70,5 anos, na Argentina 73,9 anos e no Uruguai 75 anos (Banco Mundial, 1991 e
1995). Os fatores do aumento tão acentuado da vida média das pessoas foram a
vacinação infantil (sarampo, poliomielite), a erradicação da malária, a difusão de
água tratada e melhor alimentação, pela elevação geral do nível de renda. O
progresso tecnológico da agroindústria alimentar provocou queda dos preços dos
alimentos e colocou à disposição das pessoas maiores quantidades e variedades de
calorias e proteínas.5
A mortalidade infantil também se reduz com o aumento dos níveis de
educação. A coluna 7 da Tabela 2 mostra que os gastos públicos com educação, em
relação ao PNB, aumentam com o nível de renda: países de alta renda, 5,4%; países
de renda média alta, 5%; países de renda média baixa, 3,5% e países de baixa renda,
3,3%. Os gastos com saúde em relação ao PNB agem no mesmo sentido da melhoria
de indicadores sociais e em 2000 eles também foram crescentes com o nível de renda
dos países: 6,2%, 3,3%, 3% e 1,3%. A Coréia do Sul gastou 3,8% do PNB com
educação, no período; já os seus gastos com saúde em 2000 foram iguais a US$ 899
dólares per capita. No Brasil, os gastos públicos com saúde atingiram US$ 631 dólares
per capita, no mesmo ano; esse valor foi superior às quantias gastas pelo México (US$
477) e Federação Russa (US$ 405) e um pouco inferior aos valores gastos pela África
do Sul (US$ 663) e Chile (US$ 697); já os gastos públicos do governo brasileiro com
educação foram de 4,7% do PNB, percentual superior ao de muitos países de renda
média.
O Brasil gastou 4,7% do PNB com educação, entre 1998/2000. Esse percentual
é superior aos percentuais da Federação Russa e México (4,4%), Argentina (4,%) e
Coréia do Sul (3,8%). Nesse nível de renda, somente a África do Sul (5,5%) gastou
com educação percentualmente mais do que o Brasil. Esse percentual é, contudo, bem
mais alto na Suécia (7,8%) e na Noruega (6,8%), o que ajuda a explicar o
extraordinário nível de desenvolvimento humano desses países.
Com relação à saúde, no entanto, entre os países de renda média alta, os gastos
per capita do Brasil (US$ 631) somente superam os do México (US$ 477) e da Rússia
(US$ 405). Entre os países sul-americanos, os que mais gastam com saúde são a
Argentina (US$ 1.091) e o Uruguai (US$ 1.007). Entre os países de alta renda, os
maiores gastos per capita com saúde são os dos EUA (US$ 4.499) e da Suíça
(3.161%).
Da mesma forma, a taxa de alfabetização de pessoas com 15 anos e mais
também mostra correlação direta com os níveis de renda (coluna 9). Em 2001, a taxa
de alfabetização era de 63% nas economias de baixa renda, 86,6% nas economias de
renda média e de 99% nos países de alta renda. A redução do índice de
analfabetismo, principalmente entre as mulheres, é muito importante porque vai se
5 Inovações do lado da produção (genética) reduziram o preço do frango. Em 1948, o frango era
abatido após 86 dias, com 1,36 kg de peso, sendo o consumo de ração igual a 3,41 kg/1 kg de frango.Em 1988, a idade do abate caiu para 49 dias, com 1,94 kg de peso, e o consumo de ração reduziu-separa 1,41 kg/1 kg de carne (Souza & Sanson, 1993, p. 75).
refletir em menores taxas de mortalidade infantil.
Outro fator fundamental para a melhoria da saúde da população é o acesso a
saneamento melhorado e à água tratada (Tabela 2, colunas 10 e 11). Constata-se que
em 2000 os países de alta renda tinham 100% de acesso a água tratada e saneamento
melhorado. No Brasil, somente 87% da população tinha acesso à água potável e 76%
a saneamento melhorado. Os menores índices deste último indicador nos países de
renda média alta eram os da Coréia do Sul (63%) e México (74%). O acesso a esses
serviços é muito precário nos países pobres e em alguns países de renda média.
Apenas 12% da população da Etiópia têm acesso ao saneamento melhorado,
percentuais que chegam tão-somente a 28% na Índia e a 40% na China. Quanto ao
acesso à água tratada, os índices são um pouco melhores, mas ainda muito precários,
o que afeta a saúde da população.6
4 Indicadores econômicos e de infra-estrutura do desenvolvimento mundial
Devido ao crescimento demográfico mais acelerado, os países pobres precisam
aumentar a produção de alimentos. Em alguns desses países houve crescimento
expressivo do valor agregado pela agricultura, entre 1990/1999 (coluna 12), como
Moçambique (5,2%) e Peru (5,8%). Nesse período, essa taxa foi de fato maior nos
países mais pobres, decrescendo nos países de mais alta renda. No Brasil, ela foi de
3,0%, chegando a 3,8% na Índia, sendo negativa em alguns países, como na Rússia
(−6,3%) e Angola (−3,1%). Os países ricos, exportadores de produtos manufaturados,
podem importar com facilidade os alimentos e matérias-primas de que necessitam.
Porém, os países pobres, com economia centrada no setor agrícola, um desempenho
negativo desse setor afeta toda a sua estrutura produtiva. Com base em 1989/1991, o
índice da produção mundial de alimentos chegou a 130,3 em 1996/1998 (Tabela 2,
coluna 13). Esse índice cresceu para 151,1 no conjunto dos países de renda média
baixa e para 124,3 nos países de baixa renda; em alguns países, ele se reduziu, como
Federação Russa (64,4), Alemanha (92,3) e Japão (95,2).
Os maiores índices de crescimento da produção de alimentos ocorreram na
China (153,5) e Peru (140,5). No Brasil, o índice chegou a 125,7, nível similar ao da
Argentina (125,9) e um pouco inferior ao do Uruguai (130,8). A produção de
alimentos pouco cresceu nos países ricos, com exceção dos Estados Unidos (117,9) e
Canadá (117,7). Os altos custos das terras e da mão-de-obra oneram a produção
6 O acesso à água potável desses países eram: Etiópia, 24%; Angola, 38%; Moçambique e Serra Leoa,
57%. Em alguns países, a adição de flúor na água potável tem reduzido a incidência de cárie napopulação.
desses países, o que tem levado os governos a conceder grandes subsídios para
viabilizar a produção agrícola e enfrentar a concorrência das importações
provenientes dos países subdesenvolvidos, em geral mais competitivos.
O desempenho da agricultura depende do uso de insumos modernos, como
fertilizantes, tratores e colheitadeiras, que elevam a produtividade da terra e do
trabalho. Na maioria dos países pobres, o valor agregado por trabalhador agrícola
ainda é muito baixo (coluna 14), atingindo em 1996/1998 menos de mil dólares. Nos
países de renda média baixa, a produtividade do trabalho agrícola chega a menos de
US$ 4.000, incluindo-se nessa faixa o México (US$ 2.164) e Rússia (US$ 2.476). No
Brasil, esse valor chegou a US$ 4.081 e na Coréia do Sul ele montou a US$ 11.657.
Nos países ricos, o rendimento do trabalho agrícola elevou-se a US$ 36.889 na França
e a US$ 39.001 nos EUA. O baixo crescimento agrícola se deve a problemas de
mercado, políticas econômicas viesadas contra a agricultura e escassez de terras, como
no Japão e na maioria dos países da Europa. No Canadá e EUA, a escassez de mão-de-
obra é compensada pelo grande número de tratores por mil trabalhadores agrícolas:
1.642 e 1.484, respectivamente (coluna 15). O uso de tratores também é intenso na
Noruega (1.276) e França (1.236). No Brasil, empregavam-se apenas 57 tratores por
mil trabalhadores rurais, em 1995/1997. Exceto Rússia (106) e Turquia (58), esse
número é ainda menor nos países mais pobres, chegando a ser nulo na Etiópia e em
Serra Leoa.
No conjunto dos países de baixa renda, o valor agregado pela indústria cresceu
apenas 1,1%, entre 1990/1999 (coluna 16); essa variável, no entanto, exceto no caso
de Serra Leoa,7 cresceu a taxas razoavelmente altas, principalmente em Moçambique
(9,9%) e Índia (6,7%). Nos países de renda média baixa, essa taxa foi de 5,2%, com
destaque para a China (14,4%) e Peru (6,7%). A China tem apresentado
extraordinário dinamismo nas últimas décadas, fruto de uma política deliberada de
desenvolvimento econômico. No Brasil, o valor agregado pela indústria cresceu 3,2%
no período, taxa inferior à do conjunto dos países de renda média alta (3,9%) e de
países como Argentina (4,8%) e México (3,6%).
Outro importante indicador do desempenho econômico global é a taxa de
expansão das exportações (coluna 17). Entre 1990/1999, ela foi negativa em Serra
Leoa (−12,2%), país que esteve em guerra nos anos de 1990, e de pequena amplitude
na Suécia (2,2%) e Federação Russa (2,3%); ela atingiu valores altos em economias
como Coréia do Sul (15,6%) e México (14,3%). Muitos países acabaram percebendo a
importância das exportações na dinamização do setor de mercado interno, o que
expande a renda e o emprego. Nesse período, as exportações brasileiras cresceram
7 Serra Leoa, com crescimento negativo (−7,1%), foi um caso à parte por estar em guerra nos anos de
1990.
4,9% ao ano, em média, o que pode ser considerado satisfatório, tendo em vista que a
moeda manteve-se valorizada na maior parte do período.
A taxa de crescimento do investimento interno bruto foi negativa no conjunto
dos países de baixa renda (−1,4%), sendo negativa em Serra Leoa (−10,3%), embora
com crescimento expressivo na Etiópia (13,4%) e Moçambique (13,1%). Os
investimentos também cresceram rapidamente na China (12,8%) e no Chile (11,4%),
sendo negativos na Rússia (−13,3%). No Brasil, os investimentos cresceram apenas
3,1%, em decorrência da redução dos gastos públicos para manter a inflação sob
controle. As altas taxas de juros, as restrições ao crédito, o lento crescimento da
demanda interna e as dificuldades para exportar foram os principais inibidores dos
investimentos privados e do crescimento do PIB do período.
O nível de bem-estar da população também pode ser inferido pelo consumo de
eletricidade per capita (coluna 19). Esse indicador cresce com nível de renda: 22
kW/hora na Etiópia, 53 kW/h em Moçambique, 477 kW/h nas Filipinas, 827 kW/h na
China, 1.878 kW/h no Brasil, 2.406 kW/h no Chile, 6.539 kW/h na França, 12.331
kW/h nos Estados Unidos e 24.422 kW/h na Noruega. O nível de industrialização
influencia o consumo de eletricidade, assim como o percentual da população atendida
por redes de eletricidade. Maior demanda de energia é explicada também pelo clima
muito frio ou muito quente, devido ao uso generalizado de calefação ou ar
condicionado. Nos países mais pobres, as áreas mais distantes das fontes de geração
de energia nem sempre são atendidas por esses serviços, sobretudo nas áreas rurais.
Mesmo nas periferias das zonas urbanas desses países há um contingente apreciável
de pessoas que não possuem eletricidade em suas casas. Em 2003, o governo
brasileiro lançou um programa de atendimento de 100% da população urbana em
todo o país. A eletrificação rural constitui um importante fator de desenvolvimento da
agricultura, pois possibilita o funcionamento de motores elétricos, facilita a circulação
das informações através dos meios de comunicação e permite à população rural o
acesso a eletrodomésticos, como televisão, geladeira e freezer.Outro importante indicador de desenvolvimento é a capacidade de
determinado país gerar tecnologia própria. Isso pode ser aferido pelos pedidos de
registro de patentes feitos por residentes, como mostra a coluna 20 da Tabela 2. Em
1997, os países de baixa renda efetuaram 3.978 pedidos de registro de patentes,
contra 31.781 pelos países de renda média baixa, 114.155 pelos países de renda
média alta e 648.093 pelos países de alta renda. O registro da patente de um novo
produto assegura o direito de sua produção com exclusividade, durante algum tempo,
até que surjam imitadores produzindo produtos similares. Os preços relativamente
mais altos para o produto, assegurados pela exclusividade de sua produção,
proporcionam lucro puro e maior taxa de crescimento para a empresa e o país. Entre
os países de renda média, destaca-se a Coréia do Sul, com o maior número de pedidos
de patentes (92.788), seguida pela Federação Russa (15.277) e pela China (12.786).
O Brasil registrou 1.292 pedidos de patentes por residentes, em 1997, valor que
chegou a 5.150 em 2003 (<www.inpi.gov.br>). Entre os países de alta renda, a lide-
rança incontestável é a do Japão, com 351.487 pedidos de patentes, seguido pelos
EUA (125.808).
Em relação à qualidade de vida, cabe destaque a preservação do meio
ambiente. Essa questão é inferida na coluna 21 pela variação média anual do
desmatamento entre 1990/1995. Enquanto as florestas foram ampliadas nos países de
alta renda (desmatamento igual a –0,2% no período), elas se reduziram nos países de
renda média alta (0,5% de desmatamento), chegando a 0,7% nos países de baixa
renda. O Brasil se mantém na média de seu grupo de renda (0,5%), sendo o
desmatamento mais intenso nas Filipinas (3,5%), Serra Leoa (3%) e Paraguai (2,6%),
países exportadores de madeiras de lei.
O índice de Gini, importante indicador de desigualdade, mede a distribuição de
renda entre as classes sociais (coluna 22).8 Serra Leoa possui a pior distribuição de
renda do mundo (Gini igual a 62,9), seguido pelo Brasil (60,0) e África do Sul (59,3).
O Paquistão (31,2) e a Índia (37,8%) possuem a melhor distribuição de renda entre os
países pobres. As melhores distribuições de renda são do Japão (24,9), Suíça (25) e
Noruega (25,8). Entre os países de renda média, cabe destaque ao Egito (28,9) e
Coréia do Sul (31,6). Os EUA possuem o maior índice de Gini entre os países de alta
renda (40,8).
5 Índices de desenvolvimento humano mundial
Todos os indicadores anteriores podem ser sintetizados pelos índices de
desenvolvimento humano (IDH), elaborados pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD). Esse índice mede o nível do desenvolvimento dos países,
regiões e municípios, neste último caso com algumas adaptações. O IDH é calculado
pela média simples de três componentes: longevidade, educação (taxa de alfabetização,
peso 2/3, e taxa de matrícula nos três níveis de ensino, peso 1/3) e nível de renda (PIB
real per capita em dólares PPC). O IDH varia de 0 a 1: desenvolvimento humano baixo
(IDH ≤ 0,499); desenvolvimento humano médio (0,5 ≤ IDH ≤ 0,799); desenvolvi-
mento humano alto (IDH ≥ 0,800).
8 O índice de Gini varia de zero (perfeita igualdade) a 1 (perfeita desigualdade). Quanto maior o
índice, pior será a desigualdade da distribuição de renda entre as classes sociais de determinado país.Kuznets (1955) percebeu que esse índice aumenta com o crescimento econômico, atinge um ponto demáximo e depois declina no longo prazo, como conseqüência do desenvolvimento econômico.
Em 1999, o PNUD modificou a metodologia de cálculo do PIB per capita, antes
medido em dólares norte-americanos, introduzindo o conceito de paridade do poder
de compra de cada país. Isso elevou a renda média dos países pobres. No caso do
Brasil, a renda média se reduziu por esse critério, porque a valorização cambial havia
colocado o país no grupo das nações de elevado desenvolvimento humano. Assim, em
1997, o IDH do Brasil era igual a 0,809 pela metodologia antiga (60a posição) e a
0,739 pela metodologia nova (79a posição). Contudo, observa-se em qualquer uma
das metodologias o aumento persistente do desenvolvimento humano no Brasil
(<www.cmv.org.br/idh.doc>).
O IDH é analisado para uma amostra de países (Tabela 3). Em 2001, os países
com os maiores índices de desenvolvimento humano foram a Noruega (IDH = 0,944),
Islândia (0,942)9 e Suécia (0,941). Os EUA aparecem em 7o lugar (0,944) e o Japão
em 9o (0,932). Os países com os menores IDH localizam-se na África: Serra Leoa
(0,275), Niger (0,292) e Burkina Faso (0,330). Observa-se que o IDH cresce com o
nível de renda (2001): países de baixa renda (0,447); renda média baixa (0,733);
renda média alta (0,822); países ricos (0,930). Maiores índices de educação e de
longevidade dependem do crescimento econômico, embora este também seja
altamente influenciado pelos níveis educacionais e de saúde.
9 A Islândia é uma ilha situada na proximidade do Círculo Polar Ártico. Com vulcões ativos, ela sofre
constantes tremores de terra; 12% de seu território (102.819 km2) são cobertos por gelo; a principalbase econômica gira em torno da exportação de produtos da pesca. Em 2001, seu PIB per capitaatingiu 29.990 dólares PPC, com vida média de 79,6 anos.
Tabela 3 Evolução do Índice de Desenvolvimento Humano, 1975-2001.Amostra de países por níveis de renda 1975 1980 1985 1990 1995 2001 Classificação pelo IDH de 2001 Variação 1975/2001
I – BAIXA RENDAa 0,424 0,417 0,407 0,436 0,461 0,447 − 5,51. Serra Leoa − − − − − 0,275 175 −2. Moçambique − 0,309 0,295 0,317 0,325 0,356 170 15,23. Etiópia − − 0,281 0,305 0,322 0,359 169 27,84. Angola − − − − − 0,377 164 −5. Paquistão 0,344 0,37 0,403 0,44 0,472 0,499 144 45,16. Índia 0,416 0,443 0,481 0,519 0,553 0,59 127 41,87. Bolívia 0,511 0,546 0,573 0,598 0,631 0,672 114 31,5II – Y MÉDIA BAIXAa 0,603 0,633 0,657 0,682 0,709 0,733 − 21,78. Egito 0,433 0,48 0,53 0,572 0,605 0,648 120 49,79. China 0,521 0,554 0,591 0,624 0,679 0,721 104 38,410. Turquia 0,589 0,612 0,649 0,681 0,712 0,734 96 24,611. Filipinas 0,647 0,68 0,684 0,713 0,731 0,751 85 16,112. Paraguai 0,674 0,708 0,714 0,726 0,744 0,751 84 11,413. Peru 0,639 0,668 0,691 0,702 0,729 0,752 82 17,714. Venezuela 0,715 0,729 0,737 0,755 0,765 0,775 69 8,4III – Y MÉDIA ALTAa 0,737 0,757 0,774 0,793 0,807 0,822 − 11,515. África do Sul 0,66 0,676 0,702 0,734 0,741 0,684 111 3,616. Brasil 0,643 0,678 0,691 0,712 0,738 0,777 65 20,817. Federação Russa − 0,796 0,811 0,809 0,766 0,779 63 −2,118. México 0,684 0,729 0,748 0,757 0,771 0,8 55 17,019. Chile 0,7 0,735 0,752 0,78 0,811 0,831 43 18,720. Uruguai 0,756 0,775 0,779 0,799 0,814 0,834 40 10,321. Argentina 0,784 0,797 0,804 0,807 0,829 0,849 34 8,322. Coréia do Sul 0,701 0,736 0,774 0,814 0,848 0,879 30 25,423. Grécia 0,831 0,847 0,859 0,869 0,875 0,892 24 7,324. Portugal 0,875 0,799 0,821 0,847 0,876 0,896 23 2,4IV – ALTA RENDAa 0,853 0,868 0,880 0,897 0,915 0,930 − 9,025. Itália 0,838 0,854 0,862 0,884 0,9 0,916 21 9,326. Espanha 0,834 0,851 0,865 0,883 0,901 0,918 19 10,127. Alemanha − 0,859 0,868 0,885 0,908 0,921 18 7,228. França 0,846 0,862 0,874 0,896 0,912 0,925 17 9,3
29. Reino Unido 0,84 0,847 0,857 0,877 0,916 0,93 13 10,730. Suíça 0,872 0,884 0,891 0,904 0,912 0,932 10 6,931 – Japão 0,851 0,875 0,89 0,906 0,92 0,932 9 9,532. Canadá 0,866 0,881 0,904 0,924 0,929 0,937 8 8,233. EUA 0,864 0,883 0,896 0,911 0,923 0,937 5 8,434. Suécia 0,862 0,871 0,882 0,893 0,924 0,941 3 9,235. Noruega 0,858 0,876 0,887 0,9 0,924 0,944 1 10,0Média mundiala 0,802 0,809 0,811 0,835 0,858 0,847 − 5,6Fonte: PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano, 2003.Nota: a Média calculada para os países que se encontram nesta tabela.
Em 2001, o IDH do Brasil foi igual a 0,777, um pouco abaixo do IDH da
Federação Russa (0,779) e acima do da Venezuela (0,775) e Filipinas (0,751). Apesar
do lento crescimento do PIB per capita do Brasil nas últimas décadas, principalmente
entre 1990/2001 (1,4%), o seu IDH cresceu 20,8% entre 1975/2001 (última coluna).
Essa taxa foi superior à verificada no mesmo período nos países de renda média alta
(11,5%), renda alta (9%) e baixa renda (5,5%), sendo ligeiramente inferior àquela
dos países de renda média baixa (21,7%). Isso mostra que os maiores níveis de
desenvolvimento obtido pelo Brasil depois de 1975 resultaram do progresso obtido
nas áreas de saúde e educação. A vacinação reduziu a mortalidade infantil e a taxa de
mortalidade de adultos; houve progresso também na redução do analfabetismo, maior
nível de acesso à água potável e ao ensino fundamental e superior. Em termos
mundiais, os maiores níveis de desenvolvimento alcançados foram os do Egito
(49,7%), Paquistão (45,1%) e Índia (41,8%). Países do Mercosul apresentaram
melhorias menos significativas: Paraguai, 11,4%; Uruguai, 10,3% e Argentina, 8,3%.
6 Índices de desenvolvimento humano do Brasil
O desenvolvimento econômico não surge de maneira uniforme no espaço.
Algumas regiões crescem rapidamente, gerando maior nível de bem-estar para a sua
população, enquanto outras permanecem estagnadas e pobres. No Brasil o
desenvolvimento tem sido muito desigual. As regiões Sudeste e Sul têm obtido rápido
crescimento econômico, enquanto as regiões Norte e Nordeste permanecem com os
piores indicadores de desenvolvimento. O Estado de São Paulo (SP), o maior pólo
industrial do Brasil, gera a maior parte do PIB nacional; porém, é Santa Catarina
quem lidera o ranking do desenvolvimento humano no Brasil (0,822, Tabela 4). São
Paulo vem a seguir (0,820), seguido pelo Rio Grande do Sul (0,814), Rio de Janeiro
(0,807) e o Paraná (0,787).10 Constata-se que os Estados das Regiões Sul e Sudeste
possuem os maiores IDH, seguindo-se os Estados do Centro-Oeste, com forte base
agroindustrial, Norte e Nordeste.
10 O Distrito Federal possuía um IDH de 0,799 em 1991, passando para 0,844 em 2000, o que corres-ponde a uma variação de 5,6%.
Tabela 4 Índice de desenvolvimento humano dos Estados Brasileiros, 1991 e 2000.
Ordem Estados Região 1991 2000Variação
1991/00 (%)1o Santa Catarina Sul 0,748 0,822 9,92o São Paulo Sudeste 0,778 0,820 5,43o Rio Grande do Sul Sul 0,753 0,814 8,14o Rio de Janeiro Sudeste 0,753 0,807 7,25o Paraná Sul 0,711 0,787 10,76o Mato Grosso do Sul Centro-Oeste 0,716 0,778 8,77o Goiás Centro-Oeste 0,700 0,776 10,98o Minas Gerais Sudeste 0,697 0,773 10,99o Mato Grosso Centro-Oeste 0,685 0,773 12,8
10o Espírito Santo Sudeste 0,690 0,765 10,911o Amapá Norte 0,691 0,753 9,012o Roraima Norte 0,692 0,746 7,813o Rondônia Norte 0,660 0,735 11,414o Pará Norte 0,650 0,723 11,215o Amazonas Norte 0,664 0,713 7,416o Tocantins Norte 0,611 0,710 16,217o Pernambuco Nordeste 0,620 0,705 13,718o Rio Grande do Norte Nordeste 0,604 0,705 16,719o Ceará Nordeste 0,593 0,700 18,020o Acre Norte 0,624 0,697 11,721o Bahia Nordeste 0,590 0,688 16,622o Sergipe Nordeste 0,597 0,682 14,223o Paraíba Nordeste 0,561 0,661 17,824o Piauí Nordeste 0,566 0,656 15,925o Alagoas Nordeste 0,548 0,649 18,426o Maranhão Nordeste 0,543 0,636 17,1
Fonte: www.rankbrasil.com.br (PNUD/IPEA/IBGE/Fundação João Pinheiro).
O melhor desempenho no período foi o de Santa Catarina, que, com suas belas
praias, vem atraindo milhares de turistas; em 1991, esse Estado classificava-se em 5o
lugar, atrás do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro; em 2000, ele passou para a 2a
posição. Sua capital, Florianópolis, é a capital de Estado com a melhor qualidade de
vida, seguida por Porto Alegre na 9a posição. Santa Catarina possui 16 cidades entre
as 50 cidades brasileiras com a melhor qualidade de vida, ficando à frente dos Estados
de São Paulo (14 cidades) e do Rio Grande do Sul (11 cidades).11
Contudo, os Estados com as maiores taxas de variação do IDH no período
foram os do Nordeste, com destaque para Alagoas (18,4) e Ceará (18%). A variação
do IDH de Santa Catarina foi de 9,9%. As menores variações ocorreram nos Estados
mais ricos: São Paulo (5,4%), Distrito Federal (5,6%) e Rio de Janeiro (7,2%). Isso
reflete um esforço relativamente maior no desenvolvimento das áreas mais pobres do
Brasil, em termos de geração de renda e de gastos com saúde e educação.
São Caetano do Sul, uma cidade industrial da periferia de São Paulo, é a cidade
brasileira com o maior IDH (0,919). A seguir, as cidades com a melhor qualidade de
vida são: Águas de São Pedro (SP, 0,908), Niterói (RJ, 0,886), Florianópolis (SC,
11 A seguir, vem o Paraná, com cinco cidades; após, com apenas uma cidade, encontram-se o Distrito
Federal e os Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Pernambuco (ilha de Fernando de Noronha,10o lugar no ranking nacional).
0,875), Santos (SP, 0,871), Bento Gonçalves (RS, 0,870) etc. Entre as 50 cidades com
o maior IDH, encontram-se apenas mais quatro capitais: Porto Alegre (9a ; RS, 0,865),
Curitiba (16a ; PR, 0,856), Vitória (18a; ES, 0,856) e Brasília (48a; DF, 0,844). As duas
últimas cidades da lista, ambas do Rio Grande do Sul, são Farroupilha (49a; 0,844) e
Nova Bassano (50a ; 0,844).
Alguns autores ampliaram o índice de desenvolvimento humano, incluindo
variáveis mais suscetíveis de captar tanto as condições econômicas, como a situação
social do conjunto da população mais pobre. Assim, além da expectativa de vida ao
nascer, da taxa de alfabetização e da renda per capita, Romão (1993) utilizou também
a incidência de pobreza e o coeficiente de Gini para calcular os índices dedesenvolvimento humano ampliado (IDHA). Os Estados mais desenvolvidos,
classificados por esses índices, tendem a apresentar IDHA mais altos e, portanto,
índices mais baixos de desigualdade-pobreza. Desse modo, quanto melhor distribuída
estiver a renda, tanto maior será o nível de vida do conjunto da população (Romão,
1993, p. 108).
Seguindo a linha de Romão (1993), Oliveira (2001) examinou a evolução do
desenvolvimento humano, da desigualdade de renda e do nível de pobreza dos
municípios e regiões do Rio Grande do Sul (Conselhos Regionais de
Desenvolvimento), entre 1970 e 1991. Para tanto, ele elaborou o Índice deDesenvolvimento Humano Municipal Modificado, utilizando parte da metodologia do
IDH da ONU e do Índice de Condições de Vida do IPEA. O estudo indicou uma
melhoria sensível dos indicadores de desenvolvimento humano e de pobreza, tanto do
conjunto do Rio Grande do Sul, como da maior parte de suas regiões. Entretanto, eles
apontaram o aumento da concentração de renda regional e estadual, sobretudo entre
1980 e 1991.
No mesmo sentido, a Fundação de Economia e Estatística (RS), elaborou o
Índice de Desenvolvimento Socioeconômico para os municípios do Rio Grande do Sul.
Esse índice leva em conta quatro blocos de variáveis, cada um pesando 25%: (a)
Domicílio e Saneamento: proporção de domicílios abastecidos com água tratada (peso
0,5), domicílios com rede geral de esgoto ou pluvial (peso 0,4) e média de moradores
por domicílio (peso 0,1); (b) Educação: taxa de analfabetismo de pessoas de 15 anos e
mais de idade (peso 0,35), taxa de evasão no ensino fundamental (peso 0,25), taxa de
reprovação no ensino fundamental (peso 0,20) e taxa de atendimento no ensino
médio (peso 0,20); (c) Saúde: percentual de crianças nascidas com baixo peso, taxa
de mortalidade de menores de cinco anos e expectativa de vida ao nascer (peso 1/3
cada); (d) Renda: PIB per capita e Valor Adicionado Bruto per capita do Comércio,
Alojamento e Alimentação (peso 0,5 cada).
Oito municípios do Rio Grande do Sul apresentaram, em 2000, os mais altos
índices de desenvolvimento (índice ≥ 0,8): Caxias do Sul, Canoas, Esteio, Porto
Alegre, Bento Gonçalves, Campo Bom, Ivoti e Vacaria. No outro extremo, o Município
de Benjamin Constant do Sul foi o único considerado com baixo nível de
desenvolvimento (índice = 0,496). Os 458 municípios restantes, com o índice
variando entre 0,5 e 0,799, foram considerados como de desenvolvimento médio
(<www.fee.rs.gov.br>). Esses índices têm o mérito de considerar um conjunto mais
amplo de variáveis; porém, eles levaram a uma concentração excessiva de municípios
no nível médio, com apenas um como sendo de baixo nível. Os índices do PNUD
(IDH) têm o maior mérito na sua simplicidade ao se concentrarem em três indicadores
relevantes.
QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO
1. Comente acerca da evolução dos índices mundiais de desenvolvimento humano
(Tabela 3), por níveis de renda dos diferentes países.
2. Comente acerca da evolução dos índices de desenvolvimento humano (Tabela 4),
segundo os diferentes Estados do Brasil.
3. Explique os aperfeiçoamentos efetuados aos índices de desenvolvimento humano e
compare com aquele da ONU (IDH).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o desenvolvimento mundial 1990. Washington:
Banco Mundial, 1990.
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________________. Relatório sobre o desenvolvimento mundial 1995. Washington:
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________________. Relatório sobre o desenvolvimento mundial 2000/2001.
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FAVA, Vera Lúcia. Urbanização, custo de vida e pobreza no Brasil. São Paulo: IPE/USP,
1984.
HIRSCHMAN, Albert O. La economia política del desarrollo latino americano. Siete
ejercicios en retrospectiva. El Trimestre Económico, México, v. LXIII (2), no 250,
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KUZNETS, S. Economic growth and income inequality. American Economic Review, v.
45, p. 1-28, 1955.
OLIVEIRA, Júlio Cezar de. Desenvolvimento humano, desigualdade de renda e pobrezanos conselhos regionais e municípios do Rio Grande do Sul entre 1970 e 1991. Tese
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PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Relatório do Desen-volvimento Humano 2003. (<www.undp.org/hdr2003/portugues/pdf/hdr03_por_HDI.
pdf>).
ROMÃO, Maurício C. Uma proposta de extensão do “Índice de desenvolvimento
humano” das Nações Unidas. Revista de Economia Política, v. 13, no 4 (52), out./dez.
1993.
SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
_______; SANSON, João R. A agroindústria brasileira do milho. Porto Alegre: Curso de
Pós-Graduação em Economia/UFRGS, 1993. 103 p. (mimeo) (Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento, Projeto IPEA/PNUD-BRA/91/014).
2ESTRANGULAMENTO EXTERNO DA ECONOMIABRASILEIRA12
SOUZA, Nali de Jesus.
Desenvolvimento Econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
O estrangulamento externo continua sendo um dos grandes problemas da
economia brasileira em 2004. Com a valorização cambial nos primeiros anos de
implantação do Plano Real (1994/1998), o Brasil acumulou um déficit crescente no
balanço de pagamentos.13 A dívida externa total elevou-se de US$ 148,3 bilhões, em
1994, para US$ 218,8 bilhões, em setembro de 2003. Mesmo com superávit
comercial, o Brasil precisa anualmente de um considerável afluxo de capitais externos
para fechar as suas contas, tendo em vista a grande saída de divisas nas rubricas de
serviços (US$ 10,1 bilhões em 1998 e US$ 5 bilhões em 2002),14 renda líquida
enviada ao exterior (em torno de US$ 18 bilhões anuais), remessa de lucros e
dividendos (US$ 12,5 bilhões em 1998 e US$ 10,9 bilhões em 2002), pagamento de
juros (US$ 15,3 bilhões anuais, ou mais) (Boletins do Banco Central).
O ingresso de capitais na forma de investimentos diretos tem contribuído tanto
para o equilíbrio do balanço de capitais como para o crescimento econômico. Esses
capitais, praticamente inexistentes em 1990 e 1992, subiram a partir de 1993,
chegando a US$ 20,8 bilhões em 1998 e a US$ 32,8 bilhões em 2000. Em 2002, esses
investimentos caíram para US$ 16,6 bilhões, e de janeiro a novembro de 2003 eles
atingiram apenas US$ 8,7 bilhões. Por conseguinte, cresce a necessidade de
empréstimos de organismos internacionais, incluindo o Fundo Monetário Internacio-
nal, o que eleva a conta dos juros (Boletins do Banco Central).
O estrangulamento interno é tão grave quanto o desequilíbrio externo, porque
implica recessão (o PIB elevou-se apenas 0,3% em 2003). As exportações brasileiras
vêm crescendo rapidamente nos últimos anos tanto pela recessão interna, como pela
desvalorização cambial. Não podendo vender no mercado interno, as empresas se
voltam para o exterior. A recessão e o desemprego resultam do arrocho imposto pelo
12 Este texto integra, como anexo, a seção 1.5 do livro Desenvolvimento Econômico (Souza, 2005).13 O déficit da balança comercial subiu de US$ 15,3 bilhões em 1990 para US$ 28,8 bilhões em 1998.
Com a desvalorização cambial de 1999 e de 2002, as exportações cresceram de US$ 55,1 bilhões em2000 para US$ 73,1 bilhões em 2003, gerando neste último ano um superávit na balança comercialde US$ 24,8 bilhões (Boletins do Banco Central).
14 As despesas com viagens internacionais de brasileiros se reduziram de US$ 5,7 bilhões em 1998, paraUS$ 2,4 bilhões em 2002 (Boletins do Banco Central). Isso se explica pela alta do dólar e pelocrescimento do terrorismo internacional.
Governo Federal, que necessita comprimir os seus gastos, sacrificando investimentos.
Os salários do funcionalismo federal estão congelados desde 1994 e investimentos
governamentais em infra-estrutura foram praticamente interrompidos. Em 2003, o
superávit primário montou a R$ 66,2 bilhões de reais (4,32% do PIB), o que pagou
apenas 45,6% dos juros da dívida pública interna e externa (R$ 145,2 bilhões). Desse
modo, o déficit operacional ficou em R$ 79 bilhões (5,16% do PIB) e a dívida pública
interna aumentou R$ 32 bilhões.
Os déficits operacionais elevaram a dívida pública líquida de R$ 222,9 bilhões
em 1994 (43,1% do PIB), para R$ 483 bilhões em maio de 1999 (52,4% do PIB).15 A
participação da dívida líquida do Governo Federal e do Banco Central no total da
dívida líquida total do país passou de 43,5% em 1994 para 61,7% no final do período.
Esse aumento de participação explica-se também porque o Governo Federal acaba
absorvendo parte das dívidas dos Estados e Municípios. Em novembro de 2003, a
dívida líquida total do Brasil estava em R$ 905,2 bilhões (57,2% do PIB), sendo de R$
570,6 bilhões a dívida do Governo Federal e Banco Central (63% do total da dívida do
país).
Em janeiro de 2004, os principais Estados brasileiros estavam pressionando o
Governo Federal para rolar suas dívidas, o que acabará aumentando ainda mais o
déficit operacional do Tesouro Nacional. Como se observa, este é um estrangulamento
muito grave do desenvolvimento econômico. O país somente vencerá esse impasse
com uma ampla renegociação da dívida pública interna, o que exigirá sacrifícios e
muita criatividade dos responsáveis pela política econômica do país, que não desejam,
com muita razão, a volta do processo inflacionário.
15 Valores a preços de maio de 1999 (Boletins do Banco Central do Brasil).
QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO
1. Disserte sobre os desequilíbrios externo e interno da economia brasileira em 2003.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Boletim Mensal, Brasília: Departamento Econômico,
vários números.
SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
3MODELOS NEOCLÁSSICOS DE CRESCIMENTOECONÔMICO16
SOUZA, Nali de Jesus.
Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
Após a Segunda Guerra Mundial, a maioria dos países procurou acelerar o
crescimento econômico, visando aumentar a renda e reduzir a pobreza. Os
economistas passaram a formular teorias e modelos para identificar os fatores de
crescimento das economias. O modelo neoclássico fundamenta-se em algumas
equações simples e adota um conjunto de pressupostos: (a) concorrência perfeita e
pleno emprego em todos os mercados; (b) economia fechada e sem governo; (c)
função de produção com rendimentos constantes à escala (quando variam
simultaneamente todos os fatores) e rendimentos decrescentes quando se altera
apenas um dos fatores; (d) economia produzindo um único bem com apenas três
fatores: capital fixo (K), trabalho (L) e terra (N); e (e) os fatores de produção são
homogêneos, divisíveis e imperfeitamente substituíveis entre si (Paz e Rodrigues,
1972, p. 107).
1 Modelo de Meade
Na versão de Meade, o nível do produto (Y) aparece como função do emprego
de capital, trabalho, terra e das inovações tecnológicas, incluídas na variável temporal
(t):Y = f (K, L, N, t) (1)
A variação do produto (∆Y) será igual à soma das variações do estoque de
capital (∆K) e do emprego de trabalho (∆L), multiplicadas pelas produtividades
marginais respectivas (Pmg), além do crescimento residual do produto (∆Y’),
atribuído ao progresso técnico, T (toda terra estando ocupada, sua variação seria
nula), ou seja:∆Y = PmgK ∆K + PmgL ∆L + ∆Y ’ (2)
No equilíbrio concorrencial, as produtividades marginais do capital e do
trabalho serão iguais a suas remunerações respectivas (PmgK = ∆Y/∆K = r; PmgL =∆Y/∆L = w). Dividindo-se toda a equação (2) por Y e acrescentando-se K no numera-
16 Esta é uma versão ampliada da seção 11.3 do livro Desenvolvimento econômico (Souza, 2005).
dor e no denominador da parcela relativa ao capital e L na parcela do trabalho, tem-se
que:∆Y/Y = (rK/Y) (∆K/K) + (wL/Y) (∆L/L) + (∆Y’/Y) (3)
A taxa de crescimento do produto (∆Y/Y) depende das taxas de crescimento do
estoque de capital (∆K/K), do crescimento demográfico (∆L/L) e do progresso
tecnológico (∆Y’/Y = ∆T/T), bem como da participação da renda do capital e do
trabalho no produto total (rK/Y = Ky e wL/Y = Ly). Desse modo, a equação (3) pode
ser representada de uma forma mais simples (Paz e Rodrigues, 1972, p. 115):∆Y/Y = Ky (∆K/K) + Ly (∆L/L) + (∆Y ’/Y) (4)
O ritmo do crescimento econômico de uma economia dependerá das hipóteses
que se fizer acerca das variáveis envolvidas. Considerando-se nulos o crescimento
demográfico e o progresso técnico e os mesmos valores para Ky e Ly, o crescimento
econômico passará a depender da produtividade marginal do capital e do ritmo de seu
crescimento, bem como da propensão a poupar (s = S/Y). No equilíbrio, o investi-
mento torna-se igual à poupança (∆K = S = sY). Substituindo-se Ky em (4) por rK/Y,
tem-se que ∆Y/Y = (rK/Y) (∆K/K). Sabendo-se que ∆K/Y = s, então:∆Y/Y = rs (5)
A relação (5) diz que, sem progresso técnico e crescimento demográfico nulo, o
crescimento equilibrado exige que o produto cresça a uma taxa igual ao produto entre
a propensão a poupar e a produtividade marginal do capital (PmgK = ∆Y/∆K = r).Quanto maiores a propensão a poupar e a produtividade do capital, tanto mais
crescerá a economia. Com propensão a poupar constante, o crescimento dependerá
apenas da produtividade marginal do capital; porém, com um único fator variável
(rendimentos decrescentes), a economia tenderá ao estado estacionário; isso ocorrerá
mais rapidamente se a propensão a poupar for decrescente. Entretanto, os
rendimentos decrescentes da produtividade do capital poderão ser compensados por
propensões a poupar crescentes (Paz e Rodrigues, 1972, p. 117).
Com a hipótese de crescimento demográfico positivo e progresso técnico nulo,
a economia precisa crescer no mesmo ritmo do crescimento demográfico e da
acumulação de capital, para manter o crescimento equilibrado, isto é, sem
desemprego ou hiperemprego. Isso pode ser demonstrado a partir da equação (4),
sabendo-se que toda a renda se distribui entre capitalistas e trabalhadores, isto é, que
(wL + rK) = Y, então (wL/Y + rK/Y) = 1, ou (Ky + Ly) = 1. Supondo-se ∆Y/Y =
∆L/L, e sabendo-se que Ky = (1 – Ly), a equação (4) torna-se igual a ∆Y/Y = (1 – Ly)
(∆K/K) + Ly ∆Y/Y, ou:(∆Y/Y)(1 – Ly) = (1 – Ly) (∆K/K) (6)
Segue-se que, com ∆T/T = 0, então ∆Y/Y = ∆K/K = ∆L/L. Sem progresso
técnico, taxas de crescimento diferentes para o capital e a população conduzem a
variações tanto nas remunerações dos fatores capital e trabalho, como nas
participações desses fatores na renda nacional. Logo, o crescimento equilibrado
depende da igualdade entre essas taxas. Maior crescimento demográfico requer
acumulação de capital na mesma proporção, para manter no longo prazo o
crescimento de Y, K e L em equilíbrio estável. Crescimento demográfico menor
aumenta os salários e o crescimento econômico se reduz. Nesse caso, é necessário que
o progresso técnico e o capital aumentem sua contribuição no crescimento econômico.
2 Modelo de Solow
O modelo de Solow chega a conclusões semelhantes às do modelo de Meade,
usando relações per capita. Relacionando poupança, acumulação de capital e
crescimento demográfico, ele procura explicar a variação do produto per capita. A
função de produção Y = T f(K,L), é transformada em termos per capita, Y/L = Tf(K/L,L/L), ou seja:
y = T f(k), (1)
onde y é a produção per capita, k é o capital per capita (a relação capital/trabalho) e Té o nível tecnológico, que afeta as produtividades marginais do capital e do trabalho
(Sachs e Larrain, 1995, p. 624).
No equilíbrio, I = S = sY; porém, uma parcela do investimento bruto, I,destina-se à depreciação do capital fixo (dK), sendo d a taxa de depreciação, de sorte
que ∆K = I – dK:
∆K = sY – dK (2)
Como Solow trabalha em termos per capita, a equação (2) precisa ser dividida
por L:
∆K/L = sy – dk (3)
A suposição básica de Solow é a de que, no equilíbrio estável, existe uma
relação k = K/L constante, de sorte que ∆Y/Y = ∆K/K = ∆L/L = n. A taxa natural de
crescimento demográfico, n, como em Harrod, apresenta-se como uma variável
exógena, que depende de fatores biológicos e culturais e não das variáveis do modelo.
Considerando o progresso técnico nulo, o equilíbrio estável exige que uma variação
positiva da relação k = K/L (maior quantidade de capital por trabalhador) seja
acompanhada por uma variação superior do estoque de capital, em relação ao
crescimento demográfico, n, ou seja:
∆k/k = ∆K/K – n (4)
Dividindo-se (4) por L, obtém-se que ∆K/L = ∆k + nk ; substituindo-se o
segundo membro desta equação em (3), chega-se à equação fundamental de Solow:
∆k = sy – (n + d)k (5)
Esta equação fundamental afirma que o aumento do capital por trabalhador
(∆k), o aprofundamento do capital, precisa ser igual à poupança per capita (sy), menos
a ampliação do capital, (n + d)k. A proporção nk da poupança serve para equipar os
novos trabalhadores que ingressam no mercado de trabalho, com a mesma relação
K/L dos que já se encontram empregados; a parcela dk precisa ser usada para
depreciar o capital per capita adicional (Sachs e Larrain, 1995, p. 633).
No estado estável de longo prazo (logo, o aprofundamento do capital ∆k é
nulo), a poupança per capita sy torna-se igual à ampliação do capital (n + d)k, sendo
a relação K/L constante:
sy = (n + d)k (6)
Neste caso, a poupança agregada é suficiente para fornecer capital à população
que cresce a uma taxa n = ∆Y/Y e para a depreciação do capital existente.
A Figura 11.1 mostra o equilíbrio da economia no ponto E, o estado estável. O
formato da curva y indica que a função de produção apresenta rendimentos
decrescentes. A curva sy possui a mesma declividade da função de produção, y. A reta
da ampliação do capital, que passa por E, mostrando a igualdade entre sy e (n + d)k,
tem como declividade o termo constante (n + d), a taxa de crescimento natural, n,
mais a taxa de depreciação, d. Pontos a esquerda de E (sy > (n + d)k) mostram o
aprofundamento do capital (∆k > 0) e crescimento econômico superior ao
crescimento demográfico (∆Y/Y > ∆L/L).
Figura 11.1 Equilíbrio da economia no estado estável.17
17 Adaptado de Sachs e Larrain, 1995, p. 634.
A tendência ao aprofundamento do capital pode ser explicada do seguinte
modo. Suponha que o capital per capita da economia seja k1, inferior ao capital
requerido de pleno emprego (ke). A quantidade de capital necessária para equipar os
trabalhadores adicionais com a mesma relação K/L existente e substituir o capital
gasto no processo produtivo é k1R, o que é inferior à poupança per capita disponível
k1S. O excesso de poupança por trabalhador, igual a SR, tenderá a expandir o capital
per capita até o ponto E; isso ocorrerá enquanto SR for positivo. À direita do ponto E,
a poupança disponível seria insuficiente para equipar os trabalhadores adicionais com
a mesma relação K/L dos trabalhadores já empregados e realizar a depreciação do
capital existente.
Percebe-se que as nações em desenvolvimento, com desemprego de
trabalhadores, encontrando-se em pontos à esquerda de E, tendem a crescer a taxas
superiores às das nações mais ricas, situadas à proximidade de E, o equilíbrio estável.
A conclusão do modelo é a de que a elevação da taxa de poupança, s, expande a
relação capital/trabalho, k, e a renda per capita, y, até a economia atingir o equilíbrio
estável de longo prazo, quando a taxa de crescimento y manter-se-á constante e igual
a n. Porém, uma vez atingido o equilíbrio estável, o aumento da poupança não
influenciará mais a taxa de crescimento do produto, a ponto de elevá-la acima da taxa
do crescimento demográfico.
Desconsiderando-se a depreciação dK, no ponto de equilíbrio estável E, com nk= sy, ter-se-ia que n = sy/k = s(Y/L)/(K/L) = sY/K = s/v, isto é, a taxa natural de
crescimento demográfico (sem progresso técnico) é igual à propensão a poupar (s),dividida pela relação capital/produto (v). Essa conclusão é idêntica a que se chega por
meio dos modelos de Harrod e Domar, como foi visto no Capítulo 5. Em outras
palavras, no equilíbrio de pleno emprego é a taxa de crescimento demográfico, n,
quem determina a taxa de crescimento do emprego de trabalho, do capital e do
produto. Valores diferentes para s e v não modificam a taxa requerida de pleno
emprego n, dada de forma independente das variáveis do modelo.18
Esse modelo descreve perfeitamente o ritmo de crescimento do fluxo circular
schumpeteriano, como foi visto no Capítulo 6 de Souza (2005). Na ausência de
inovações tecnológicas nesse fluxo circular, será o crescimento demográfico quem
determinará o ritmo do crescimento econômico. Um aumento da taxa de crescimento
demográfico, n, eleva as taxas de crescimento de Y, K e L, mas diminui a produção percapita. Na Figura 11.1, a reta (n + d)k deslocar-se-ia para cima e para a esquerda.
Como se observa, a igualdade entre sy = (n’ + d)k ocorreria em um ponto à esquerda
18 Solow usou a suposição de Harrod de que o crescimento da população é exógeno e de que a força de
trabalho, L(t), cresce no tempo t a uma taxa constante n, isto é, L(t) = Lo ent (Solow, 1956, p. 67).
de E, como em S, reduzindo a produção per capita de ye para y1.19 A produção per
capita se reduz porque a função de produção y mantém-se a mesma (tecnologia
constante). Inversamente, quando o crescimento demográfico se reduz, a reta desloca-
se para a direita. As necessidades de ampliação de capital para atender aos novos
trabalhadores se reduzem, sobrando mais poupança (sy) para o aprofundamento do
capital (∆k). Embora ∆Y/Y diminua, a produção per capita aumenta (Sachs e Larrain,
1995, p. 640).
A introdução do progresso tecnológico no modelo de Solow (∆T/T > 0),
deslocando a função de produção per capita y para cima, implica que o mesmo
número de trabalhadores e idêntico estoque de capital exercem um impacto maior
sobre o nível de produção, do que na situação anterior. Em outras palavras, na
prática, para uma dada taxa de crescimento demográfico, n, precisa-se acrescentar a
taxa do progresso técnico ∆T/T = t, para se obter a taxa efetiva de crescimento do
produto real, ou seja:
∆Y/Y = (n + t) (7)
As produtividades do trabalho e do capital aumentam com maiores
conhecimentos, mais educação e melhor saúde para os trabalhadores, assim como
pelo uso de processos e máquinas mais eficientes, o que eleva o ritmo do crescimento
econômico. Tendo em vista que ∆K/K = ∆Y/Y = (n + t) e ∆L/L = n, constata-se que o
capital por trabalhador (K/L) e a produtividade do trabalho (Y/L) crescem no ritmo
do progresso técnico t, e que a relação K/Y permanece constante. Quanto maior o
crescimento do progresso técnico em relação ao número de trabalhadores, maior será
a produtividade do trabalho e tanto mais altas serão as taxas da acumulação de
capital e do crescimento econômico.
Finalmente, a importante conclusão do modelo neoclássico, tanto na versão de
Meade, como na de Solow, é a de que o ritmo do progresso técnico determina o
crescimento da renda per capita no equilíbrio estável de longo prazo. Isso pode ser
visto ao se subtrair a taxa de crescimento demográfico da taxa efetiva de crescimento
da renda, conforme a equação (7), ou seja, ∆Y/Y – n = t, tal que:
∆y/y = t (8)
Conclui-se que a contribuição neoclássica à teoria do crescimento econômico é
inegável e continua muito atual. O modelo de Solow mostra a dinâmica de longo
prazo de uma economia capitalista desenvolvida, que se dirige a um estado de
equilíbrio estável. Nesse ponto, o crescimento demográfico e a tecnologia determinam
o ritmo de crescimento equilibrado. As críticas afirmam, contudo, que o modelo
19 Imagine que a nova reta (n’ + d)k, partindo da origem, passe pelo ponto S.
neoclássico, pressupondo perfeita flexibilidade de preços dos fatores, é muito
mecanicista e harmonioso; que ele não considera as expectativas empresariais, ao
excluir a função investimento, fator que pode afetar o crescimento equilibrado. Pelas
hipóteses de flexibilidade de salários e preços, mercados concorrenciais, perfeita
informação e capital maleável, “as expectativas nunca poderiam frustrar-se” (Jones,
1979, p. 109).20 Além disso, o progresso técnico aparece como elemento exógeno e
formado de modo independente dos parâmetros do modelo.
3 Teoria de crescimento com progresso técnico endógeno
A nova teoria que trata o progresso técnico como elemento ativo no processo
de crescimento, afirma que ele exerce efeitos expansivos sobre o produto ao elevar a
produtividade dos fatores e ao retransmitir esses efeitos entre as unidades produtivas.
A teoria do crescimento com progresso técnico endógeno tomou impulso nos anos de
1980, por não haver uma tendência à convergência dos produtos per capita entre
áreas com diferentes níveis de desenvolvimento iniciais. Pelo contrário, as
desigualdades entre regiões ou países ricos e pobres tendem a aumentar. Na ausência
de perfeita mobilidade dos fatores de produção K e L entre países ou regiões, as
desigualdades aumentam. O crescimento do produto não se explica apenas por K e L,
permanecendo uma parte importante não explicada, atribuída no modelo neoclássico
à tecnologia, A(t), a qual varia lentamente no tempo.
A teoria do crescimento endógeno não procura medir a parte não explicada
A(t), mas encontrar as fontes desse crescimento, as quais se encontram no interior do
sistema produtivo. Embora essa teoria tenha sido popularizada por Romer (1986), sua
origem é mais antiga, podendo ser encontrada nos artigos pioneiros: Investimento emcapital humano, de Schultz (1961); Implicações econômicas do aprender fazendo, de
Arrow (1962); Investimento humano, difusão tecnológica e crescimento econômico, de
Nelson e Phelps (1966); A taxa de retorno do investimento alocado na educação, de
Schultz (1967); Uma teoria econômica da mudança tecnológica, de Nordhaus (1969)
etc.
Estudando outras fontes de crescimento, além de K e L, Langoni (1976)
mostrou que a contribuição líquida da educação para o crescimento do produto foi de
15,7% no Brasil (1960/1970), 23% nos EUA (1950/1962) e de 10% na França
(1950/1962). Com relação ao Brasil, a contribuição do capital físico, entre
20 Esses pontos foram discutidos no Capítulo 5, através dos modelos de Domar, Harrod e de Kaldor.
1960/1970, foi de 32%, contra 47% do trabalho (incluído os 15,7% da educação),
sendo de 21% a parcela do crescimento do produto não explicada por K nem por L,
sendo atribuída ao progresso técnico [A(t)] (Langoni, 1976, p. 27). Essa parcela não
explicada por K, nem por L, é muito importante para ser ignorada. Outras fontes
explicativas do crescimento econômico seriam investimentos em capacitação
tecnológica e geração de conhecimento. Os países subdesenvolvidos podem importar
tecnologias, além de investir em pesquisa tecnológica, gerando maior crescimento do
produto.
Outras fontes de crescimento são: (a) economias de escala, derivadas do
aumento do tamanho do mercado e do nível da produção; (b) elevação daprodutividade, decorrente da transferência de trabalhadores e atividades de setores
menos eficientes, como a agricultura, para os mais produtivos, como a indústria de
transformação; (c) economias externas, geradas pelas infra-estruturas criadas pelo
Estado e pela difusão do conhecimento entre os agentes produtivos. Melhorias dos
portos e das comunicações, reduzindo os custos das empresas, são economias externas
por não dependerem diretamente da ação da empresa, mas de outras unidades
produtivas, ou órgãos do governo. Privatizações e reformas institucionais são outros
exemplos de economias externas, podendo aumentar a oferta de produtos, melhorar a
eficiência dos serviços e reduzir seus custos. Deseconomias externas também podem
ocorrer, como uma desvalorização cambial, que aumenta os preços dos insumos
importados e os custos das empresas, gerando impactos depreciativos sobre o nível do
produto.21
3.1 Convergência espacial da renda per capita
Seja Y = A(t) K1−β L
β o produto de uma economia, β a elasticidade do produto
em relação ao trabalho e (1 – β) a elasticidade do produto em relação ao capital. Divi-
dindo-se esta função por L, obtém-se Y/L = A(t) K1−β
Lβ L−1 = A(t) (K/L)
1−β, ou y
= A(t) k1−β
, conforme definição da seção anterior. Derivando-se esta última relação,
chega-se a:
dy/y = (1 – β) dk/k + A’ (1)
A taxa de crescimento do produto per capita (dy/y) depende da taxa de
crescimento do capital per capita (dk/k) e de um crescimento residual (A’), atribuído
ao progresso tecnológico. Substituindo-se k por K/L na equação (1), e depois dK por
sY e Y pela função de Cobb-Douglas, chega-se ao seguinte resultado (Romer, 1994, p.
21 Há, contudo, um efeito oposto ao estimular as exportações e o crescimento do produto total.
5):
dy/y = (1 – β) [s A(t)1/(1−β)
y (−β )/(1−β)
– n] + A’ (2)
Observa-se que a taxa de crescimento do produto per capita dependerá da
elasticidade do produto em relação ao trabalho (β), da propensão a poupar, do nível
tecnológico inicial [A(t)], do nível do produto per capita, do crescimento demográfico
e do progresso técnico residual (A’). O parâmetro β é fundamental, porque vai influen-
ciar o tempo em que ocorrerá a convergência dos produtos per capita entre um país
desenvolvido e um país subdesenvolvido. Considerando-se dois países com os mesmos
parâmetros [A(t)], β, n e A’ = 0 e conhecendo-se os produtos per capita, pode-se
calcular a propensão a poupar de cada país para que eles cresçam à mesma taxa.
Neste caso, é preciso que o país com maior produto per capita tenha maior propensão
a poupar.
Sendo β = 0,6, o expoente (–β)/(1 – β) do produto per capita y da equação (2)
será igual a – 1,5. Considerando-se as suposições acima, um país com produto percapita dez vezes menor, como as Filipinas em relação aos EUA (1960), deveria crescer
de modo mais acelerado.22 Para que os EUA cresçam no ritmo das Filipinas seria
preciso que sua taxa de poupança (e a taxa dos investimentos) fosse 31,62 vezes
maior.23 Como os países desenvolvidos não possuem propensão a poupar dessa
magnitude, a conclusão do modelo neoclássico é a de que o país mais pobre terá taxas
de crescimento mais altas, levando à convergência do produto per capita no longo
prazo.24 Porém, os países desenvolvidos serão mais produtivos se o estoque inicial de
conhecimento for maior. Desse modo, eles crescerão mais do que os países pobres,
porque “cada unidade do capital investido aumenta tanto o estoque de capital físico,
como o nível da tecnologia de todas as firmas da economia, através da difusão do
conhecimento” (Romer, 1994, p. 7). Isso contribuirá para o aumento das
desigualdades econômicas.
Pela equação (1), verifica-se que, se β = 0,6 e considerando-se A’ = 0, a contri-
buição do crescimento do capital per capita no produto per capita será de 0,4 vezes
dk/k. Se a contribuição do trabalho no produto β cair para 0,3, uma variação do
capital per capita (dk/k) expandirá 0,7 vezes o produto per capita. A presença de
22 Supondo, para ambos os países, que: s = 0,15; n = 0,02; A(t) = 2, β = 0,6, A’ = 0. Então, para as Filipinas
dy/y = 0,4 (0,15. 22,5.0,1−1,5 – 0,02) = 10,7%; para os EUA, dy/y = 0,4 (0,15. 22,5.1−1,5 – 0,02) = 0,32.23 Sendo y−β/1−β = 0,1−0,6/1−0,6 = 0,1−1,5 = 31,62. Multiplicando-se a taxa de poupança dos EUA (0,15) por 31,62 nafórmula da nota anterior, chega-se a uma taxa de crescimento para a renda per capita desse país de 10,7%, amesma das Filipinas. Se β = 2/3, então −β/1−β = −2 e a taxa de poupança dos EUA precisaria ser 100 vezes maior:0,1−2 = 100.24 Em 1990, a relação investimento interno bruto/PIB foi de 17% nos EUA e 24% nas Filipinas. Entre 1990/1999, oinvestimento interno bruto cresceu 7% nos EUA e 4,1% nas Filipinas, expandindo o PIB em 3,4% no primeiro paíse em 3,2% no segundo. Nos anos de 1980, o PIB dos EUA cresceu 3%, contra apenas 1% para as Filipinas. Como seobserva, esses dados não favorecem a hipótese da convergência do PIB per capita dos dois países entre 1980/1999.
retornos decrescentes mais fracos, decorrentes da acumulação de capital, pode ser o
resultado de economias externas, fruto da difusão de conhecimentos na economia.
Barro e Martin estudaram dois conjuntos de Estados dos EUA; o conjunto mais
pobre (Carolina do Norte, Carolina do Sul, Virgínia e Geórgia) possuía renda percapita igual a 1/3 daquela do conjunto mais rico (Nova Iorque, Massachusetts e
Rhode Island). Seu trabalho considerou β = 0,6, −β /(1 – β) = −1,5 e (1/3) −1,5 =
5,2; isso significa haver uma diferença de cinco vezes na produtividade marginal do
capital, em favor dos Estados mais pobres (Sul). Entretanto, os Estados mais ricos
(Norte) vêm crescendo de modo mais acelerado há décadas, o que explica o aumento
da divergência do produto per capita no longo prazo. A explicação encontra-se na
dotação desigual do estoque de conhecimentos inicial, em favor do Norte, que tende a
se ampliar no longo prazo. Essas diferenças de tecnologia tendem a gerar importantes
economias externas no Norte e fatores desfavoráveis no Sul, que ampliam as
desigualdades regionais (Romer, 1994, p. 9).
Introduzindo-se o capital humano (H) na função de produção Y = A(t) K1/3
H1/3
L1/3
, o coeficiente – β /(1 – β) se reduz para 0,5 e a taxa de retorno dos capitais físico
e humano se reduzem para (1/3)0,5 = 1,73 vezes maior no Sul em comparação ao
Norte, o que não seria substancialmente muito elevado ao ponto de atrair o capital do
Norte e levar à convergência das rendas regionais per capita. Desse modo, no longo
prazo as desigualdades entre países e regiões tendem a aumentar. A conclusão é a de
que o modelo neoclássico de crescimento não consegue captar os efeitos externos,
endógenos, sobre o crescimento da produtividade.
Para captar esses efeitos externos, Romer (1994, p. 7) supôs que cada unidade
de capital aumenta tanto o estoque do capital físico, como o nível tecnológico das
firmas, por meio da difusão do conhecimento técnico. O progresso técnico aparece
como função do capital e do trabalho, isto é, A(K, L). Desse modo, a função de
produção da firma j será: Yj = A(K, L) Kj1−α
Lj α. O parâmetro α representa o efeito
privado e indica que a produção da firma j aumentará a %, quando ela aumentar 1% o
emprego de trabalho.
O estoque de conhecimentos A, como função do capital e do trabalho, foi
colocado por Romer na forma A(K, L) = Kγ L
− γ. O parâmetro γ > 0 representa o efeito
externo. A elasticidade negativa para o trabalho indica que o emprego de mais mão-
de-obra diminui o incentivo a adotar inovações, o que se traduz em menor difusão do
conhecimento na economia. Os efeitos privados que os diferentes α ’s do conjunto de
firmas exercem na economia ficam captados pelo parâmetro β da função de produção
agregada Y, ao qual devem ser acrescidos os efeitos externos, isto é, β = α – γ, sendo βo efeito agregado no conjunto das firmas. Desse modo, no modelo neoclássico, os
efeitos do capital sobre a expansão do produto (1 – β) ficam subestimados ao não se
considerar a contribuição do progresso técnico e dos efeitos externos. As empresas
difundem externalidades sobre as demais, ao realizarem gastos em treinamento de
trabalhadores e na pesquisa tecnológica. Esses efeitos repercutem-se em toda a
economia, aumentando as produtividades marginais de K e L e elevando a
contribuição do progresso técnico A no produto Y.
Outros estudos mostraram que a convergência do produto per capita ocorre
muito lentamente, pela existência de externalidades mais importantes nos países ou
regiões mais ricas. No longo prazo, a difusão do conhecimento de regiões ou países
com mais altos A(K, L) deverá ocorrer em direção de países ou regiões com mais
baixos A(K, L), principalmente pelo surgimento de efeitos externos mais importantes
nas áreas mais pobres.
3.2 Abandonando a hipótese de concorrência perfeita
Na hipótese de concorrência perfeita, existe um número muito grande de
firmas, produzindo um bem homogêneo com um custo mínimo. Os preços pm são
dados pelo mercado e os lucros são normais. A função de produção Y = A(t) f(K, H, L)
é homogênea de grau um (rendimentos constantes à escala), significando que, para
dobrar a produção, necessita-se duplicar todos os insumos K, H, L. A tecnologia A(t) éuma variável temporal e determinada independentemente das variáveis do modelo.
No entanto, o conhecimento pode ser usado por muitas pessoas ao mesmo tempo, isto
é, a informação é um bem não rival. Nesse caso, para dobrar a produção, não é
necessário duplicar a tecnologia A(t). Um mesmo processo conhecido, Ai, pode ser
usado simultaneamente por um conjunto de firmas.
Enquanto cada fator é remunerado segundo suas produtividades marginais, o
conhecimento que uma firma assimila tende a produzir um retorno maior do que os
gastos efetuados para a sua apreensão. Porém, quanto mais a firma investir na
produção de conhecimento, tanto maior ele será e mais importantes serão os efeitos
desencadeados no conjunto da economia. Desse modo, no agregado, a tecnologia
aparece como um fator endógeno, dependente da aplicação de trabalho, capital físico
e capital humano, isto é, A = A (K, L, H). Além disso, como as descobertas são
protegidas por direito autoral, durante algum tempo, a informação não pode ser
considerada como um bem público típico. Firmas e indivíduos adquirem poder de
mercado e auferem rendas de monopólio decorrentes de descobertas. Essa
imperfeição de mercado, inserida no espírito do modelo schumpeteriano, reduz a
peculiaridade de bem não rival da informação (Romer, 1994, p. 13).
Para considerar todos esses fatores, Romer (1986) estabeleceu uma função de
produção Y = A(R) f(Rj, Kj, Lj), em que Rj são os gastos em pesquisa e
desenvolvimento realizados pela firma j. Os conhecimentos que eles geram acabam
sendo difundidos no conjunto da economia. Ao serem internalizados pelas firmas i,eles contribuem para aumentar sua produção e seus lucros, sem realizarem os gastos
correspondentes. Desse modo, como Rj é um bem não rival, ele melhora a
produtividade dos fatores K, L e H, gerando, portanto, rendimentos crescentes à
escala. Em conclusão, as contribuições do capital físico e do capital humano sobre o
produto ficam subestimadas quando se consideram apenas seus efeitos sobre a
empresa que o aplicou. Contudo, esses investimentos beneficiam direta e
indiretamente outras unidades produtivas. Tais efeitos indiretos podem elevar
substancialmente a contribuição do capital no crescimento do produto, o que
explicaria grande parte do fator residual de crescimento (A’) do modelo neoclássico.
Desse modo, o conhecimento aparece como um fator de produção, como o
capital físico, o capital humano e a mão-de-obra. Conclui-se que a sociedade precisa
investir na geração de conhecimento, como investe em capital fixo e na educação dos
trabalhadores. Investimentos em novos conhecimentos geram externalidades, como
explicou Romer:
“A criação de novos conhecimentos por uma firma produz efeitos externospositivos sobre as possibilidades de produção de outras firmas, porque oconhecimento não pode ser perfeitamente patenteado ou mantido secreto. E oque é mais importante: a produção de bens de consumo como uma função doestoque de conhecimento e outros insumos exibe retornos crescentes; maisprecisamente, o conhecimento pode ter um produto marginal crescente”(Romer, 1986, p. 1003).
Em outras palavras, determinado percentual aplicado na expansão do estoque
de conhecimentos gera um aumento mais do que proporcional no nível do produto,
pelas interdependências entre os produtores. Dessa forma, os fatores externos dos
investimentos em ciência e tecnologia produzem retornos crescentes de escala,
implicando crescimento econômico superior ao crescimento demográfico e à variação
tecnológica inicial.
O capital humano, H, o capital físico, K, e a força de trabalho, L, estão
intimamente associados pelo conhecimento técnico, gerado internamente, ou
importado, e que se difunde entre os agentes produtivos, produzindo externalidades
positivas e que são captadas pelas empresas. Desse modo, o conhecimento surge como
um insumo na função de produção como o capital físico, o capital humano e a força
de trabalho. Para aumentar o produto per capita, além de aumentar o capital físico, a
sociedade precisa investir também em saúde, educação e treinamento dos
trabalhadores, assim como na geração de novos conhecimentos técnicos. Estes
produzem externalidades positivas, que são apropriadas pelos agentes produtivos e
elevam o nível da produção agregada. Isso se explica porque o saber gerado pelas
novas tecnologias não pode ser totalmente patenteado, podendo ser internalizado e
aperfeiçoado por empresas rivais da comunidade.
As regiões ou países que mantiverem investimentos crescentes na ciência básica
e aplicada, na descoberta de novos produtos e processos de trabalho, bem como em
educação e saúde de sua população, deverão crescer mais rapidamente. Os
rendimentos crescentes da produção de conhecimentos deverão neutralizar os
rendimentos decrescentes em alguns setores de atividade, principalmente na
agricultura. Os países não inovadores poderão beneficiar-se da difusão internacional
do conhecimento técnico, se conseguirem importar tecnologia e, sobretudo, se forem
capazes de adaptá-las e produzir conhecimento próprio. Desse modo, eles também
poderão crescer a taxas mais elevadas, com melhoria dos indicadores de
desenvolvimento.
4 Conclusão
Partindo-se das análises de Meade e de Solow, constatou-se que o modelo
neoclássico é um instrumento simples e eficiente para mostrar a trajetória de
crescimento de uma economia no longo prazo. Constatou-se que as produtividades do
capital e do trabalho aumentam com maiores conhecimentos e que a renda per capitacresce com o progresso técnico no equilíbrio estável de longo prazo. Porém,
considerando-se duas regiões ou países com desigual nível inicial de renda per capita e
conhecimento técnico, as desigualdades entre eles deverão aumentar pela imperfeita
mobilidade espacial de fatores. A área com estoque inicial superior de conhecimentos
deverá crescer de modo mais acelerado pela existência de importantes economias
externas e pela adoção mais intensa de novas tecnologias. A conclusão é a de que a
convergência somente começará quando surgirem novos conhecimentos e economias
externas importantes nas regiões ou países mais pobres. Isso poderá acelerar-se pela
adoção de medidas favoráveis, que estimulem a difusão espacial do capital e do
progresso técnico.
A introdução do capital humano (H) na função de produção, reduzindo a
elasticidade do produto em relação ao trabalho, torna o modelo neoclássico mais
próximo da realidade. Contudo, o progresso técnico, considerado exógeno no modelo
neoclássico, na verdade depende dos próprios fatores K, L e H. Assim, quanto maior a
acumulação de capital físico e o investimento em capital humano, tanto maior será a
geração de conhecimentos, o que repercutirá em maiores taxas de crescimento econô-
mico.
A criação de novos conhecimentos pelas firmas produz efeitos externos
positivos sobre as demais firmas, que elevam sua produção sem a realização de gastos
adicionais. Isso se explica porque as novas tecnologias não podem ser perfeitamente
patenteadas. O surgimento de imitadores aumenta a produção total, gera novos lucros
e novos investimentos. Isso implica rendimentos crescentes na economia, pois um
dado investimento inicial em pesquisa tecnológica gera retornos mais do que
proporcionais, em virtude das interdependências existentes entre as firmas e pela
possibilidade da imitação entre as empresas. Desse modo, embora as exportações, do
lado da demanda, sejam importantes fatores do desenvolvimento, principalmente
aquelas de produtos manufaturados, do lado da oferta, a geração de novos
conhecimentos, os investimentos em capital humano e no treinamento de trabalha-
dores, na pesquisa de novos produtos e novos processos são os elementos básicos para
completar o elenco dos fatores do desenvolvimento econômico moderno.
QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO
1. Explique a condição de Meade para que o crescimento do produto ocorra de modo
equilibrado com a acumulação de capital e emprego de trabalho.
2. Explique o significado do equilíbrio estável e por que as economias subdesen-
volvidas deverão crescer mais do que as economias desenvolvidas antes de atingi-
rem esse ponto.
3. Por que no equilíbrio estável a poupança não influencia o crescimento econômico
acima do crescimento demográfico?
4. Do que depende o crescimento da renda per capita no modelo neoclássico e o que
significa dizer que a tecnologia é exógena?
5. Por que o modelo neoclássico de crescimento não produz a convergência das
rendas regionais per capita? E quando isso poderá ocorrer?
6. O que significa elasticidade da produção em relação ao trabalho muito alta e por
que a elasticidade do conhecimento tecnológico em relação ao trabalho é
negativa?
7. Por que a contribuição do capital no crescimento econômico fica subestimada no
modelo neoclássico?
8. O que significa crescimento econômico com progresso técnico endógeno? Por que
o conhecimento é um bem não rival?
9. Qual a principal conclusão destes modelos de crescimento?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
4CRESCIMENTO ECONÔMICO DA RÚSSIA, MÉXICO EBRASIL25
SOUZA, Nali de Jesus.
Desenvolvimento Econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
1 Crescimento econômico da Rússia
A Federação Russa, reunindo 89 regiões, surgiu após a dissolução da União
Soviética em dezembro de 1991, a quem sucedeu como potência nuclear e membro do
Conselho de Segurança da ONU. Ela possuía 147 milhões de habitantes em 1999; a
parte européia concentra 80% da população e a maioria das cidades; seu vasto
território de 17,1 milhões de km2 é composto por imensas planícies inabitáveis na Ásia
(Sibéria), mas com imensas reservas de carvão, petróleo e gás natural. Nesse mesmo
ano, seu PNB atingiu US$ 332,5 bilhões, constituindo a 16a economia do mundo. Seu
PNB per capita de 1999, igual a US$ 2.227, no entanto, colocava esse país na 98a
posição no contexto mundial. No plano político, o principal problema decorre de
resistência da Chechênia ao domínio russo.26
A civilização russa originou-se no século 9 a.C. com migrações vindas da Ásia e
Europa, sobretudo normandos, turcos e gregos. Por sua posição geográfica, essa
região não fez parte do Império Romano, mas recebeu influência diversa. Alemães e
poloneses difundiram o catolicismo na região, influenciando a formação da língua
russa. No século 12, a região foi invadida pelos mongóis chefiados por Genghis Khan,
cuja ocupação durou de 1237 ao fim do século 15. Eles governaram do Báltico ao mar
da China, estabelecendo uma administração bem organizada, com cobrança de
impostos. No seio da dominação mongol surgiram três centros de poder: Galícia,
Novgorod e Moscou, que acabou se impondo política e economicamente sobre os
demais centros, por sua posição geográfica (Mirador, 1995, p. 10.105).
No reino de Pedro I, o Grande (1682-1725), modernizou-se a Moscóvia, a
futura Rússia. Para imitar as ações de soberanos ocidentais, ele cercou-se de
conselheiros estrangeiros e centralizou a administração; protegeu artesãos, técnicos e
construtores; fundou São Petersburgo, para onde transferiu a capital; mandou
traduzir livros e copiar os anais conservados nos mosteiros; ordenou a construção do
canal ligando Moscou a São Petersburgo. Em 1700, ele declarou guerra à Suécia e
25 Este texto constitui um anexo ao Capítulo 12 do livro Desenvolvimento econômico (Souza, 2005).26 Esse país, de maioria muçulmana, declarou-se independente em 1991, provocando a guerra da Chechênia, com
mais de 100 mil mortes. Com a derrota, os chechenos vêm realizando atentados a bomba (300 mortos em 2003);em 2004 uma escola foi invadida, resultando na morte de 646 pessoas, entre elas 227 crianças.
invadiu a Livônia, Estônia e o delta do Neva. Ao estabelecer a paz com a Suécia, em
1721, foi reconhecido o direito da Rússia sobre as regiões invadidas. A partir de então
estava aberta importante janela para o restante da Europa.
Catarina II (1725-1762) conquistou grande prestígio ao corresponder-se com
os enciclopedistas franceses e com reis europeus. Ela protegeu os pensadores e as
artes. Aproveitou o seu carisma para realizar reformas políticas e administrativas.
Prosseguiu a expansão externa, absorvendo grande parte da Ucrânia, a Bielorrússia e
parte da Polônia; em 1783 anexou a Criméia. Foi a era do absolutismo esclarecido:
construíram-se hospitais e orfanatos; foi criada a academia de literatura e lingüística;
foi incentivada a educação e a assimilação da cultura ocidental (Mirador, 1995, p.
10.110).
Alexandre I (1801-1825) expulsou Napoleão e Nicolau II (1894-1917) e foi
destronado pela Revolução Bolchevique. As idéias de Marx e Engels haviam penetrado
na Rússia no final do século 19. Em 1896, 30 mil operários de São Petersburgo
entraram em greve e em 1898 surgiu o Partido Social-Democrático dos Trabalhadores
Russos. A derrota russa diante dos japoneses, em 1895, favoreceu os revolucionários,
que intensificaram a sua ação até 1914. A situação econômica era crítica no fim da
Primeira Guerra Mundial: inflação alta e escassez de mão-de-obra na indústria e
agricultura. A Revolução ocorreu em 1917, surgindo a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS), que abrangia as repúblicas da Rússia, Ucrânia,
Bielorússia e Transcaucásia (Mirador, 1995, p. 11226).27
1.1 A Revolução Soviética
Entre 1900 e 1917, a economia russa se encontrava em uma situação
intermediária entre as economias atrasadas e as regiões de alto desenvolvimento
industrial. Em alguns setores, a indústria russa era bastante moderna e se
caracterizava por alta concentração da produção, propriedade e controle. Havia
poucas zonas industriais, destacando-se os distritos de Leningrado e Moscou. Assim,
menos de 15% da população vivia nas cidades, e menos de 10% trabalhava na
indústria. A maioria das fábricas existentes era importada e financiada com capital
estrangeiro. Certo número de trabalhadores, o pessoal administrativo e de nível
técnico, bem como os executivos, eram estrangeiros. O sistema ferroviário era o mais
atrasado da Europa ocidental. O setor externo era muito dependente do ocidente,
principalmente do mercado alemão. Mais de 50% das exportações russas eram
27 Os soviéticos reconheceram a independência da Finlândia em 6-12-1917, mas não cederam a da Ucrânia. A URSS possuía
um território de 22,4 milhões de km2.
constituídas por cereais e produtos alimentícios, principalmente trigo, e 36%
correspondiam a matérias-primas e produtos semimanufaturados. Pelo lado das
importações, 1/3 era de produtos manufaturados e 50% do total compunham-se de
algodão, lã, seda e metais ferrosos (Dobb, 1972, p. 44).
A produtividade da agricultura era baixa, o que contribuía para o reduzido
nível de vida na Rússia, uma vez que 80% da população vivia desse setor. A proporção
de terra cultivada era relativamente pequena, correspondendo a 25% da área total do
país. A densidade demográfica era grande se comparada com a dos EUA. Embora as
terras russas fossem bastante férteis, o rendimento da agricultura russa era baixo pelo
emprego de técnicas agrícolas inadequadas e baixa intensidade de capital. Diante das
dificuldades, o produtor rural buscava uma ocupação adicional, assalariando-se ou
montando em casa um artesanato. Desse modo, a escassez de alimentos era cada vez
maior e não atendia às necessidades da população. Durante o ano de 1917,
produziram-se movimentos sociais intensos demandando reforma agrária. Houve
muitos casos de destruição e violência.
Os trabalhadores do setor industrial, de sua parte, desejavam melhores salários
e redução da jornada de trabalho para oito horas. Assim, com o novo governo, o bloco
proletário-camponês passou a apoiar o regime comunista. Tendo chegado ao poder,
um dos primeiros atos de Lênin foi abolir o direito dos proprietários de terra, sem
qualquer compensação. A partir desse momento, todo cidadão passou a ter o direito
de trabalhar em uma parcela de terra por tempo indeterminado. A intenção foi
repartir a terra, mantendo uma parcela considerável nas mãos do Estado, a fim de
criar empresas-modelo estatais. Contudo, a quantidade de terras em mãos dos
camponeses passou de 70% para 96% do total da área agriculturável. A produção
agrícola ficou sob controle quase completo dos pequenos camponeses (Dobb, 1972, p.
86).
O novo regime soviético não previa a transição imediata para uma economia
socialista. Desejava-se primeiro consolidar o poder político e evitar a desintegração
econômica por uma possível greve de capitais que o governo pretendia dominar.
Assim, as primeiras medidas visaram ao controle da indústria, para que ela
continuasse se expandindo. Pretendia-se implantar um capitalismo dirigido,
controlado por normas de caráter econômico. Durante o Governo Lênin (1917-1924),
outras medidas importantes foram a nacionalização das indústrias e dos bancos
estrangeiros, assim como o pagamento de reparações de guerra à Alemanha. A
oposição, liderada por bolcheviques e czaristas, se uniu, iniciando a resistência militar
contra o novo governo, formando os “russos brancos”. Em socorro aos brancos,
desembarcaram no país tropas francesas, inglesas, japonesas e norte-americanas,
desencadeando uma guerra civil que perdurou de 1917 a 1921. O exército vermelho
bolchevique saiu vitorioso, mas arruinou a economia russa. A situação econômica era
desesperadora em 1921; em relação a 1913, a produção agrícola havia caído 2/3 e a
indústria quase 90%; cerca de 5 milhões de pessoas morreram de fome. As minas de
carvão estavam paralisadas e as estradas de ferro destruídas. A circulação interna de
mercadorias havia praticamente cessado. A população de Moscou reduziu-se de 2
milhões em 1918, para 1,2 milhão em 1921 (Niveau, 1969, p. 456).
Lênin instituiu o capitalismo de estado através da Nova Política Econômica
(NEP), envolvendo o planejamento estatal da economia, combinando princípios
socialistas com elementos capitalistas. A NEP estimulava a pequena manufatura
privada e o livre comércio, cabendo ao Estado cerca de 10% da produção camponesa.
O restante dirigia-se livremente ao mercado, estimulando a produtividade e a
normalização do abastecimento. Entendia-se que a implantação do regime socialista
exigia o fortalecimento prévio da economia com algumas medidas capitalistas. Assim,
o governo liberou o comércio interno e autorizou grande número de empresas
industriais nacionalizadas a competirem livremente no mercado, mas manteve o
monopólio do comércio externo. Entre 1922 e 1924, a produção soviética
quadruplicou e a agricultura começou a se recuperar dos efeitos da grande seca e da
guerra civil. Lênin morreu em 21-1-1924, no momento em que a prosperidade da
“nova burguesia” (rural e urbana) começava a inquietar o governo comunista. Nesse
ano, as potências ocidentais reconheceram o governo comunista soviético. Stalin
sucedeu a Lênin (1924/1953) e em 1928 foi adotado o primeiro plano qüinqüenal,
elaborado pela Gosplan.28 Intensificou-se a coletivização da economia soviética: em
1926, 20% da produção industrial provinha do setor privado, quantia que se reduziu
para 5,6% em 1930 e para 0,5% em 1932, quando se proibiu o comércio privado
(Niveau, 1969, p. 465).
1.2 Planos qüinqüenais soviéticos
Stalin centralizou o poder e eliminou a oposição; através do planejamento, ele
deu prioridade à indústria pesada. O primeiro plano (1928/1932) concentrou seus
esforços na supressão da propriedade individual e no aumento da produção. A
produção agrícola e o comércio diminuíram, assim como os salários reais. Os objetivos
do plano não foram alcançados. O segundo plano (1933/1937) caracterizou-se por
uma planificação mais homogênea dos vários setores da economia, mas manteve a
prioridade da produção de bens de capital. Desta vez, maior demanda de matérias-
primas aumentou a produção agrícola, o emprego e a renda. O terceiro plano
28 Comissão Estatal de Planejamento criada em 1921 para garantir o plano de eletrificação. Em 1928, a Gosplan
passou a ser responsável pela elaboração e execução do planejamento centralizado soviético.
(1938/1942) foi perturbado pela Segunda Guerra Mundial. A produção industrial de
armamentos superou a produção de bens para o atendimento da população. No
quarto plano (1946/1950) procurou-se recuperar a economia. A partir de 1947
observou-se grande melhoria na agricultura e a produção do conjunto da indústria
elevou-se para 90% do nível de antes da guerra, sendo ultrapassado em 1948. Os
soviéticos recusaram a ajuda do Plano Marshall, iniciando-se a Guerra Fria, com a
concentração dos investimentos na indústria pesada, armamentos e energia nuclear
(Niveau, 1969, p. 471).
O quinto plano qüinqüenal (1951/1955) tinha como principais traços um ritmo
de incremento da produção industrial de 72% e a diminuição das desigualdades entre
as taxas de crescimento dos principais departamentos da indústria, produtora de bens
de capital e de consumo. Durante os primeiros anos da década de 1950, a situação da
agricultura havia piorado bastante. Esse foi um dos motivos que levaram o plano a
centrar-se na agricultura. O sexto plano (1956/1960) não se diferenciou muito do
anterior. O crescimento total da produção industrial foi estabelecido em 65%. Em
geral, os objetivos foram alcançados, mas a produção de bens de consumo ficou
abaixo da média geral. Esse plano foi substituído no final de 1958 por um novo plano
de sete anos, para o período de 1959/1965. O crescimento anual projetado para a
indústria foi de 8,6%. A renda nacional deveria aumentar durante o período entre 62
e 65% (Dobb, 1972, p. 315).29
Após a morte de Stálin, em 1953, assumiu o poder Nikita Kruschev, que
governou até 1964, quando foi destituído por membros da burocracia stalinista.
Kruschev buscou certa abertura da economia, ao defender maior intercâmbio político-
econômico com o bloco ocidental. Assim, condenou o centralismo administrativo, a
burocracia e a repressão stalinista. Defendeu a dinamização socialista e o estímulo à
produção de bens de consumo, buscando elevar o padrão de vida da população. No
plano externo, ele buscou uma aproximação com os EUA, sendo o primeiro dirigente
soviético a visitar esse país, em 1959. Esse fato levou a China a romper relações com a
União Soviética, em 1960. Essa aproximação, no entanto, foi interrompida quando os
soviéticos passaram a tutelar Cuba.
Com a destituição de Kruschev, em 1964, assumiu Leonid Brejnev, que retomou
o centralismo administrativo, contrariando a abertura política promovida pelo
governo anterior. Renasceram as disputas com os países capitalistas, motivando a
corrida armamentista. Nesse período, consolidou-se o crescente atraso tecnológico e
econômico soviético frente às economias capitalistas mais desenvolvidas. Nesses 18
anos de poder, Brejnev sufocou qualquer abertura com o Ocidente, embora o
29 Em 1955, a produção industrial soviética equivalia a 23% da produção industrial americana, contra 14% em
1913. Observa-se que o crescimento econômico foi bastante intenso, graças ao planejamento estatal (Niveau,1969, p. 481).
Presidente Richard Nixon (1968/1974) houvesse tentado uma aproximação. Com a
invasão soviética do Afeganistão em 1979, as conversações acerca da limitação das
armas nucleares foram mais uma vez interrompidas. Para os soviéticos essa limitação
era fundamental, porque não suportavam mais os crescentes gastos militares. A
economia de guerra drenava capitais e mão-de-obra mais qualificada, o que
prejudicava o desenvolvimento dos demais setores econômicos. Além disso, a partir
dos anos de 1970 passou a influir negativamente na economia e na opinião pública
soviética a questão agrícola. Na década de 1980, a agricultura absorveu mais de um
quarto dos investimentos totais do país, ao mesmo tempo em que apresentava
produtividade muito baixa.
1.3 O Governo Gorbatchev e a desintegração da URSS
Brejnev faleceu em 1982 e Mikhail Gorbatchev assumiu o governo da União
Soviética em 1985. Suas principais realizações foram a glasnost e a perestroika. A
glasnost foi a uma política de abertura política, econômica e cultural, com
transparência das questões soviéticas, visando ao combate da corrupção e da
ineficiência na administração. A perestroika foi o plano de reestruturação do sistema
político e econômico da União Soviética. Assim, Gorbatchev retirou os excessivos
controles da economia, fruto do rígido planejamento estatal, e simplificou a estrutura
administrativa do país.30 Em 1989, houve a primeira eleição livre para o Congresso;
em 1990, reorganizaram-se os partidos políticos, pondo fim ao partido único. Em
1991 foi aprovado um programa para a volta da economia de mercado, com a
liberalização dos preços, privatização de empresas e estímulo ao comércio exterior.
Em 1991, Gorbatchev sufocou um golpe de Estado, com o apoio da população. A
tentativa de golpe de Estado abriu as portas para o movimento de independência das
repúblicas que compunham a União Soviética, dando início à desintegração. Surgiu a
Comunidade de Estados Independentes, composta pela Rússia, Ucrânia a Bielorússia.
Em 1992, a União Soviética foi extinta; Gorbatchev renunciou e transferiu ao
presidente da Rússia, Bóris Yeltsin o comando do arsenal nuclear.
Em termos econômicos, a Rússia é a parte mais importante da ex-União
Soviética; em 1990, ela mantinha cerca de 62% do potencial produtivo do antigo
bloco. A partir das privatizações, as mudanças tornaram-se visíveis em todos os
setores econômicos. No início, houve queda da produção industrial, mas a economia
conseguiu recuperar-se rapidamente. O seu grande trunfo é a grande riqueza de
recursos minerais de praticamente todos os tipos, que atendem às necessidades
30 Ver o Capítulo 4, seção 4.3 (Conclusão).
internas e permitem a exportação. Petróleo, gás e carvão constituem 71% das reservas
totais dos recursos minerais, seguindo-se os metais ferrosos, não ferrosos e metais
raros com 13%. Com a retomada do crescimento industrial e o ressurgimento da
economia de mercado, a renda da população mais do que duplicou, estimulando a
expansão dos investimentos. Os indicadores econômicos mostram, em 2002, que a
economia ultrapassou os níveis anteriores à crise de 1998 e a Rússia voltou a
amortizar normalmente as suas dívidas (<http://users.linkexpress.com.br/embrus/
economic.htm>).
O aumento dos preços internacionais do petróleo aumentou o volume de
divisas para a Rússia, permitindo-lhe o pagamento da dívida externa, sem necessidade
de reestruturação e de recorrer a novos empréstimos externos. Esse país é o segundo
maior exportador de petróleo, depois da Arábia Saudita. A recuperação econômica e a
transformação política valeram à Rússia a entrada no G-8.31 Internamente, a maior
parte do orçamento para 2003 foi reservada para investimentos na educação,
seguindo-se investimentos nas áreas de segurança, saúde, transportes e infra-
estruturas. Os aportes financeiros do governo para a maioria dos setores econômicos
estão sendo reduzidos gradualmente, ficando estes sujeitos aos mecanismos do
mercado (energia, indústria, agricultura, construção civil, auto-estradas,
comunicações e informática). Em 2002, o PIB russo cresceu 4% e foram colhidas 85
milhões de toneladas de grãos; as reservas externas aumentaram 30%, chegando a
US$ 47,7 bilhões, e a dívida externa reduziu-se para US$ 120 bilhões, ou 40% do PIB.
A taxa de desemprego é de 7,5%, o que representa 5,4 milhões de desempregados.32
Em 2003, o PIB russo cresceu 4,5%, devendo aumentar para 6% entre 2005/2006 se
os preços internacionais do petróleo estiverem acima de US$ 21,5 por barril e se for
crescente o afluxo de capitais estrangeiros (US$ 12,9 bilhões em 2002)33. Assim, a
expectativa é a de que o PIB russo duplique até 2010 (<http://consrio.narod.ru/br/
artigos/economika/17/htm>).
2 Crescimento econômico do México
A economia mexicana, com um PNB de US$ 429 (1999), é a segunda maior da
América Latina, depois do Brasil. O México possui um território de 1.958 km2 e uma
população de 97 milhões de habitantes (1999). A proximidade com os EUA torna esse
país seu principal parceiro comercial. O comércio externo passou a comandar o
31 Grupo dos países mais desenvolvidos do mundo: EUA, Reino Unido, Alemanha, França, Japão, Itália e Canadá,
que inclui agora a Rússia, principalmente por seu poder bélico.32 Em outubro de 2002, a população russa era de 145,1 milhões de pessoas.33 Em setembro de 2004, o preço do petróleo ultrapassou US$ 50 por barril.
crescimento econômico do país depois que ele passou a formar o NAFTA,34 juntamente
com os EUA e o Canadá.
Antes da chegada dos espanhóis, a região onde hoje fica o México era ocupada
pelos maias, toltecas e astecas, civilizações muito antigas. Os maias eram uma
civilização agrícola que remonta ao século 15 a.C.; eles ergueram pirâmides e criaram
um calendário. A atual cidade do México foi fundada em 1325 pelos astecas,
consolidando um poderoso império. Entre 1519 e 1521 a civilização asteca, no
reinado de Montezuma II, foi destruída por Hermán Cortés. Em 1526, os maias foram
dominados e o México passou a integrar o Vice-Reino da Nova Espanha. A extração e
a exportação de prata formavam a base econômica da colônia. A corrupção e o
autoritarismo da Metrópole levaram à Independência Mexicana em 1821, com Agustín
de Iturbide aclamando-se imperador. A República Mexicana foi proclamada em 1824.
Entre 1836, o México sofreu a independência do Texas, que foi anexado pelos
EUA em 1845. Isso provocou guerra entre os dois países (1846/1848). Com a derrota,
o México perdeu os territórios da Alta Califórnia, Novo México, Utah, Nevada, Arizona
e oeste do Colorado. A promulgação de uma constituição liberal em 1857 lançou o
país em uma guerra civil (1858/1861), vencida pelos liberais, em detrimento dos
conservadores. O presidente Benito Juárez recusou pagar a dívida externa e o país foi
invadido pela Inglaterra, Espanha e França. Os franceses, ao invadirem a capital,
coroaram o austríaco Maximiliano de Habsburgo imperador do México. A monarquia,
no entanto, foi derrubada em 1867. Depois de alguns anos, emergiu a ditadura de
Porfírio Díaz.
A economia conheceu alguma estabilidade entre 1878 e 1910, quando cresceram
as exportações agrícolas e minerais. Havia terras férteis em abundância, assim como
mão-de-obra e recursos minerais subutilizados. Os mercados mundiais estavam em
expansão. O que limitava a produção interna era a escassez de divisas para a
importação de bens de capital. Isso foi contornado, em parte, pelo aumento da
inversão estrangeira no período e pelo aporte de capacidade empresarial. O setor
agrícola de exportação cresceu acima de 5%. A taxa de crescimento do PIB passou de
0,5% entre 1877/1900 para 2,2% entre 1900/1910 (Reynolds, 1973, p. 41).
2.1 A Revolução Mexicana
Em 1910, o candidato à sucessão de Porfirio Díaz, Francisco Madero, foi
derrotado por fraude nas eleições presidenciais. A reação em apoio a Madero deu
origem à Revolução Mexicana. Rebeldes e camponeses chefiados por Pascual Orozco,
34 NAFTA é a sigla de North American Free Trade Agreement.
Pancho Villa e Emiliano Zapata venceram as forças federais e colocaram Madero no
poder. Porém, os revolucionários que exigiam reforma agrária depuseram Madero em
1913, quando se instaurou uma ditadura. Seguiu-se uma sucessão de conflitos,
culminando com as eleições presidenciais de 1920. Os setores mineiros e petroleiros,
protegidos por exércitos privados, ficaram isolados dos conflitos armados. Entre 1901
e 1920, eles cresceram a uma taxa média anual de 5,6%, contra 2,5% para o PIB,
1,7% para a indústria e apenas 0,1% para o setor agrícola (Reynolds, 1973, p. 45). A
indústria e a agricultura, dependentes do mercado nacional, ficaram prejudicados pela
turbulência interna. Nesse período revolucionário, desorganizou-se a economia
mexicana. A moeda foi muito desvalorizada e o sistema bancário praticamente
desapareceu. As ferrovias ficaram destruídas e o sistema de comunicações tornou-se
muito precário.
O México somente voltou à normalidade em 1920, mas ainda não havia clima
para investimentos. O governo procurou no exterior novos mercados e novas fontes de
financiamento, o que estimulou a economia nos anos seguintes. No entanto, a
recuperação econômica foi prejudicada seriamente com a depressão mundial de 1929,
que derrubou o nível de renda e de emprego. O período de 1925 a 1934 foi de
transição e de consolidação de uma economia mista, tendo de um lado a iniciativa
privada e, de outro, forte controle governamental. O Banco do México tornou-se o
órgão financeiro central e único banco de emissão. O governo criou um banco agrícola
para financiar a agropecuária com juros mais baixos. Foram instituídos bancos de
fomento para financiar obras públicas de alto custo e menor rentabilidade. O Estado
tornou-se responsável pelo controle dos recursos naturais não renováveis. Nos anos de
1930, a economia iniciou uma recuperação gradual da Grande Depressão, sob a
liderança da indústria petrolífera e da agricultura comercial. Isso foi o resultado de
diversas reformas estruturais, como nacionalização e melhoria das ferrovias,
intensificação da reforma agrária e nacionalização da indústria petrolífera (extração,
refino, comercialização e petroquímica). Nesse período, a indústria cresceu 4,3% ao
ano, a agricultura 2,7% e a produção mineira e petrolífera 1,9%. Em 1940, o PIB
atingiu o nível de 1925 (Reynolds, 1973, p. 51).
Na década de 1940, com a Segunda Guerra Mundial, o México foi obrigado a
buscar a auto-suficiência em vários setores, o que acelerou a industrialização. Ao
terminar a Guerra, o país continuou voluntariamente o processo de substituição de
importações, com fortes financiamentos governamentais. A iniciativa privada,
amparada pelo governo, assumiu a liderança do desenvolvimento. Nos anos de 1940 o
PIB cresceu a uma taxa média anual de 6,7%, contra 2,8% para o crescimento
populacional, com a renda per capita crescendo 3,9%. A taxa de crescimento anual da
produção foi de 8,1% para indústria, 5,8% para agricultura e 2,5% para os setores de
extrativa mineral e petrolífero (Reynolds, 1973, p. 55). Esse crescimento foi
impulsionado pelas exportações, devido ao aumento da demanda mundial. Os efeitos
multiplicadores das exportações repercutiram no setor de mercado interno. Ao mesmo
tempo, o governo restringia importações de bens de consumo e incentivava as
importações de bens de capital, que eram pagas com as divisas acumuladas durante a
Guerra.
2.2 O crescimento econômico mexicano entre 1950/1970
O aparato protecionista criado em 1947 tinha como finalidade economizar
divisas. Na década de 1950, o esquema avançou para vários produtos. Com o tempo,
isto levou a uma política explícita de industrialização baseada na substituição de
importações. Para que a política tivesse êxito, o governo estabeleceu subsídios e
implantou infra-estruturas. Até a metade dos anos 1950, o câmbio valorizado impedia
o funcionamento eficaz da substituição de importações. Mais tarde, a moeda
desvalorizou-se e a redução de importações fortaleceu as indústrias nacionais.
Medidas fiscais eliminaram as expectativas inflacionárias e o aumento da inversão
privada elevou o crescimento econômico.
Nos anos de 1950, o PIB cresceu 6,1% e a renda per capita 3%. Já na década de
1960 essas taxas subiram, respectivamente, para 7,1% e 4,1%. As forças de
crescimento da economia mexicana continuavam apresentando um caráter endógeno,
tanto do lado da oferta como do lado da demanda. A produção aumentou mais para o
mercado interno do que para a exportação, em função do dinamismo de crescimento
da renda interna. No início dos anos 1960, estudos apontavam a necessidade de se
abrir a economia. No entanto, o crescimento continuava fundamentado no mercado
interno; resultou aumento do déficit público e da dívida externa. A economia
procurou aprofundar a substituição de insumos e bens de capital (produtos químicos,
derivados de petróleo, borracha e plástico). Na década de 1960, a economia
continuou mantendo alta taxa de crescimento do emprego e da renda, com baixa
inflação. A produção manufatureira liderou o crescimento econômico, com uma taxa
média anual de 7,3% nos anos 1950 e de 8,1% nos anos 1960 (Reynolds, 1973, p.
60).
2.3 O período do desenvolvimento compartilhado (1970/1980)
Na década de 1970 houve a última tentativa de revitalização do Estado
populista; o aumento dos gastos públicos e dos preços do petróleo elevou a taxa de
crescimento da economia mexicana, entre 1971/1981, para 6,7% ao ano, em média.
O setor agropecuário continuou perdendo importância na produção nacional. As
importações aumentaram para 9,7% do PIB, enquanto as exportações atingiram 7,7%.
A balança comercial deteriorou-se e a inflação aumentou, levando à abertura
econômica dos estados fronteiriços para o comércio e inversão estrangeira; isso
representou uma ruptura do México com o modelo de substituição de importações. A
nova liberalização significou a adoção do programa das indústrias maquiladoras, que
desde a década de 1960 haviam estimulado o desenvolvimento da manufatura para
exportação. Contudo, a economia não era competitiva, pois o câmbio havia se
valorizado 50% entre 1970/1975. O financiamento do gasto do governo elevou a
dívida pública. Em meados dos anos 1970 a deterioração do crescimento econômico e
as deficiências estruturais, tanto do setor industrial quanto do agrícola, se vinculavam
à crise financeira e à deterioração do balanço de pagamentos. O déficit fiscal, a
sobrevalorização do peso, a inflação e a fuga de capitais pelas importações deram
início a uma prolongada crise. O descobrimento de petróleo na baía de Campeche
alimentou as falsas esperanças do populismo (<http:/mx.geocities.com/gunnm_
dream/desarrollo_ compartido.html>).
2.4 As crises do período entre 1980/1995
A desvalorização do dólar norte-americano afetou a economia mundial a partir
de 1982. Mais tarde, os problemas monetários decorrentes e a desregulamentação
financeira em todo o mundo multiplicaram os movimentos de capitais. A crise
mexicana do período 1980/1995 começou com a desvalorização de 1976, no contexto
mundial de reestruturação do sistema monetário com a passagem de taxas de câmbio
fixas para flutuantes. Em 1982, a crise foi provocada pela queda dos preços do
petróleo e pela explosão da crise da dívida externa que envolveu 40 países. A
moratória mexicana de agosto de 1982 desencadeou a crise da dívida na América
Latina, gerando queda contínua do PIB na década perdida, principalmente no Brasil.
Em 1987, as bolsas de valores de todo o mundo tiveram uma queda de 30 a 40%; e,
em 1994, houve novas desvalorizações desencadeadas pelo efeito tequila.
A crise iniciada em 1982 gerou recessão entre 1982/1987 (−0,5%), com
crescimento moderado de 3,1% em 1989/1994 (contra 8,6% entre 1970/1981). A
relação dívida externa/PIB subiu de quase 36% em 1977, para 62% em 1983 e 78%
em 1987 (75% em 1994). A origem da crise da dívida nos anos de 1980 resultou do
aumento desproporcional dos juros pela concentração da dívida com vencimentos de
curto prazo e com taxas variáveis. O investimento/PIB, estável nos anos de 1970 em
18,5%, chegou a 26,4% em 1981, para declinar para 5,5% em 1983
(<www.azc.vam.mx/ publicaciones/etp/num9/a4.htm>).
2.5 O período pós-1995
O Tratado do NAFTA foi assinado em 1993, gerando impactos mais
significativos sobre o comércio externo a partir de 1996. Com o NAFTA e as reformas
econômicas de 1995, aumentaram os investimentos externos diretos. A economia
mexicana atingiu um crescimento de 6% (1996/1997) e de 6,9% em 2000, com
inflação em baixa (52% em 1995, para 19% em 1998). Os fatores do crescimento
econômico foram as exportações manufaturadas e a reativação do consumo privado
interno. As exportações subiram de US$ 21,9 bilhões em 1986 para US$ 95,6 bilhões
em 1996 e para US$ 160 bilhões em 2002. As importações, por seu turno, cresceram
de US$ 88,8 em 1996 para US$ 168,1 em 2002. Houve uma “quebra estrutural” na
corrente de comércio do México após a implantação do NAFTA (Banco Central do
México). A renda real per capita mexicana cresceu 4,1% entre 1996/2000, após ter
caído 8,3% em 1995 (Moraes, 2001, p. 57).
O que diferencia o México das demais economias latino-americanas são suas
exportações aos EUA, o que lhe permitiu recuperar seu dinamismo em poucos anos
após a crise.35 Apesar da excessiva volatilidade dos mercados financeiros
internacionais, as taxas de juros nominais e reais têm-se reduzido consideravelmente e
a taxa de câmbio tem apresentado relativa estabilidade. O fortalecimento da economia
mexicana e sua menor vulnerabilidade a choques externos permitiram retomar a
confiança da comunidade financeira internacional (<www.feneri.org.br/eneri2003
/refposter002.pdf>).
Ao longo de 2001, a economia mexicana esteve influenciada por um cenário
internacional adverso. Em particular, a desaceleração da atividade econômica dos
EUA foi muito maior do que a antecipada no início do ano. Todos os setores
orientados para exportação sofreram grandes contrações na produção. Em
conseqüência, o ritmo de crescimento da economia mexicana diminuiu drasticamente
em 2001 (o PIB caiu 1,6% e a produção industrial 4,7%). A política monetária
restritiva abateu o crescimento dos preços. A inflação foi de 4,4%, inferior à taxa de
6,5% projetada pelo Banco do México. O menor dinamismo da economia mundial
inibiu as exportações mexicanas (−4,8%), resultando um déficit comercial 21,6%
superior ao do ano anterior. Em 2002, a economia mexicana mostrou sinais de
35 A composição das exportações mexicanas mostra sua total dependência aos EUA: 90% do total exportado
destinam-se a esse país. Assim, toda recessão ocorrida nos EUA exerce um impacto direto na economiamexicana, principalmente na indústria e construção civil.
recuperação, com aumento das exportações, redução do déficit comercial e criação de
empregos, com inflação sob controle (<www.mexico.org.br/economia/economex
2001_es.pdf>).
A proximidade geográfica com os EUA permitiu que o NAFTA exercesse
considerável efeito sobre a economia mexicana, cujo PIB cresceu de US$ 332,4 bilhões
em 1996, para US$ 574,5 bilhões em 2000 (ele havia caído de US$ 420,8 em 1994
para US$ 286,1 em 1995) (Moraes, 2001, p. 58). Sem dúvida, a ajuda americana na
crise de 1994 e a presença do NAFTA foram cruciais para a retomada do
desenvolvimento do México. Inúmeras empresas americanas, japonesas e coreanas
instalaram filiais no México para aproveitar a mão-de-obra mais barata, a fim de
montar componentes importados dos EUA. Mais recentemente, no entanto, a
concorrência da China está provocando a saída de empresas maquiladoras japonesas e
coreanas. Entre janeiro de 2001 e junho de 2002, o México teria perdido 600 de suas
3.200 montadoras e 250 mil empregos, o equivalente a 15% da força de trabalho das
maquiladoras. Salários mais altos no México e insumos industriais mais baratos e
eletricidade gratuita na China não seriam os únicos fatores: seria preciso assinalar
também a falta de segurança no México, com vários seqüestros de executivos
estrangeiros e roubos de cargas que viraram rotina (revista Sem Fronteiras, edição de
2002, (<www.semfronteirasweb.com.br>).
3 Crescimento econômico do Brasil
O Brasil passou a ter crescimento econômico mais efetivo com o surgimento do
café como base exportadora mais dinâmica; a introdução do trabalho assalariado
nessa cultura e a promoção de imigração alemã e italiana no fim do século 19 também
foi um fator importante para gerar mercado interno e torná-lo receptivo aos efeitos de
encadeamento provenientes das exportações. Assim, o primeiro surto industrial no
Brasil ocorreu nos anos de 1890, em virtude da expansão do crédito à agricultura, da
criação de bancos de emissão de moeda e do aumento das tarifas sobre as
importações, cobradas em ouro. A expansão dos meios de pagamentos e o
encarecimento das importações criaram um clima de euforia, com o surgimento de
novas empresas, provocando a Crise do Encilhamento, em 1891, com inflação e
déficits no balanço de pagamentos.
No início do século 20, o governo adotou um programa de estabilização que
saneou a economia. Após, iniciou-se um programa de melhoria de portos e de
construção de ferrovias visando à exportação. Através da política cambial o governo
mantinha a renda do setor cafeeiro, para estimular a produção de café. Porém, ao
vender moeda estrangeira no mercado, para favorecer os exportadores, o governo
retirava dinheiro de circulação, provocando recessão. O encarecimento das
importações e a escassez de divisas restringiam as importações (Vilela e Suzigan,
1973, p. 42).
3.1 Choques externos e o protecionismo, 1929/1945
O grande crescimento das exportações de café nos anos de 1920 proporcionou a
importação de bens de capital para a indústria. O índice de quantum dessas
importações subiu de 108 em 1920 para 209 em 1925; em 1929 ele caiu para 185. A
queda da bolsa de Nova Iorque nesse ano derrubou os preços do café e esse índice
atingiu 29 em 1932, ano em que a economia brasileira recuperou o nível de 1929; o
referido índice chegou a 100 em 1939 e a 176 em 1943. As aquisições de café pelo
governo, para ser queimado, ajudaram a manter o nível de renda. Entre 1920/1938, a
economia brasileira duplicou de tamanho e entre 1940/1945 a indústria brasileira
cresceu 36% e o conjunto da economia 20,7% (Villela e Suzigan, 1973, p. 431 e 437).
A interrupção das importações pela Segunda Guerra Mundial reduziu a
capacidade ociosa da indústria, gerando novo surto industrial; acumularam-se
reservas para importações posteriores, o que favoreceu a acumulação de capital. Entre
1947 e 1951, a indústria cresceu 46%, aumentando a sua participação no produto,
que passou de 21% para 25%. Em 1920, havia apenas 300 mil trabalhadores na
indústria, com a têxtil gerando 28,6% do produto industrial total. Em 1940, as
indústrias mais importantes eram as de produtos alimentares (22,9% do total), têxtil
(22,7%) e a química/farmacêutica. Em 1950, a metalurgia produzia 7,4% do total da
indústria e a mecânica 2,2% (Baer, 1975, p. 13 e 60).
A Revolução de 1930, com a tomada do poder por Getúlio Vargas, foi muito
importante para a industrialização brasileira, pois correspondeu à emancipação
política da classe industrial, contra a hegemonia agrário-exportadora, enfraquecida
pela crise de 1929. Criou-se uma legislação trabalhista moderna (salário mínimo, oito
horas de trabalho, férias anuais remuneradas, direito de sindicalização). O objetivo foi
disciplinar os salários e assegurar a oferta de trabalho para a indústria, estimulando,
assim, as emigrações do campo para as cidades, no momento em que havia
praticamente cessado as emigrações internacionais.
O Relatório Niemeyer de 1931, encomendado pelo governo, apontou a
monocultura de exportação como o principal problema da economia brasileira; ele
sugeriu que o país diversificasse a agricultura de exportação, para financiar
importações de bens de capital.36 Os economistas do governo reconheciam que o país 36 A política do New Deal dos EUA exerceu grande influência no Brasil, interrompendo a política livre-cambista
vigente até 1930.
era muito dependente das importações de bens de consumo e vulnerável às oscilações
das exportações de café. Desse modo, o país precisava “substituir importações” por
produção interna, através do estabelecimento de um sistema de proteção tarifária e de
licenciamento de importações, o que foi implantado em 1938. Essas substituições
vinham-se realizando desde 1930, o que explica o crescimento de 17% para a
indústria entre 1935 e 1939. Contudo, a industrialização necessitava da expansão do
mercado interno. Nesse sentido, em 1937 foram eliminadas as tarifas de exportação e
importação entre os Estados, representando um passo importante na integração
espacial da economia nacional.
Outro importante diagnóstico sobre a economia brasileira foi o da Missão Cooke
(1942/1943), formada por técnicos dos EUA. O seu relatório apontou a deficiência
dos transportes e da distribuição de combustíveis, o baixo nível dos investimentos
industriais, a falta de treinamento técnico e as restrições ao capital estrangeiro. Ela
recomendou a implantação da siderurgia e de indústrias de madeira e papel (Baer,
1975, p. 27). Inspirado nesse relatório, Roberto Simonsen idealizou, em 1945, o
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e a Companhia Siderúrgica
Nacional, que começou a funcionar em Volta Redonda em 1946. O principal efeito da
Missão Cooke foi o Plano Salte (saúde, alimentação, transportes e energia), que só
funcionou em 1950, por problemas de financiamento. Outros diagnósticos parciais
sobre a economia brasileira foram os da Missão Abbink em 1948 e da Comissão Mista
Brasil-EUA entre 1951 e 1953. A equipe brasileira dessa comissão foi a mesma que
estruturou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e que elaborou o Plano
de Metas (1956/1961) do governo Kubitschek.
3.2 Crescimento do Brasil entre 1945/1962
Entre 1947 e 1953, o governo adotou um sistema de licenciamento de
importações, em virtude da escassez de divisas. As importações de remédios,
inseticidas e fertilizantes eram livres, enquanto eram prioritárias as importações de
combustíveis, alimentos básicos, cimento, papel, equipamento tipográfico e máquinas.
O repatriamento de capitais ficava limitado a 20% de seu montante e os juros a 8% do
capital registrado. A partir de 1953 e até 1957, passou a vigorar o sistema de taxas
múltiplas de câmbio. As importações foram classificadas em cinco categorias, de
acordo com a sua importância havia uma taxa de câmbio específica. As exportações e
as importações essenciais, como petróleo e seus derivados, não participavam dos
leilões de câmbio e se realizavam à taxa oficial, com um pequeno ágio. O sistema
proporcionou rápida substituição de importações, porque encarecia o preço dos
produtos concorrentes, sem elevar o custo de matérias-primas e bens de capital
importados (Baer, 1975, p. 43 e 46).
A indústria cresceu 8,3% nesse período, chegando a 16,2% em 1958 e a 11,9%
em 1959, durante o Plano de Metas (Langoni, 1976, p. 24). Este plano abrangia cinco
setores, com um total de 30 metas: (a) energia (43,4% dos recursos planejados); (b)
transportes (29,6%); (c) alimentação (3,2%): (d) indústrias de base (20,4%); (e)
educação (3,4%). A nova capital (Brasília), a meta-síntese, foi construída em um
tempo recorde e consumiu cerca de 2,3% do PNB (Lafer, 1975, p. 48). Seguindo as
idéias de Hirschman (1974) e de Perroux (1977), procurou-se maximizar os efeitos de
encadeamento dos investimentos, concentrando-os em setores-chave, ou pontos degerminação (como siderurgia, metais não ferrosos e a indústria automobilística). Da
mesma forma, as novas indústrias foram concentradas na Região Sudeste, onde havia
uma infra-estrutura inicial, fornecendo economias externas para as novas atividades.
Outra idéia foi a de ponto de estrangulamento, devido à existência de demanda
insatisfeita por rigidez de oferta. Isso explica as metas relativas aos transportes
rodoviários, reaparelhamento das ferrovias e energia elétrica.
Como resultado, a economia brasileira cresceu 6,2% ao ano entre 1951/1956 e
7,8% entre 1957/1962. Neste período, houve intensa substituição de importações,
com substancial afluxo de capitais externos.37 Aumentou substancialmente a produção
de aço (1,4 milhão de t, para 2,7 milhões), energia elétrica (2,8 milhões de kW, para
5,8 milhões) e de automóveis (31 mil montados para 200 mil fabricados). O Brasil
tornou-se auto-suficiente na produção de cimento e as rodovias pavimentadas
triplicaram em extensão (Baer, 1975, p. 57). A Lei de Tarifas de 1957 mudou o
caráter do sistema cambial brasileiro, cujo objetivo deixou de ser simples instrumento
de ajuste do balanço de pagamentos para tornar-se elemento ativo da industrialização
do país. Embora essa lei aumentasse as tarifas em 60, 80 a 150%, determinadas
indústrias podiam importar equipamentos e matérias-primas ao câmbio de custo. Essa
lei complementava a Instrução 113 da SUMOC,38 de 1955, que permitia a importação
de bens de capital sem cobertura cambial (Baer, 1975, p. 49).
37 Nem sempre as novas fábricas implantadas nesse período substituíam importações, como a construção naval,
com importações insignificantes. Durante o Plano de Metas, a industrialização brasileira seguiu também aestratégia do crescimento desequilibrado de Hirschman.
38 Superintendência da Moeda e do Crédito, transformada em 1965 no Banco Central do Brasil. A Instrução no 113da SUMOC, que favoreceu o ingresso do capital estrangeiro no Brasil, e a política cambial de 1957,completaram-se com a lei dos similares nacionais, outro importante instrumento para a industrialização brasileirado final dos anos de 1950. Essa lei foi importante para que “os investidores estrangeiros passassem daimportação para a montagem e desta para a fabricação completa”. As firmas multinacionais aderiam ao novosistema, não apenas para obterem os incentivos, mas, sobretudo, para não ficarem de fora do mercado (Gordon eGrommers, apud Baer, 1975, p. 51).
3.3 Estabilização e crescimento entre 1962 e 1974
Como resultado da nova política industrial, o crescimento da indústria aumentou
para 10,3% entre 1957 e 1962. O crescimento econômico reduziu-se no início da
década de 1960 pelo aumento da inflação e da instabilidade política do país, que
diminuiu o afluxo de capital estrangeiro. A política econômica ficou vacilante diante
da demanda dos trabalhadores por maiores salários e dos empresários por facilidades
creditícias. A instabilidade econômica e a agitação política levaram ao golpe militar de
1964. O novo regime estabeleceu um Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG),
com o objetivo de conter a inflação, mediante a redução do déficit público, dos
salários e do crédito. Os subsídios às importações de petróleo e do trigo foram
eliminados; iniciou-se um processo de correção dos preços públicos defasados,
denominado de inflação corretiva.
Modernizou-se o sistema financeiro, com a criação do Banco Central e do Banco
Nacional de Habitação. Incentivaram-se as exportações, com a eliminação dos
impostos, concessão de crédito e desburocratização. Para atrair o capital estrangeiro,
procurou-se criar um clima de confiança e de credibilidade na condução da política
econômica. Os investimentos estrangeiros, que se reduziram para US$ 86 milhões em
1964, depois de ter alcançado uma média anual de US$ 123,1 milhões entre 1956 e
1962, voltou a subir em 1965, atingindo US$ 322 em 1969 e US$ 1,45 bilhão em
1973. Com a queda da inflação de 91,9% ao ano, em 1964, para 25% em 1967, o
aumento do afluxo de capitais estrangeiros, as reformas realizadas e o aproveitamento
da capacidade ociosa, a taxa de crescimento do produto elevou-se para 9%, entre
1968/1970, e para 11%, entre 1971/1973 (Langoni, 1976, p. 24).
Um dos fatores do crescimento industrial desse período foi o aumento da
capacidade de importar, explicado por maior afluxo de capitais externos e pela adoção
de uma política cambial mais flexível, com minidesvalorizações periódicas, a partir de
1968. As exportações passaram de US$ 1,4 bilhão em 1964, para US$ 2,3 bilhões em
1971 e US$ 8 bilhões em 1974. Nesse período, as exportações de produtos
manufaturados desempenharam um papel relevante, ao viabilizarem novas
importações de bens de capital e ao exercerem impactos importantes no setor de
mercado interno. A composição das exportações mudou substancialmente: os
produtos primários caíram de 81% das exportações totais em 1951, para 68% em
1973. Os produtos industrializados subiram de 18% das exportações totais em 1961,
para 30% em 1973 (Langoni, 1976, p. 61).
3.4 Crescimento econômico após 1974
O aumento do déficit da balança comercial de US$ 241 milhões em 1972, para
US$ 4,7 bilhões em 1974, levou o Brasil a adotar uma solução definitiva para a crise
do petróleo, por meio da substituição de importações de insumos básicos, como
produtos petroquímicos, celulose, metais não ferrosos etc., com a utilização de fontes
externas de financiamento (Castro e Souza, 1985, p. 34). Desse modo, o II Plano
Nacional de Desenvolvimento, 1975/1979 (II PND) buscou substituir importações e
abrir novas possibilidades de exportação, principalmente de manufaturados. Os
ganhos de divisas com a substituição de importações montaram a US$ 2,7 bilhões em
1981 e a US$ 7,4 bilhões em 1984. Essas substituições ajudaram a gerar superávits no
balanço de pagamentos nos anos de 1980, que chegaram a US$ 13 bilhões em 1984
(Castro e Souza, 1985, p. 14 e 58).
Entre 1974 e 1980, o Brasil manteve a taxa histórica de crescimento da economia
de 7% ao ano, apesar do crescimento negativo do produto em 1981 (−1,6%) e em
1983 (−3,2%). Nesse mesmo período, a indústria de bens de capital expandiu-se mais
do que a média da economia (8,5% ao ano). A estrutura produtiva nacional
modificou-se substancialmente; entre 1971 e 1983, reduziram-se em relação ao total
as importações de bens de consumo (11% para 5,2%) e de bens de capital (38,2%
para 16,2%). Cresceram as importações de combustíveis, apesar da substituição
(11,6% para 55,8%). Desse modo, a dívida externa total de longo prazo expandiu-se
de US$ 5,1 bilhões em 1970 (12% do PNB), para US$ 102,7 bilhões em 1988 (30%
do PNB). Em função do modelo, a taxa de crescimento anual das exportações reduziu-
se de 22,1% entre 1970/1980, para 4,5% entre 1980/1990, aumentando para 8,2%
entre 1990/1995.
3.5 Ajuste externo, 1983/1993
O superávit comercial de 1970 foi substituído por sucessivos déficits em
decorrência dos choques dos preços do petróleo de 1973 e 1979. Até 1980, as
exportações não conseguiram acompanhar o ritmo das importações, apesar de
crescerem rapidamente (25,9% entre 1970/1975 e 18,4% entre 1975/1980). Após
1974, desacelerou-se o crescimento das importações, fruto das substituições de
importações do II PND e de restrições quantitativas. Contudo, o déficit comercial
atingiu US$ 3,5 bilhões em 1975 e US$ 2,8 bilhões em 1980. Diante disso, o governo
tomou medidas enérgicas para reduzir o déficit comercial, que nos anos de 1970
atingiu a cifra de US$ 17,4 bilhões (Tabela 1).
Em função da política de contenção das importações, o superávit comercial
atingiu US$ 12,5 bilhões em 1985 e US$ 10,8 bilhões em 1990. Nos anos de 1980, o
país acumulou US$ 99,8 bilhões de saldos comerciais (US$ 107,5 bilhões entre
1970/2000). Esses saldos proporcionaram o ajuste externo da economia brasileira até
1990/1993; porém, eles foram obtidos com a compressão das importações, tendo em
vista as limitações para um crescimento ainda maior das exportações, a crise do
petróleo e a elevação das taxas de juros internacionais.39
Na década de 1980, apesar dos superávits da balança comercial, o crescimento
das exportações foi mais lento e bastante irregular, reduzindo-se em alguns anos. Isso
pode ser explicado pelas próprias restrições às importações de insumos industriais e
de bens de capital e pela valorização cambial. Além disso, o crescimento das
exportações e da renda interna eleva as importações. Em segundo
lugar, há a escassez de recursos para crédito aos exportadores. O comércio
internacional, sendo “uma via de duas mãos”, é interdependente: os países precisam
de divisas ou crédito para importar produtos brasileiros. As dificuldades para o
aumento das exportações decorrem também das descontinuidades da política
econômica, em relação ao setor exportador, das modificações do poder de compra
interno da moeda e das alterações dos preços relativos, que viabilizam ou entravam as
exportações em determinados períodos.
Tabela 1 Balança comercial do Brasil, 1970/2003, em US$ milhões.
Ano Exportações Importações Saldo19701975 19801985199019952000200120022003
1970/19801980/19901990/20001970/20001990/19951995/2003
2.739 8.67020.13225.63931.41446.50655.08658.22360.36173.084102.738266.171482.411819.904227.475493.152
2.50712.21022.95513.15320.66149.66355.79155.58147.24148.253
120.158166.373446.278712.382170.478476.762
232− 3.540− 2.82312.48610.753
− 3.157− 0.705
2.64213.12
24.831− 17.420
99.79836.133
107.52256.99716.390
Fontes: Exportações brasileiras: SISCOMEX e SECEX; Importações brasileiras: SISCOMEX e MF/SRF.
Na ausência de uma política favorável e contínua às exportações, os surtos
exportadores ocorrem quando a demanda interna se retrai pela concentração de 39 Os críticos temiam que a compressão extrema das importações, incluindo bens de capital e insumos
indispensáveis à indústria, prejudicasse o parque produtivo nacional (Arida, 1983). Implantada a estratégia doajuste externo, as importações se reduziram de US$ 23 bilhões em 1980 a um mínimo de US$ 13,2 bilhões em1985.
renda, ou quando existe oferta excessiva no sistema. As empresas são impelidas a se
lançarem nos mercados externos. Essa abertura é circunstancial e as firmas voltam ao
mercado interno tão logo o poder de compra da população se recupera ou os preços
relativos se modificam. A ausência de incentivos sistemáticos às exportações contribui
para explicar as flutuações das exportações, aumentando o grau de vulnerabilidade da
economia aos choques externos.
Em 1986, o Plano Cruzado elevou o poder de compra da população e congelou a
taxa de câmbio; com isso, as exportações se reduziram, porque as empresas
deslocaram vendas do mercado externo para o mercado interno. O saldo da balança
comercial reduziu-se, mas voltou a subir, chegando a US$ 10,8 bilhões em 1990.
Porém, com abertura econômica implementada no Governo Collor e a valorização
cambial do Plano Real, o déficit comercial voltou, atingindo US$ 3,2 bilhões em 1995.
Esse déficit continuou na primeira fase do Real, com o aprofundamento da abertura
comercial. A recuperação da balança comercial retornou com a crise externa de
1998/1999, que desvalorizou a moeda e estimulou as exportações. O déficit comercial
externo reduziu-se para US$ 0,7 bilhão em 2000. Nos anos seguintes, com a elevação
da taxa de câmbio, mantida flutuante, os superávits na balança comercial cresceram
sistematicamente, chegando a US$ 24,8 bilhões em 2003.
Tabela 2 Dívida externa total líquida e PIB do Brasil, 1986/2003 (US$ milhões e %).Taxas reais de crescimento
AnosDívida
externa totallíquida
PIB Dívida/PIBPIB indústria agricultura
1986
1990
1995
2000
2001
2002
2003
111.203
123.438
159.256
171.082
162.704
165.002
151.188
257.812
469.318
705.449
602.207
509.797
459.379
493.348
43
26
23
28
32
36
31
7,5
−4,3
4,2
4,4
1,3
1,9
−0,2
11,7
6,9
2,0
6,6
1,6
2,4
0,3
−8,0
8,1
4,9
2,8
8,6
17,2
16,9
Fontes: Relatórios do Banco Central do Brasil; Confederação Nacional da Agricultura e Indicadores Rurais.
O resultado do ajuste externo pode ser visto pelo exame da evolução da dívida
externa total líquida (Tabela 2). Essa dívida, igual a US$ 111,2 bilhões em 1986,
subiu para US$ 171,1 em 2000. Nesse período, ela cresceu mais lentamente e reduziu-
se em alguns anos. Após 1998, com a desvalorização cambial, aumentaram os saldos
comerciais e o volume das reservas internacionais, reduzindo a dívida externa total
líquida para US$ 151,2 bilhões em 2003. O coeficiente da dívida líquida/PIB se
reduziu de 43 em 1986, para um mínimo de 23 em 1995, voltando a atingir 36 em
2002.
3.6 Ajuste interno, 1994/1996
Entre 1986 e 1994, o Brasil tentou, sem sucesso, proceder ao ajuste interno da
economia. As oscilações da taxa de crescimento do PIB nesse período refletem as
dificuldades para a estabilização; a inflação anual atingiu 1.764,8% em 1989 e
2.708,5% em 1993 (IGP-DI da FGV/RJ). Em fevereiro de 1986, o Plano Cruzado
congelou preços, salários, tarifas e o câmbio, o que estimulou as importações e
comprimiu as exportações, exaurindo as reservas cambiais. A eliminação da correção
monetária reduziu as taxas de juros e estimulou o consumo em detrimento da
poupança. Após o descongelamento, em 1987, a inflação voltou, atingindo 25% ao
mês.40 Nesse plano, como nos demais planos heterodoxos, foi dada ênfase exclusiva
em seus aspectos inerciais, sem atacar as causas fundamentais da inflação: o déficit
público e a expansão dos meios de pagamentos. Além disso, os juros baixos estimu-
lavam a demanda agregada, pressionando os preços.
O Plano Bresser, adotado em junho de 1987, congelou preços e salários por três
meses, com descongelamento gradual. O aumento das expectativas em relação a
novos congelamentos acelerou a taxa inflacionária de 8% ao mês em setembro de
1977, para 20,3% em abril de 1988 (IGP-DI). A inflação mensal de 36,6% em janeiro
de 1989 levou ao lançamento do terceiro plano heterodoxo do Governo Sarney. O
Plano Verão, em janeiro de 1989, praticou igualmente o congelamento de preços,
salários e de tarifas públicas, após ter reajustado os preços dos combustíveis e da
energia elétrica. A inflação chegou a quase 81,3% ao mês nas vésperas da posse do
novo governo e da edição do Plano Collor (março de 1990), que confiscou dois terços
da poupança privada nacional, além de congelar preços e salários. Adotou-se câmbio
flutuante e o comércio externo foi desburocratizado. No início de 1991, as finanças
públicas encontravam-se equilibradas e as reservas internacionais em crescimento;
porém, o PIB apresentava crescimento negativo de 4,3%, e com a produção industrial
caindo 8,2%; havia mais de um milhão de desempregados e uma inflação de 20% ao
mês.
Em fevereiro de 1991 foi lançado o Plano Collor 2, que procurou acabar com a
indexação da economia (fim da correção monetária e de alguns fundos de curto prazo
responsáveis pela especulação financeira). As tarifas públicas foram reajustadas antes
do congelamento dos preços por um curto período de tempo, em que passaram a ser
monitorados pelas câmaras setoriais. No domínio da competitividade industrial, o 40 Confiando em inflação zero, o governo prometeu aos trabalhadores o gatilho salarial: os salários aumentariam toda
a vez que a inflação atingisse 20% ao mês. Essa prática gerou hiperinflação nos anos seguintes.
Plano procurou desenvolver novas indústrias, nos ramos de química fina, informática,
biotecnologia, mecânica de precisão e novos materiais. Procurou abrir a economia às
importações, a fim de aumentar a concorrência interna e induzir os demais setores a
melhorar sua eficiência e qualidade segundo os padrões internacionais. Esse plano
reduziu a inflação para 6,5% em maio de 1991, mas a partir de outubro ela
ultrapassou 25% ao mês. Em 1992, a economia voltou a apresentar crescimento
negativo (−0,8%), com a indústria reduzindo sua atividade em 3,2%. Porém, em 1993
o PIB cresceu 4,2%, apesar da elevada taxa anual de inflação, graças ao desempenho
da indústria (6,9%).
No último ano do governo Itamar Franco (1994), o Ministro da Fazenda
Fernando Henrique Cardoso e sua equipe econômica encontraram condições mais
favoráveis para implementação de um novo plano de estabilização, uma vez que a
economia estava em crescimento, com desindexação em marcha e reservas cambiais
de US$ 40 bilhões (junho de 1994). O Plano Real continha três etapas até sua
aplicação. A primeira foi a instituição do Fundo Social de Emergência, composto por
cerca de US$ 15 bilhões, destinado a cobrir despesas até o fim de 1995, sem a
necessidade de emissão de moeda. A segunda consistiu na criação da Unidade Real de
Valor (URV), em março de 1993. Tratava-se de um indexador, equivalente a um
dólar, em torno do qual flutuavam livremente os preços em cruzeiros. Esse mecanismo
foi fundamental para ajustar os preços relativos e gerar confiança na nova moeda. A
terceira etapa consistiu na transformação da URV na nova moeda, o real, em julho de
1994, quando a inflação atingia 24,7% ao mês.
Para acabar com a indexação, o Plano Real proibiu os repasses da inflação
passada para os preços de um período inferior a um ano. Para equilibrar as contas
públicas, o governo privatizou a maioria das empresas estatais e procurou realizar a
reforma tributária, administrativa e da previdência social, entre outras. Sem
congelamentos, a inflação reduziu-se para 3,3% ao mês em agosto, chegando a 0,57%
em dezembro e a 0,4% em maio de 1995. Em outubro de 1996, o Índice de Preços ao
Consumidor da FIPE/USP foi de 0,58%, constituindo um dos mais baixos índices
inflacionários do Brasil dos últimos 40 anos. Além do equilíbrio orçamentário, o
elemento fundamental do plano foi a âncora cambial, instrumento pelo qual a nova
moeda flutuava em torno do dólar, dentro de uma faixa tolerada. Para manter a taxa
de câmbio dentro dessa faixa, o Banco Central comprava e vendia dólares no
mercado. Entre julho de 1994 e fins de 1998, a taxa de câmbio não acompanhou a
elevação de preços (em torno de pouco mais de 1% ao mês), contendo as exportações
e aumentando as importações, o que elevou o déficit da balança comercial de US$ 3,2
bilhões em 1995, para cerca de US$ 6,6 bilhões em 1998. Medidas foram, entretanto,
adotadas para estimular as exportações, como isenção de impostos, ampliação do
crédito e estímulos ao aumento de competitividade.
Desde sua implementação, o Plano Real enfrentou quatro problemas principais, a
exemplo de outros planos de estabilização: aumento do consumo, crise bancária, crise
externa e aumento dos gastos públicos. O consumo cresceu com o aumento do poder
de compra da população, em decorrência da estabilização dos preços. Taxas de juros
elevadas contêm a demanda, mas aumentam os gastos públicos. A crise bancária foi
contornada, com relação a alguns bancos, com a criação do Programa de
Reestruturação do Sistema Financeiro Nacional (PROER), constituído com recursos
dos depósitos compulsórios dos bancos no Banco Central do Brasil. O problema da
crise externa nos anos de 1990 resultou na fixação da taxa de câmbio em termos
nominais, o que reduziu a competitividade externa das exportações e barateou as
importações. Entre julho/94 a março/96, a taxa de câmbio real valorizou-se 19,9%
considerando-se o IPC-FIPE. No entanto, essa valorização foi de apenas 1,15%, ao se
levar em conta os ganhos de produtividade da economia brasileira no período
(Portugal e Galvão, 1996, p. 104).
Os déficits da balança comercial brasileira na década de 1990 foram
contrabalançados pelo ingresso de capitais externos, com destaque para os
investimentos diretos, estimulados pelas altas taxas de juros. As reservas
internacionais subiram de US$ 10 bilhões em 1990, para US$ 60,1 bilhões em 1996,
valores que se reduziram para US$ 49,3 bilhões em 2003. Em 1990, os investimentos
estrangeiros diretos haviam atingido apenas US$ 989 milhões; após o Plano Real, com
a nova política econômica do governo, que estabilizou a economia e reduziu os riscos
dos negócios, esses investimentos chegaram a US$ 10,8 bilhões em 1996 e a US$ 33,8
bilhões em 2000. Com a ascensão do Partido dos Trabalhadores ao poder, em outubro
de 2002, a incerteza dos investidores aumentou e os investimentos estrangeiros se
reduziram para US$ 16,6 nesse mesmo ano e para US$ 10,1 em 2003 (BCB-Séries
Temporais). O novo governo, no entanto, manteve a política econômica do governo
anterior, com os juros para segurar a inflação. A taxa básica de juros (SELIC) subiu de
19,2% em 2002 para 23,4% em 2003 (acumulado do ano); com isso, a inflação
reduziu-se de 12,5% em 2002, para 9,3% em 2003 e 5,2% em maio de 2004.41
Com a elevação da taxa básica de juros (SELIC), para conter a inflação,
aumentam os gastos do governo com o serviço da dívida pública. Assim, torna-se
necessário produzir superávits primários para cobrir essas despesas. O superávit do
Tesouro Nacional, igual a R$ 1,4 bilhão em 1994, transformou-se em déficit de R$ 4
bilhões em 1995 e de R$ 9,1 bilhões em 1996. As causas básicas do crescimento do
déficit foi o aumento da dívida pública mobiliária e dos gastos com o funcionalismo
41 A taxa de inflação atingiu apenas 1,7% ao ano em 1998 (IPCA); com a crise externa e a desvalorização cambial
decorrente, ela subiu para 8,9% em 1999, reduziu-se para 6% em 2000 e voltou a subir para 7,7% em 2001(BCB).
federal.42 Em 1997, o Tesouro Nacional passou a apresentar superávit de R$ 5,2
bilhões, valor que se elevou para R$ 35,3 bilhões em 2001 e para R$ 65,9 bilhões em
2003.43
A contenção dos gastos públicos para gerar superávit primário a fim de pagar a
dívida pública, diminuir o consumo e as importações reduz o crescimento econômico.
A desaceleração da economia gera capacidade ociosa e desemprego. No primeiro
trimestre de 1996, o grau de ociosidade da indústria foi de 25%, quando o emprego
industrial encontrava-se 27,3% inferior ao nível de 1989. Como as vendas reais
subiram 3,7% nesse período, conclui-se que aumentou a produtividade com
desemprego tecnológico. Com efeito, a produtividade da indústria paulista passou de
100 em 1989 para 129 em 1995 (Boletim do Banco Central, junho/96, p. 63). No fim
de 1989 e início de 1990, o governo brasileiro havia adotado um programa para
aumentar a produtividade da indústria nacional, através de financiamentos e de maior
abertura às importações. Foram facilitadas as importações de máquinas e
equipamentos, bem como de insumos mais baratos. O desemprego na indústria
cresceu pela concorrência das importações e pela modernização tecnológica. No
entanto, no final da década de 1990 as exportações aumentaram, gerando superávits
comerciais, devido à desvalorização cambial.
Tabela 3 Estrutura das exportações brasileiras, 1993/1998 (US$ milhões).1 993 1 995 1 998Grupos dos produtos exportados
Valor % Valor % Valor %1. Produtos primários (valor) 12 620 32,7 16 787 36,1 19 189 37,5 1.1 Café 1 282 3,3 2 426 5,2 2 578 5,0 1.2 Soja 3 074 8,0 3 820 8,2 4 761 9,3 1.3 Suco de laranja 826 2,1 1 105 2,4 1 262 2,5 1.4 Minérios de ferro e outros 2 466 6,4 2 746 5,9 3 468 6,8 1.5 Carnes 1 333 3,5 1 297 2,8 1 598 3,1 1.6 Demais produtos primários 3 639 9,4 5 393 11,6 5 522 10,82. Produtos industrializados 25 935 67,3 29 720 63,9 31 951 62,5 2.1 Material de transporte e componentes 4 226 11,0 4 259 9,2 7 599 14,9 2.2 Produtos metalúrgicos 6 082 15,8 6 593 14,2 5 422 10,6 2.3 Produtos químicos 2 587 6,7 3 348 7,2 3 671 7,2 2.4 Máquinas e instrumentos mecânicos 2 530 6,6 3 050 6,6 3 197 6,3 2.5 Papel e celulose 1 516 3,9 2 705 5,8 1 979 3,9 2.6 Equipamentos elétricos e eletrônicos 1 320 3,4 1 505 3,2 1 712 3,3 2.7 Calçados e produtos de couro 2 002 5,2 1 550 3,3 1 454 2,8 2.8 Madeiras e manufaturas 841 2,2 1 135 2,4 1 127 2,2 2.9 Produtos têxteis 1 364 3,5 1 328 2,9 1 093 2,1 2.10 Demais produtos industrializados 3 467 9,0 4 247 9,1 4 695 9,23. Total das exportações 38 555 100,0 46 506 100,0 51 140 100,0
Fonte: Boletim do Banco Central, maio de 1998 e maio de 2001.
42 O déficit agravou-se com a isonomia salarial concedida em 1994, no último mês do governo Itamar Franco.43 Incluindo-se a Previdência Social, tradicionalmente deficitária, e o Banco Central, formando o conjunto do Governo
Central, esse superávit se reduz para R$ 21,7 bilhões e R$ 39,3 bilhões nos anos referidos (1,8 e 2,6% do PIB).
3.7 Transformação estrutural
Nas últimas décadas, a estrutura das exportações brasileiras mudou
substancialmente. Em 1970, 86% das exportações do país eram compostas por
produtos primários e semimanufaturados e somente 14% por produtos
manufaturados; em 1993, 32,7% eram de produtos primários e 67,3% de produtos
industrializados. Em função da abertura comercial e da valorização cambial, em 1998
a participação das exportações industrializadas nas exportações totais reduziu-se para
62,5% e a de produtos primários aumentou para 37,5% (Tabela 3). Isso estaria
revelando queda da competitividade da indústria nacional por produtos com maior
nível tecnológico, quando surgiam novos concorrentes. As maiores reduções das
exportações manufaturadas foram de produtos metalúrgicos, calçados/produtos de
couro e produtos têxteis.
Tabela 4 Estrutura das exportações brasileiras, 1998/2003 (US$ milhões).1998a 2000 2 003
Discriminação dos produtosValor % Valor % Valor %
1. Produtos básicos 12 977 25,4 12 562 22,8 21 179 29,0 1.1 Soja, mesmo triturada 2 178 4,3 2 188 4,0 4 290 5,9 1.2 Minérios de ferro e seus concentrados 3 253 6,4 3 048 5,5 3 456 4,7 1.3 Farelo e resíduos da extração de óleo
de soja 1 750 3,4 1 651 3,0 2 602 3,6 1.4 Carne e miúdos de frango 739 1,4 806 1,5 1 710 2,3 1.5 Café cru em grão 2 332 4,6 1 559 2,8 1 302 1,8 1.6 Demais produtos básicos 2 725 5,3 3 310 6,0 7 819 10,72. Produtos semimanufaturados 8 120 15,9 8 499 15,4 10 944 15,03. Produtos manufaturados 29 387 57,5 32 528 59,0 39 653 54,3 3.1 Automóveis, caminhões, motores,
carroçarias e similares 5 543 10,8 5 099 9,3 6 946 9,5 3.2 Aviões 1 159 2,3 3 054 5,5 1 939 2,7 3.3 Máquinas,
bombas,motores,equipamentos 1 464 2,9 1 403 2,5 1 749 2,4 3.4 Aparelhos transmissores ou receptores
e componentes 609 1,2 1 635 3,0 1 676 2,3 3.5 Calçados, suas partes e componentes 1 387 2,7 1 617 2,9 1 622 2,2 3.6 Produtos laminados planos de ferro ou
aço 999 2,0 859 1,6 1 410 1,9 3.7 Móveis, madeiras compensadas 536 1,0 862 1,6 1 257 1,7 3.8 Demais produtos manufaturados 17 690 34,6 17 999 32,7 23 054 31,54. Transações especiais 656 1,3 1 497 2,7 1 308 1,85. Total das exportações 51 140 100,0 55 086 100,0 73 084 100,0
Fonte: Boletim do Banco Central, maio de 2001, abril 2004.Nota: a Para 1998, os dados divergem daqueles da Tabela 3 por mudança da classificação dos produtos.
Entre 1998/2003, as exportações de produtos básicos continuaram se expan-
dindo, aumentando sua participação no total de 25,4% para 29%, com destaque para
soja e demais produtos básicos (Tabela 4).44 Enquanto a participação das exportações
de produtos semimanufaturados no total permaneceu relativamente constante no
período, a participação das exportações de produtos manufaturados continuou em
queda. As maiores reduções relativas foram dos produtos da indústria automobilística
e da indústria mecânica e de calçados. As maiores expansões foram as vendas externas
de aviões e aparelhos transmissores.
A Tabela 5 mostra que as importações de bens de capital tiveram aumento
expressivo de participação no total, de 30,8% em 1992, para 43,9% em 1998. Em
termos absolutos, o aumento foi de US$ 6,3 bilhões para US$ 25,2 bilhões. O grande
destaque foi o aumento das importações de máquinas e materiais elétricos, que subiu
de US$ 5,1 bilhões para US$ 18,5 bilhões no mesmo período. Observa-se que o Plano
Real, ao baratear as importações, contribuiu decisivamente para a modernização da
indústria nacional. As importações de matérias-primas tiveram sua participação
reduzida de 37,1% para 33,3%, mas em termos de valor o aumento foi substancial:
US$ 7,6 bilhões, pra US$ 19,2 bilhões. Cresceram as importações de alimentos, que
tiveram um papel importante na contenção da inflação; porém, o que mais chama a
atenção é a redução da participação das importações de petróleo e seus derivados no
total (20,1% em 1992, para 7,5% em 1998). Isso se explica porque o Brasil
praticamente atingiu a auto-suficiência na produção de petróleo.
Tabela 5 Estrutura das importações brasileiras, 1992, 1995 e 1998 (US$ milhões).1992 1995 1998
Grupo dos produtos importados Valor % Valor % Valor %1. Bens de consumo 2 450 11,9 8 631 17,3 8 786 15,3 1.1 Alimentos 850 4,1 3 514 7,0 3 053 5,3 1.2 Vestuário 116 0,6 804 1,6 789 1,4 1.3 Outros 1 484 7,2 4 313 8,6 4 944 8,62. Matérias-primas 7 628 37,1 16 738 33,5 19 169 33,3 2.1 Produtos químicos 3 089 15,0 7 349 14,7 9 263 16,1 2.2 Cereais e produtos da indústria da
moagem 917 4,5 1 665 3,3 1 941 3,4 2.3 Ferro fundido e aço 353 1,7 699 1,4 1 362 2,4 2.4 Metais não-ferrosos 410 2,0 1 096 2,2 1 084 1,9 2.5 Adubos e fertilizantes 441 2,1 661 1,3 979 1,7 2.6 Carvão 700 3,4 764 1,5 747 1,3 2.7 Outros 1 717 8,4 4 504 9,0 3 794 6,63. Petróleo e derivados 4 141 20,1 4 712 9,4 4 339 7,54. Bens de capital 6 335 30,8 19 891 39,8 25 235 43,9 4.1 Material de transporte 1 283 6,2 5 935 11,9 6 754 11,7 4.2 Máquinas e material elétrico 5 052 24,6 13 956 27,9 18 481 32,15. Total das importações 20 554 100,0 49 972 100,0 57 529 100,0
Fonte: Boletim do Banco Central, maio de 1999.
44 É preciso mencionar a maior competitividade do Brasil na produção de grãos, principalmente pela mecanização
de extensas áreas nos Cerrados.
Entre 1997 e 2003, a composição da pauta importadora mudou substancialmente
com a desvalorização cambial (Tabela 6). Reduziram-se as participações das
importações de bens de capital (26,9% para 21,4%) e de bens de consumo (18,6%
para 11,5%); enquanto aumentou a participação das importações de matérias-primas
(45,1% para 53,5%) e de combustíveis e lubrificantes (9,4% para 13,6%). Entre os
bens de capital as maiores reduções foram de maquinaria industrial (US$ 6 bilhões
para US$ 3,4 bilhões), enquanto entre os bens de consumo caíram principalmente as
importações de alimentos e de automóveis. Entre as matérias-primas os maiores
aumentos foram de produtos químicos/farmacêuticos e de peças de reposição para a
indústria, além de acessórios e equipamentos de transporte.
Tabela 6 Estrutura das importações brasileiras, 1997, 2000 e 2003 (US$ milhões).1997 2000 2003
Grupos dos produtos importados Valor % Valor % Valor %1. Bens de consumo 11 133 18,6 7 442 13,3 5 538 11,5 1.1 Alimentos 2 463 4,1 1 507 2,7 924 1,9 1.2 Farmacêuticos 816 1,4 1 126 2,0 1 248 2,6 1.3 Automóveis 2 444 4,1 1 211 2,2 578 1,2 1.4 Objetos de uso pessoal 848 1,4 697 1,2 714 1,5 1.5 Outros 4.562 7,6 2.901 5,2 2.074 4,32. Matérias primas 26 920 45,1 28 432 50,9 25 797 53,5 2.1 Produtos químicos e farmacêuticos 7 737 12,9 7 856 14,1 7 535 15,6 2.2 Produtos intermediários – partes e
peças 3 678 6,2 4 885 8,7 4 154 8,6 2.3 Produtos minerais 4 406 7,4 4 931 8,8 3 572 7,4 2.4 Acessórios de equipamentos de
transporte 3 649 6,1 4 057 7,3 3 705 7,7 2.5 Produtos agropecuários não
alimentícios 3 108 5,2 2 402 4,3 1 693 3,5 2.6 Produtos alimentícios 2 000 3,3 1 639 2,9 2 018 4,2 2.7 Outras matérias-primas para a
agricultura 1 223 2,0 1 618 2,9 2 275 4,7 2.8 Matérias-primas diversas 1.118 1,9 1.044 1,9 845 1,83. Combustíveis e lubrificantes 5 597 9,4 6 358 11,4 6 577 13,64. Bens de capital 16 098 26,9 13 605 24,4 10 348 21,4 4.1 Maquinaria industrial 6 041 10,1 3 926 7,0 3 425 7,1 4.2 Outros equipamentos fixos 2 621 4,4 2 882 5,2 1 920 4,0 4.3 Máquinas e aparelhos de escritório,
serviço científico 2 744 4,6 2 629 4,7 2 109 4,4 4.4 Peças para bens de capital para
indústria 1 441 2,4 1 535 2,7 1 206 2,5 4.5 Equipamento móvel de transporte 1 721 2,9 1 260 2,3 445 0,9 4.6 Acessórios de maquinaria industrial 1 014 1,7 947 1,7 909 1,9 4.7 Outros bens de capital 516 0,9 426 0,8 334 0,75. Total das importações 59 747 100,0 55 839 100,0 48 260 100,0
Fonte: Boletim do Banco Central, maio de 2002 e maio de 2004.
A partir da mudança do regime cambial em 1999, o Brasil reiniciou o ajuste
externo de sua economia, com base no dinamismo das exportações. Em 2004, a
economia brasileira deverá crescer 4%, puxada pelo desempenho do setor industrial e
das exportações, que deverão atingir US$ 94 bilhões (superávit recorde de US$ 32
bilhões). A inflação ficará acima da meta de 6,5% ao ano, devendo atingir 7,3%. Em
função do desempenho das exportações, em 2004 caiu a relação dívida externa total
líquida/PIB para 26%, contra 32,5% em 1999. Nesse período, o coeficiente dívida
externa total líquida/exportações caiu de 3,6 para 1,8 e juros/exportações, de 36,4%
para 19,9%. Melhorou a classificação externa de risco do Brasil, mas o afluxo de
capitais externos deverá atingir apenas US$ 13 bilhões em 2004, contra US$ 19,2
bilhões em 2003 e US$ 26,4 bilhões em 2002 (<www4.bcb.gov.br/pec/GCI/
PORT/focus>). Além da atração exercida por outros países, como China e Rússia,
atribui-se essa queda à morosidade das decisões do governo na aprovação do projeto
de Parceria Público-Privada e à ausência de uma política industrial bem definida.
No caso do Brasil, apesar da relativa lentidão com que medidas relevantes de
política econômica foram tomadas, como foi o caso do ajuste interno da economia, e
das reformas estruturais de base ainda não realizadas em 2004, percebe-se que o
Brasil passou por intensa transformação depois da implantação do programa de
substituição de importações de insumos básicos do II Plano Nacional de
Desenvolvimento (1975/1979) e do ajuste externo da economia de 1983/1993. Em
2003, 69,3% das exportações brasileiras foram de produtos industrializados, sendo
54,3% manufaturados, contra 14% em 1970. A tendência é de que essa participação
aumente rapidamente nos próximos anos, face ao aumento da competitividade da
indústria brasileira e à existência de uma taxa de câmbio flexível e favorável,
favorecendo a expansão contínua das exportações.
QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO
1. Caracterize a economia russa antes da Revolução Bolchevique.
2. Explique os fatores do crescimento econômico russo depois da Revolução de 1917.
3. Faça uma síntese dos planos qüinqüenais soviéticos.
4. Explique os fatores da desintegração da URSS.
5. Faça uma síntese da situação da economia mexicana antes de sua revolução.
6. Faça uma síntese da economia mexicana após a Revolução e até fins de 1980.
7. Comente a situação econômica mexicana após o seu ingresso no NAFTA, a partir
de 1995.
8. Explique por que a política cambial, que beneficiava os cafeicultores, prejudicava a
industrialização do país e os principais fatores do desenvolvimento brasileiro nos
anos de 1930.
9. Faça uma síntese da seção “Choques externos e o protecionismo, 1929/1945”.
10. Explique quais foram os principais fatores do crescimento do Brasil entre
1945/1962.
11. Explique a importância das taxas múltiplas de câmbio e da Lei de Tarifas de 1957
para o desenvolvimento do Brasil.
12. Quais foram as principais medidas econômicas entre 1962 e 1974?
13. Quais foram os principais fatores de crescimento após 1974? Centre sua análise no
PAEG.
14. Explique os princípios básicos do Plano de Metas e do II Plano Nacional de
Desenvolvimento.
15. Fale do ajuste externo do Brasil, efetuado entre 1983/1993.
16. Disserte sobre o ajuste interno do Brasil, efetuado entre 1994 e 1996.
17. Disserte sobre a transformação estrutural das exportações brasileiras entre
1998/2003.
18. Disserte sobre a transformação estrutural das importações brasileiras entre
1992/2003.
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5DESENVOLVIMENTO DE OUTROS PAÍSES:FRANÇA, ALEMANHA, ITÁLIA, PORTUGAL, CANADÁ EAUSTRÁLIA45
SOUZA, Nali de Jesus.
Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
1 Desenvolvimento da França e da Alemanha
A exemplo dos EUA e do Japão, países como Alemanha, Canadá e Austrália
conheceram um desenvolvimento com base na expansão das exportações. A pauta
exportadora, inicialmente agrícola, diversificou-se gradativamente, incorporando
produtos com crescente nível técnico e valor adicionado. As economias nacionais
desenvolviam-se à medida que se adotavam inovações tecnológicas na produção e as
atividades exportadoras exerciam efeitos de encadeamento sobre o setor de mercado
interno. Já a França, embora também tenha sido um centro exportador tradicional de
artigos de luxo, como seda e perfumes, é citada na literatura como exemplo de país
que iniciou seu desenvolvimento com base no setor de mercado interno. As economias
da Alemanha e Itália aproveitaram-se inicialmente da reunificação de seus respectivos
países, o que expandiu o setor de mercado interno, sendo mais tarde amplamente
beneficiadas, sobretudo a Itália. Similarmente, nas décadas recentes, Espanha,
Portugal e Irlanda vêm passando por uma fase de crescimento acelerado em função de
seu ingresso na Comunidade Econômica Européia.
1.1 Desenvolvimento da França
Embora a França se tenha desenvolvido com atraso em relação à Inglaterra, ela
exerceu uma grande influência cultural e mesmo econômica na europa Continental,
sobretudo durante o período das conquistas napoleônicas. A aglomeração parisiense,
estando situada no meio de uma região com terras férteis e planas, logo se tornou um
importante centro exportador de vinhos, cereais, tecidos de lã e linho para a Holanda,
Espanha, Portugal e Inglaterra. A indústria, fomentada desde a Idade Média pelas
Cruzadas e pelos centros populacionais criados por Luís IX (1226-1270), obteve um 45 Este texto integra, como anexo, o Capítulo 2 do livro Desenvolvimento econômico (Souza, 2005).
impulso considerável no reino de Henrique IV (1589-1610), quando cresceu a
produção de vidro, artigos de lã, seda, pesca e navegação (List, 1983, p. 53).
Durante a fase pré-industrial, a indústria francesa conheceu um crescimento
considerável na época em que Colbert (1619-1683) foi secretário de finanças de Luís
XIV. Havendo saneado as finanças públicas, ele fomentou a indústria francesa por
meio de medidas protecionistas. Importou mão-de-obra especializada da Inglaterra e
Holanda e adquiriu direitos de fabricação de máquinas e ferramentas. No que tange à
integração espacial interna, procurou suprimir ou reduzir os direitos aduaneiros entre
regiões, construiu estradas e canais para diminuir os custos de transporte. Reduziu
impostos sobre a atividade agrícola, fomentou as exportações e introduziu um severo
controle de gastos na administração pública (List, 1983, p. 54).
Apesar de estimular a indústria, Colbert foi criticado pelo protecionismo e pela
proibição de exportar cereais em épocas de escassez de alimentos, porque isso
desestimulava a produção agrícola. No entanto, o pior golpe para a industrialização
francesa foi desferido pela revogação do Édito de Nantes, em 1685, que suprimiu os
direitos concedidos aos calvinistas, em 1598, por Henrique IV, e provocou perseguição
religiosa. Com isso, em três anos, cerca de 500 mil protestantes emigraram com suas
indústrias e capitais, principalmente para a Suíça e, posteriormente, para a Alemanha,
Holanda e Inglaterra. Esse fato anulou o trabalho de toda uma geração e lançou a
França em seu antigo marasmo, enquanto a atividade produtiva na Inglaterra
continuava sendo protegida por sua constituição (List, 1983, p. 54).
Por volta de 1750, as doutrinas fisiocratas estavam em plena floração e seus
divulgadores passaram a ser conhecidos como “os economistas”. A economia francesa
ainda era essencialmente agrícola e sobre a população rural pesava elevada carga
tributária; não havia liberdade para a livre circulação de mercadorias entre as
províncias e com o exterior. O dirigismo estatal sufocava a livre iniciativa. “Os
economistas” acreditavam que a verdadeira riqueza estava na agricultura. Seu
desenvolvimento dependia de liberdade e de “bons preços”. A liberdade do comércio
de grãos permitiria aos agricultores vender suas colheitas com bom preço e investir os
lucros em explorações mais modernas e produtivas (Poirier, 1999, p. 73).
O desenvolvimento da indústria ficava, portanto, limitado pelo baixo nível de
renda agrícola e pelos entraves ao livre comércio, que enfrentava os elevados custos
de transportes. O excessivo dirigismo estatal, as políticas econômicas errôneas (altos
impostos, altas taxas de juros, excessiva regulamentação, proibições de circulação de
mercadorias) e os privilégios concedidos ao clero e à nobreza dificultavam o
desenvolvimento econômico, o que acabou provocando a eclosão da Revolução
Francesa (1789-1799). Nesse período, houve relativo liberalismo, quando se procurou
exportar vinhos para a Inglaterra, em troca de manufaturas mais baratas e de melhor
qualidade. Tendo em vista as dificuldades financeiras do estado revolucionário, as
terras do clero foram confiscadas e postas à venda. A emissão de títulos para a compra
de bens da Igreja produziu elevadas taxas de inflação. A Assembléia Nacional, sob a
liderança de Condorcet, iniciou uma reforma do sistema educacional fundamentada
no ensino da matemática. A idéia era eliminar a influência excessiva da metafísica no
ensino e estimular o raciocínio dos alunos.
1.1.1 Imperialismo, reformas e crescimento econômico
As dificuldades políticas, a prática do terror revolucionário e a difícil situação
da economia francesa facilitaram o acesso de Napoleão ao poder. De imediato, ele
incentivou a indústria e a agricultura e organizou o quadro institucional. O controle
financeiro foi aperfeiçoado, através da estabilização da moeda e a criação do Banco da
França. A educação passou para o controle público, com as universidades sendo
restabelecidas no exercício de suas funções. O imperador promulgou um novo código
civil, que manteve as conquistas da Revolução: supressão da nobreza, igualdade
perante a lei, liberdade pessoal e de trabalho A conquista de praticamente toda a
europa continental, excluindo a Rússia, expandiu os mercados externos para os
produtos franceses, o que estimulou a sua industrialização.
No plano interno, contudo, a situação política francesa continuava conturbada,
o que levou à Revolução de 1830. Esta revolução consolidou a vitória da burguesia na
França e aclamou Luís Felipe, de formação liberal, novo rei da França (1830-1848). A
industrialização em marcha aumentava as populações urbanas, que, no entanto,
viviam em condições precárias e sujeitas ao desemprego. O Governo não intervinha
nas negociações trabalhistas, o que provocou o surgimento de uma reação socialista e
a proclamação da República em 1848. Nesse ano, Carlos Luís Napoleão Bonaparte,
sobrinho de Napoleão I, foi eleito Presidente da República, exercendo um governo
central forte. O novo governo reduziu as horas de trabalho e adotou medidas de
combate ao desemprego. Nesse período, as estradas de ferro, iniciadas por Luís Felipe,
foram triplicadas em extensão; instituições de crédito foram fundadas e o comércio
exterior estimulado.
A produção de aço cresceu em torno de 10% ao ano após 1866, quando se
começou a fabricar trilhos de aço, em substituição ao de ferro. A industrialização da
França efetivou-se com extraordinário crescimento das ferrovias. Entre 1845/1854,
foram construídos 1.987 km de linhas férreas; no decênio seguinte, passou-se a 6.196
km e a 10.100 km entre 1895/1904. Esse ritmo reduziu-se para 5.934, entre
1905/1913, e a extensões ainda menores nos anos seguintes, em razão da
consolidação da rede ferroviária francesa (Niveau, 1969, p. 73).
Em 1852, Napoleão III deu início ao Segundo Império.46 Durante seu governo,
o setor financeiro cresceu consideravelmente; a cidade de Paris foi reurbanizada, com
a abertura das grandes avenidas (boulevards), e em 1855 a França foi reconhecida
internacionalmente como um país industrializado. Posteriormente, no entanto, na
tentativa de ampliar sua influência externa, a França obteve sucessos e derrotas. Em
1870, sob a liderança de Bismarck, a Prússia venceu a guerra com a França, que
estava despreparada militarmente. Com a derrota, a Terceira República foi
proclamada (1870-1945). A grande capacidade de recuperação da economia francesa,
no entanto, permitiu o pagamento das reparações de guerra em dois anos; em
seguida, a França iniciou uma ofensiva colonialista na África e na Ásia, o que
estimulou suas exportações, a industrialização e o desenvolvimento do setor de
mercado interno.
A industrialização e o desenvolvimento da França derivaram de um lento
processo de transformação de técnicas e de estruturas econômicas, não se podendo
rigorosamente falar que tenha havido nesse país uma “Revolução Industrial”, como na
Inglaterra, capaz de promover o arranco à la Rostow (ver Capítulo 11). Houve, na
verdade, três períodos de crescimento rápido: o primeiro teve início logo após a
Revolução Francesa (1796-1844); o segundo ocorreu entre 1855-1884 e o terceiro
iniciou-se em 1895 e terminou 1913, às vésperas da Primeira Guerra Mundial
(Niveau, 1969, p. 39).
As precondições para a decolagem da economia francesa tiveram início na
Revolução Francesa, que acabou com o regime feudal e com as corporações de ofício,
que imobilizavam a livre iniciativa. Foram abolidas as barreiras à livre circulação de
mercadorias e de pessoas entre províncias, formando um mercado interno único,
protegido, todavia, da concorrência externa por tarifas alfandegárias. Ainda no quadro
institucional, é digno de nota a fundação da Escola Politécnica e a Escola de Minas, os
Institutos de Pesquisa (química, botânica, biologia...) e a Escola de Artes e
Manufaturas, que passaram a formar pessoal de nível superior para as atividades
produtivas. Entre os fatores desfavoráveis ao desenvolvimento francês, podem ser
citados o lento crescimento demográfico, a insuficiência de recursos naturais, o baixo
nível de poupança interna e os direitos alfandegários elevados, encarecendo o carvão
e o aço importados pela indústria (Niveau, 1969, p. 67).
O crescimento demográfico pouco acentuado não teria influenciado o
crescimento econômico. Outros fatores favoráveis teriam sido as transformações da
agricultura, as inovações tecnológicas, o surgimento de setores líderes e o
desenvolvimento dos meios de transporte, sobretudo das ferrovias. As transformações
46 Napoleão II (1811-1832), filho de Napoleão I, foi proclamado Rei de Roma ao nascer; morreu no exílio de
tuberculose.
na agricultura foram influenciadas pelo exemplo inglês: utilização de forragens para
alimentação animal; abolição dos direitos de pastorear o gado em pastos comuns;
melhoria dos métodos de criação de animais e aumento artificial da fertilidade dos
solos. A produtividade também se elevou pela redução do custo do adubo e pela
utilização de ferramentas mais aperfeiçoadas (Niveu, 1969, p. 48-49).
A indústria tomou impulso com o desenvolvimento do ramo têxtil e da
siderurgia. No caso da primeira atividade, muito contribuiu a vinda de empreen-
dedores e operários ingleses, que recebiam incentivos do governo francês desde o
início do século 19. Da mesma forma, no que diz respeito à indústria siderúrgica, a
influência inglesa foi substancial através da imigração. No entanto, a insuficiência do
abastecimento de carvão, a excessiva proteção alfandegária e a especialização
insuficiente da mão-de-obra foram os principais fatores a inibir o desenvolvimento
econômico francês na primeira metade do século 19 (Niveau, 1969, p. 59).
Produção Exportaçõespaíses1870/1913a 1965/1980b 1980/1990 b 1990/1999 b 1965/1980 1980/1990 1990/1999
Alemanhac 2,9 3,3 2,2 1,5 7,2 − 4,1Austrália − 4,0 3,4 3,8 5,5 6,9 7,9Canadá 3,8 5,1 3,3 2,3 5,4 6,3 8,8Dinamarca 3,2 2,7 2,3 2,8 5,4 4,3 3,8Espanha − 4,6 3,0 2,2 12,4 5,7 10,9EUA 4,3 2,7 3,0 3,4 6,4 4,7 9,3França 1,6 4,0 2,3 1,7 8,5 3,7 4,9Itália 1,4 4,3 2,4 1,2 7,7 4,1 7,2Japão − 6,5 4,0 1,4 11,4 4,5 5,1Nova Zelândia − 2,4 1,7 2,9 4,2 4,0 5,4Portugal − 5,3 3,1 2,5 3,4 8,7 5,6Reino Unido 2,2 2,4 3,2 2,2 4,8 3,9 6,0Fontes: Maddison, apud Niveau (1969, p. 74) e Banco Mundial (1990, 1995 e 2003).Notas: a Não informado o conceito utilizado; b PIB; c Excetuando o período de 1870/1913, os dados referem-se à RepúblicaFederal da Alemanha.
Enquanto nos EUA e Canadá a taxa de crescimento econômico foi de 4,3% e
3,8%, respectivamente, entre 1870/1913, a França cresceu apenas 1,6% nesse mesmo
período (Tabela 1). Entretanto, esse ritmo de crescimento econômico foi suficiente
para promover a industrialização da economia francesa, que se consolidou com a
expansão das ferrovias e de atividades interligadas e vinculadas basicamente ao setor
de mercado interno. O menor desempenho da economia francesa refletiu-se no
exército mal equipado e despreparado taticamente durante a Primeira Guerra
Mundial.47 A vitória francesa ocorreu em 1918, pela recuperação das forças francesas
e ajuda dos aliados. No conflito, morreram 1.400 mil soldados franceses e as despesas
com a guerra montaram a 150 bilhões de francos (Mirador, 1995, p. 4875). As
47 Esse conflito resultou da expansão colonial alemã, que não respeitava os tratados existentes e queinquietava as potências européias. A guerra foi precipitada pelo assassinato do arquiduque FranciscoFernando de Habsburgo, herdeiro do trono austríaco.
reparações de guerra, no entanto, não cobriram os custos e a França saiu da Guerra
com prejuízos de bilhões de francos.48
Tabela 1 Taxa média de crescimento anual da produção e das exportações de países eperíodos selecionados (%).
De outra parte, o Congresso norte-americano não ratificou o Tratado de
Versalhes e os EUA efetuaram um acordo separadamente com a Alemanha. Além da
retirada do apoio anglo-americano mais amplo à França, a Liga das Nações não
fornecia as garantias de que o país necessitava. Seguiu-se um período de profundas
agitações políticas entre comunistas, socialistas e radicais, com grande instabilidade
econômica e militar. A Grande Depressão Mundial agravou ainda mais a crise vivida
pela França, que adotava uma política externa que levaria o país a uma situação
catastrófica. O governo francês rejeitou a aproximação com a Alemanha, que
apresentava grande expansão econômica, tecnológica e militar. Pelo contrário,
procurou aliar-se à europa Central e à União Soviética, apoiando seu ingresso na
Sociedade das Nações.
A Segunda Guerra Mundial eclodiu quando a França e o Reino Unido
declararam guerra à Alemanha, após ela ter invadido a Polônia em setembro de 1939.
No ano seguinte, a França foi invadida e ocupada pelos alemães. A desocupação
somente ocorreu em 1944 com o desembarque das forças aliadas na Normandia. No
fim desse ano, o General de Gaulle formou o governo provisório e iniciou a
reconstrução do país.
1.1.2 Plano Marshall e planejamento econômico
Terminada a Segunda Guerra Mundial, com a ajuda do Plano Marshall, a
França programou sua recuperação econômica, mediante o desenvolvimento da infra-
estrutura e de setores básicos. Entre 1945 e 1950, o I Plano Nacional de
Desenvolvimento limitou-se a programas de investimentos em seis setores
fundamentais: carvão, eletricidade, cimento, aço, máquinas agrícolas e transportes,
além da reestruturação do sistema financeiro. Esse plano aumentou a produção de
energia em 12,6 bilhões de quilowatts-hora; no período do plano, a capacidade das
refinarias de petróleo aumentou 60%. A eletrificação das ferrovias foi ampliada,
iniciando-se a produção de energia atômica. Os dois planos seguintes (1950/1955 e
1955/1960) continuaram com os investimentos estatais, mas procurou-se revitalizar o
setor privado. A formação do Mercado Comum europeu, a partir de 1958, englobando
48 As reparações alemãs cobriam apenas os prejuízos causados aos civis e as restituições compreendiamapenas a recuperação das províncias da Alsácia e da Lorena.
inicialmente França, República Federal da Alemanha, Itália, Bélgica, países Baixos e
Luxemburgo (Grupo dos Seis), exigia que se aumentasse a produtividade da indústria
e da agricultura, tendo em vista a maior concorrência externa (Miranda e Mathieu,
1989, p. 123).
Na década de 1960, a reestruturação industrial e o aumento da escala das
firmas pela integração, reduzindo os custos médios de produção, constituíram outro
fator de aceleração do desenvolvimento do Grupo dos Seis. A integração espacial,
decorrente da eliminação gradativa das barreiras à livre circulação de mercadorias e
dos fatores de produção, no interior desse grupo, ampliava-se no contexto de uma
rede urbana de transportes bastante densa. O aumento do fluxo de trocas elevava as
rendas, o que favorecia o comércio, os serviços e a própria industrialização. O período
de 1945 a 1973 foi considerado como os anos dourados da economia francesa,
quando ela cresceu em torno de 5% ao ano, em média. Os choques do petróleo de
1973 e de 1979 interromperam essa fase áurea, marcada pelo planejamento
governamental e pela intervenção direta do Estado na economia. Ocorreram déficits
na balança comercial em todos os anos entre 1979 e 1985, que atingiram US$ 2,1
bilhões em 1979, US$ 15,5 bilhões em 1982 e US$ 5,4 em 1985 (Miranda e Mathieu,
1989, p. 113).
A economia francesa tem revelado uma grande vulnerabilidade em relação ao
setor externo. Como nos anos de 1970, entre 1980 e 1993 as exportações francesas
continuaram crescendo menos do que as importações (4,5% e 4,8%). Entre 1970 e
1993, a França reduziu sua dependência em relação aos combustíveis importados
(12% para 9% do total importado), de alimentos (15% para 11%), de outros produtos
primários (15% para 5%), mas aumentou sua dependência em relação à importação
de máquinas e equipamentos de transporte (25% para 34%) e de outros produtos
manufaturados (33% para 41%). Em relação às exportações, aumentou no período a
participação de máquinas e equipamentos de transporte (33% para 38%), mas caiu a
participação de outras manufaturas nas exportações totais (42% para 40%). Em
decorrência, sobretudo, da crise energética e da redução do ritmo das exportações, a
taxa de crescimento do produto nacional bruto francês reduziu-se de 3,2%, entre
1970 e 1980, para 2,1% entre 1980 e 1993 (Banco Mundial, 1995, p. 183).
Considerando o período de 1965 a 1980, a taxa média anual de crescimento da
economia francesa foi de 4%, no mesmo nível da Austrália e superior ao desempenho
de países como Alemanha, Dinamarca, EUA, Nova Zelândia e Reino Unido. Entre os
países da Tabela 1, a taxa anual de crescimento das exportações francesas, nesse
período, igual a 8,5%, somente foi inferior à da Espanha (12,4%) e Japão (11,4%), o
que explica seu crescimento econômico relativamente alto. Em 1999, a França
apresentava-se como a quarta economia mundial, com um PNB de US$ 1,43 trilhões,
logo atrás dos EUA, Japão e Alemanha (Tabela 2.1 de Souza, 2005).
Atualmente, além da região parisiense, centro cultural, artístico e universitário,
sediando indústrias leves de alto valor adicionado, a indústria francesa de um modo
geral encontra-se relativamente dispersa em diferentes regiões, como em Lyon, cuja
aglomeração possui aproximadamente 1.200 mil habitantes (indústrias: metalúrgica,
mecânica, têxtil, petroquímica, automobilística); em Marselha, no litoral do
Mediterrâneo, com cerca de um milhão de habitantes (refinarias de petróleo, óleos
comestíveis, construção naval); em Lille, com um milhão de habitantes (têxteis,
mecânica, material elétrico); em Toulouse (750 mil habitantes), importante centro de
indústrias aeronáuticas, espaciais, químicas e farmacêuticas, bem como em diferentes
locais, em cidades menores e mesmo à proximidade da zona rural (indústria da
alimentação, por exemplo).
O produto interno bruto francês cresceu 1,2% em 2002 e apenas 0,2% em
2003. O consumo das famílias foi positivo nesses dois anos (1,4% e 1,6%),
acompanhado de queda dos investimentos privados (−2,8% e −1,8%) e redução das
exportações em 2003 (−1,6%), sendo que no ano anterior elas haviam crescido 1,3%.
Projeta-se crescimento do PIB de 1,7% para 2004, puxado pelas exportações (5,4%) e
pelo investimento privado (1,9%). O grande desafio da França será ajustar-se aos
critérios do Tratado de Maastricht:49 a) o déficit público cresceu de 3,1% do PIB, em
2002, para 4% do PIB, em 2003, projetando-se o nível de 3,6% do PIB para 2004; b) a
dívida pública também cresceu, passando de 59% do PIB em 2002, para 61,4% do PIB
em 2003, com previsão de aumento para 2004: 62,8% do PIB (<www.francetresor.
gouv.fr/oat/fr/info56b/html>).
O aumento dos gastos públicos reduziu a taxa de desemprego de 12,2%, em
março de 1997, para 9,6% em janeiro de 2004. Apesar da redução dessa taxa, em
2003 a economia francesa destruiu 30.000 empregos. Isso é uma tendência das
economias modernas, o que gera o eterno conflito entre criar novos empregos e
manter a estabilidade econômica. A França continua como a quarta economia mundial
e a quarta economia com maior volume de exportações, assegurando à população
elevados níveis de qualidade de vida.
49 O Tratado de Maastricht, que viabilizou a criação do euro, tende a consolidar a União européia (UE),
mas impôs aos países-membros a adoção de políticas econômicas de maior austeridade: tetos de 3%do PIB para o déficit público e de 60% do PIB para a dívida pública. A vitória do Partido Socialista,em 1997, levou a França a adiar sua adesão a esses critérios de convergência, alegando problemascom o desemprego.
1.2 Desenvolvimento da Alemanha
Uma das dificuldades para o desenvolvimento de muitos países da Europa foi a
pequena dimensão do mercado interno. No final do século 19, o território da
Alemanha encontrava-se fragmentado em regiões autônomas. A unificação política era
tão precária, justificando a expressão “as Alemanhas”, o que incluía até 1866 a própria
Áustria. Até então, era impossível estabelecer as fronteiras da Alemanha, cuja
fragmentação implicava a existência de 1.500 soberanos, com 80 territórios de
dimensões inferiores a 20 mil km2. O povo alemão, no entanto, deu grande
contribuição para o desenvolvimento das trocas desde 1367 a partir das cidades do
sul, como Augsburgo e Nuremberg, destacando-se o comércio de metais e a cunhagem
de moedas. Em 1455, o alemão Gutenberg imprimiu o primeiro livro, a Bíblia. Martin
Lutero (1483-1546), com a sua Reforma Protestante, deu à língua alemã uma unidade
e a sua forma definitiva.
O ducado da Prússia assumiu a partir do século 17 a condição de líder da
civilização germânica, quando passou a anexar condados vizinhos. Desenvolveu-se
uma atividade manufatureira, como ferramentas, armas e tecidos. A atividade
industrial da Prússia foi aniquilada pela Guerra dos Trinta Anos com a França (1618-
1648). Ela ressurgiu com vigor através dos protestantes banidos da França pela
revogação do Édito de Nantes (1685), quando os calvinistas passaram a ser
perseguidos; entre eles, incluíam-se funcionários públicos, artesãos, intelectuais e
homens de negócio. Esses imigrantes chegaram a constituir, por volta de 1700, cerca
de 1/3 da população de Berlim. Eles trouxeram suas indústrias e técnicas de cultivo
do solo, desenvolvendo culturas, como batatas, cereais, forrageiras para alimentação
animal, criação de gado e produção de lã.
Na Prússia, havia alguma proteção alfandegária, ao contrário de outros Estados
de língua alemã, que sofriam a concorrência de manufaturas estrangeiras (List, 1983,
p. 63). Outras medidas de estímulo à atividade industrial foram adotadas em 1742. A
partir de 1750, a Prússia passou a ser considerada uma grande potência européia,
graças também a uma aliança com a França e, mais tarde, com a Inglaterra. No plano
interno, colonizou suas diversas regiões, abriu estradas e canais e estimulou a
produção agrícola. Entre 1806 e 1812, a Prússia e os povos germânicos em seu
conjunto estiveram sob o domínio francês. Contudo, a legislação napoleônica foi
favorável às trocas e à atividade produtiva e provocou o rompimento das estruturas
feudais existentes. As reformas surgiram com o objetivo de construir uma grande
nação, por meio da eliminação dos obstáculos ao comércio e ao exercício profissional.
As idéias floresciam em torno da Universidade de Berlim, fundada em 1810 (Niveau,
1969, p. 103).
Em 1815, os alemães e seus aliados venceram os franceses em Waterloo. Nesse
ano, no Congresso de Viena, surgiu a Confederação Germânica, uma coligação de
senhores feudais sem unidade, sob a chefia da Áustria; ela contava com 35 estados e
quatro cidades livres, destacando-se os reinos da Prússia, Saxônia, Hannover, Baviera
e Württemberg, sendo Frankfurt a capital. Nessa época, cresciam as correntes opostas,
liberais e nacionalistas. A primeira lutava contra os feudos locais, por meio das
universidades e da literatura. A segunda desejava o fortalecimento da Prússia, para
que liderasse a nação alemã (Lafue, 1960, p. 1218).
1.2.1 A integração econômica interna
As aspirações industrializantes da corrente nacionalista foram influenciadas
pelas idéias de liberdade da Revolução Francesa, bem como pelas transformações
econômicas geradas pela Revolução Industrial Inglesa. Foi nesse contexto que o
economista Friedrich List (1789-1846), professor em Tübingen, passou a liderar uma
associação de empresários alemães vinculados ao comércio e à indústria, que
desejavam formar uma união aduaneira entre todos os estados da Alemanha (o
Zollverein). Apesar da oposição oficial, pequenos feudos conseguiram organizar-se em
uma união comercial, entre 1828 e 1929. Em 1834, sob a liderança da Prússia, o
Zollverein formou uma união alfandegária, unindo 18 estados e 23 milhões de
habitantes. Eliminaram-se as barreiras comerciais entre esses estados, permitindo a
livre circulação de homens e capitais, sendo criadas taxas relativamente elevadas para
produtos estrangeiros (Niveau, 1969, p. 104).
A integração espacial interna da Alemanha completava-se, sob a inspiração de
List, com a construção de ferrovias, iniciada entre 1835 e 1839. Após a implantação
do Zollverein, a economia alemã cresceu rapidamente e as transformações econômicas
consolidaram a consciência nacional. A Revolução Francesa de 1848 influenciou a luta
interna pela reunificação alemã e medidas liberais foram adotadas pelo governo. A
idéia era eliminar a influência da Áustria e anexar os principados existentes no
interior da Alemanha. Com o desenvolvimento das ferrovias, o país obteve o arrancopara o desenvolvimento auto-sustentado. Cresceu a produção de carvão, aço e
equipamentos ferroviários, ao mesmo tempo em que a redução dos custos de
transporte ampliava os mercados, tanto no interior da Alemanha, como em direção de
outros países europeus. Contribuíram também para a industrialização alemã, durante
o período da decolagem (1830-1860), a construção naval, a importação de tecnologia
e de capitais da Inglaterra e França, bem como a existência em solo alemão de carvão
e de outros recursos minerais (Niveau, 1969, p. 109).
O progresso econômico incentivava a integração espacial e política. As vias de
comunicação possibilitavam a exploração de novas fontes de riqueza. Em 1860, a
produção alemã de carvão superou a da França e a produção siderúrgica se ampliava.
Banqueiros e industriais se uniram em favor da integração política e territorial. A
implantação das ferrovias unia as fontes de matérias-primas aos mercados
consumidores, ao mesmo tempo em que dinamizava a siderurgia e as indústrias
mecânicas utilizadoras de ferro e aço. Simultaneamente, expandia-se o comércio
interno e o setor bancário alemão. Capitais privados adicionavam-se aos capitais
públicos para novos empreendimentos. Apesar desse crescimento econômico
acelerado, as tentativas de unificação política vinham fracassando pela forte oposição
da Áustria. Esse país lutou contra a unificação italiana e sua derrota favoreceu a
liderança da Prússia dentro da Confederação Alemã, com o surgimento de um novo
líder, Otto von Bismarck.
A Prússia, que vinha se preparando militarmente para enfrentar a Áustria,
aliou-se à Itália e venceu o seu antigo rival, em 1866, quando acabou a Confederação
Germânica. Por essa época, a França desejava comprar o condado de Luxemburgo da
Holanda, mas que pertencia ao Zollverein desde 1842. Bismarck não concordou, o que
gerou uma crise. Luxemburgo foi declarado neutro pelo Tratado de Londres. Novos
desentendimentos levaram os franceses a declarar guerra à Prússia, em 1870. O
exército prussiano, melhor preparado, ocupou Paris em 1871. Como resultado, a
França perdeu para os alemães as regiões da Alsácia e parte da Lorena. Ao vencer a
França, a Alemanha já se apresentava como um importante país industrializado e uma
potência européia.
A industrialização alemã, como a francesa, beneficiou-se da Revolução
Industrial inglesa, por meio da importação de máquinas e técnicos ingleses, que
acabaram repassando tecnologia. Operários ingleses, franceses e belgas fizeram
funcionar os primeiros altos-fornos no Vale do Ruhr. Os alemães também receberam
capitais de outros países da europa para a exploração de suas minas de carvão e para
a produção siderúrgica. A rápida industrialização foi acompanhada por uma legislação
social, que garantia seguro contra doença, invalidez e renda para os idosos. A
educação pública foi nacionalizada em 1872 e tornada gratuita em 1888. A
colonização de Togo e Camarões, em 1884, ajudou a suprir a indústria germânica com
matérias-primas e a consumir seus bens manufaturados.
Entre 1870/1910, após a unificação alemã, foram multiplicadas por dez as
produções de ferro-gusa, aço e carvão e triplicada a malha ferroviária. Em 1910, as
ferrovias implantadas montavam a 61 mil km, contra 49,5 mil para a França e 38 mil
para o Reino Unido (Niveau, 1969, p. 108). A intensa exploração dos recursos
produtivos das regiões Sarre, Ruhr, Silésia e Alsácia-Lorena, assim como o grande
crescimento da população, que passou de 41 milhões em 1871, para 65 milhões em
1910, proporcionavam à Alemanha uma posição de grande destaque no cenário
mundial.
Entre os fatores do crescimento econômico alemão, desse período, podem ser
destacados: (a) a constituição e a integração do mercado interno; (b) a importação de
tecnologia; (c) o extraordinário crescimento das exportações, sobretudo nas primeiras
décadas do século 20; (d) a firme política protecionista contra a concorrência
estrangeira; e (e) o desenvolvimento de canais e ferrovias, interligando a Alemanha
com os demais países da europa e do Oriente. Entre 1872/1875 e 1909/1913, as
exportações alemãs cresceram 250%, contra 85% para o Reino Unido e 68% para a
França (Mirador, 1995, v. 2, p. 315).
A construção da ferrovia Berlim-Bagdá não foi bem aceita pelos ingleses, cuja
rivalidade aumentava à medida que os alemães ampliavam sua influência na África,
formando colônias. A construção de canais internos, por motivos militares, melhorou
a rede fluvial e reduziu os custos de transporte. Da mesma forma, o transporte
marítimo ampliava-se com o aumento de número de rotas. Em 1913, a tonelagem
mercante era 490 vezes superior à de 1870 (Mirador, 1995, p. 316).
1.2.2 As duas guerras mundiais e a reconstrução
O bloqueio econômico provocado pela Primeira Guerra Mundial levou os
alemães a substituir matérias-primas importadas, a racionar produtos e a controlar
preços. Terminada a Guerra, a Alemanha perdeu territórios na Europa e suas colônias,
devendo ainda pagar elevadas reparações de guerra. Internamente, reforçaram-se as
tendências nacionalistas de direita, em oposição ao radicalismo de esquerda. Em
1923, ocorreu na Alemanha uma hiperinflação: em janeiro, um dólar equivalia a 18
mil marcos; em 15 de novembro, a cotação era de um por 4,2 trilhões de marcos
(Flamant, 1973, p. 32). Devido às dificuldades econômicas, percebeu-se que a
Alemanha não poderia pagar tais reparações. Em 1924, o país recebeu um empréstimo
externo para iniciar a recuperação industrial. A partir daí, aumentou o afluxo de
capitais internacionais, sobretudo da Inglaterra e dos EUA, iniciando um período de
rápido crescimento econômico (Niveau, 1969, p. 217).
Em 1931, para melhorar sua posição competitiva no exterior, o governo alemão
aplicou um corte linear de preços e salários e impôs licenças de importação e
restrições à saída de capitais e realizou acordos bilaterais. Essas medidas, no entanto,
não foram suficientes para enfrentar a concorrência da Inglaterra, que havia
desvalorizado sua moeda em 30%. Essa política levou Hitler ao poder, em 1933, como
chanceler. Com a recessão, o governo nazista adotou, em 1933, medidas de efeitos
contrários e o desemprego reduziu-se de seis milhões de pessoas em janeiro desse ano
para 2,6 milhões em fins de 1934. Enquanto os salários permaneceram congelados,
pela supressão dos sindicatos, o capital industrial foi subsidiado, sobretudo para a
construção de armamentos e aviões de guerra (Niveau, 1969, p. 248).
Hitler iniciou uma propaganda política com base na luta contra os comunistas.
Suprimiu os partidos políticos e expurgou os opositores. Em 1934, passou a acumular
as funções de presidente da república, reforçando o militarismo e colocando a
economia sob a direção do Estado. A partir de 1936, adotou dois planos quadrienais e
a economia de guerra eliminou o desemprego no país. A Segunda Guerra Mundial
iniciou-se com a Alemanha anexando a Áustria, em 1938. Ela continuou com a
ocupação da Tchecoslováquia em 1939, com manobras agressivas contra a Polônia,
França e Reino Unido, e com o ataque à União Soviética em 1941, apesar da
existência de um pacto de não-agressão. A Segunda Guerra Mundial terminou em
maio de 1945, estando a economia alemã praticamente destruída e submissa
incondicionalmente aos Aliados.
Com a ocupação da Alemanha pelos principais países aliados (EUA, Inglaterra e
França) e pela União Soviética, a Alemanha dividiu-se em duas: República Federal da
Alemanha (RFA), sob ocupação aliada; e República Democrática da Alemanha (RDA),
sob domínio soviético. A crescente rivalidade entre os EUA e a União Soviética deu
início à Guerra Fria, a partir de 1948, o que gerou o Plano Marshall; esse plano trouxe
grandes aportes de capitais de empréstimo e a fundo perdido para a recuperação da
Europa, parcialmente destruída pela Guerra. O objetivo era evitar o avanço do
comunismo em direção ao Ocidente. Em função dessa ajuda e da reforma monetária
colocada em curso, a produção industrial da Alemanha Ocidental subiu no segundo
semestre de 1948, de 45% para 75% em relação aos níveis de 1936, sendo que a
produção de aço duplicou entre janeiro e dezembro desse mesmo ano (Mirador, 1995,
p. 319).
A infra-estrutura econômica alemã tinha sido destruída pela Guerra e havia
elevados níveis de desemprego e desnutrição. Apesar da opção pela economia de
mercado, o governo alemão agiu diretamente na reimplantação da infra-estrutura, na
educação, na ajuda social e no reerguimento de atividades básicas, como aço,
cimento, alimentos, transportes, comunicações, construção civil. Medidas fiscais
procuraram incentivar o investimento, restringindo o consumo, como depreciação
acelerada, crédito com baixas taxas de juros para as empresas e promoção de
exportações. Outras medidas importantes para o crescimento econômico posterior
foram o controle severo da inflação e a neutralização de grupos internos de interesse,
contrários à política do Governo. A Alemanha cresceu 9,5% ao ano em média entre
1950/1955 e 6,3% entre 1955/1960, com taxas decrescentes do desemprego (7,5%
para 3%) e da inflação (1,9% para 1,8%) (Wolter, 1984, p. 97-98).
No final dos anos de 1950, cinco milhões de novos empregos haviam sido
criados. A Alemanha abriu-se ao capital estrangeiro, recebendo inúmeras
multinacionais, que contribuíram decisivamente para a consolidação de seu parque
industrial. O crescimento econômico apresentou taxas decrescentes nos períodos
seguintes: 5% (1960/1965), 4,2% (1965/1970) e 0,2% (1979/1983). O desemprego
chegou a 1% entre 1970/1973, mas subiu para 4,1% (1973/1979) e 6,7%
(1979/1983). A inflação de 2,3% ao ano entre 1965/1970, atingiu 4,9% entre
1979/1983 (Wolter, 1984, p. 97).
No início dos anos de 1980, o grande problema da Alemanha Ocidental era
reduzir o desemprego, que atingia 2,3 milhões de pessoas. Na Alemanha Oriental as
dificuldades econômicas eram ainda muito maiores: escassez de alimentos, queda do
produto global, escassez crônica de divisas, que impediam a importação de insumos e
alimentos, e baixo nível de renda. A retirada das tropas soviéticas em 1979 e a
insatisfação geral da população minaram o governo comunista. A derrubada do Muro
de Berlim, em 1989, provocou a fuga em massa de populações do lado oriental,
ajudou a desmantelar o regime comunista e acelerou a reunificação das duas
alemanhas, após 40 anos de separação. Em fevereiro de 1990, o Banco Central alemão
assumiu a gestão econômica da Alemanha Oriental, o que implicou a unificação
monetária, e a 3 de outubro desse mesmo ano as duas alemanhas tornaram-se um
único país.
Já em 1991, os alemães ocidentais foram obrigados a pagar mais impostos,
para financiar a recuperação da economia do lado oriental. O desemprego aumentou
e recrudesceu o terrorismo, tanto por parte dos extremistas de esquerda, como pelos
de direita (neonazistas), em repúdio aos seis milhões de estrangeiros residentes no
país. Desde 1980, a desaceleração das exportações implicou crescimento econômico
mais lento. Em 1999, contudo, a Alemanha unificada apresentava-se como a terceira
maior economia do planeta, com um PNB de US$ 2,079 trilhões. Entre 1998/1999,
tanto o PNB total, como o PIB per capita e o valor adicionado pela indústria cresceram
1,2% ao ano (Tabela 2.1 de Souza, 2005).
Em 1998, a Alemanha exportou US$ 623,4 e importou US$ 587,4, gerando um
superávit comercial de US$ 36 bilhões (Banco Mundial, 2003, p. 312). As indústrias
alemãs são voltadas para o mercado externo. A maior parte delas desenvolveu-se a
partir das reservas de carvão coque da bacia do Ruhr, principalmente a indústria
siderúrgica, que originou as indústrias mecânica e automobilística. As principais
exportações são, basicamente, de automóveis e de produtos diversos de alta precisão e
tecnologia. O adiamento de exportações, em função da Guerra do Iraque, teria
afetado o crescimento do PIB em 2003 (−0,1%), que já vinha se desacelerando desde
2001 (0,8%) e 2002 (0,2%). Em 2003, foi a segunda vez que a economia alemã
encolheu após a reunificação das duas alemanhas (em 1993, o PIB alemão havia caído
1,1%).
As exportações alemãs cresceram 1,1% em 2003, contra 2% para as
importações, o que gerou déficit comercial. Há que registrar também o lento
crescimento do consumo interno, de 0,2% em 2003, contra 1% no ano anterior. Para
2004, os alemães projetaram reduzir os impostos em 7,8 bilhões de euros, a fim de
estimular a demanda interna. Isso teria repercussões no aumento do déficit público,
igual a 4% do PIB em 2003. Este foi o terceiro ano consecutivo que a Alemanha feriu
o Pacto de Estabilidade do euro, uma vez que o limite previsto para o déficit público
era de 3% do PIB (<www.dw-world.de/brazil/0,3367,7165_A_ 1090176,00.html>).
2 Desenvolvimento da Itália, Espanha e Portugal
2.1 Desenvolvimento da Itália
O desenvolvimento da Itália é recente e se deve, em parte, a sua inserção no
Mercado Comum europeu. O Renascimento e as grandes rotas comerciais contribuí-
ram para o crescimento das cidades italianas. Entretanto, a existência de feudos
independentes dificultava o crescimento econômico em pleno século 19. No passado,
as regiões italianas eram pouco povoadas e caracterizadas por imensos domínios
eclesiásticos. O comércio interno precário movimentava produtos, como óleos, vinhos,
sal e outros manufaturados. A conquista da Sicília pelos normandos favoreceu o
comércio internacional: genoveses, pisanos e venezianos estenderam seu comércio
com a África e o Oriente.
A partir do século 11, o comércio externo intensificou-se com as Cruzadas, o
que beneficiou várias cidades italianas. Apesar do desmembramento das propriedades
eclesiásticas, a influência política dos bispos era muito grande. O imperador
compartilhava o poder com o Papa. Por outro lado, havia grande fragmentação
política entre as regiões italianas. No sul, a pobreza do solo agravava os problemas
sociais; a luta entre a burguesia e a pequena nobreza impedia o desenvolvimento
econômico, sendo o comércio dominado pelos toscanos. A riqueza concentrava-se nas
mãos de poucas famílias, que procuravam destruir as ações econômicas e políticas das
famílias rivais.
O domínio da Itália pela Espanha a partir do século 16 provocou retrocesso
econômico pelo aumento da carga fiscal e supressão das liberdades. O comércio
internacional das cidades italianas, de outra parte, sofreu um grande colapso pelo
deslocamento das rotas de comércio do Mediterrâneo para o Atlântico. Veneza
continuou mantendo relativo dinamismo, pela manutenção do comércio com o
Oriente; ainda havia importantes trocas entre as cidades do sul da Alemanha e as
cidades do norte da Itália. No século 17, no entanto, o desenvolvimento
manufatureiro da França e de outros países desacelerou gradativamente o comércio
com os italianos, acentuando sua decadência.
Com a ajuda francesa, os espanhóis foram rechaçados da Itália no início do
século 18, mas a influência francesa acentuou-se. A supressão do comércio com a
Espanha afetou a economia italiana. Intensificava-se a influência da Inglaterra, que
importava lã e exportava suas manufaturas para a Itália. A Áustria também fazia suas
incursões em solo italiano, cujo norte passou a ser disputado por austríacos, espanhóis
e franceses. A população italiana atingia 15,5 milhões de habitantes por volta de
1750; na agricultura, predominavam os latifúndios civis e eclesiásticos, administrados
por arrendatários e cultivados por camponeses pobres. Os proprietários viviam nas
cortes, sustentados pelas rendas agrárias. Tanto as populações urbanas como as rurais
eram analfabetas, muito pobres e sufocadas pelo catolicismo romano (Mirador, 1995,
p. 6291).
No final do século 18 houve o chamado “despotismo esclarecido”. Alguns
príncipes introduziram reformas tímidas: redução dos privilégios da nobreza; fim da
cobrança de alguns impostos e limitação das prerrogativas da Igreja. A economia
beneficiou-se de inovações técnicas e da supressão de barreiras ao livre comércio.
Algumas cidades aboliram a escravidão e as corporações de ofício; suprimiram
algumas ordens religiosas contemplativas e mendicantes e instituíram o princípio da
igualdade fiscal. O comércio de cereais tornou-se livre; abriram-se novas estradas e
regiões pantanosas foram recuperadas. Vários conventos foram fechados, os jesuítas
expulsos e proibidas novas aquisições pela Igreja (Mirador, 1995, p. 6291).
2.1.1 Influência francesa
Os ideais da Revolução Francesa de 1789 e a invasão de Napoleão produziram
importantes efeitos sobre a Itália. Inicialmente, os reis italianos fizeram oposição a
essa revolução, enquanto os intelectuais mostravam entusiasmo. Em 1792, o Piemonte
declarou guerra à França e os franceses invadiram e anexaram a Savóia e Nice. Em
1796, Napoleão venceu os austríacos e ocupou o norte da Itália. Sob controle francês,
foi criada a República Cisalpina, transformada mais tarde em República Italiana e
Reino da Itália (1807) (Orsi, 1899, p. 54). Em 1810, o Reino da Itália foi acrescido de
Veneza, Guastalla, Marca e Trentino. Nesse período, os franceses impulsionaram a
educação e os trabalhos públicos; editaram uma nova constituição; mandaram abrir
novas estradas e incentivaram a agricultura e a indústria. Ao mesmo tempo, aboliram
os privilégios e modernizaram a estrutura financeira do Estado. O principal resultado
foi a mudança de mentalidade da população italiana e a criação de um sentimento de
unidade nacional.
Alguns anos após a queda de Napoleão, a Áustria voltou a dominar a Itália,
cuja influência estendeu-se de forma mais intensa também na Alemanha, até meados
do século 19. Com os austríacos, estabeleceram-se os privilégios da nobreza, mas as
revoltas tornaram-se freqüentes e sangrentas. A falta de unidade entre os italianos
dificultava a expulsão dos austríacos, sendo necessária a ajuda da França e da Prússia.
Os franceses enviaram tropas à Itália, em 1832, onde permaneceram até 1838. Nessa
época, Giuseppe Garibaldi lutava pela libertação da Itália, cujo progresso industrial já
se mostrava visível no Norte, enquanto o Sul mantinha-se essencialmente agrícola,
embora com novos métodos de produção. Lombardia e Veneza eram as regiões mais
prósperas da Itália, favorecidas pela administração austríaca eficiente, com ênfase na
educação.
A Revolução Francesa de 1848 também influenciou os movimentos de
libertação na europa, particularmente nos reinos italianos. O reino da Sardenha
obteve a paz com os austríacos e integrou-se na rede comercial européia. Modernizou
a estrutura das empresas e do setor bancário, favorecendo os investimentos nas
ferrovias. Em 1860, Savóia e Nice retornaram à França e movimentos revolucionários
na Itália Central e no reino de Nápoles, conquistado por Garibaldi, levaram à união
dessas regiões com o Piemonte. Em 1861, foi proclamado o reino da Itália, com a
capital em Turim, depois em Florença. A pobreza italiana em recursos naturais
dificultava o crescimento econômico; a mão-de-obra, embora abundante, era pouco
qualificada. Apesar disso, entre 1864 e 1868, foram construídos 5.524 km de
ferrovias, com financiamentos externos. Em 1871, a capital italiana foi mudada para
Roma; ao Papa foi assegurado o Vaticano e outras propriedades, bem como o direito
de soberania (Orsi, 1899, p. 315).
As precondições para o desenvolvimento da Itália surgiram com a unificação
das regiões italianas e a realização de tratados com países europeus, incluído o
Zollverein. Após 1871, o governo italiano procurou seguir a Inglaterra e a França na
condução da economia, modernizando bancos, empresas privadas e cooperativas e
implantando rodovias e mais de 5,8 mil km de ferrovias (Orsi, 1899, p. 319). Em
1882, foi assinada a Tríplice Aliança com a Áustria e a Alemanha, ficando a França
isolada nesse acordo. No final do século 19, a dívida pública e os altos impostos
constituíam os principais obstáculos à melhoria das condições de vida da população.
Ao mesmo tempo, a agricultura mantinha-se prejudicada pela concorrência de
produtos franceses e alemães, tendo em vista a redução dos custos de transportes.
A partir de 1879, ocorreu importante surto industrial, com a instalação da
siderurgia e da indústria da borracha. Giovanni Pirelli instalou em 1872 a primeira
fábrica de borracha em Milão. Altos-fornos foram criados em Parma, enquanto a
indústria têxtil conseguia tarifas protecionistas em 1878. A indústria pesada aparecia
por essa época. Contribuiu também para a expansão econômica o imperialismo
italiano, com a fundação de uma colônia penal no litoral africano. Em 1889, a Etiópia
passou a ser um protetorado italiano e, em 1890, novas terras foram conquistadas na
Abissínia sob o nome de Eritréia. Em 1900, a Itália enviou tropas à China, mas os
problemas sociais internos preocupavam. A população italiana atingia 28,5 milhões de
pessoas em 1882 e 38,7 milhões em 1911; o crescimento econômico insuficiente e o
grande número de desempregados estimulavam a emigração. Na década de 1900
surgiram cooperativas agrícolas, ferrovias, companhias de navegação e os dois túneis
dos Alpes suíços, com 19,8 km de extensão (Villat, 1960, p. 1572).
O crescimento econômico italiano ocorreu, no entanto, com profundas
desigualdades regionais entre o Norte e Sul. Nos primeiros anos do século 20,
predominavam níveis de vida mais elevados no Norte, enquanto o Sul apresentava
altas taxas de criminalidade, miséria e analfabetismo, com grandes fluxos de
emigração. Enquanto o Norte pagava a maior parte dos impostos arrecadados pelo
Governo, seus gastos efetuavam-se predominantemente em favor do Sul, em obras
públicas e na agricultura. As dificuldades para o desenvolvimento econômico italiano
foram: condições pouco favoráveis para a agricultura (secas no sul e existência de
áreas pantanosas em outras regiões); disponibilidade insuficiente de carvão, petróleo
e recursos minerais, como ferro e metais não ferrosos (Chardonnet, 1957).
Durante a Primeira Guerra Mundial, os italianos, inicialmente neutros,
acabaram entrando em conflito com a Áustria e a Alemanha. Terminada a Guerra, a
Itália completou a unificação de seu território e viu destruído o império austro-
húngaro, seu tradicional inimigo. O auxílio financeiro recebido dos aliados ajudou a
estabilizar a moeda e a melhorar o abastecimento da população. Contudo, a inflação
voltou, em virtude dos constantes déficits orçamentários do Governo, e os conflitos
sociais recrudesceram.
A conseqüência da crise econômico-social foi o surgimento do movimento
fascista, iniciado por Mussolini, em 1919. Contudo, a agitação socialista continuava
no parlamento, neutralizando tentativas de saneamento da economia. Os gabinetes
ministeriais caíam um após o outro. Entre 1919 e 1922, Mussolini conseguiu o apoio
da Confederação Nacional da Indústria e dos anticomunistas, bem como de parte da
imprensa. Em 1921, os fascistas conseguiram 35 cadeiras no Parlamento e, em 1922,
Mussolini tornou-se primeiro-ministro. Iniciou-se um programa de irrigação, de
recuperação de terras alagadas e de auxílio à pequena propriedade. Mais de um
milhão e meio de hectares foram acrescentados à atividade produtiva, 350 km de
canais foram drenados e 500 km de estradas construídos (Chardonnet, 1957, p. 417).
Apesar das obras públicas, o desemprego causado pela Grande Depressão
Mundial provocou dissidências no partido fascista. Para desviar a atenção, a Itália
promoveu a Guerra da Abissínia, em 1935, formando com as colônias existentes a
África Oriental Italiana. O desemprego foi suavizado com a convocação de 300 mil
soldados. Mussolini desejava tornar seu país uma grande potência e voltou-se para a
industrialização e a implantação da infra-estrutura necessária. Criou o Instituto para a
Reconstrução Industrial (1933), que concedia ajuda financeira às empresas em
dificuldades, instituiu o controle bancário (1936) e nacionalizou o Banco da Itália.
Construiu ferrovias, auto-estradas e túneis; incentivou, entre outras, a indústria
aeronáutica e a indústria naval, dotando a Itália de uma frota mercante de três
milhões de toneladas (Chardonnet, 1957, p. 418).
Na Segunda Guerra Mundial, a Itália uniu-se à Alemanha; após sucessivas
derrotas, solicitou armistício aos aliados em 1943. Em 1945, Mussolini foi morto e em
junho de 1946 a República Italiana foi proclamada, com a ascensão dos democrata-
cristãos ao poder. O tratado de paz de 1947 fez a Itália perder suas colônias e a
reconhecer a independência da Albânia. No plano interno, havia o perigo de graves
convulsões sociais. O sul do país, com mais de 17 milhões de habitantes, continuava
pouco industrializado, com altos índices de desemprego. Em toda a Itália, havia dois
milhões de desempregados, uma inflação galopante e profunda depressão. A ocupação
aliada minimizou as divisões internas e permitiu à Itália beneficiar-se do Plano
Marshall para a reconstrução nacional. A malária foi erradicada e a descoberta de
petróleo deu novo impulso à economia.
2.1.2 Plano Marshall, planejamento e reconstrução
No contexto do Plano Marshall, a reconstrução levou em conta a produção para
exportação, que devia crescer 100%, contra 14% para os manufaturados de consumo
e 15% para a produção agrícola. Essa estratégia explicava-se pelas necessidades de
importar matérias-primas para a indústria. A partir de então, a mão-de-obra agrícola,
relativamente barata, passou a ser gradativamente engajada na indústria,
principalmente na têxtil, a mais antiga, como também nos ramos de mecânica leve e
químico, compreendendo a produção de têxteis sintéticos (Chardonnet, 1957, p. 419).
Em 1955, a economia italiana crescia rapidamente, sob a liderança da
produção industrial e agrícola (trigo, arroz, vinhos e óleo de oliva); na indústria
obtiveram destaque a automobilística, a construção naval, máquinas-ferramentas de
grande precisão, aparelhos elétricos, produtos químicos e a têxtil. Nesse ano, a
população italiana era de 47,8 milhões de pessoas, porém com 1,89 milhões de
desempregados; o excesso de oferta de mão-de-obra explicava os baixos salários e as
emigrações continuavam elevadas (240 mil em 1915 e 130 mil em 1951)
(Chardonnet, 1957, p. 416). O Ministério da Participação Estatal, criado em 1956,
passou a realizar um controle direto sobre as empresas públicas, assegurando a
observância das metas da política econômica do Governo. Ações mais diretas ainda
ocorreram por meio do Instituto da Reconstrução Industrial e de outros organismos
encarregados da coordenação e ajuda financeira. Por intermédio desses órgãos,
desenvolveram-se a indústria siderúrgica, a construção naval, petróleo e gás natural,
material elétrico e eletrônico, petroquímica, cimento, produção de eletricidade,
telecomunicações etc.
Pelo Tratado de Roma, de 1957, surgiu a Comunidade Econômica européia. A
europa dos Seis conheceu notável crescimento econômico nos anos seguintes. A
indústria italiana empregava grande parte da população ativa desde a década de
1960; em 1968, menos de 10% do PNB era gerado na agricultura. O valor da
produção industrial triplicou entre 1938 e 1961, sendo que ela duplicou somente nos
anos de 1950. A causa desse rápido crescimento, conhecido como milagre italiano,
deveu-se ao Plano Marshall e à participação do Estado na economia. Mas no início dos
anos de 1960, período de austeridade, o produto interno bruto cresceu a baixas taxas,
elevando-se entre 1966 e 1969 a 6,5% ao ano, com a indústria crescendo 6% ao ano.
A retomada do crescimento econômico foi liderada pelo aumento da participação do
Estado na economia, tendo em vista que o Instituto de Reconstrução Industrial
comprou várias empresas em dificuldades e passou a subsidiar outras sociedades não
controladas diretamente (Miranda e Mathieu, 1989, p. 171).
A experiência italiana de planejamento, após a Reconstrução (1946-1953),
quando se implantou o Plano Marshall, continuou com o Plano Vanoni (1955-1965),
que visava desenvolver a infra-estrutura e indústrias básicas (petróleo, gás, energia
elétrica, petroquímica); com os planos qüinqüenais (1965-1970 e 1971-1975), que
procuraram dotar o país com indústrias modernas diversificadas e industrializar o
Mezzogiorno, no sul; e com o Plano Trienal (1979-1980), com o qual se passou a
enfatizar o curto prazo, por meio de ações em áreas específicas, mas de forma
indutora e não por intermédio de ação direta (Miranda e Mathieu, 1989, p. 197).
Os grandes investimentos promovidos pelo Governo, para criar indústrias
básicas e implantar a infra-estrutura, geravam déficit público e inflação,
interrompendo o crescimento econômico. Este foi mais intenso entre 1954 e 1963 e
mais lento entre 1964 e 1973, provocando o aumento das reivindicações trabalhistas
por maiores salários e dos empresários por crédito. À tendência ao desequilíbrio
orçamentário do Governo somou-se, nos anos de 1970, o déficit do balanço de
pagamentos, devido à crise do petróleo, gerando baixas taxas de crescimento no início
dos anos de 1980 (Miranda e Mathieu, 1989, p. 191).
Agitações políticas, que se intensificaram nos anos de 1970, juntamente com a
crise do petróleo de 1973, reduziram a rentabilidade industrial e a taxa de
crescimento econômico. O Governo procurou incentivar a economia, ampliando o
crédito e realizando transferências diretas às empresas em dificuldades. Em 1976, a
economia reagiu, crescendo 5,9%, impulsionada pela indústria que se expandiu 10%
nesse ano. Apesar disso, entre 1961 e 1979, a economia italiana cresceu menos do que
as economias da Alemanha, França e Grã-Bretanha (Miranda e Mathieu, 1989, p.
176).
A preocupação do I Plano Trienal (1979/1980) foi combater o déficit público,
por meio do saneamento das empresas estatais e da criação de novos empregos. Já o
II Plano Trienal (1981/1983) visava equilibrar as finanças públicas e reduzir o déficit
do balanço de pagamentos. Nesse sentido, procurou aumentar a competitividade
industrial e a reconversão da siderurgia e da química, bem como resolver problemas
estruturais que os subsídios industriais ocultavam, não resolvendo os problemas e
agravando o déficit público. Como resultado do aumento da produtividade industrial,
as exportações cresceram em meados da década de 1980, notadamente dos ramos de
fiação e tecelagem, confecção, couros, calçados e móveis. Ao mesmo tempo, houve
substituição de importações de máquinas mais sofisticadas e de robôs industriais
(Miranda e Mathieu, 1989, p. 191).
Entre 1965 e 1980, a economia italiana cresceu 4,3%, impulsionada pelas
exportações, que evoluíram 7,7% em média no mesmo período. Elas passaram de US$
36,9 bilhões em 1976, para US$ 78,5 em 1980, representando uma expansão média
de 25,6% entre 1976 e 1979. Entre 1979 e 1980, seu crescimento reduziu-se para
7,2%, apresentando crescimento negativo após 1980, devido ao segundo choque do
petróleo, e até 1983, quando se reduziu a US$ 72,67 bilhões, recuperando-se a partir
de 1984 (Miranda e Mathieu, 1989, p. 190). Entre 1990 e 1999, em razão dos déficits
internos e dos problemas do balanço de pagamentos, a taxa de crescimento da
economia italiana foi relativamente menor (1,2%), como no caso da maioria dos
países europeus no mesmo período (ver a Tabela 1).
A atividade industrial italiana empregava mais de 40% da população ativa nos
anos de 1990. A indústria automobilística continuava como uma grande atividade
exportadora e concentrada em Turim, Milão, Bréscia e Desio. Esses centros também
são grandes produtores de máquinas e aparelhos elétricos, produtos químicos, têxteis
e calçados; a maior parte de sua produção é exportada para os demais países da União
européia (UE), assim como para outros continentes. Em 1998, 89% das exportações
italianas eram constituídos por produtos manufaturados, com 35% compostos por
máquinas e equipamentos de transporte e 27,5% pelas exportações de serviços
comerciais (Banco Mundial, 1995, p. 209 e 2003, p. 322).
Na virada do século 21, a Itália apresenta uma economia diversificada, com
produtividade semelhante à da França e Reino Unido. No entanto, o país ainda
permanece dividido entre o norte altamente desenvolvido, com uma indústria de alta
tecnologia, e o sul mais agrícola e de menor renda per capita. Apesar das
características agrícolas da região, a Itália importa 75% da energia e a maior parte das
matérias-primas necessárias à indústria. Desde 1990, a Itália vem seguindo uma
política fiscal restritiva, a fim de cumprir os critérios da política monetária da UE e
aumentar a competitividade da economia; isso resultou em taxas de juros e de
inflação mais baixas e sua adesão ao euro, em 1999. No entanto, em relação aos
demais parceiros da UE, a Itália encontra-se atrasada em termos de reformas
estruturais (redução de impostos, flexibilização das leis trabalhistas, ajuste do sistema
de pensões...). Em 2003, o PIB italiano cresceu apenas 0,3%. Para estimular a
economia, o governo anunciou novos cortes de impostos, o que elevará o déficit
público acima de 3% do PIB. Os italianos também não vêm cumprindo a meta do
pacto de estabilidade do euro em relação à dívida pública, porque atingiram 106,7%
do PIB em 2002, devendo alcançar 106,1% do PIB em 2005.
2.2 Desenvolvimento da Espanha
A Península Ibérica foi ocupada por povos de diversas origens. Os romanos
construíram uma rede de estradas para a movimentação de tropas; nas cidades, foram
erguidos templos, foros, banhos públicos e outros edifícios. Estenderam-se aos
espanhóis os mesmos direitos concedidos aos cidadãos romanos. O cristianismo foi
introduzido, produzindo-se as mesmas perseguições e mártires. Com a desagregação
do Império Romano, a Espanha passou a ser invadida a partir do século 5 por
germânicos, vândalos e visigodos, surgindo os reinos bárbaros. Apesar da influência
do norte europeu, o catolicismo romano triunfou sobre o arianismo. Os concílios
cristãos passaram a exercer uma grande influência sobre o rei espanhol e conseguiram
impor a religião e a cultura dos latinos. No ano de 714, os árabes conquistaram
Mérida, Toledo e Saragoça e submeteram os visigodos. A Espanha passou a ser
governada pelos novos invasores, sendo integrada ao califado de Damasco. O domínio
muçulmano durou de três a oito séculos, dependendo da região (Mirador, 1995, p.
4091).
Os árabes introduziram a irrigação na agricultura, cultivaram novos frutos e
adotaram práticas hortícolas até então desconhecidas na europa. Entre os séculos 10 e
14, eles desenvolveram a metalurgia, o mobiliário, a manufatura têxtil (lã e seda) e
construíram mesquitas, escolas, bibliotecas e grandes palácios. Do ponto de vista
cultural, sua influência foi substancial. Sábios árabes e judeus, como Averróis, Avicena
e Maimônides revelaram Aristóteles e Platão, influenciando a escolástica cristã. Com a
reconquista cristã, iniciada em 1085, milhares de mouros foram expulsos da Espanha,
levando tecnologias, capitais e mão-de-obra especializada.
A partir de 1478, o Tribunal da Inquisição passou a perseguir árabes e judeus,
justamente aqueles que haviam dado à Espanha atividades econômicas e culturais
diferenciadas em relação ao resto da europa. A Inquisição levou a Espanha a expulsar
cerca de 170 mil judeus que haviam recusado o batismo. Essa expulsão também
privou a Espanha de pessoas com capitais e capacidade empresarial; com isso, a
economia espanhola caiu nas mãos dos financistas italianos e alemães. Por essa época,
a população árabe ainda remanescente que não havia optado pela conversão foi
expulsa da Espanha. Com a descoberta do caminho das Índias por Cristóvão Colombo,
em 1492, o país ingressou na idade de ouro do Mercantilismo.
2.2.1 As conquistas coloniais
As descobertas marítimas permitiram à Espanha acumular considerável
riqueza, contrastando com as dificuldades dos ingleses e franceses em montar uma
economia fundamentada no trabalho produtivo. No reino de Felipe II (1556/1598), a
Espanha possuía uma atividade manufatureira importante para a época, destacando-
se tecidos de lã e seda, pesca, construção de barcos e a marinha mais importante da
europa. Entretanto, mais uma vez o obscurantismo levou à expulsão de dois milhões
de judeus e árabes, entre os quais artesãos e detentores de capitais e capacidade
empresarial (List, 1983, p. 46).
O acúmulo fácil de metais preciosos do México e do Peru produziu intensa
inflação. A grande quantidade de moeda em circulação facilitou as importações de
manufaturas, em detrimento da produção interna. Tanto a Espanha como Portugal,
perdendo sua atividade industrial, desenvolveram o comércio, abastecendo as colônias
com produtos ingleses ou holandeses. Em 1713, a Espanha assinou o Tratado deAsiento, que permitiu à Inglaterra vender livremente manufaturas inglesas nas
colônias espanholas. As fracas tentativas de proteger a indústria através de altas
tarifas alfandegárias ficavam bloqueadas pela falta de unidade política interna e pela
insuficiência de infra-estrutura, como estradas e pontes, que mantinham as diferentes
províncias espanholas isoladas entre si (List, 1983, p. 100). Além do domínio inglês e
das riquezas coloniais que corrompiam a nobreza e o clero, havia uma elite dirigente
bastante distanciada dos objetivos do desenvolvimento econômico e uma população
ignorante e sem liberdade.
No início do reinado de Carlos III (1759-1788), a influência da Inquisição já era
menor, sendo criadas academias de história e artes e um colégio real para a nobreza,
ao mesmo tempo em que a agricultura, a mineração e o comércio se recuperavam. A
indústria foi encorajada pelo Estado, o que favoreceu a agroindústria algodoeira,
assim como o comércio com as colônias. Durante o reinado de Carlos III, a população
espanhola aumentou em 1,5 milhão, chegando a 10,25 milhões por volta de 1780
(Bertrand e Petrie, 1952, p. 296). Entre 1793 e 1813, a Espanha esteve sob domínio
francês, levando-a a invadir Portugal e a impor o fechamento dos portos à Inglaterra.
A luta contra os franceses, expulsos em 1813, fortaleceu a unidade nacional e mostrou
a necessidade de organização interna da economia espanhola. No entanto, as
sucessivas guerras, muitas delas por disputas políticas internas, ou para manter as
colônias, prejudicavam o desenvolvimento econômico.
No final do século 19, a Espanha perdeu praticamente todo o império colonial,
quando sua economia mostrava-se exaurida pelas lutas constantes e grandes despesas
daí decorrentes. A política mercantilista, mantida durante cinco séculos, ajudou a
perpetuar tanto o imobilismo das classes sociais, como a forte influência da Igreja, o
subdesenvolvimento e a pobreza da grande maioria da população.
Em 1900, a Espanha apresentava-se como um país essencialmente agrícola. A
indústria incipiente constituía-se por pequenas empresas de influência local. Somente
a metalurgia da região basca possuía alguma importância. Nas primeiras décadas do
século 20, os capitais estrangeiros passaram a ingressar na Espanha, em razão das
oportunidades existentes: ferrovias (capitais belgas); mineração, têxtil e química
(franceses); usinas hidroelétricas (canadenses); metalurgia, construção naval, minas
de cobre (ingleses); telefonia (americanos); distribuição de energia e metalurgia
(alemães) etc. (Broué e Témine, 1961, p. 21).
Durante a Primeira Guerra Mundial, a Espanha permaneceu neutra, o que
favoreceu a estabilidade monetária e o crescimento industrial. Ela tornou-se um dos
principais países exportadores de produtos agrícolas e, mesmo, manufaturados. Ao
findar a guerra, contudo, a concorrência dos países industrializados retirou a Espanha
dos mercados externos. As dificuldades internas levaram à ditadura de Primo de
Rivera (1923-1930), o qual manteve a colônia marroquina, iniciou a eletrificação das
ferrovias e promoveu a estabilidade financeira. A Queda da Bolsa de Nova Iorque, em
1929, porém, atingiu duramente a moeda espanhola, provocando em 1930 a queda
do ministro das finanças e do próprio ditador (Bertrand e Petrie, 1952, p. 370).
As eleições de 1931 levaram à formação de um governo de esquerda e à II
República (1931-1936). Por falta de recursos e oposição de grupos internos, não se
efetuaram as reformas na educação e na agricultura. A Igreja monopolizava
praticamente todo o ensino e detinha, em 1931, cerca de 11 mil imóveis rurais, além
de propriedades urbanas e ações na indústria, bancos, ferrovias, metrô de Madri e
companhias de transporte. Enquanto dez mil proprietários detinham mais de 100
hectares, dois milhões de trabalhadores não possuíam terras para assegurar sua
própria subsistência (Broué e Témine, 1961, p. 23 e 25).
As agitações sociais desse período, o direito do voto feminino e a reação das
forças conservadoras elevaram o número de deputados de centro e de direita nas
eleições de 1933. Os grupos de esquerda mobilizavam-se, mas a reforma agrária não
se realizava. A depressão econômica, que se refletia na diminuição dos salários e no
desemprego, enfraquecia o Governo, em razão das medidas impopulares adotadas,
enquanto os privilégios das classes dominantes tradicionais se mantinham. Em
fevereiro de 1936, a frente popular obteve 270 cadeiras no Parlamento, contra 200
para a direita e o centro. Com um governo de esquerda, houve ocupação de terras,
incêndios de igrejas e conventos e inúmeras greves gerais (Bertrand e Petrie, 1952, p.
381).
A reação das forças conservadoras levou ao fortalecimento da extrema direita
(fascismo) e à Guerra Civil entre os governistas republicanos e fascistas (1936-1939).
Enquanto a França e a Inglaterra se mantiveram neutras na Guerra Civil espanhola, a
Itália e a Alemanha ajudaram com homens e armas os revoltosos fascistas,
comandados pelo General Franco. Da mesma forma, os russos entregaram ao governo
republicano 12 milhões de rublos. Brigadas internacionais, formadas por voluntários
liberais e de esquerda de vários países, participaram ativamente dessa revolução. No
entanto, desde 1937, sindicalistas e comunistas passaram a ser eliminados do
governo. No início de 1939, os fascistas detinham a maior parte das forças militares e
as regiões mais desenvolvidas da Espanha, exceto Madri, levando os generais
governistas a se dividir e a pedir a rendição. O saldo do violento conflito foi de 600
mil mortos. No início de 1939, França, Inglaterra e EUA reconheceram o Governo do
General Franco (1939/1954) (Bertrand e Petrie, 1952, p. 393).
Em função da redução da produção agrícola, mineira e industrial, manteve-se
a distribuição controlada de matérias-primas e a aquisição da produção de trigo por
um sindicato agrícola único. As dificuldades econômicas levaram o General Franco a
manter sua aliança com o fascismo italiano e o nazismo. No plano interno, ele se aliou
à Igreja: suprimiu a lei do divórcio, restaurou a educação religiosa e devolveu as
propriedades e as prerrogativas dos jesuítas. Durante a Segunda Guerra Mundial, a
Espanha manteve-se neutra, mas nutria a simpatia dos aliados por seu governo
anticomunista.
O solo espanhol para a agricultura era semelhante ao italiano: relevo mon-
tanhoso e clima seco, com secas freqüentes, necessitando de irrigação. Entretanto, a
Espanha possuía reservas carboníferas apreciáveis, com alguma disponibilidade de
cobre, chumbo, zinco e outros minerais, enquanto as reservas de ferro eram modestas.
Suas grandes deficiências eram a falta de capital para a exploração dos recursos
minerais, a implantação da infra-estrutura e a industrialização. A política nacionalista
de Franco, no entanto, afugentava o capital estrangeiro. Uma lei de 1939 limitava a
remessa de lucros em 25% do capital investido, ao mesmo tempo em que proibia o
emprego de técnicos estrangeiros (Chardonnet, 1957, p. 385-387).
2.2.2 O isolamento internacional do pós-guerra
Pela insuficiência de capitais e por não desejar democratizar-se, a Espanha
ficou fora do Plano Marshall e do progresso europeu do pós-guerra. Mantendo-se
isolada no plano internacional, os esforços para o desenvolvimento foram
eminentemente internos. Assim, em 1941 a Espanha criou o Instituto Nacional da
Indústria, para financiar o desenvolvimento industrial. Foram implantadas algumas
indústrias de consumo, apesar da insuficiência de energia e de produtos siderúrgicos.
Em 1950, a ONU revogou a resolução de 1946, segundo a qual seus filiados deveriam
retirar seus embaixadores de Madri. Em seguida, a Espanha foi admitida na
Organização para Alimentação e Agricultura; porém, ela somente ingressou na
UNESCO em 30-1-1953 e na ONU em 14-12-1955 (Mirador, 1995, p. 4110).
Em 1953, a Espanha havia assinado um acordo de ajuda recíproca com os
Estados Unidos, de quem recebeu ajuda financeira para fins militares. Entre
1954/1958, essa ajuda foi de US$ 341 milhões de dólares. No entanto, a economia
espanhola continuava se deteriorando e a inflação chegava a 15,5% ao ano, em
1956/1957; em 1958, iniciou-se a implantação de um plano econômico de caráter
recessivo. Em 1960, a agricultura, que contava com 47% da população ativa, recebia
apenas 13% dos investimentos totais do país. A produção agrícola era inferior à de
1935. Com uma área irrigada desprezível, ela cresceu apenas 37,8%, entre 1953 e
1963. A produção de energia continuava aquém das necessidades internas e os meios
de comunicação subdesenvolvidos isolavam a Espanha do resto da europa (Cerda e
Ros, 1965, p. 68).
Apesar da existência de um governo central forte e da ajuda financeira norte-
americana, as agitações sociais e as greves bloqueavam o desenvolvimento econômico
espanhol. O plano de estabilização de 1958 provocou crescimento econômico lento
nos anos seguintes. A partir de 1962, no entanto, o crescimento agrícola tomou
impulso, com aumento substancial da produção de trigo, gado e aves, graças ao
aumento da produtividade, via emprego de fertilizantes e tratores. Porém, o progresso
da agricultura não impediu o êxodo rural intenso em direção das cidades espanholas,
como para a França, Suíça e Alemanha. Desse modo, a população ativa empregada na
agricultura caiu pela metade em dez anos, passando de 47%, para 26%. A taxa de
crescimento média anual da renda nacional foi de 3,8% entre 1940 e 1955 e de 5,6%
entre 1955 e 1963. Nos três primeiros anos da década de 1960, a taxa média de
crescimento anual da economia espanhola foi de 6,8% (Cerda e Ros, 1965, p. 63).
Entre 1953 e 1963, a produção industrial espanhola cresceu 106%, sendo as
maiores variações verificadas na transformação de minerais não metálicos (213%), na
geração de energia elétrica (152%) e na indústria química (101%). Esse impulso
industrializante ocorreu impulsionado pelo Instituto Nacional da Indústria, que se
dedicou à investigação mineral, particularmente petróleo e gás, à produção de energia
hidroelétrica e termelétrica, à produção siderúrgica e de metais não ferrosos e à
fabricação de material ferroviário. Esse Instituto avançou também na indústria de
transformação, criando estatais para produzir navios, materiais aeronáuticos e
automóveis, máquinas agrícolas, motores e aparelhos elétricos, bem como para a
fabricação de bens de consumo duráveis, de uso doméstico (Cerda e Ros, 1965, p. 80-
81).
A industrialização avançou mais rapidamente por meio do primeiro plano
indicativo de desenvolvimento (1964-1967), elaborado por técnicos católicos da
Ordem Opus Dei. Nesse período, o produto nacional bruto cresceu 35% e a renda percapita 28%. Com o crescimento econômico, ampliou-se a dimensão da classe média,
bem como as reivindicações políticas. No final dos anos de 1960, acentuou-se a
agitação política nas universidades e cresceu a atuação dos grupos separatistas. O
General Franco faleceu em 20-11-1975. Assumiu o poder o rei Juan Carlos I, que
iniciou um processo de modernização institucional. Em 1978, foi promulgada a nova
constituição espanhola, que tornou a Espanha uma monarquia parlamentar, retirou da
Igreja o status oficial e garantiu os direitos humanos e civis. O partido comunista foi
legalizado e a Falange dissolvida.50
A redemocratização da Espanha permitiu que o país fosse admitido na
Organização do Atlântico Norte (1982) e na Comunidade Econômica Européia
(1986). Esses dois acontecimentos foram fundamentais no plano político e econômico
internacional. Em primeiro lugar, a Espanha assegurou um lugar de destaque nas
mesas de negociações internacionais, juntamente com os principais países
desenvolvidos. Em segundo lugar, o ingresso no Mercado Comum europeu significou
o acesso a grandes fontes de financiamento de longo prazo, para a implantação de
projetos de desenvolvimento econômico. Além disso, a partir dessa data, a Espanha
passou a exportar seus produtos sem taxas de importação para a Comunidade
Européia, o segundo maior mercado consumidor do mundo.
A indústria espanhola concentra-se atualmente em três regiões: (a) no Norte(Astúrias e Províncias Bascas), a mais industrializada, dispondo de minério de ferro,
carvão e abundante energia elétrica, além de indústrias siderúrgicas, químicas,
50 Grupo paramilitar fascista, fundado em Madri, em 1933. Esse grupo fundiu-se em 1937 com os demais
movimentos de direita, tornando-se o partido único do General Franco.
mecânicas e de construção naval; (b) na Catalunha, cuja capital é Barcelona, uma
zona tradicional de produtos têxteis, que está acolhendo indústrias químicas,
mecânicas e de veículos; e (c) nas zonas mineiras do Sudoeste, onde as indústrias
existentes são, sobretudo, as que transformam produtos minerais. Nessas três regiões,
há uma importante indústria agroalimentar, com base em azeite, vinhos, produtos
lácteos e conservas de carnes e de vegetais.
Atualmente, a Espanha é o maior produtor mundial de azeite de oliva e um dos
maiores fabricantes de vinhos. Grande parte da atividade agrícola é feita em lavouras
irrigadas. As frutas representam mais de 70% das exportações agrícolas espanholas,
cuja pauta inclui ainda beterraba açucareira, linho, algodão, fumo, legumes, hortaliças
e ovinos, cujo rebanho é de mais de 14 milhões de cabeças. No início da década de
1980, a indústria automobilística espanhola tornou-se a sétima mais importante do
mundo. Atualmente, o turismo constitui uma das mais importantes atividades
econômicas e a Espanha ocupa a segunda posição no ranking mundial, depois da
França, movimentando anualmente cerca de US$ 45 bilhões.
As exportações espanholas cresceram 12,4% entre 1965/1980, 5,7% nos anos
de 1980 e 10,9% nos anos de 1990, explicando um crescimento econômico global
relativamente acelerado, principalmente entre 1965/1980 (Tabela 2.1 de Souza,
2005, e Tabela 1). Nos anos de 1990, o crescimento anual da produção desacelerou-se
(2,2% ao ano), mas ainda se manteve acima do crescimento verificado na Alemanha,
França e Itália. Em 1999, com um PIB de US$ 551,6 bilhões de dólares, a Espanha se
mantinha como a 10a economia do mundo, atrás do Canadá (US$ 591,4) e do Brasil
(US$ 742,8). Seu PNB per capita de US$ 14.000 era superior ao da Nova Zelândia
(US$ 13.780) e Portugal (US$ 10.600). Em 2003, o PIB espanhol encontrava-se no
seu oitavo ano de crescimento consecutivo (2,4%, devendo atingir 3% em 2004). Isso
resultou do controle das despesas públicas e da redução de impostos, o que fortaleceu
a poupança e o investimento. Estima-se que até 2010 deverá ocorrer a convergência
de sua renda per capita em relação à renda per capita dos países mais ricos do mundo.
A taxa de desemprego, no entanto, continua sendo a mais alta da UE: 11,3%
em 2003, devendo reduzir-se em 2004 para 10,8%. A ampliação da comunidade
européia para a europa do Leste deverá beneficiar a economia espanhola, ao criar
novas oportunidades para suas exportações, que deverá crescer 3,8% em 2004
(Google: Luís Reis Ribeiro). A situação da Espanha em relação ao pacto da
estabilidade do euro está bastante favorável, pois o superávit orçamentário de 0,5%
do PIB em 2003 deverá se manter entre 0,1% e 0,3% até 2007 e a dívida pública
deverá se reduzir para menos de 44% do PIB (Google: Economia da Espanha).
2.3 Desenvolvimento de Portugal
Portugal, com 92 mil km2 e 9,8 milhões de pessoas (1993), teve sua formação
econômica ligada à ocupação da Península Ibérica como um todo. Isso ocorreu com a
chegada de colonos que emigraram das ilhas do Mediterrâneo entre 4.000 e 1.500
a.C. e que trouxeram a metalurgia do cobre. No sul do país, constata-se a influência
de fenícios, gregos e púnicos, através da metalurgia e artesanato em ourivesaria; essa
influência se adicionou à cultura celta. A rivalidade comercial com os cartaginenses
trouxe os romanos até a Península Ibérica, resultando na ocupação militar e
administrativa no início da era cristã. Como na Espanha, o domínio árabe iniciado em
711 durou quatro a cinco séculos. Os árabes introduziram técnicas agrícolas e
artesanais novas, instituições administrativas, judiciais e militares; várias palavras
árabes foram incorporadas ao idioma português, enriquecendo o seu vocabulário.
Entre 1139 e 1249, as ordens militares e os cruzados contribuíram decisivamente para
expulsar os árabes do país.
Dom Diniz (1261-1395), rei de Portugal entre 1279 e 1395, consolidou a
centralização administrativa e a unificação cultural do país. Destacou-se
especialmente pelo incentivo concedido à agricultura; mandou construir canais e secar
pântanos; limitou os privilégios territoriais da Igreja; protegeu a classe mercantil e
reorganizou a marinha de guerra. Em 1290, para evitar que os jovens portugueses
fossem obrigados a completar seus estudos em universidades estrangeiras, criou a
Universidade de Lisboa; também determinou o uso exclusivo do idioma português nos
documentos oficiais. Em 1297, pelo Tratado de Alcañices, firmou a fronteira com
Castela, o que estimulou o comércio entre os dois países. Em 1308, realizou um
tratado comercial com a Inglaterra, depois do restabelecimento do tráfego entre os
dois países (Mirador, 1995, p. 9177).
Nos anos que se seguem, Dom Diniz concedeu forte apoio à marinha mercante
e à construção naval. Em certas ocasiões, os armadores ficavam isentos de impostos e
dotados de outros privilégios. Desse modo, eles passaram a dominar o comércio nas
principais praças européias e no Mediterrâneo. Desenvolveu-se o ambicioso plano de
substituir o comércio muçulmano no mundo então conhecido, pois os contatos com
árabes e judeus haviam ampliado os conhecimentos marítimos. Intensificou-se,
portanto, a exploração do litoral africano, culminando com o contorno do Cabo de
Boa Esperança (1488), a chegada às Índias (1497) e o Descobrimento do Brasil
(1500). Com o domínio da rota do Cabo, surgiu o empório comercial português no
Oriente. Seguiu-se um período de intenso tráfico de ouro, escravos, marfim,
especiarias e outros produtos exóticos.
O Tratado de Tordesilhas, de 1494, havia estabelecido a divisão das
descobertas ultramarinhas entre Portugal e Espanha. Porém, os navegadores
portugueses desejavam penetrar nos territórios conquistados pelos espanhóis, o que
favoreceu a expansão territorial do Brasil. Entre 1505 e 1515, constituiu-se o Império
Português nas Índias. Seguiu-se um período de prosperidade econômica e cultural. O
declínio do império português, no entanto, começou em 1578, com a morte do Rei
Sebastião no Marrocos. Em 1580, por haver herdado a coroa portuguesa, Felipe II, rei
da Espanha, tornou-se também rei de Portugal (Godinho apud Mirador, 1995, p.
9184). Com o apoio da França, em guerra com a Espanha, Portugal recuperou sua
independência em 1640. O país procurou obter em seguida o reconhecimento
internacional de sua independência. A oposição vinha da Holanda, que desejava
tomar conta de possessões portuguesas na África e no Brasil. Os holandeses foram
expulsos de Luanda e São Tomé em 1648 e do Brasil em 1654. No final do século 17,
com o esfacelamento das possessões portuguesas na África e Ásia, Portugal
intensificou a colonização do Brasil.
2.3.1 O Tratado de Methuen
Para manter suas colônias, Portugal precisava do apoio de grandes potências, o
que explica a realização de tratados desfavoráveis como o de Methuen, de 1703, que
ligou economicamente o país ao Reino Unido. Por esse tratado, Portugal obrigou-se a
importar manufaturas têxteis da Inglaterra. Os ingleses, em contrapartida, ficaram
comprometidos a importar vinhos portugueses, pagando a estes 2/3 dos direitos im-
postos aos vinhos franceses. Foi um tratado desfavorável a Portugal, primeiro porque
os impostos de importação, cobrados na Inglaterra, sobre os vinhos portugueses, já
eram 50% inferiores aos cobrados dos vinhos franceses. Assinado o acordo, na
verdade, os impostos aos vinhos portugueses aumentaram, em vez de diminuírem
(Azevedo, 1978, p. 397).
Porém, as vendas de vinhos para a Inglaterra aumentaram pelo fim das
restrições quantitativas. O crescimento das exportações levou muitas regiões a
substituir a produção de trigo, centeio e cevada por parreirais. Com a expansão das
receitas das exportações, cresceram substancialmente as importações manufaturadas
da Inglaterra, facilitadas pela assinatura do referido tratado (Castro, 1978, p. 96).
Assim, pelo Tratado de Methuen, Portugal ficou alijado da industrialização, o que
afetou igualmente o Brasil. Pequenas fábricas criadas no Brasil foram fechadas pela
administração portuguesa, que seguiu fielmente o Tratado, enquanto os ingleses
continuavam importando vinhos da França e de outros países da europa. Como
conseqüência, o ouro do Brasil transferia-se automaticamente para a Inglaterra, para
pagar os déficits comerciais com os ingleses (Cerda e Ros, 1965, p. 68).
Para a assinatura desse tratado, além da necessidade do apoio político inglês,
foi fundamental também o interesse da aristocracia agrária portuguesa, produtora de
vinhos. Resultou a dependência econômica e tecnológica de Portugal em relação à
Inglaterra. Nas primeiras décadas do reinado de João V (1689-1750), o comércio
marítimo português mantinha-se em expansão, enquanto as vias internas de
transporte e de comunicações permaneciam precárias. Nesse período, realizam-se
também os tratados com a Espanha que influenciaram a expansão territorial do Brasil.
Muito contribuiu o brasileiro Alexandre de Gusmão, principal conselheiro político de
João V. Ele dirigiu o Tratado de Madri (1750), que substituiu o Tratado de
Tordesilhas na delimitação das fronteiras entre o Brasil e as possessões espanholas.
No reinado de José I (1750-1777), destacou-se o Marquês de Pombal, que foi
Primeiro Ministro e por quase 30 anos aplicou uma política que ficou conhecida como
“despotismo esclarecido”. Ele colocou em prática, desde 1750, uma política de
monopolização do comércio e de equilíbrio da balança comercial, procurando impedir
a exportação de ouro para a Inglaterra. Ele criou novas indústrias e expandiu as
existentes, como têxteis e vidraria. Com esse objetivo, procurou aumentar a
participação da nobreza na atividade comercial, reformou a administração pública e
modernizou a Universidade de Coimbra. O terremoto, que praticamente destruiu
Lisboa, em 1755, deu a Pombal a oportunidade de exercer poderes ditatoriais. No
Brasil, ele estimulou a produção e a exportação de fumo e açúcar, bem como a
ocupação das Missões por portugueses e brasileiros; em função disso, recebeu forte
oposição dos jesuítas. Pombal expulsou-os de Portugal e conseguiu que fossem
banidos da Espanha e que o próprio Papa extinguisse a Ordem dos Jesuítas.
Pombal entendia que o ouro do Brasil beneficiava apenas a Inglaterra e que
sem o desenvolvimento da agricultura e da indústria de nada serviriam novas leis e
bons princípios políticos. Defendeu a substituição de importações, como a indústria
têxtil, pois calculava em 20 milhões de cruzados as importações de tecidos da
Inglaterra, cuja lã era importada de Portugal e que recebia uma valorização de 400%.
Ele via no predomínio britânico no transporte marítimo das mercadorias exportadas e
importadas por Portugal um dos importantes fatores da sangria de divisas em direção
da Inglaterra (Castro, 1978, p. 111). Após a queda de Pombal e o fim do período do
despotismo esclarecido, veio uma época de perseguição intelectual. As companhias
monopolistas foram extintas e estimulou-se a indústria, mas continuava o predomínio
do comércio colonial na economia portuguesa. A educação passou a ser controlada
pelo Estado e, em 1779, fundou-se a Academia Real de Ciências (Mirador, 1995, p.
9188).
2.3.2 A independência do Brasil e a nova política econômica
Em 1807, Portugal foi invadido pelas tropas francesas e a família real partiu
para o Brasil, chegando no Rio de Janeiro em 1808. Três anos depois, os franceses
foram rechaçados de Portugal, mas Dom João VI só retornou em 1822, ano em que
Dom Pedro I proclamou a Independência do Brasil. Em 1832, com a perda do Brasil, o
ministro da Fazenda, José Xavier Mousinho da Silveira, defendeu a idéia de que
Portugal deveria desenvolver atividades agrícolas e industriais para substituir a
produção expropriada das colônias. Procurou aproximar Portugal do restante da
Europa, aboliu impostos, monopólios e rendimentos vitalícios, que reverteram para a
Coroa. Extinguiu a hereditariedade dos cargos públicos e reformulou o sistema
educacional.
Por volta de 1840, a indústria utilizava apenas duas máquinas a vapor, número
que aumentou para 95 em 1851. A aristocracia dos barões era forte e a economia
continuava sob o comando de setores ligado ao comércio exterior e à especulação
financeira. O lento crescimento da agricultura provocava escassez de alimentos e
elevação de preços. Contudo, já se cogitava na abertura de estradas de ferro e no
estabelecimento de condições mínimas para o desenvolvimento da indústria nacional.
No final do século 19, o país tinha dificuldades em manter seu império colonial em
torno das principais colônias, Angola e Moçambique. Nesse período, as potências
industriais européias intensificaram a exploração da África, colocando em xeque
territórios disputados pelos portugueses. Diante disso, Portugal adotou a políticaeconômica da regeneração para fomentar o mercado interno em articulação com os
mercados coloniais, o que elevou a dívida pública. A produtividade agrícola estagnou
e os salários cresceram, dificultando a industrialização. Para incentivar a indústria, o
governo investiu em ferrovias, mas as comunicações internas continuavam precárias.
A indústria cresceu com o ingresso de capitais estrangeiros, sobretudo ingleses,
franceses e belgas (Cabral, 1981, p. 185-187).
Entre 1870 e 1900, Portugal passou por um pequeno surto de industrialização,
comandado pelo aumento dos preços dos produtos primários exportados. Cresceu a
produção de manufaturas de consumo final, como têxteis, fumo, alimentos
processados, vidros e cerâmica. Ao mesmo tempo, aumentaram as importações de
máquinas e equipamentos industriais; das colônias vinha o algodão para a indústria
têxtil. Entre as empresas fundadas nesse período, a maioria concentrava-se em Lisboa.
O declínio das exportações de vinhos na década de 1890 e o aumento das importações
de trigo, que deslocava a produção nacional, menos competitiva, geraram déficits
comerciais que prejudicaram a industrialização incipiente. Em função disso, a Lei dos
Cereais de 1889 procurou proteger a produção nacional de trigo, mas o custo de vida
subiu, prejudicando as populações mais pobres. Com essa lei protecionista, findou a
época da “Regeneração” (Cabral, 1981, p. 319).
Por volta de 1900, Portugal possuía 5,5 milhões de pessoas; 61,4% da
população ativa ocupava-se na agricultura, 19,4% na indústria e 19,2% nos serviços.
A indústria contava com 220 mil operários, concentrando-se mais da metade em
Lisboa, Porto, Braga e Setúbal. Os assalariados rurais localizavam-se preferentemente
no sul do país. Havia crise na monarquia pelo desgaste das instituições, corrupção dos
políticos e descontentamento popular. Para conter a agitação, a monarquia adotou a
ditadura, que acabou provocando a proclamação da República portuguesa em 1910
(Netto, 1986, p.15). Seguiu-se um período de agitação política e de alta de preços,
culminando com o golpe militar de 1926. Para resolver a crise econômica, Antônio de
Oliveira Salazar assumiu o comando da economia em 1928. Em poucos meses, ele
equilibrou o orçamento com drástico corte de gastos e aumento de impostos.
Restringiu os meios de pagamentos e conteve a inflação. Com isso, adquiriu grande
prestígio a ponto de submeter os militares. Ele se tornou Primeiro Ministro em 1932.
No ano seguinte, a nova constituição do país instaurou o Estado Novo, regime
autoritário fundado sobre o nacionalismo, catolicismo e anticomunismo.
Concentrando o poder político e econômico, Salazar instituiu o trabalho
forçado nas colônias, formou a polícia secreta e centralizou as decisões dos
investimentos, para expandir o setor industrial. Elaborou a Lei da Reconstituição
Econômica (1936-1950), onde constava apenas a enumeração de metas a serem
atingidas, sem subordinação a qualquer dotação orçamentária. Essas metas visavam
desenvolver a infra-estrutura: ferrovias, hidroelétricas, rede elétrica nacional,
irrigação das lavouras, reflorestamento e fomento industrial (Secretariado Nacional da
Informação, 1967, p. 6). Os setores que mais cresceram entre 1930 e 1950 foram:
pesca, papel, borracha, moagem, transportes e comunicações; poucas empresas
concentravam 50 a 87% do capital desses setores; concentração maior ocorria ainda
nas indústrias de cimento, química, máquinas e equipamentos elétricos, onde algumas
poucas empresas detinham 70 a 99% do capital setorial. O crescimento econômico
estava sendo concentrado em setores-chave (Netto, 1986, p. 22).
2.3.3 Os planos de fomento de Portugal
Durante a Segunda Guerra Mundial, Portugal manteve-se neutro, o que deu a
Salazar uma trégua para resolver os problemas internos.51 O I Plano de Fomento
(1953/1958) restringiu-se aos investimentos estatais nas áreas de comunicação,
51 Por recearem o comunismo, as potências aliadas resolveram apoiar o Estado Novo, um regime não
democrático, permitindo que Portugal ingressasse na OTAN e na ONU, eventos que ocorreram,respectivamente, em 1949 e em 1955.
transportes, agricultura, implantação de novas indústrias e ampliação de indústrias
existentes. O II Plano de Fomento (1959/1964) previu considerável soma de recursos
para investimentos na metrópole, com o objetivo de incrementar o PIB, reduzir o
desemprego e equilibrar o balanço de pagamentos. Em termos de desenvolvimento,
Portugal estava muito abaixo da média européia. Em 1960, a renda per capita do país
atingia apenas US$ 250 anuais; a ingestão de calorias per capita diária montava a
2.500 calorias (3.000 para a média européia); 24,3% da população alojavam-se mal;
57,5% não possuíam luz elétrica; 80% não dispunham de instalações sanitárias e 86%
não tinham acesso à água potável (Netto, 1986, p. 24).
Pela insuficiência de investimentos em saneamento e saúde pública, a
incidência de tuberculose na população ainda era alta. A propriedade das terras era
muito concentrada, com baixo uso de tratores e insumos modernos. No setor
industrial e financeiro, a concentração do capital também era substancial. Em 1962,
52% das exportações portuguesas eram de matérias-primas e produtos semima-
nufaturados, contra 61% de importações manufaturadas. Seguia-se uma troca desi-
gual, que se refletia em uma balança comercial permanentemente desequilibrada,
amenizada em parte pelos lucros auferidos nas colônias, com as quais se mantinha a
troca desigual, desta vez em benefício da metrópole portuguesa (Netto, 1986, p. 27).
Em função desses planos de fomento, com a construção de novas barragens, a
geração de energia hidráulica passou de 153 milhões de kW em 1950 para 1.779
milhões em 1965; a produção de ferro-gusa e de ligas de ferro subiu de 41 mil t em
1960 para 276 mil em 1965. A produção de automóveis de passeio elevou-se de 17
mil em 1964 para 33 mil em 1965. Algumas indústrias praticamente duplicaram e
outras aumentaram mais do que 100% o volume de sua produção entre 1960 e 1965,
notadamente a indústria alimentar, minerais não metálicos e borracha (Secretariado
Nacional da Informação, 1967).
Grande parte das despesas previstas nesses planos de fomento incluía as
colônias: Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe,
Macau e Timor. Levando-se em conta o comércio internacional, Portugal não vinha
tirando vantagens dessa colonização, embora pudesse prejudicar o desenvolvimento
das colônias. Em 1950, o déficit comercial de Portugal foi de 2,5 bilhões de contos,
quantia que subiu para 6,3 bilhões em 1960 e para 10 bilhões em 1965.52 As
importações vinham crescendo em função principalmente do esforço de
industrialização. Porém, as exportações, sobretudo de tecidos, vinhos, conservas de
peixe e cortiça, não conseguiam cobrir as importações necessárias ao
52 Esse déficit também ocorreu com as colônias: 3,3 milhões de contos em 1960 e 1,5 milhão em 1964.
O principal déficit foi com Moçambique (1,5 milhão de contos em 1960 e 1,4 milhão de contos em1964) e o único superávit foi com Angola em 1964 (1,2 milhão de contos) (Secretariado Nacional daInformação, 1967, p. 86).
desenvolvimento.
Os resultados dos planos de fomento foram significativos em termos de infra-
estrutura. As estradas asfaltadas duplicaram entre 1950 e 1965: 16,7 mil km, para
31,5 mil km (incluindo o continente e as ilhas). Nesse período, o número de
passageiros transportados por trem passou de 31,3 milhões, para 126,5 milhões. O
número de navios aumentou de 51 em 1953 para 183 no fim do I Plano (1958). No II
Plano, o porto de Lisboa foi ampliado e a carga movimentada por navios passou de 3
milhões de t em 1950 para 6 milhões em 1965 (Secretariado Nacional da Informação,
1967, p. 84 e 105).
No início dos anos de 1960, eclodiram as lutas de libertação nas colônias
(Angola, 1961; Guiné, 1963 e Moçambique, 1964). Para conseguir apoio externo à
colonização, o governo português concedeu certa abertura à economia, o que
estimulou a industrialização. Essa esperança foi renovada com a substituição de
Salazar, falecido em 1968. Em seu lugar ingressou Marcelo Caetano, com carreira
política feita dentro do regime. “Renovação na continuidade” foi o lema do novo
Presidente, que manteve mais de 130 mil soldados nas colônias (40% do orçamento
nacional), a fim de combater as rebeliões.
Em 1970, a população portuguesa era de 9 milhões de pessoas, estando 31%
no setor primário (19% do PIB), 34% no setor secundário (46,4% do PIB) e 35% no
setor terciário. Devido à falta de emprego, cerca de 30% da população ativa foi
obrigada a emigrar, correspondendo a 1,4 milhões de portugueses, que entre 1961 e
1973 ingressaram na França, Alemanha, Canadá e Venezuela. A remessa de soldados
para sufocar as rebeliões nas colônias não ajudou a reduzir o desemprego, em função
do deslocamento de gastos de outras rubricas do orçamento público. A solução foi
aumentar os impostos; entre 1970 e 1973, os impostos indiretos cresceram 74% e
outros impostos 53% (Netto, 1986, p. 32-35). As guerras coloniais e a situação
econômica aprofundaram a crise do regime fascista. Entre 1972 e 1973, surgiram
contestações nos quartéis; no início de 1974, multiplicam-se as greves e em 25 de
abril desse mesmo ano o Governo de Marcelo Caetano caiu.53
53 O estopim da “Revolução dos Cravos” foi a publicação do livro Portugal e o Futuro, pelo General
António de Spínola. Com esse livro, ele defendeu uma solução política e não militar para o fim daguerra colonial.
2.3.4 A descolonização portuguesa
Com a revolução democrática, acelerou-se o processo de descolonização54 e
uma nova constituição foi aprovada. Ocorreram nacionalizações de bancos e de
vários outros setores. A descolonização abrupta foi traumática, principalmente em
Angola, provocando o retorno de 800 mil portugueses residentes na África. Na área do
emprego, concederam-se reajustes reais para os salários, reduziu-se a jornada de
trabalho e instituiu-se o seguro-desemprego; ao mesmo tempo, proibiu-se a despedida
sem justa causa e elevou-se o valor das pensões por aposentadoria e invalidez. Assim,
o número de emigrantes portugueses caiu de 70 mil em 1974 para 45 mil em 1975
(Netto, 1986, p. 58).55
A morosidade com que as terras desapropriadas ilegalmente na Revolução dos
Cravos estavam sendo devolvidas aos seus legítimos donos provocou nova crise
política em 1978. Ao mesmo tempo, Portugal preparava-se para ingressar na
Comunidade Econômica Européia. O rápido crescimento do PIB do período
1965/1980 (5,3%), desacelerou-se nos anos seguintes, chegando a 0,1% entre
1980/1993. Em 1965, somente 3% das exportações eram compostos por máquinas e
materiais de transporte, percentual que passou para 17% em 1988, o que dá uma
idéia da evolução da industrialização do país. Entre 1965/1988, o PNB per capitacresceu 3,1%, atingindo US$ 9.130 em 1993. Com as perturbações sociais e as
dificuldades econômicas, a inflação portuguesa elevou-se de 11,7% ao ano entre
1965/1980, para 20,1% ao ano entre 1980/1988. Em 1985, o analfabetismo era de
16% para o total da população e de 20% para o caso das mulheres (Banco Mundial,
1990).
O PIB português cresceu 3,1% ao ano nos anos de 1980 e 2,5% nos anos de
1990. Após o ingresso de Portugal na União Européia, em 1986, o desenvolvimento
português acelerou-se. Como a economia portuguesa encontra-se ainda menos
desenvolvida, os objetivos das autoridades econômicas tem sido o de fazer a renda de
Portugal convergir para a média européia. Assim, o PIB per capita português em
dólares PPC aumentou de 5.630 em 1985, para 17.000 em 2000; nesses dois anos, a
média da UE era de 10.640 e 22.455 dólares PPC, enquanto os valores de
Luxemburgo, o país de maior nível de renda da União Européia, montavam a 14.725 e
54 A Independência de Guiné-Bissau foi proclamada em 24-9-1974; seguiram-se a independência de
Moçambique (25-6-1975), Cabo Verde (5-7-1975), São Tomé e Príncipe (12-7-1975) e de Angola(11-11-1975).
55 Entre abril de 1974 e agosto de 1975 formam-se seis governos provisórios; este foi um período demuita agitação social. Em fins de novembro o Governo do General Costa Gomes prometeu adevolução das terras expropriadas aos antigos proprietários. Portugal encontrou o equilíbrio políticocom a contenção dos grupos extremistas de esquerda e com a promulgação de uma novaConstituição. Em 27-6-1976, o General Eanes elegeu-se Presidente da República; a partir desetembro desse mesmo ano, o socialista Mário Soares tornou-se o novo Chefe de Governo.
a 40.500 dólares PPC. Nesse período, o PIB per capita de Portugal em relação ao PIB
per capita da UE subiu de 53% para 76% e de 38% para 52% em relação a
Luxemburgo. A taxa de crescimento do PIB per capita português foi de 7,5% ao ano
contra 5% para a UE (Carvalho: <www.dpp.pt/pdf/Converg_ real.pdf>).
Portugal também aumentou a sua participação na economia mundial. O seu
PNB subiu de US$ 85,7 bilhões em 1993, para US$ 105,9 bilhões em 1999 (34 no
rank mundial), correspondendo a US$ 10.600 per capita (47 no rank mundial;
crescimento de 2,9% entre 1998/1999). Em 1998, a esperança de vida em Portugal
era de 72 anos para homens e de 79 anos para mulheres, enquanto a taxa de
analfabetismo montava a 6% (homens) e a 11% (mulheres) (Banco Mundial, 1995 e
2003 e Tabelas 1.3 e 1.4 de Souza, 2005).
Apesar do progresso dos últimos anos, em 2004 a economia de Portugal
continuava baseada na agricultura; 75% da produção primária destinavam-se à
exportação (pescados, cereais, azeitonas, uvas, carnes, produtos lácteos, madeiras,
minérios). As principais indústrias centravam-se em têxteis, calçados, madeira, papel,
metalurgia, refino de petróleo, vinhos, pescados e produtos químicos. O turismo é
uma atividade econômica de muita relevância pelo volume de dinheiro que
movimenta e pelo número de empregos criados. Com a ajuda da União Européia, a
economia vem se desenvolvendo rapidamente, a ponto de exportar capitais. Em 1995,
590 novas empresas foram criadas, e elas empregavam 4 mil novos trabalha-dores em
1999.
Portugal procura adaptar-se ao condicionamento imposto pela União Européia
(pacto de estabilidade). Em 2004, o déficit público deverá aproximar-se de zero. Há
um plano de aumento da produtividade, que hoje é de 50% da produtividade média
da União Européia. Nove setores econômicos, representando 50% do emprego e do
PIB português, foram estudados, sendo catalogadas as principais barreiras ao aumento
da produtividade: alto grau de informalidade (evasão fiscal, evasão de obrigações
sociais e de normas de trabalho); baixa capitalização; barreiras à entrada no mercado;
burocracia nos licenciamentos; ineficiências na prestação de serviços públicos; rigidez
na legislação trabalhista e estrutura industrial fragmentada e de pequena escala. Essas
barreiras ao aumento da produtividade deverão ser eliminadas para que a economia
portuguesa exerça maior atração ao capital estrangeiro e tenha maior competitividade
nos mercados externos (Pesquisa Google: “Portugal 2010: acelerar o crescimento da
produtividade”).
3 Desenvolvimento do Canadá e da Austrália
3.1 Desenvolvimento do Canadá
A história do Canadá começou com a viagem de John Cabot, em 1497, seguin-
do-se de outros desembarques de comerciantes que buscavam peles e bacalhau para
abastecer as peixarias da Inglaterra e da França, como Jacques Cartier, em 1534.
Samuel Champlain iniciou o povoamento do Canadá, ao fundar Port Royal e Quebec,
entre 1608 e 1633. Por meio da caça e da pesca, desenvolveu-se um sistema de trocas
de ferramentas, armas e peles entre comerciantes, índios e colonos. A busca de peles
de animais levou à ocupação do interior do continente. Disputas freqüentes ocorriam
entre franceses e ingleses pelas terras canadenses e a hegemonia colonial. A partir de
1650, para firmar sua posição no Canadá e reduzir a dependência das importações de
fumo e açúcar da Espanha, a Inglaterra incentivou o desenvolvimento dessas
atividades em suas colônias (Easterbrook e Aitken, 1958, p. 37).
Após 1660, organizaram-se expedições para converter índios, ampliar a pesca e
obter peles, sobretudo de castor. Intensificaram-se os conflitos entre as colônias
inglesas da América do Norte e o Canadá francês, quando colonos e caçadores de
língua inglesa ficaram impedidos de avançar nas áreas em litígio. O maior empenho
inglês no desenvolvimento de suas colônias explicava-se pela necessidade de matérias-
primas e alimentos para o abastecimento da Grã-Bretanha, enquanto a França era
relativamente auto-suficiente em relação a esses produtos. A Guerra dos Sete Anos
entre os dois países começou em 1756. A estratégia inglesa consistia em interceptar os
navios franceses que abasteciam o Canadá, que deixou de ser francês em 1763, com a
assinatura do Tratado de Paz em Paris (Easterbrook e Aitken, 1958, p. 108).
Com o fim da “Nova França”, abriu-se uma nova fase do desenvolvimento
canadense. Novos colonos estenderam sua influência no norte e nordeste do
Continente, instalando fazendas, fundando cidades e construindo estradas para escoar
a produção agrícola em direção dos portos para exportação ao Reino Unido. O solo
americano constituiu para a Inglaterra uma “verdadeira mina de ouro”. O Canadá
desempenhou um papel importante nesse processo de colonização, exportando peles,
produtos da pesca, óleo de baleia, madeira e cereais. A população crescente das
colônias inglesas passou a ter renda cada vez maior, estimulando o consumo dos
produtos de sua indústria (Wynn, 1990, p. 240).
A Guerra da Independência das 13 colônias americanas, em 1776, afetou o
monopólio comercial britânico, mas cerca de 30 mil pessoas leais à Inglaterra
emigraram para o Canadá. O fluxo de pioneiros norte-americanos continuou até 1812.
Em 1825, houve intensa imigração da Inglaterra, que concentrou seus esforços nas
colônias que restaram ao norte. As diversas colônias canadenses foram unificadas em
torno de um governo central (dominion, 1867), para evitar sua anexação pelos EUA. A
adoção do livre cambismo pelo Reino Unido levou à supressão dos direitos
preferenciais para produtos de suas colônias, que reduziu os laços econômicos com a
metrópole. Diante disso, tornou-se necessário conceder às colônias uma autonomia
crescente (Mirador, 1995, p. 1976).
Além da pesca e da produção de peles, o trigo e a extração da madeira foram
importantes produtos coloniais. Em 1846, 40 mil t com madeiras e trigo foram
embarcadas no porto de Quebec em direção à Grã-Bretanha. Investimentos eram
feitos, inclusive pela Igreja, na construção de canais, navios, bancos e nas primeiras
ferrovias. No entanto, o livre comércio inglês aniquilou o único mercado real do
Canadá, que era a Grã-Bretanha. Essa situação agravou-se pelo fechamento da saída
para o Pacífico, quando os EUA tomaram o Oregon, em 1846. A atividade exportadora
recuperou-se, algum tempo depois, com o comércio incluindo o Reino Unido e os
EUA. Assim, em 1854 a população canadense era cinco vezes maior do que a do início
do século 19 e o Canadá já possuía 408 km de ferrovias. Em 1867, a frota mercante
canadense era a quarta maior do mundo e entre 1870 e 1880 ela cresceu
substancialmente. Contudo, tendo em vista as inovações tecnológicas, com o aço
substituindo a madeira e o ferro, havia desemprego e recessão nas atividades
manufatureiras de mercado interno. Muitas indústrias locais fecharam, tendo em vista
a concorrência da moderna indústria inglesa, sobretudo nos ramos de construção
naval e siderurgia (Morton, 1989, p. 50 e 97).
3.1.1 Ferrovia transcontinental, colonização e exportação
Para facilitar a integração do território e o escoamento das exportações, entre
1881 e 1885, foi construída pela iniciativa privada a primeira ferrovia
transcontinental canadense, com quase cinco mil km; ela passou a ligar Montreal ao
Oceano Pacífico. Essa ferrovia resultou da condição imposta pela Columbia Britânica
para ingressar no dominion. Um grupo privado ganhou a concessão para a construção
da via férrea, em troca de 25 milhões de dólares em espécie, dez milhões de hectares
de terras ao longo da linha e o direito de explorá-la com exclusividade por 20 anos,
além de isenção de tributos locais sobre as terras. A idéia do Governo foi desenvolver
o mercado interno de produtos manufaturados e abastecer a economia urbana no
Leste, com alimentos e matérias-primas do Oeste. Nas margens dessa ferrovia houve
intensa colonização e desenvolvimento. Franquias monopolísticas idênticas às da
Ferrovia Transcontinental para investidores privados também ocorreram para os
serviços de bondes urbanos, energia elétrica e telefones (Morton, 1989, p. 100 e 102).
Nos anos de 1890, o aumento da produção de ouro da África do Sul ajudou a
elevar o preço internacional de alimentos e matérias-primas. Além disso, o baixo custo
dos fretes, embora não estimulasse a indústria naval canadense, possibilitou o
aumento da exportação de trigo. Em 1895, construiu-se a primeira usina hidrelétrica,
e a partir de 1896, com o fechamento da fronteira agrícola nos EUA, ocorreu intenso
fluxo migratório para o oeste canadense. Esse impulso ao povoamento aumentou
substancialmente a produção de trigo e expandiu o setor de mercado interno para as
manufaturas do leste. Entre 1896 e 1911, mais de um milhão de pessoas fixou-se no
oeste.
A produção de trigo aumentou de 9,9 milhões de t para 73,6 milhões de t.
Ramais ferroviários foram construídos em todas as partes, usando-se mão-de-obra
colonial na entressafra e com recursos públicos destinados à colonização. Em cada
cruzamento de ferrovia nascia uma cidade, o que estimulava a construção civil, o
comércio, os serviços e a própria indústria. Havia ampla liberdade para os capitais
privados, que eram investidos livremente em todos os setores (Morton, 1989, p. 125-
129).
Portanto, foram os produtos agrícolas básicos de exportação, a integração
econômica interna e a colonização de imensas áreas agrícolas que impulsionaram o
crescimento econômico canadense. Inicialmente, desempenharam importante papel a
pesca de bacalhau e o comércio de peles, mas essas atividades não proporcionaram a
colonização efetiva. A pequena base demográfica inicial foi estabelecida mais por
imposição imperial, do que por fatores econômicos. Os colonizadores não formavam
ainda um mercado local que incentivasse a industrialização. De outra parte, a
ausência de produtos de exportação com fortes encadeamentos sobre a economia local
inibiu a expansão colonial inicial. O censo de 1851 mostrou que a base industrial
canadense, da época, limitava-se a serrarias e moinhos voltados para a exportação
(Watkins, 1977, p. 274).
No final do século 19, as exportações se diversificaram. Além de bacalhau,
peles e madeiras, incluíam-se queijos, cereais e carnes. Nessa época, a industrialização
canadense ainda se encontrava muito atrasada, em comparação com a Inglaterra,
Estados Unidos e Alemanha. Contudo, a população começou a crescer pelas
imigrações, o que ajudou a expandir o mercado interno. Entre 1896 e 1913, houve um
verdadeiro boom de exportação de produtos primários, como trigo, cobre e níquel,
com intensos encadeamentos sobre a industrialização. A base exportadora influenciou,
segundo Watkins (1977, p. 278), tanto os investimentos industriais na substituição de
importações e na industrialização de produtos primários exportáveis, como o aumento
das importações via elevação da renda interna.
O fator relevante, a fundamentar a análise de Waltkins, é o de que a área
agrícola do Canadá era pequena, aberta e bastante próxima dos Estados Unidos. Por
mais que o país crescesse, ele não chegava a ser um concorrente sério para os Estados
Unidos. Além disso, o Canadá foi capaz de copiar, adaptar e aperfeiçoar tecnologias
estrangeiras, à medida que ocorriam as grandes transformações na economia mundial.
Entre 1900 e 1920, o grau de industrialização desse país acelerou-se, com a
implantação de novas usinas siderúrgicas, impulsionadas pela construção de ferrovias
em todo o território nacional (incluída uma nova linha transcontinental), inúmeras
fábricas de calçados, roupas, ferragens, máquinas, motores, produtos alimentares e
outros bens de consumo final (Morton, 1989, p. 130).
Em 1914, o Canadá entrou em guerra contra os impérios austro-húngaro e
alemão, ao lado dos aliados. Os gastos de defesa vinham sendo efetuados
consideravelmente desde 1897, e a partir de 1909 a maioria das províncias passou a
adotar treinamento militar em suas escolas; previa-se defesa contra ataques a portos,
pontes e canais. Com o conflito, que no início agravou a depressão, o Governo
canadense recorreu a empréstimos que elevou a dívida interna de 434 milhões para
2,5 bilhões de dólares. Graças às exportações de trigo para alimentar os exércitos
aliados, em substituição ao trigo russo, impedidos de entrar na europa, bem como de
madeira, munições e armas, essa dívida foi rapidamente paga nos anos seguintes.
Grupos empresariais canadenses souberam tirar partido do conflito, expandindo suas
empresas, ou criando novos empreendimentos com base no “aprender fazendo”, para
produzir munições, granadas, fuzis, substâncias químicas, explosivos, navios e aviões
(Morton, 1989, p. 155).
Ao iniciar a Primeira Guerra Mundial, o Canadá ainda era essencialmente
agrícola, exportando trigo, níquel e cobre. O desenvolvimento industrial foi
estimulado pelo governo que fornecia energia elétrica a preço de custo,
principalmente na província de Ontário. Depois da guerra, cresceu o movimento
operário, surgindo novas centrais de sindicatos, com aumento do número de filiados.
Simultaneamente, a redução da taxa de lucro de algumas ferrovias levou a sua
nacionalização. As causas eram as baixas tarifas de transporte e a insuficiência de
energia elétrica em algumas regiões, para a eletrificação das linhas. Simultaneamente,
ocorreu forte emigração de colonos para outras áreas. Apesar disso, investimentos
norte-americanos ingressaram em massa no Canadá nos anos de 1920, ao mesmo
tempo em que o mercado dos EUA abriu-se ainda mais para os produtos canadenses.
Contribuía também para reorientar os investimentos internacionais, a decadência
britânica do pós-guerra e o surgimento dos EUA como nova potência mundial. Os
novos setores de atração do capital e, posteriormente, responsáveis pelo crescimento
econômico de outros ramos de atividade, foram rodovias, telefonia, aeronáutica e a
indústria automobilística (Morton, 1989, p. 178).
A criação de um cartel para a comercialização de trigo no mercado
internacional estimulou ainda mais a produção desse cereal no Canadá, que alcançou
uma superprodução em 1928. Com a redução dos preços internacionais, em
decorrência da queda da bolsa de Nova Iorque, a crise desencadeou-se em todo o
setor de mercado interno, aumentando a taxa de desemprego de 3%, em 1929, para
11%, em 1930, e 23%, em 1933. Em 1931, o Canadá ficou independente,
permanecendo, no entanto, membro da Comunidade Britânica. Nos anos que se
seguiram, os Estados Unidos, para sustentar sua economia, criavam dificuldades
adicionais para os canadenses. Um terço do emprego industrial desapareceu com a
Grande Depressão, e a renda líquida agrícola reduziu-se de 417 milhões, em 1929,
para 109 milhões de dólares, em 1933. Em 1935, com o objetivo de reerguer a
economia, o Governo canadense adotou a política do New Deal dos EUA, criando
salário desemprego, jornada máxima de trabalho e salário mínimo (Morton, 1989, p.
184-194).
3.1.2 Exportações manufaturadas e desenvolvimento
Durante a Segunda Guerra Mundial, o Canadá participou com homens e armas
e abasteceu a indústria norte-americana com máquinas, motores para aviões,
ferramentas, equipamentos e instrumentos diversos. A indústria canadense recebeu
incentivos tarifários e crédito de US$ 1,5 bilhão. Assim, em 1943, 1.200 mil
trabalhadores estavam empregados na indústria de guerra, muitos dos quais em
fábricas novas; cerca de dois terços da produção canadense destinava-se aos aliados.
No plano financeiro, para contornar o problema da escassez de dólares norte-
americanos, o Governo canadense promoveu com o EUA um plano de integração das
duas economias; simultaneamente, a dívida de mais de US$ 4 bilhões com a Inglaterra
foi em parte perdoada e o restante aplicado na economia canadense na forma de
investimentos diretos. O capital externo era sempre bem-vindo, sem discriminação. A
produção de bens não essenciais de consumo, controlada durante a guerra, estimulou
a economia no final dos anos de 1940, gerando uma situação de pleno emprego,
mesmo com o ingresso crescente de mulheres no mercado de trabalho (Morton, 1989,
p. 204-206).
Os efeitos positivos da Segunda Guerra Mundial e as fortes relações
diplomáticas e econômicas com os Estados Unidos levaram ao envolvimento do
Canadá na Guerra da Coréia, em 1951. A Guerra Fria e o rearmamento que seguiram
à Guerra da Coréia ajudaram a sustentar a economia, que se debilitara com a redução
dos investimentos norte-americanos. O governo canadense aumentou os
investimentos públicos em novas ferrovias, construção de hidroelétricas, extração de
petróleo e energia nuclear. O crescimento econômico canadense do pós-guerra atraiu
1,5 milhão de imigrantes entre 1945 e 1957. O déficit público, no entanto, aumentou
32% entre 1957 e 1961, em razão dos gastos destinados a setores com altos índices de
emprego, como construção civil, ao treinamento de trabalhadores e às universidades
(Morton, 1989, p. 227 e 238).
A recuperação econômica veio a partir de 1961, com a exportação de trigo para
a China e União Soviética, o principal item da pauta exportadora canadense. O crédito
para a recuperação da indústria automobilística trouxe prosperidade para as cidades
industriais. Construiu-se uma grande usina termelétrica e a segunda linha do metrô de
Toronto; algumas províncias receberam filiais de multinacionais da indústria
automobilística, gerando novos empregos. Contudo, a economia canadense
continuava muito dependente dos investimentos externos e do mercado norte-
americano. Dois terços de suas exportações destinavam-se aos EUA, e as dificuldades
econômicas desse país, no início dos anos de 1970, devido à Guerra do Vietnã,
afetaram a economia canadense. A recuperação dos EUA e da europa logo em seguida
reduziu o desemprego no Canadá para menos de 6% em 1973 (Morton, 1989, p. 246
e 271).
A taxa média de crescimento anual da economia canadense foi de 4,6%, entre
1970 e 1980, impulsionada pela produção de bens manufaturados (9,7% ao ano),
reduzindo-se para 2,6% entre 1980 e 1993. No início dos anos de 1980, o Canadá
sofreu uma grande crise econômica. Em 1979, o número de desempregados chegava a
836 mil, quantia que passou para 1.314 mil em 1982.56 Nesse ano, o PNB caiu 4%, em
termos reais. A dívida pública subiu de US$ 13 bilhões, em 1979, para US$ 36 bilhões
em 1984 (Morton, 1990, p. 667). A recuperação econômica veio uma vez mais pelo
aumento das exportações, que cresceram, em média, 4,5% ao ano entre 1970/1980 e
5,6% ao ano entre 1980/1993.
Constata-se que o comércio internacional tem grande importância na economia
canadense. O Canadá é a 8a economia que mais exporta no mundo, com US$ 140
bilhões em 1990 e US$ 248 bilhões em 1998, com superávit na balança comercial.
Nesse período, sua participação nas exportações mundiais subiu de 3,5% para 3,7%. O
percentual de exportações de produtos manufaturados, em relação ao total das
exportações, elevou-se de 59% para 66% (52% e 55% para o caso do Brasil). Entre
1970 e 1993, a estrutura da pauta exportadora canadense mudou como segue:
combustíveis minerais e metais, de 26% do total exportado para 17%; outros produtos
primários, de 22% para 17%; maquinaria e equipamentos de transporte, de 32% para
40%; outros produtos manufaturados, de 19%, para 26% (Banco Mundial, 1995, p.
56 O desenvolvimento econômico canadense, ao atrair novos emigrantes, duplicou a população nacional
entre 1945 e 1985, quando atingiu 25 milhões de pessoas.
183 e 209). Em 1999, com um PNB de US$ 591,4 bilhões, o Canadá classificava-se
como a nona economia do mundo, à frente da Espanha (US$ 551,6 bilhões) e atrás do
Brasil (US$ 742,8 bilhões) e China (US$ 980,2 bilhões). Nesse mesmo ano, o PNB percapita canadense montava a US$ 19.320, inferior ao da Itália (US$ 19.710) e
Austrália (US$ 20.050), mas superior ao da Irlanda (US$ 19.160) e Espanha (US$
14.000) (Tabela 2.1 de Souza, 2005).
As dimensões continentais do Canadá indicam que ainda há muitas áreas a
serem desenvolvidas e que seu potencial econômico é muito grande. O processo
recente de integração ao NAFTA, o bloco econômico formado com os Estados Unidos e
o México, vem se constituindo em importante fator do desenvolvimento canadense.57
Os Estados Unidos é o maior mercado para o Canadá, que em 1993 absorveu 80,3%
de suas exportações e forneceu 73% das importações. As tarifas entre Canadá e EUA
foram extintas em 1998. A redução por 10 anos das tarifas com o México deverá
ocorrer em breve. A proteção social concedida pelo governo canadense à sua
população é uma das mais abrangentes do mundo. O seguro-saúde é quase
generalizado, e as taxas de desemprego e de inflação são as mais baixas do mundo.
Contudo, a taxa de crescimento de 1,7% do PIB em 2003 foi considerada baixa. Isso
levou o Banco do Canadá a projetar corte dos juros para estimular o consumo interno.
Em janeiro de 2004, as vendas de automóveis para o mercado norte-americano
estavam fracas, assim como o nível da produção petrolífera e a demanda do setor de
construção civil.
3.2 Desenvolvimento da Austrália
Como o Canadá, a Austrália faz parte da Comunidade Britânica, havendo
alguns pontos comuns na formação econômica dos dois países. Provavelmente, o
primeiro navegador a atingir a costa da Austrália tenha sido o holandês Willem Janz,
entre 1605 e 1606. Seguiu-se a viagem do espanhol Luís Torres e, entre 1610 e 1642,
as expedições de holandeses a serviço da Companhia das Índias Orientais. No entanto,
as novas terras continuaram abandonadas pelos europeus até meados do século 18,
por seu isolamento no oceano Pacífico. Somente em 1768 a Real Sociedade
Geográfica de Londres encarregou o capitão James Cook de organizar expedições para
desbravar o continente australiano. Cook tomou posse das novas terras em nome da
Inglaterra em 1770. A ocupação do território ocorreu em seguida, com a deportação
57 Em 1988, Estados Unidos e Canadá assinaram um tratado de vantagens comerciais recíprocas e que
se transformou em um tratado de livre comércio em fins de 1993, com a inclusão do México. Emvigor desde janeiro de 1994, esse acordo elimina gradativamente as tarifas alfandegárias, o queestimula as exportações dentro do bloco e freia as exportações de outros países para o NAFTA.
de condenados penais, que abarrotavam os cárceres ingleses e que antes era feita para
a América do Norte. Em 1788, por ordem de Lord Sydney, desembarcou na Austrália
uma expedição com mais de mil homens, incluindo 750 condenados, soldados e
funcionários públicos, além de alimentos, animais e instrumentos de trabalho (Jose,
1930, p. 23).
Chefiava essa expedição o capitão Arthur Phillip, o primeiro governador-geral
da Austrália e fundador da cidade de Sydney. Entre 1788 e 1830, ocorreu a
deportação de milhares de condenados penais ingleses, acompanhados por soldados,
que passaram a colonizar as novas terras. Havia permanente escassez de alimentos e
de produtos manufaturados de primeira necessidade, pois os carregamentos vindos da
Inglaterra demoravam a chegar ou se perdiam em acidentes. Assim, Phillip solicitou o
envio de colonos livres e trabalhadores especializados no trabalho com madeira e
ferro. Desse modo, a colônia passou a produzir desde o início de sua fundação
produtos manufaturados para consumo interno. A prioridade, portanto, era o
abastecimento do mercado interno em formação. Os produtos agrícolas locais eram
adquiridos pelo governo e vendidos à população, sem fins lucrativos. Os produtos
importados eram igualmente controlados pelo governo, principalmente o rum, que
servia como moeda. Apesar dessas decisões centralizadas, surgiram grupos privados
que se dedicavam, sobretudo, à criação de ovelhas. Eles importavam da Inglaterra,
desde 1803, animais de raça superior para aperfeiçoar o rebanho (Jose, 1930, p. 26 e
36).
A falta de chuvas, a adversidade do solo e a falta de mantimentos tornavam a
vida nas novas terras muito difícil. O isolamento e o abandono da metrópole logo
despertaram o sentimento de libertação. Os próprios guardas dos apenados
abandonavam a função e se tornavam colonos. Foi necessário enviar da Inglaterra
uma corporação especial (New South Wales Corps), para o policiamento da colônia. Ao
assumir em 1795, o novo governador John Hunter constatou que a colônia já
produzia a maior parte dos artigos manufaturados que consumia. Havia, no entanto,
forte oposição dos oficiais da Wales Corps às orientações do governador, o que
provocou a sua remoção para a Inglaterra. Com isso, o governador centralizou o
poder. Ele mandou construir edifícios e estradas, encorajou a exploração agrícola de
novas áreas, criou uma nova moeda para substituir o rum e restaurou o equilíbrio
social e econômico. A redistribuição de terras favoreceu as grandes propriedades.
Contudo, os beneficiários deveriam dispor de um capital não inferior a 500 libras
esterlinas, para poderem cultivar as novas terras. Essa regra tinha como objetivo atrair
colonos ingleses com capitais. A partir de 1831, as terras passaram a ser vendidas,
para financiar o transporte de colonos livres. Os novos colonos deveriam pagar as
terras em sete anos de trabalho (Mirador, 1995, p. 1029).
3.2.1 Base exportadora e protecionismo
A descoberta de ouro, ferro, carvão e metais não ferrosos, no século 19, foi
fundamental para o desenvolvimento da colônia, porque ajudou a ampliar a base
industrial nascente. Foram estimuladas as agroindústrias, as atividades interligadas
com a mineração e a indústria leve de bens de consumo. Os rumores da descoberta de
ouro, em 1851, atraíram para o interior da Austrália milhares de garimpeiros de todo
o mundo. Com isso, muitas áreas australianas se despovoaram. Em Melbourne, em um
mês, atracaram 82 navios, com 12 mil imigrantes espontâneos. Entre 1851 e 1861,
chegaram à Austrália e à Nova Zelândia, onde também se descobriu ouro, 508.802
imigrantes. O número de colonos na Austrália não passava de 500 mil em 1850; com
as imigrações, esse número atingiu 3,5 milhões em 1900 e oito milhões em 1950. Em
1956, a população australiana atingia 9,5 milhões de pessoas, incluindo-se os nativos
(Mota, 1964, p. 229).
Na esteira do progresso industrial surgiram as universidades de Sidney, em
1852, e de Melbourne em 1854. As colônias australianas eram desarticuladas entre si,
relacionando-se diretamente com a metrópole. As mais industrializadas eram
protecionistas, enquanto as demais praticavam uma política de maior abertura com o
exterior. Foi o temor de perder as ilhas próximas para as potências européias que
acelerou a formação da federação australiana, entre 1891 e 1900. As colônias
passaram a se denominar Estados, mantendo-se a autonomia interna, mas com
política externa comum. Foram atribuídos ao governo central os assuntos relacionados
com a alfândega, comércio, imigração e defesa. Para proteger a indústria nascente,
foram elevadas as tarifas de importação. Acentuou-se a intervenção do Estado em
várias áreas de atuação do país. A capital australiana foi instalada em Melbourne.
Canberra, a capital definitiva, teve sua construção iniciada em 1913 e inaugurada em
1927 (Mirador, 1995, p. 1030).
A Austrália participou das duas Guerras Mundiais ao lado do Reino Unido,
adquirindo personalidade internacional. Continuava a política da proteção da
indústria nacional contra a concorrência estrangeira e a força dos sindicatos era cada
vez maior. Em função disso, o Partido Trabalhista manteve-se no poder entre 1910 e
1923. Em 1931, o país passou a integrar a Comunidade Britânica, adquirindo total
independência. Apesar do protecionismo, a Austrália manteve um setor exportador
ativo, direcionado principalmente para a Comunidade Britânica. As exportações de lã,
carnes, trigo, açúcar e metais não ferrosos foram fundamentais para o
desenvolvimento australiano. A pecuária bovina foi outra atividade importante na
formação econômica da Austrália. A produção de carnes bovina, ovina e suína
aumentou substancialmente desde meados dos anos de 1930. A partir de 1950,
ocorreu a diversificação da produção agrícola desse país, com o aumento da produção
de frutas, fumo e algodão, estes dois últimos produtos tradicionalmente importados.
Esse desenvolvimento com base no protecionismo e nas exportações foi muito
importante, sobretudo pelo relacionamento da Austrália com a Inglaterra, permitindo
a importação de tecnologia. Em 1956, as exportações australianas totalizavam 17% da
renda nacional. As atividades econômicas principais, até a Primeira Guerra Mundial,
eram constituídas pela pecuária, agricultura e mineração. Em 1911, apenas 20% da
população ativa estava ocupada na indústria. O grande impulso ao crescimento
industrial decorreu da instalação da grande siderurgia na região produtora de carvão
de Newcastle, entre 1914/1918. Isso gerou o desenvolvimento das indústrias de
construção naval, máquinas agrícolas, tratores e automóveis (Mota, 1964, p. 235).
Outro fator da industrialização australiana foi o grande afluxo de capitais
estrangeiros, entre 1918 e 1929, sobretudo norte-americanos, canadenses e ingleses.
Estima-se que, entre 1947 e 1957, os investimentos estrangeiros, principalmente
diretos, montaram a 675 milhões de libras e os empréstimos do Banco Mundial a US$
318 milhões. Mais significativas foram as receitas de exportação, que subiram de 223
milhões de libras em 1945, para 1 bilhão de libras em 1955. A Grande Depressão
Mundial da década de 1930 atingiu fortemente a Austrália, de sorte que o pessoal
ocupado na indústria não chegou a dobrar, entre 1928 e 1948, passando de 450 mil
para 849 mil. Contudo, sete anos mais tarde, em 1955, esse país contava com mais de
um milhão de trabalhadores no setor industrial. Nesse período, os principais fatores
do crescimento econômico australiano foram as exportações e o afluxo de capital
estrangeiro (Mota, 1964, p. 238).
Conclui-se que, em face do isolamento geográfico, sem as vinculações da
Austrália com a Comunidade Britânica, que lhe permitiu inserir-se dinamicamente no
comércio internacional, seria muito difícil seu desenvolvimento econômico em um
período de tempo relativamente curto. Esse país conseguiu diversificar sua pauta
exportadora, substituir importações e incentivar o ingresso de capitais externos. Foi
fundamental também o papel do Estado na realização de investimentos em
transportes, comunicações, irrigação e energia elétrica e na adoção de políticas de
proteção à indústria nacional nascente.
Entre 1965 e 1980, a Austrália cresceu 4% ao ano, no mesmo ritmo da França e
mais do que a Alemanha e EUA. Entre 1980 e 1990, sua economia expandiu-se em um
ritmo somente inferior ao do Japão, em relação ao grupo de países da Tabela 2.1 de
Souza, 2005, e Tabela 1. Esse crescimento mais acelerado foi impulsionado pelo
dinamismo das exportações, que cresceram 7,9% entre 1990/1999, contra 6,9% entre
1980/1990. As exportações continuaram crescendo rapidamente em 1998/1999
(6,1%), o que manteve a expansão do PNB total em 3,8% ao ano. Em 1999, o PNB da
Austrália atingiu US$ 380,8 bilhões e o PNB per capita US$ 20.050, um dos maiores
do mundo (Banco Mundial, 2003).
Na virada do século 21, a Austrália apresenta-se como uma das economias mais
abertas e competitivas do mundo. Entre 1997 e 2000, ela cresceu 4% ao ano e 4,1%
em 2001, a maior taxa das economias ricas. A inflação média nos anos de 1990 foi de
apenas 2,3% ao ano, inferior às taxas da europa (3,2%) e dos EUA (2,9%). Por
conseguinte, a taxa de juros reais é bastante baixa, o que estimula o investimento. O
índice de emprego cresceu 1,2% ao ano, entre setembro de 2000 e setembro de 2002,
quando a taxa de desemprego atingia 6,2%, contra 10,9% em dezembro de 1992. O
que vem permitindo crescimento relativamente acelerado, com inflação baixa, é o
aumento da produtividade total, que entre 1995/2000 se manteve em ritmo superior
ao dos países do G7 (Pesquisa Google: “Economia da Austrália”). 58
Esse aumento de competitividade elevou a participação das exportações de
manufaturados no total das exportações australianas (16% em 1990 para 29% em
1998). As exportações totais da Austrália subiram de US$ 39,8 em 1990, para US$ 69
bilhões em 2000. O rápido crescimento de suas exportações (7,9% entre 1990/1999)
vem explicando o crescimento econômico acelerado. Os principais produtos
exportados continuam sendo carvão, ouro, carnes, lã, alumínio, minério de ferro e
maquinaria. A base exportadora de produtos primários (57% do total em 2000),
entretanto, depende muito da cotação dos preços internacionais e dos mercados
norte-americano e japonês, bem como do ritmo de crescimento dessas economias. O
PNB per capita da Austrália, o 26o mais elevado do mundo (US$ 20.050 dólares de
1999), indica que um país pode desenvolver-se em função de uma base exportadora
agrícola e que a industrialização resulta da elevação geral do nível de renda (Viner,
1969), da implantação de infra-estruturas e do surgimento de um empresariado
disposto a adotar inovações tecnológicas e assumir riscos (cf. Capítulo 6, adiante).
4 Irlanda: uma breve síntese
A Irlanda é um pequeno país europeu, membro da Comunidade Britânica, que
vem conhecendo extraordinário crescimento econômico nos últimos anos. Sua capital
fica em Dublin e o país possui uma população de quatro milhões de pessoas (1999);
seu território é de apenas 70 mil km2 (exclui a Irlanda do Norte, com 14 mil km2 e
cerca de 1,6 milhões de pessoas). Esse país tornou-se, em 2004, o novo modelo de
país com desenvolvimento rápido. Sua economia centra-se nas exportações, pois o
mercado interno é diminuto. Quando ingressou na União Européia, em 1973, seu PNB
58 Grupo dos sete países aliados mais ricos e que inclui os EUA, Japão, Alemanha, França, Reino Unido,
Itália e Canadá. Em certas ocasiões, esse grupo convida a Rússia para as suas reuniões, por seupoderio militar, formando o G8.
per capita era igual a 30% da média européia (US$ 19.160 em 1999), passando para
120% em 2003. Nesse ano, o PIB irlandês atingiu US$ 164 bilhões e as exportações
US$ 134 bilhões, com superávit comercial de US$ 29 bilhões (60% das exportações
desse país se destinam à União Européia e 22% aos EUA).
A economia irlandesa especializou-se em setores de tecnologia moderna
(indústria farmacêutica, softwares). Hoje o país é exportador de capitais para a União
Européia; há 20 anos iniciou a transformação da estrutura produtiva agrícola em uma
economia industrial desenvolvida graças a um projeto de desenvolvimento, com
recursos a fundo perdido recebidos da União Européia. Esse projeto incluía incentivos
para atrair empresas exportadoras de alta tecnologia e investimentos em pesquisa e
desenvolvimento, educação e qualificação da mão-de-obra (Gazeta Mercantil, Editoria
Internacional, 19/03/2004, p. A-19).
Em 2004, a Irlanda deverá apresentar um déficit orçamentário de apenas 1,1%
do PIB. Esse percentual deverá persistir até 2007, em razão dos grandes investimentos
públicos em infra-estrutura, o que ajudará a manter a economia com altas taxas de
crescimento, devendo atingir 5,2% em 2006 (Google: Economia da Irlanda).
QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO
1. Explique os fatores relevantes do desenvolvimento econômico da França e da
Alemanha.
2. Explique a importância do Tratado de Maastricht, que viabilizou a criação do euro,
para o desenvolvimento da União Européia.
3. Você considera que os fatores do desenvolvimento italiano e espanhol foram os
mesmos?
Comente-os.
4. Explique o papel das exportações no desenvolvimento de países como Canadá e
Austrália. Qual a importância do comércio externo para esses países nos dias
atuais?
5. Explique o papel das inovações tecnológicas nas fases concorrencial e monopolista
da Revolução Industrial Inglesa.
6. Quais foram os fatores comuns do desenvolvimento econômico dos países exami-
nados?
7. Na sua opinião, quais foram as principais razões do atraso de Portugal em
desenvolver a sua economia em relação aos demais países europeus?
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6DESENVOLVIMENTO SEGUNDO STUART MILL EALFRED MARSHALL59
SOUZA, Nali de Jesus.
Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
Uma das principais preocupações dos economistas clássicos foi com o estadoestacionário, situação em que tanto o capital, como a população e o produto, param de
crescer e as taxas de salário e de lucro caem para seu nível natural. Como foi visto,
para Adam Smith a economia tende progressivamente ao estado estacionário, pela
concorrência entre os empresários, que reduz a taxa de lucro para seu nível natural,
eliminando a possibilidade de acumulação de capital. Já para David Ricardo, o ano tem que ocorreria o estado estacionário aproximar-se-ia ainda mais rapidamente pela
existência de rendimentos decrescentes na agricultura e pelo crescimento demográfico
acelerado, fatores não neutralizados pelo progresso técnico, que levam à utilização de
terras cada vez menos férteis. Desse modo, o custo de vida aumentaria, assim como os
salários nominais, reduzindo a taxa de lucro e os estímulos ao investimento produtivo.
Stuart Mill, no entanto, possuía uma visão otimista, ao considerar que o ritmo
do progresso técnico superaria o crescimento demográfico, gerando desenvolvimento.
Justificava seu otimismo lembrando que os aperfeiçoamentos na produção, no
comércio e nos serviços, pelo uso mais eficiente do capital conjunto (grandes
sociedades anônimas, associações de produtores, cooperativas de produção e
consumo) “propiciam espaço e campo para um aumento indefinido do capital e da
produção, assim como para o aumento da população que costuma acompanhá-los”
(Mill, 1983, v. 2, p. 214).
1 Abordagem de Stuart Mill: impactos das inovações tecnológicas
Stuart Mill estudou a influência do progresso técnico sobre a distribuição do
produto entre os capitalistas, trabalhadores e proprietários de terras (Mill, 1983, v. 2,
p. 223-233). Aumentos na produção, considerando uma parcela fixa de terra, podem
resultar do crescimento demográfico, da acumulação de capital ou de inovações
tecnológicas aplicadas na produção. Suponha inicialmente que se cultivem terras de
mesma qualidade e que sejam constantes o estoque de capital, a quantidade de terra e
a tecnologia. Havendo crescimento demográfico, enquanto não se estender a margem
59 Este texto integra, como anexo, o Capítulo 3 do livro Desenvolvimento econômico (Souza, 2005).
de cultivo para terras menos férteis, a competição entre consumidores e trabalhadores
pelos produtos e empregos disponíveis aumenta os preços e reduz os salários,
aumentando os lucros.
Como os trabalhadores em maior número dividirão a mesma quantidade de
mercadorias, o bem-estar diminuirá. A população necessitará de mais alimentos, e a
margem de cultivo deslocar-se-á para terras menos férteis, o que reduzirá a
produtividade da terra e do trabalho. Maiores quantidades de alimentos serão
produzidas com maior custo e seu preço subirá. Com crescimento demográfico e
maior demanda de alimentos, sem melhoria tecnológica, a utilização de terras menos
férteis aumenta a renda nas melhores terras, como foi visto nas Tabelas 3.1 e 3.2 de
Souza, 2005.
Supondo que a população não varie, assim como a tecnologia e a qualidade das
terras, a expansão do estoque de capital aumentará a produtividade do trabalho: os
preços caem e os salários reais sobem. A melhoria das condições de vida dos
trabalhadores aumentará tanto a demanda de alimentos, como a demanda de outros
bens e serviços. Sendo assim, a população tenderá a crescer, pressionando ainda mais
a demanda de alimentos e os preços voltarão a subir. Se o progresso técnico for mais
lento do que o crescimento demográfico, a margem de cultivo deslocar-se-á para
terras menos férteis. Como foi visto na seção sobre Ricardo, a utilização de terras
menos produtivas, com o mesmo número de trabalhadores e o mesmo estoque de
capital, faz subir os preços e os salários, diminuindo os lucros e elevando a renda da
terra.
Na ausência de progresso técnico, com quantidade fixa de terra e mesmo
consumo individual, o emprego de mais capital e de mais trabalho, na mesma
proporção, aumentará a demanda e os preços dos alimentos. Maiores preços elevam
tanto os salários nominais como o valor da produção agrícola. Contudo, eventuais
lucros extraordinários não permanecerão com os arrendatários, porque a competição
pela terra transformará parte desse excedente em renda, transferida aos proprietários
de terras (Mill, 1983, v. 2, p. 226).
Considerando fixos o capital e a população, aperfeiçoamentos repentinos nas
técnicas de produção, tais como máquinas mais eficientes, processos mais baratos, ou
importações de insumos mais econômicos, reduzirão os preços dos alimentos e os
salários nominais, aumentando os lucros (Mill, 1983, v. 2, p. 227). Aperfeiçoamentos
nos meios de transportes, por exemplo, expandem as áreas de mercado e reduzem os
custos unitários de transporte, tanto de artigos de luxo, como de produtos consumidos
pela classe trabalhadora. As inovações que ocorrem na produção de bens-salário
reduzem seus preços e, então, os salários dos trabalhadores. Assim sendo, a taxa de
lucro aumenta. A redução do preço dos bens de luxo não influencia os salários por
não entrarem na cesta de consumo dos trabalhadores.
1.1 Tipos de inovações tecnológicas
Percebe-se, desse modo, que os aperfeiçoamentos na agricultura são
fundamentais para o desenvolvimento econômico, tanto por baratear os alimentos e
outros produtos consumidos pelos trabalhadores, como por reduzir o custo dos
insumos de origem agrícola, utilizados pela indústria. Tais inovações são de dois tipos:
(a) inovações do tipo I (economizam trabalho): com a mesma área e menostrabalhadores, produz-se a mesma quantidade de produto; (b) inovações do tipo II(economizam terra): com a mesma área e a mesma quantidade de trabalhadores
obtêm-se maiores quantidades de produto; ou a mesma produção, em área menor, com
menos trabalhadores. Não sendo necessária uma produção maior, as terras marginais
podem ser abandonadas: o preço dos produtos, os salários nominais e a renda se
reduzem, e os lucros aumentam (Mill, 1983, v. 2, p. 228).
Com as inovações do tipo II, economizando-se tanto a terra como o trabalho, o
efeito sobre as terras marginais é ainda mais intenso: áreas menores, produzindo
mais, com menos trabalho, exercem fortes impactos sobre a redução dos preços dos
produtos agrícolas e dos salários nominais, elevando os lucros. Com o segundo tipo de
inovação, o efeito sobre os preços será maior do que com o primeiro, porque ao efeitotecnologia deve-se acrescentar o efeito recuo da margem extensiva para terras de
fertilidade superior. Os dois tipos de inovações diminuem a renda da terra, mas pelo
segundo ela é reduzida mais intensamente (Tabela 1).
Tabela 1 - Influência da variação tecnológica sobre a renda da terra, lucros e salários,segundo Stuart Mill.
SITUAÇÃO INICIALP0 = 2,50
INOVAÇÃO DOTIPO I
P1 = 1,875
INOVAÇÃO DOTIPO II
P2 = 1,406
SITUAÇÃO 3P3 = P0 = 2,50TIPO DE
TERRACULTI-VADA
Produ-çãofísica
Rendafísica
Rendamone-tária
Produ-çãofísica
Rendafísica
Rendamone-tária
Produ-çãofísica
Rendafísica
Rendamonetá-ria
Pro-duçãofísica
Rendafísica
Rendamone-tária
ABC
TOTAL
1008060
240
40200
60
100500
150
1008060
240
40200
60
75,037,50,0
112,5
133,33106,67
0,00240,00
26,660,000,00
26,66
37,480,000,00
37,48
200160120480
80400
200100
0
Fonte: Dados adaptados de Mill (1983, v. 2, p. 228 ss).
A inovação do tipo I abate o preço em 25%, porque a produção do bem
incorpora 25% menos de trabalho. A renda monetária fica diminuída em 25% nos dois
tipos de terra. O estoque de capital K e a quantidade de terra N são constantes. Na
situação inicial, o preço de mercado é R$ 2,50. A renda monetária nas terras do tipo Aé igual a R$ 100,00 (40 x 2,50) e nas terras do tipo B é R$ 50,00 (20 x 2,50). A terra
do tipo C não gera renda.
Supondo que a demanda de trabalho Ld caia 25%, quais serão os impactos
sobre os preços, salários, lucros e renda da terra? O preço Pn também cairá 25%,
assim como os salários, porque são proporcionais à quantidade de trabalho
incorporada na produção do bem (P1 = 0,75 x R$ 2,50 = R$ 1,875). Os salários reais
permanecem constantes, assim como os lucros. A mesma renda física, inalterada, gera
uma renda monetária 25% menor: R$ 75,00 nas terras do tipo A (40 x 1,875) e R$
37,50 nas terras de tipo B (20 x 1,875). Quem perde são os proprietários de terras e
os trabalhadores que ficaram desempregados.
A inovação do tipo II reduz com mais intensidade o preço e a renda, pois, além
de diminuir o emprego de mão-de-obra, também reduz a terra cultivada. Partindo da
situação inicial, suponha que o capital K permaneça constante e que a tecnologia
permita o abandono das terras do tipo C, uma vez que a produção total pode
permanecer igual a 240 t. A redução do emprego de trabalho é proporcional à
retração da produção física, isto é, 60/240, ou 25%.
As terras do tipo A e B produzirão, conjuntamente, 240 t de trigo; cada área
aumentará a produção em 33,33% (240/180 = 1,3333). A produção de A aumentará
para 133,33 (100 x 1,3333) e a de B para 106,67 (80 x 1,3333). A terra do tipo Bregulará o preço do mercado, sem gerar renda. Por conseguinte, o preço cairá 56,2%,
proporcionalmente ao recuo da margem, de R$ 2,50 para R$ 1,406 (R$ 2,50 x60/106,67). A renda física total passará a 26,66 t (= 133,33 – 106,67) e a renda
monetária total mudará para R$ 37,48 (26,66 x R$ 1,406).
Como os preços se reduzem mais do que proporcionalmente ao custo dos bens
(o trabalho incorporado cai somente 25%), o salário real aumenta, beneficiando os
trabalhadores que continuam empregados. Os lucros também crescerão porque a
combinação da melhoria da produtividade (33,33%) com a redução dos custos (25%)
compensam a queda dos preços (−56,2). A renda global da terra cai de R$ 150,00
para R$ 112,50 (tipo I) e para R$ 37,48 (tipo II).Os proprietários de terras serão, portanto, hostis às inovações tecnológicas,
principalmente em relação àquelas que economizam terras. Na inovação do tipo I, em
relação à situação inicial, a manutenção do salário real constante não afetará o
crescimento demográfico se a disponibilidade de alimentos se mantiver constante. No
longo prazo, com o aumento da população, crescerá a demanda e o preço, o que
reduzirá os salários reais e a taxa de lucro, elevando a renda da terra.
Geralmente, ocorrem inovações tecnológicas com aumento do estoque de
capital e da demanda de trabalhadores. Se as variações tecnológicas economizarem
trabalho e terra, a renda, os preços e os salários monetários tenderão a baixar e os
lucros a subir. Se a população se expandir com maior velocidade do que o progresso
técnico agrícola, irão se reduzir a disponibilidade de alimentos, os salários reais e os
lucros, aumentando a renda fundiária.
Na prática, tem-se verificado crescimento demográfico secular relativamente
rápido, com o progresso tecnológico viabilizando o cultivo de terras improdutivas e
evitando a elevação demasiada dos preços. No longo prazo, a recuperação de terras
marginais pela drenagem, correção dos solos e irrigação, permitindo sua utilização,
tende a aumentar a renda nas terras melhores e mais próximas dos centros urbanos,
uma vez que os preços se elevam com os custos de produção e de transporte.
No caso em que duplicam proporcionalmente todos os fatores de produção, em
todos os tipos de terra, sem inovações, ficando inalterados os custos médios, pela
duplicação do rendimento (situação 3 da Tabela 1), os preços continuam inalterados e
regulados pela terra do tipo C. Nesse caso, duplicam-se tanto a renda física como a
renda monetária. O produto continuará sendo obtido com a mesma quantidade de
trabalho, mantendo-se constante a produtividade na terra marginal, como na situação
inicial, não alterando, portanto, seu preço. Quando a produção aumenta dessa forma,
o dono da terra será o único que se beneficiará, porque irá obter maior renda na
mesma terra, sem realizar gastos. Os salários e a taxa de lucro permanecerão
constantes, em face do crescimento idêntico tanto da demanda como da oferta de
alimentos.
Em síntese, as inovações tecnológicas aplicadas na agricultura tendem a
penalizar os proprietários das terras. Na ausência de inovações, com crescimento
demográfico positivo, o custo de subsistência dos trabalhadores tende a elevar-se e os
lucros a declinar. Estes últimos efeitos podem, às vezes, ser neutralizados pela
tecnologia, apesar do aumento da população.
1.2 Queda da taxa de lucro no longo prazo
No processo de desenvolvimento de uma economia, a taxa de lucro tende a
declinar. Esse fato é, de certo modo, neutralizado pela tecnologia e por outros fatores,
que remetem para o futuro o “fantasma” do estado estacionário. Porém, como a
população continua crescendo, aumentando a demanda de alimentos, o progresso
tecnológico tem sido feito, preferencialmente, no sentido de viabilizar terras
marginais, permitindo o deslocamento da margem extensiva para terras antes impro-
dutivas e mais distantes dos centros urbanos. Stuart Mill analisou a proposição de
Adam Smith segundo a qual a taxa de lucro do sistema se reduz com a acumulação do
capital, em razão da concorrência criada pelo aumento do número de empresários,
fato que faz o preço do produto cair.
Contudo, à medida que os preços de todos os produtos caem na mesma
proporção, incluindo-se os das matérias-primas, a taxa de lucro se mantém constante.
Para que a taxa de lucro caia, é necessário que os preços de alguns insumos se
mantenham constantes, enquanto o preço do produto se reduz; ou que os preços de
tais insumos tenham subido, enquanto o preço do produto permaneça constante. A
tendência é a de os salários aumentarem com os preços dos alimentos, como foi visto,
e este fator constitui o item de maior peso no custo de produção.
Mill observou que nem sempre um excesso de oferta deprime os preços, como
pensava Smith, porque parte dos novos investimentos se efetua na extração de ouro e
de outros metais preciosos, usados como moeda. Além disso, a oferta monetária pode
expandir-se nos bancos, criando moeda adicional, que age no sentido de elevar a
demanda agregada e o nível geral de preços. De outra parte, se o aumento da oferta
de moeda acompanhar a oferta de bens e serviços, o nível geral de preços irá se
manter estável. Não há razão para supor, portanto, que a concorrência entre os
produtores seja a principal responsável pela queda da taxa de lucro no longo prazo
(Mill, 1983, v. 2, p. 236).
Os preços são determinados, portanto, não apenas do lado da oferta, mas
também pela concorrência do lado da demanda. Como a população cresce, sendo a
produção de subsistência limitada pela qualidade das terras, os preços dos alimentos e
os salários monetários tenderão a subir e os lucros a cair. Por conseguinte, a queda da
taxa de lucro resulta mais da oferta insuficiente de bens de consumo dos trabalhadores,que eleva os salários, do que da concorrência entre os produtores. Na verdade, o
aumento da concorrência vista por Adam Smith pode ser interpretado como a redução
do “campo de aplicação” do capital (Mill, 1983, v. 2, p. 237): os melhores negócios vão
sendo realizados pelos primeiros empresários que chegam ao mercado e a taxa de
retorno dos investimentos vai caindo à medida que projetos menos rentáveis vão
sendo executados e que a margem dos negócios vai deslocando-se para a fronteira, à
semelhança da margem de cultivo.
Novos investimentos ocorrerão enquanto a taxa de retorno r se mantiver acima
da taxa de retorno mínima r*. Assim sendo, o estoque de capital se manterá em
crescimento. A diferença (r – r*) pode reduzir-se pela queda tendencial de r, ou pela
elevação de r* = i + i*. Desse modo, os investimentos podem ser inibidos tanto pela
elevação da taxa de juro i, como pelo aumento do desvio-padrão da taxa de juro (i*),
ou prêmio de riscos dos negócios (guerras, corrupção, perigo de desapropriação ou de
nacionalização, ineficiência das instituições, instabilidade das políticas
governamentais etc.). Contudo, determinados fatores podem neutralizar a queda
tendencial da taxa de lucro, segundo Mill (1983, v. 2, p. 241):
a) desperdício de capital: durante os períodos de euforia, o superdimensiona-
mento de projetos e a indivisibilidade do capital geram capacidade ociosa.
No longo prazo, o estoque de capital torna-se mais adequado às necessida-
des da economia e a produção cresce sem necessidade de investimentos
adicionais e os lucros sobem;
b) aperfeiçoamentos na produção: barateando algum produto consumido pelos
trabalhadores, os salários monetários se reduzem no médio prazo;
c) insumos mais baratos: o acesso a uma nova fonte de matéria-prima, ou
aperfeiçoamentos na produção e preços mais baixos diminuem os custos; e
d) exportação de capitais: a busca de terras mais férteis e de outros recursos
naturais, assim como de lucros mais elevados em outros países ou regiões
tem sustentado a taxa de lucro no país ou região de origem.
A exportação de capitais, ao mesmo tempo em que reduz a concorrência
interna entre os capitalistas, neutralizando a queda da taxa de lucro, permite o cultivo
de produtos alimentares mais baratos no exterior, para consumo dos trabalhadores no
país importador. De outra parte, o comércio exterior expande a dimensão do mercado
interno e aumenta o campo de aplicação para o capital. Importações de produtos mais
baratos para consumo dos trabalhadores (alimentos e produtos intermediários usados
na produção de bens de consumo) equivalem ao recuo da margem extensiva dentro
do país, elevando o salário-produto e a taxa de lucro e reduzindo as rendas.
Teoricamente, a existência de fatores neutralizantes à queda da taxa de lucro, como o
desenvolvimento tecnológico, não é suficiente para evitar que a sociedade chegue um
dia a um estado de crescimento zero. A posição de Stuart Mill, porém, difere daquela
de seus mestres, como será visto a seguir.
1.3 O estado estacionário de Stuart Mill
Como foi examinado, tanto para Smith, como para Ricardo, o estado
estacionário ocorre antes que a sociedade tenha atingido um nível de vida suficien-
temente elevado, e que se elimine a miséria da grande maioria da população. Para
Stuart Mill, ao contrário, o estado estacionário ocorreria com a maximização do nível
de bem-estar do conjunto da sociedade. O progresso tecnológico diversifica-se conti-
nuamente e o estado estacionário deslocar-se-ia para um futuro remoto. Quando ele
viesse a ocorrer, todos teriam atingido elevado padrão de vida. A acumulação de capi-
tal cessará, mas a preocupação da sociedade será com a cultura, o lazer e a evolução
espiritual. A preservação do meio ambiente faria parte das necessidades do lazer.
“Estou propenso a crer que essa condição estacionária representaria, noconjunto, uma enorme melhoria de nossa condição atual. Confesso que nãome encanta o ideal de vida defendido por aqueles que pensam que o estadonormal dos seres humanos é o de sempre lutar para progredir do ponto devista econômico; que pensam que atropelar e pisar os outros, dar cotoveladase andar sempre no encalço do outro são o destino mais desejável da espéciehumana, quando na realidade são os sintomas desagradáveis de uma das fasesdo progresso industrial” (Mill, 1983, p. 252).
Nos países subdesenvolvidos, a preocupação com o crescimento do produto
continuaria, enquanto nos países mais avançados a maior atenção estaria voltada para
a distribuição da renda e da riqueza. Com crescimento econômico tendendo a zero, a
população também deixaria de crescer, mantendo constante a renda per capita. A
adoção de um sistema tributário progressivo sobre a renda e a riqueza, limitando-se os
montantes que poderiam ser recebidos como doação ou herança, seria outra maneira
de gerar maior igualdade econômica entre os indivíduos. A sociedade apresentaria um
conjunto amplo de trabalhadores bem remunerados, com grande poder de compra. O
tempo para o lazer seria maior porque o progresso tecnológico evitaria o trabalho
pesado e cansativo, reduzindo o tempo necessário à produção de bens (Mill, 1983, v.
2, p. 254).
2. Incursão à abordagem neoclássica: Alfred Marshall
A trajetória de uma economia em crescimento foi caracterizada, na visão de
Stuart Mill, por constantes inovações tecnológicas, suscetíveis de reduzir custos e
elevar a taxa de lucro, compatibilizando os conflitos distributivos entre capitalistas,
trabalhadores e rentistas. Assim sendo, no longo prazo, ao atingir o estado
estacionário, a sociedade teria alcançado, simultaneamente, elevado nível de vida,
vigorando salários relativamente elevados para a classe trabalhadora, com o
desaparecimento da miséria do seio da população.
A abordagem neoclássica é similar, predominando uma visão otimista do
processo de produção. Segundo os economistas neoclássicos, o crescimento econômico
gera distribuição eqüitativa para todos os agentes econômicos segundo sua
contribuição para o processo produtivo. Os frutos do progresso técnico são
distribuídos sem conflitos aos proprietários dos fatores de produção segundo sua
produtividade marginal.
Eles aceitaram o princípio malthusiano da população e, a partir de 1770,
apresentaram algumas reformulações e contribuições acerca do pensamento clássico,
até então predominante. Três autores destacaram-se por essa época: O fundador da
escola austríaca, Carl Menger (1840-1921), o inglês William Jevons (1835-1882) e o
francês Léon Walras (1834-1910).60 No início do século 20, os discípulos desses três
economistas aperfeiçoaram a teoria de seus mestres, formando três escolas: a inglesa,
com Alfred Marshall (1842-1824); a austríaca, com Böhm-Bawerk (1851-1914) e a de
Lausanne, com Vilfredo Pareto (1848-1923). A escola neoclássica ou marginalista
fundamentou a política econômica dos países capitalistas desenvolvidos,
principalmente até a Crise de 1929.
Os economistas neoclássicos romperam com a teoria clássica do valor trabalho.
Para eles, o valor dos bens define-se por sua utilidade, ou capacidade de satisfazer às
necessidades humanas. O valor passa a ter um caráter subjetivo e influenciado pela
escassez; bens abundantes possuem baixa utilidade marginal e baixo preço, ocorrendo
o contrário, quando eles se tornam escassos. Isso é válido também para os fatores de
produção. A produtividade de cada fator diminui à medida que aumenta o seu
emprego no processo produtivo. Na margem, a produtividade de cada fator reflete sua
escassez relativa e, portanto, seu valor. Assim, o preço de cada fator será igual à
produtividade marginal respectiva.
2.1 As suposições neoclássicas
Os clássicos centraram sua análise do lado da oferta, com ênfase na formação
dos salários. Aumentando-se a produção, automaticamente gera-se emprego e renda,
implicando no aumento proporcional da demanda agregada. Os neoclássicos
raciocinavam explicitamente em termos de uma função de produção agregada com
proporções variáveis. Eles enfocaram a teoria do capital através de uma relação mais
ampla com os salários e os lucros. Essa maior flexibilidade da função de produção
permite que determinado produto seja obtido com mais capital, sem o aumento
simultâneo do emprego do fator trabalho e vice-versa.
Contudo, os economistas neoclássicos, ao contrário dos clássicos, não
apresentaram uma formulação de longo prazo, contemplando explicitamente o
desenvolvimento econômico. Centraram sua análise no curto prazo, com ênfase nos
problemas de mercado, na melhor alocação de recursos, isto é, na eficiência
microeconômica da produção. Consideravam o desenvolvimento como um processo
gradual, contínuo e harmonioso, derivado da acumulação de capital, e “mostravam-se,
em geral, otimistas quanto às possibilidades de um progresso econômico contínuo”
(Meier e Baldwin, 1968, p. 101).
Nessa linha de pensamento, os economistas neoclássicos consideraram que o
60 Walras foi professor da Universidade de Lausanne (Suíça) e um dos fundadores da Economia Matemática; como
Menger e Jevons, ele fundamentou o valor da troca na utilidade marginal e na escassez. Sua maior contribuiçãofoi a análise do equilíbrio geral, através de um sistema de equações simultâneas. Nesse sistema, háinterdependência entre os preços de oferta e de demanda. No equilíbrio geral dos preços, as quantidadesofertadas e demandadas tornam-se iguais em todos os mercados.
sistema econômico tende ao pleno emprego, com preços e salários flexíveis, e que as
remunerações dos fatores de produção se distribuem segundo suas produtividades
marginais. Nesse contexto, não existiria conflito distributivo entre os agentes
econômicos, tendo em vista que a própria eficiência alocativa se encarregaria de
proceder à justiça distributiva. Ademais, eles supõem que o crescimento econômico
tende a elevar os salários reais dos trabalhadores no longo prazo, tendo em vista a
contínua demanda de trabalho. Para isso contribui a mecanização do trabalho, que
aumenta sua produtividade, gerando rendas médias maiores, tanto para os capitalistas
como para os trabalhadores.
Alfred Marshall, o mais representativo dos economistas neoclássicos, ao
mencionar alguns aspectos do desenvolvimento econômico em sua obra fundamental,
Princípios de economia, mostra-se muito otimista. Para ele, o crescimento da riqueza
ocorre de forma gradativa e harmoniosa, fomentada por crescente acumulação de
capital, como se pode ver na citação seguinte:
“De todos os lados novas perspectivas se oferecem, todas elastendendo a transformar o caráter de nossa vida social e industrial, e ahabilitar-nos a empregar grandes reservas de capitais, a fim de promovernovas satisfações e novos meios de economizar esforços para aplicaçãoantecipada destes, tendo em vista necessidades remotas. Parece não haver boarazão para acreditar que estejamos próximos de uma situação estacionária, naqual não haverá novas necessidades importantes a serem satisfeitas, na qualnão mais haja lugar para investir proveitosamente o esforço atual paraprevenir o porvir, e na qual a acumulação de riqueza deixará de serrecompensada. Toda a história do homem mostra que suas necessidades seexpandem com o crescimento de sua riqueza e de seus conhecimentos”(Marshall, 1982, v. 1, p. 197).
Essa afirmação otimista tem sua razão de ser na capacidade de trabalho do
homem e nas possibilidades tecnológicas, que geram novas oportunidades de
crescimento. A esse respeito, afirma que “enquanto a parte que a natureza representa
na produção mostra uma tendência para os rendimentos decrescentes, o papel
representado pelo homem mostra uma tendência para os rendimentos crescentes”
(Marshall apud Meier e Baldwin, 1968, p. 109). O trabalho e a parcimônia
desempenham papel essencial. A poupança é fundamental para a realização do
investimento.
Segundo Marshall, as pessoas poupam por amor à família. A harmonia familiar
repete-se no conjunto da economia, assim como a eficiência da firma se reproduz no
agregado. Por conseguinte, ele não acreditava na existência de um estado estacionário
futuro. Novas necessidades de consumo geram novos investimentos e excessos de
produção em relação ao consumo, induzindo novas poupanças e novos investimentos.
Ha um círculo virtuoso entre consumo, produção e desenvolvimento contínuo. Para
Marshall, portanto, acumulação de capital, crescimento e desenvolvimento são três
aspectos de um mesmo fenômeno, que se origina, de um lado, no desejo de consumo
e, de outro, na propensão a poupar. As pessoas poupam e acumulam por hábitos de
parcimônia e expectativas do futuro e afeição familiar. A estabilidade social joga um
papel importante na formação de poupança por parte das empresas e dos indivíduos
(Marshall, 1982, v. 1, p. 200).
Esses fatores primários da formação de poupança são regulados pela taxa de
juros: se ela for alta, os indivíduos preferem consumir no futuro e auferir rendimentos
hoje. Um declínio da taxa de juros tende a reduzir a oferta de poupança e a
acumulação de capital. A taxa de juros é o preço do capital: a oferta de capital
(poupança) depende diretamente da taxa de juros; enquanto a demanda de capital
(investimento) depende inversamente dessa taxa. O empresário demanda poupança
até o ponto em que a renda marginal da última unidade de capital empregada (taxa
de retorno do capital) for maior ou igual ao custo de captação, ou taxa de juros
(Marshall, 1982, v. 1, p. 204).
Marshall e os neoclássicos em seu conjunto consideram a acumulação de
capital, a poupança e a taxa de juros elementos fundamentais do crescimento e do
desenvolvimento econômico. As pessoas poupam por motivos econômicos e não
econômicos. Variáveis institucionais, como um sistema financeiro eficiente que capte
poupança em excesso em determinadas regiões e setores, e as transfiram para
aplicações alternativas em outras partes com insuficiência de recursos, são
fundamentais no desenvolvimento. Mais tarde, economistas da linha neoclássica
apontaram que o efeito demonstração ou desejo de manter o consumo dos países
desenvolvidos, por parte dos países subdesenvolvidos, tem caráter redutor do
desenvolvimento, ao baixar a taxa de poupança. Da mesma forma, altos salários na
burocracia estatal, comissões estéreis e desvio de verbas para contas particulares ou
para os cofres dos partidos políticos reduzem a capacidade de poupança do país,
elevam o desperdício de recursos e afugentam o ingresso de capitais de instituições
internacionais, para obras sociais ou investimentos produtivos.
2.2 Organização industrial e economias externas
Do lado da produção, Marshall destacou a organização industrial, a divisão do
trabalho (economias de escala), e investimentos em infra-estruturas (economiasexternas) (Marshall, 1982, v. 1, p. 229). Ele criou este último termo, que tem sido
empregado em modelos posteriores de crescimento industrial. As economias externas
surgem pelos seguintes fatores: (a) pela concentração de indústrias em um mesmo
local, atraídas pelas interdependências tecnológicas existentes entre as atividades, que
permitem minimizar o custo de transporte de produtos e insumos; (b) pela formação
de um mercado de trabalho especializado; (c) pela troca de idéias entre empresários,
que podem reunir-se com maior facilidade; e (d) pelas melhorias infra-estruturais
efetuadas por particulares ou pelo Estado, beneficiando o conjunto do complexo
localizado no mesmo local.
Mesmo nos primórdios da civilização, algumas atividades se desenvolveram de
preferência em locais com algumas vantagens de localização, como fácil acesso por
terra ou por água, existência de matéria-prima, ou mão-de-obra. Em função disso,
houve uma tendência de as diferentes aldeias se especializarem na produção de
alguns tipos de mercadorias. A concentração industrial, também promovida pelas
cortes, atraía a mão-de-obra especializada de muitos lugares, como da Arábia e do
Egito. A maior parte da indústria inglesa, antes da era do algodão e do vapor, era
mantida por colônias de flamengos (Marshall, 1982, v. 1, p. 233).
A concentração industrial, facilitada inicialmente pela existência de recursos
naturais e por incentivos, desenvolveu-se pela difusão do progresso técnico. Muitos
conhecimentos deixam de ser segredo e caem no domínio de outros empresários;
inúmeras indústrias desenvolvem-se. A disponibilidade de mão-de-obra aglomera as
empresas e estas atraem trabalhadores de outras regiões. A existência de empregos
alternativos em um mesmo lugar reduz os riscos dos trabalhadores ficarem inativos.
De outra parte, a abundância de trabalho qualificado aumenta a segurança das
empresas, que podem aceitar pedidos de produção sem receio de não poder atendê-
los por falta de mão-de-obra.
A diversificação industrial forma um mercado com maior oferta de
trabalhadores. A expansão do emprego aumenta a renda familiar, mesmo que haja
redução dos salários reais. Contudo, a aglomeração excessiva de indústrias em um
mesmo local pode produzir deseconomias externas, como elevação dos preços dos
terrenos e dos salários, pela maior concorrência. Elas surgem, sobretudo, para firmas
de pequeno e médio porte que produzem apenas para o mercado nacional.
Marshall destacou a importância das economias internas para neutralizar as
deseconomias externas. As primeiras surgem com o aumento da escala,
principalmente quando a firma passa a produzir também para os mercados externos.
A eficiência microeconômica da firma depende, segundo Marshall (1982, v. 1, p. 240
ss): (a) de sua organização, que se explica pela influência da maquinaria, que permite
maior divisão do trabalho; (b) da concentração de indústrias especializadas em certas
localidades, geradoras de economias externas; (c) da produção em larga escala para
exportação, dando surgimento a economias internas; e (d) da capacidade empresarial.
A produção em grande escala para os mercados nacional e internacional
permite o uso de máquinas ainda mais especializadas, incrementando a produtividade
dos fatores de produção. Com isso, os lucros aumentam, estimulando novos
investimentos no próprio setor, ou em outros. Empresas de pequena e média
dimensão podem beneficiar-se, igualmente, ao produzirem de forma associada com
grandes firmas mais dinâmicas. “As principais vantagens da produção em massa são a
economia de mão-de-obra, a economia de máquinas e a economia de materiais”
(Marshall, 1982, v. 1, p. 239). Em suma, para Marshall, como para Adam Smith, as
causas determinantes do desenvolvimento econômico encontram-se na expansão dos
mercados externos. Isso foi exemplificado pelo crescimento da economia inglesa nos
séculos 18 e 19, assim como pelas economias dos EUA, Japão e de outros países anos
mais tarde. Isso se explica, segundo os neoclássicos, pela alocação interna mais
eficiente de recursos.
A expansão do mercado externo, contudo, precisa ser efetuada em consonância
com a liberdade de comércio e com o desenvolvimento interno dos meios de
transporte. Entretanto, Marshall admitiu algum protecionismo no caso das indústriasnascentes para que “o esforço desenvolvido em algumas indústrias altamente
progressivas se possa estender sobre grande parte do sistema industrial do país”
(Marshall apud Mota, 1964, p. 67). De outra parte, como Adam Smith, ele identificou
uma harmonia de interesses entre a expansão comercial de alguns países e as
economias importadoras, à medida que os primeiros realizam investimentos nos meios
de transporte dos últimos, permitindo o desenvolvimento de seu mercado interno.61
Os fatores não econômicos do desenvolvimento são os seguintes, segundo
Marshall (1982, v. 2, p. 307): (a) aperfeiçoamento das leis e das instituições; (b)
mobilidade da mão-de-obra; (c) grau de urbanização; (d) a preocupação com o futuro
que induz a poupar no presente; e (e) investimentos em educação geral e técnica, ou
capital humano. Ele preocupou-se também com o “problema da pobreza”, que
apresenta implicações econômicas e sociais. Essas causas entrelaçam-se em diferentes
níveis, explicando os aspectos cumulativos de miséria (Mota, 1964, p. 69). Exemplo é
a questão dos salários e sua relação com os níveis de vida, os indicadores de
desenvolvimento, o custo de produção e a taxa de lucro da economia.
61 A China deverá investir em infra-estruturas no Brasil, a partir de 2004/05, visando escoar as exportações
brasileiras de soja pelo Pacífico, reduzindo assim as distâncias e os custos de transporte.
A contribuição de Marshall foi fundamental para chamar a atenção para a
importância da organização interna das empresas no processo de crescimento
econômico, individual e coletivo. Grande parte do crescimento econômico ocidental,
no final do século 19, foi creditada ao aumento da produtividade das empresas,
proveniente da adoção de novos métodos gerenciais. Contudo, algumas suposições da
análise neoclássica têm-se mostrado pouco realistas, como a idéia de concorrência
perfeita, pleno emprego, flexibilidade de preços e salários e harmonia na distribuição
de renda.62
QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO
1. Explique os efeitos sobre a renda da terra, lucros e salários de inovações
tecnológicas poupadoras de trabalho e de terra.
2. Quais os fatores da queda da taxa de lucro no longo prazo, segundo Stuart Mill?
3. Qual a visão de Stuart Mill sobre o estado estacionário futuro? Compare-a com a
visão de Adam Smith e David Ricardo.
4. Qual o papel da organização industrial no desenvolvimento econômico segundo
Marshall? O que são economias internas e economias externas?
5. Quais as causas determinantes do desenvolvimento econômico, segundo Marshall?
6. Trace um paralelo entre o pensamento de Alfred Marshall e Stuart Mill.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MARSHALL, Alfred. Princípios de economia: tratado introdutório. São Paulo: AbrilCultural, 1982. 2 v.MEIER, Gerald M.; BALDWIN, Robert E. Desenvolvimento econômico. São Paulo:Mestre Jou, 1968.MILL, John S. Princípios de economia política: com algumas de suas aplicações àfilosofia social. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 2v. (Coleção Os Economistas).MOTA, Fernando de O. Manual do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Fundode Cultura, 1964.SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
62 Muitos desses pontos foram criticados por Keynes, como será visto no Capítulo 5.
7PENSAMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO63
SOUZA, Nali de Jesus.
Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
O pensamento econômico brasileiro envolve as correntes neoliberal,
desenvolvimentista e socialista, além do pensamento eclético e independente de
Inácio Rangel. O pensamento desenvolvimentista compreendia a corrente ligada ao
setor privado e a linha vinculada ao setor público, sendo esta última desdobrada,
ainda, em desenvolvimentismo nacionalista e não nacionalista (Bielschowsky, 1988, p.
284). Segundo a corrente desenvolvimentista, a transformação da economia brasileira
seria impossível sem industrialização, planejamento econômico e ampla participação
do Estado no processo produtivo. Essa corrente surgiu na década de 1930, com a
Grande Depressão e tomou corpo na administração pública e em órgãos como a
Confederação Nacional da Indústria e a Federação das Indústrias de São Paulo; sua
divulgação ocorreu a partir dos estudos econômicos da década de 1940 (Missão Cooke
e Missão Abbink); porém, foi a partir do surgimento do pensamento cepalino que ela
se consolidou definitivamente no Brasil, apesar das críticas ferrenhas do pensamento
neoliberal, liderado por Eugênio Gudin (1886-1986).
1. Pensamento neoliberal de Eugênio Gudin
Segundo os neoliberais, o crescimento econômico precisa ocorrer com base em
uma economia estabilizada. Em segundo lugar, ele deve fundamentar-se no aumento
de produtividade e não em políticas expansionistas, geradoras de industrialização a
qualquer custo. Eles consideravam como de fundamental importância o combate à
inflação, o aumento da produtividade, o estímulo às exportações, a liberdade ao
capital estrangeiro e participação mínima do Estado no controle da economia. A
ideologia neoliberal filia-se aos economistas clássicos ingleses, mas sofreu modificações
após o recrudescimento das crises do sistema capitalista na década de 1930. Sob a
influência do keynesianismo, passou-se a aceitar medidas anticíclicas praticadas pelos
63 Este texto é uma versão ampliada da seção 7.3 do livro Desenvolvimento Econômico (Souza, 2005).
governos. O termo neoliberal compreende, segundo Bielschowsky (1988, p. 43), essa
modificação, pois os economistas dessa corrente passaram a admitir “alguma
intervenção estatal saneadora de imperfeições de mercado que, segundo reconheciam,
afetavam economias subdesenvolvidas como a brasileira”.
A corrente neoliberal, na qual se destacaram Eugênio Gudin, Octávio Gouveia de
Bulhões, Dênio Nogueira e Daniel Carvalho, tinha como projeto econômico básico o
crescimento com equilíbrio das contas públicas; ela se fundamentava no livre
mercado, fazendo oposição às teses desenvolvimentistas lideradas pelo pensamento
cepalino. Em termos de política de combate à inflação, ela se identificava com o
monetarismo: os meios de pagamentos precisam expandir-se no mesmo ritmo das
transações econômicas, considerando-se constante a velocidade de circulação da
moeda. Os aumentos dos gastos públicos, sem correspondência com novas receitas,
elevam o volume de dinheiro na economia e geram inflação. As tentativas de
enxugamento do excesso de moeda em circulação, pelo lançamento de títulos
públicos, aumentam as taxas de juros e as despesas públicas, realimentando o déficit
público e a inflação. A expansão do crédito age no mesmo sentido de fazer crescer o
estoque de moeda e os preços, sendo, portanto, combatida pela corrente neoliberal. O
crescimento deve ocorrer após o saneamento da economia, para não provocar
desequilíbrios ainda maiores e abortar a própria expansão econômica futura. Os
desequilíbrios existentes resultariam de erros de política econômica do governo e não
de falhas de mercado (Bielschowsky, 1988, p. 284).
Segundo Eugênio Gudin (1886/1986), havia pleno emprego e inflação na
região Sul/Sudeste do país e desemprego no Norte/Nordeste, uma vez que esta última
região não conseguia empregar toda a mão-de-obra disponível. Havendo depressão, as
empresas do Sul/Sudeste reduzem a produção. Com pleno emprego, investimentos no
Sul/Sudeste tenderiam a elevar ainda mais os preços. Investimentos na melhoria da
produtividade, principalmente nos setores exportadores, seriam medidas coerentes
(Gudin, 1979, v. 2, p. 217-220). Com poupança interna escassa e afluxo insuficiente
de capitais estrangeiros, que não deseja atrair, o país lançava mão da emissão de
moeda, acelerando a inflação. Para atrair poupança externa, Gudin defendia a
completa liberdade para a remessa de lucros, por parte das multinacionais. Segundo
ele, o benefício do capital estrangeiro no desenvolvimento precisa ser avaliado “na
base da renda nacional e de seu incremento e não na do balanço de pagamentos”
(Gudin, 1979, v. 2, p. 95).
A grande procura de recursos para consumo e investimento tendia a elevar a
taxa de juros interna. Desse modo, havia “uma tendência a suprir com crédito a falta
de capital”, com a conseqüente expansão dos meios de pagamentos e da inflação.
Formava-se um círculo vicioso: a pressão inflacionária aumentava as taxas de juros e o
valor do serviço da dívida pública interna; “os empreendimentos governamentais,
sempre numerosos, passavam a ser financiados pelo déficit orçamentário, que
novamente provoca a pressão inflacionária, e assim por diante” (Gudin, 1979, v. 2, p.
46). Por outro lado, o aumento do crédito e os déficits públicos produzem excesso de
demanda, causadora de inflação, juntamente com a elevação dos salários sem
correspondência com maior produtividade. A inflação também se devia às
desvalorizações cambiais, porque encarecem as importações e isso se retransmite aos
preços dos bens domésticos, pela redução da oferta interna de bens. De modo geral, o
protecionismo, ao encarecer as importações, provoca inflação, afeta a eficiência
produtiva e reduz as exportações. Isso se explica porque os recursos se deslocam das
atividades exportadoras para a produção de bens anteriormente importados, com
altos custos médios.
No fim da década de 1940, o debate econômico no Brasil centrava-se
principalmente na “mística do planejamento”, a que se opunha Gudin, e na “mística
do equilíbrio instantâneo”, criticada por Prebisch. O planejamento era defendido pelos
economistas da CEPAL e por Roberto Simonsen, entre outros, em virtude do baixo
nível de renda da grande maioria da população e do “atraso” do desenvolvimento dos
países latino-americanos. Com o planejamento, tinha-se como objetivo orientar a
alocação dos recursos para áreas prioritárias e de caráter social. O planejamento,
como técnica, não exclui a participação privada. Pelo contrário, cria um clima de
confiança que estimula o investimento privado e o crescimento econômico. Nesse
sentido, Gudin concordava com a idéia de “plano”, que restabelece ao Estado sua
antiga função de fomentador da atividade econômica. O Estado Liberal, porém, tem
como função “estabelecer as regras do jogo, mas não a de jogar” (Gudin, apud
Magalhães, 1961, p. 12-13). Ele aceitava alguma forma de intervenção do Estado na
economia, para corrigir falhas do mercado, em determinadas áreas, principalmente
em períodos de depressão.64
Porém, a estratégia de Gudin para as economias subdesenvolvidas, como a
brasileira, não incluía o planejamento econômico. As variáveis fundamentais para o
64 Para os desenvolvimentistas, constitui grande desperdício de forças relegar a um plano secundário um
importante agente do desenvolvimento, que é o Estado. Do lado neoliberal, a grande objeção é que a excessivaintervenção estatal acaba inibindo a iniciativa privada, mola-mestra do desenvolvimento capitalista.
desenvolvimento eram: (a) atração do capital estrangeiro; (b) formação do mercado
de capitais; (c) assistência técnica e concessão de crédito seletivo para a agricultura;
(d) educação geral e profissionalizante; (e) incentivos ao aumento da produtividade;
e (f) promoção das exportações. Adicionalmente, o governo precisaria preservar a
estabilidade monetária e cambial, deixando ao mercado a tarefa de assegurar a
máxima eficiência do sistema.
A industrialização constituía para ele uma forma de diversificar a economia e
minimizar as flutuações cíclicas; porém, era contrário à industrialização subsidiada de
altos custos e baixa produtividade, porque privilegiava alguns grupos, em detrimento
do resto da economia. Sendo regulada pelo mercado, ela deveria absorver a mão-de-
obra excedente da agricultura, liberada gradativamente pela mecanização. O Estado
não deveria produzir, nem comercializar, porque a iniciativa privada gera bens e
serviços com maior produtividade, pela concorrência do mercado. São os
consumidores, no exercício de uma verdadeira democracia econômica, que orientam
as empresas a produzir determinados bens, em quantidades específicas, e não um
burocrata do planejamento central. Contudo, a simples manipulação de instrumentos
de curto prazo, isto é, as políticas monetária, fiscal, creditícia e cambial, sem a
definição de objetivos e estratégias de longo prazo, por parte da sociedade, tende a
levar a economia “a navegar em círculos”.
“Mas a Economia Liberal ou a Democracia Econômica não implicam emlaissez-faire, no sentido de ausência de governo ou de desinteresse do Estadopela ordem econômica. O seu princípio cardial é de que o Estado deve, emprincípio e por todos os meios, evitar interferir no campo da economiaprivada. O Estado pode facilitar, estimular, premiar. Pode, nas fases dedepressão, promover a realização de um programa de obras públicas,destinado a impulsionar a atividade econômica. Mas o Estado não devefabricar, não deve plantar, não deve comercializar, porque a economiaprivada dispõe para isso de uma grande superioridade de elementos” (Gudin,1951, p. 34).
Embora a economia neoliberal delegue ao setor privado, por meio dos
mecanismos de mercado, a tarefa de produzir, cabe ao governo um rigoroso controle
das variáveis macroeconômicas, para manter a economia em um equilíbrio estável
permanente. As variáveis relevantes a serem controladas são as que dizem respeito à
evolução dos meios de pagamentos, crédito, contas públicas e balanço de pagamentos.
2 Desenvolvimentistas ligados ao setor privado
Entre o empresariado e o setor público encontrava-se a corrente desenvol-
vimentista, que fazia oposição às teses neoliberais. Para ela, a industrialização, com
alguma forma de planejamento e participação estatal, constituía a condição
indispensável ao desenvolvimento econômico. Entre os desenvolvimentistas ligados ao
setor privado nacional, destacaram-se Roberto Simonsen, João Paulo de Almeida
Magalhães e Nuno Figueiredo. Eles obtinham da Confederação Nacional da Indústria
e da Federação das Indústrias de São Paulo o apoio institucional de que necessitavam.
Teoricamente, vinculavam-se a Keynes e a Prebisch. Defendiam a substituição de
importações, o protecionismo e crédito abundante e barato (Bielschowsky, 1988, p.
284).
2.1 Roberto Simonsen e o planejamento global
Roberto Cochrane Simonsen (1889-1948), engenheiro, empresário e político
brasileiro, idealizou instituições como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(SENAI) e o Serviço Social da Indústria (SESI). Ele ainda fundou o Centro das
Indústrias e a Faculdade de Engenharia Industrial de São Paulo. Desde a década de
1930, ele vinha propondo a industrialização do Brasil como forma de
desenvolvimento. Defendeu a criação de indústrias de base, como a siderurgia e a
química. Considerava viável a implantação de um capitalismo moderno no país, com
decisivo apoio governamental, por meio de políticas protecionistas e planejamento
econômico global. Em 1937, Roberto Simonsen já destacava o papel do Estado na
substituição de importações, por meio de tarifas elevadas para bens que pudessem ser
manufaturados internamente, destinando as divisas economizadas à importação de
máquinas e insumos industriais.
Havia, porém, forte oposição à industrialização do Brasil, por parte dos EUA e
da oligarquia agrário-exportadora nacional. Esta última concorria com a indústria por
recursos públicos e políticas macroeconômicas, como desvalorizações cambiais,
efetuadas para encarecer as importações, reduziam suas receitas de exportação. No
caso do EUA, o surgimento de novos países industrializados era visto como fator de
redução de mercado para suas manufaturas. Dirigindo-se a esses opositores, Roberto
Simonsen argumentava que a industrialização beneficiaria a todos, pelo aumento das
compras de matérias-primas, insumos industriais, máquinas, equipamentos e bens de
consumo duráveis.
Na defesa da industrialização, Simonsen opunha-se ao Plano Marshall para a
América Latina, porque significaria, segundo ele, o retorno desses países ao papel de
simples produtores de matérias-primas para a exportação, permanecendo
consumidores de produtos manufaturados dos países desenvolvidos. Ele não
acreditava que esse plano acarretasse investimentos industriais em um país como o
Brasil. Desse modo, como seus críticos, ele também não considerava que houvesse
impactos do desenvolvimento agrícola sobre a industrialização. Ele propunha a
transformação de matérias-primas no próprio país, a ampliação da capacidade
portuária e a abertura de rodovias para induzir investimentos industriais.
Tendo em vista as fortes oposições externas e internas, existentes por volta de
1950, a industrialização brasileira não poderia efetuar-se apenas pela iniciativa
privada e com a ajuda das “livres” forças do mercado. Tornava-se, portanto,
necessário o apoio governamental e a adoção de políticas protecionistas e de
estímulos à implantação de infra-estruturas e novas indústrias. Nesse sentido, Roberto
Simonsen acreditava ser indispensável o planejamento global para a concentração de
esforços direcionados a objetivos específicos de desenvolvimento. Em suas palestras e
artigos, procurava identificar planejamento com democracia, conciliando
intervencionismo com livre iniciativa. Isso se explica, porque o planejamento era visto
como uma iniciativa de cunho socialista e contrário aos interesses do capital privado.
Na concepção dos desenvolvimentistas ligados ao setor privado, porém, o
intervencionismo deveria atingir as áreas não cobertas pela iniciativa privada, como
eletrificação, siderurgia, petróleo, insumos básicos, material bélico e outras atividades-
chave, incluindo o que denominou “moderna agricultura de alimentação”
(Bielschowsky, 1988, p. 102).
Em suma, as idéias dos desenvolvimentistas ligados ao setor privado resumiam-
se na preservação do mercado interno para o setor privado nacional, na oposição ao
aumento dos salários e da tributação dos lucros, bem como na existência de crédito
barato e abundante para investimentos industriais. Para eles, a inflação não decorria
da expansão do crédito, mas do déficit público, da elevação salarial e da escassez de
alimentos para os trabalhadores. Os investimentos estatais constituíam um
desdobramento natural da programação econômica, mas deveriam deixar uma
participação máxima à iniciativa privada nacional. Quanto ao capital estrangeiro,
argumentavam que ele deveria ser orientado preferencialmente para as atividades
comerciais e agrícolas, bem como para os ramos industriais ainda não explorados no
Brasil (Bielschowsky, 1988, p. 113).
2.2 Almeida Magalhães e a tese da poupança forçada
Além de admitirem que o crédito não causa inflação, os desenvolvimentistas
aceitavam que uma taxa moderada de inflação favorece o desenvolvimento. A
elevação do nível geral de preços, com salários monetários constantes, reduz os
salários reais, o que estimula os investimentos. A inflação constitui, portanto, uma
poupança forçada, embolsada pelos empresários, que se traduz em novos
investimentos. A tese da poupança forçada, como estímulo ao desenvolvimento, foi
defendida por João Paulo de Almeida Magalhães, a partir dos anos de 1950. Ele
opunha-se às posições neoliberais de combate à inflação, causadoras de recessão e
desemprego. Para ele, baixos níveis de inflação constituem um mecanismo de
poupança forçada, que coloca recursos à disposição dos empresários, por meio do
crédito e da possibilidade de aumentarem os preços com uma margem acima dos
custos médios. Ele rejeitava a tese de pleno emprego da economia brasileira,
defendida por Eugênio Gudin. Ele argumentava que havia mão-de-obra subempregada
na agricultura e no setor terciário urbano, que poderia ser absorvida por novos
investimentos financiados por crédito ou poupança forçada. Ele sustentou a idéia de
que a inflação moderada desempenha papel fundamental no desenvolvimento
econômico.
Se a economia estivesse em uma situação de pleno emprego, como sustentava
Gudin, novos investimentos seriam inflacionários; assim, a única alternativa para
deslocar para cima a fronteira das possibilidades de produção seria aumentar a
produtividade dos fatores. Com desemprego, o investimento precisa crescer de alguma
forma para recuperar o “atraso” do desenvolvimento em relação aos países
desenvolvidos. Porém, mesmo com desemprego de trabalho, o crescimento fica
limitado pela escassez de capital. Existe, portanto, um limite superior para o
crescimento econômico, dado pela acumulação de capital. Desse modo, para
maximizar a taxa de crescimento e aumentar o nível de emprego, torna-se necessário
o aporte de poupança interna e externa (Magalhães, 1961, p. 153).
Descartando-se aumentos substanciais de poupança voluntária, a economia
precisaria crescer, portanto, mediante poupança forçada. Desse modo, a capacidade de
crescimento da economia poderia aumentar de modo compulsório. A poupança
forçada significa uma proposição oposta à de Gudin, para o qual os investimentos
precisam ser cortados para reduzir a inflação. “Nos países desenvolvidos, em que o
teto é o fator trabalho, nossas conclusões coincidem com as daquele autor”
(Magalhães, 1961, p. 97).
Porém, o modelo de Magalhães da poupança forçada encontra um limite no
momento em que os grupos prejudicados reagem, recuperando perdas. Ao
provocarem uma espiral inflacionária, eliminam a poupança forçada e a possibilidade
de deslocar para cima a fronteira das possibilidades de produção. Contudo, havendo
defasagem na recuperação de perdas salariais e de outros rendimentos fixos, ocorrerá
poupança forçada e as remarcações de preços estimulam os investimentos. Na
possibilidade de a economia poder contar com a ajuda de poupança externa, o papel
da poupança forçada fica reduzido. Em conclusão, o crescimento pode efetuar-se com
inflação ou sem ela, desde que outros fatores não sejam limitantes, como mão-de-obra
especializada, tecnologia, capacidade empresarial e capitais externos (Magalhães,
1961, p. 99).
Embora a queda dos salários reais resulte em concentração de renda, ela
proporciona aumento dos investimentos. Entretanto, tendo em vista que a inflação
causa graves distorções no longo prazo, Magalhães alertava para a necessidade de
incentivar-se a poupança voluntária, salientando que isso só seria possível com maior
crescimento da renda nacional. A corrente desenvolvimentista ligada ao setor privado,
na verdade, defendia seus próprios interesses. Ela desejava importar equipamentos
com subsídios cambiais e preservar o mercado interno para suas empresas. Para
preservar seus lucros, ela recomendava que se evitasse a tributação excessiva,
argumentando a necessidade de estimular os investimentos e evitar a evasão de
capitais. Da mesma forma, criticava a fixação do salário mínimo em níveis
considerados elevados e reclamava dos altos encargos sociais. Os economistas dessa
linha mantinham um discurso adequado aos anseios da classe patronal nacional.
3 Desenvolvimentistas ligados ao setor público
Os economistas desenvolvimentistas ligados ao setor público dividiam-se em
duas correntes, a nacionalista e a não nacionalista. A industrialização com forte apoio
estatal consistia o ponto em comum desses dois grupos. A divergência encontrava-se
na participação do capital estrangeiro e na adoção de políticas de estabilização prévias
a qualquer programa de desenvolvimento.
3.1 Celso Furtado e a corrente nacionalista ligada ao setor público
A corrente nacionalista ligada ao setor público teve como expoentes Celso
Furtado, Rômulo de Almeida e Américo de Oliveira. Eles consideravam que a
participação de empresas estatais era fundamental para a industrialização e o
desenvolvimento de projetos prioritários, tais como os de mineração, petróleo,
energia, transportes, telecomunicações e indústrias básicas. Teoricamente estavam
ligados, como os desenvolvimentistas do setor privado, a um ecletismo keynesiano e
às teses cepalinas. Defendiam a industrialização por substituição de importações e
contavam com a ampla participação do Estado na correção de desequilíbrios
estruturais e na eliminação dos pontos de estrangulamentos do crescimento
(Bielschowsky, 1988, p. 284).
Celso Monteiro Furtado, nascido em 1920, na Paraíba, foi um dos diretores da
CEPAL e do Grupo Misto CEPAL/BNDES. Ele participou da elaboração do Plano de
Metas do governo Kubitschek, que deu origem à Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), da qual foi o primeiro superintendente.
Juntamente com Prebisch, ele desenvolveu e divulgou a análise estruturalista da
CEPAL. Em seus escritos, defende a ampla participação do Estado na economia, por
meio do investimento em setores estratégicos, a submissão da política monetária e
cambial aos objetivos do desenvolvimento e a realização, pelo Estado, da reforma
agrária e redistribuição de renda (Bielschowsky, 1988, p. 159).
Assim como Wallich (1969), Furtado entendia que a dinâmica do crescimento
encontrava-se nas pressões de demanda e que as inovações tecnológicas podiam ser
importadas, sob a coordenação do Estado. O planejamento estatal orientaria o
crescimento, rompendo com estruturas arcaicas, bloqueadoras do desenvolvimento.
Segundo ele, a transformação das estruturas agrícolas aumentaria continuamente a
produtividade, pela transferência de fatores e atividades das zonas rurais para o meio
urbano.65 A introdução do progresso técnico na agricultura eleva a renda agrícola,
pelo aumento da produção para a exportação e o mercado interno. Maior demanda de
65 Ver seção 1.5 do Capítulo 1.
produtos manufaturados pela agricultura estimularia a renda urbana, que demandaria
produtos agrícolas, estimulando uma vez mais o desenvolvimento.
O aumento da produtividade agrícola provocaria uma tendência ao
desequilíbrio do balanço de pagamentos, o que exigiria um controle permanente pelo
Estado de importações não essenciais. Ele considerava que o desenvolvimento não
constitui uma etapa histórica pela qual todos os países deverão passar, e que o
subdesenvolvimento resulta da expansão da economia mundial, desde a Revolução
Industrial na Inglaterra. Centros industriais constituídos em alguns países geraram
uma periferia subdesenvolvida e dependente; o subdesenvolvimento seria subproduto
do desenvolvimento capitalista mundial. A industrialização periférica, feita à imagem
daquela dos países centrais, efetua-se sobre uma estrutura arcaica, pouco diversificada
e de baixa produtividade. Para não interromper o crescimento por estrangulamentos
prematuros do balanço de pagamentos, a industrialização exigiria constantes
investimentos em infra-estruturas e em atividades complementares (Furtado, 1961, p.
171).
Ao Estado caberia, portanto, a realização de tais investimentos, pois novas
oportunidades de negócio nem sempre são percebidas pelo ângulo da firma; grandes
investimentos deixam de ser efetuados, tendo em vista o volume de recursos
necessários. Em muitos casos, a realização desses investimentos ficaria obstruída pela
insuficiência de poupança interna e pela baixa capacidade de importar. Torna-se
necessário, portanto, recorrer aos capitais externos. Para Furtado, porém, como para
os demais economistas dessa corrente, a preferência ficava para os empréstimos
realizados de governo a governo, porque teoricamente seriam obtidos sob condições
mais vantajosas. Da mesma forma, Celso Furtado procurava evitar os laços de
dependência ao capitalismo internacional, preferindo um modelo de crescimento
voltado para o dinamismo do setor de mercado interno, porque o crescimento
atrelado ao desempenho das exportações de produtos agrícolas mostrava-se
vulnerável em função de receitas instáveis e com poder de compra decrescente.
Essa postura, no entanto, conflitava com a observação de que o
desenvolvimento fica bloqueado pelo estancamento da capacidade de importar.66 Os
desequilíbrios do balanço de pagamentos, decorrentes do crescimento das
importações e da constância ou declínio do poder de compra externo, deveriam ser
sanados por substituições de importações, programadas pelo governo, e não por
66 Um exemplo numérico da tendência ao desequilíbrio externo, quando se avança no processo de crescimento por
substituição de importações, foi apresentado em Souza, 2005, Tabelas 1.6 e 1.7 do Capítulo 1, seção 1.5.
políticas monetárias contracionistas, redutoras do nível do investimento. O argumento
de Furtado era de que as altas taxas de desemprego das economias subdesenvolvidas
exigem crescimento econômico mais acelerado. Como este se faz com elevação do
coeficiente de importações, “qualquer tentativa de correção do desequilíbrio,
mediante desvalorização, provoca sem demora uma redução no ritmo do crescimento,
pelo simples fato de que eleva os preços dos bens de capital relativamente aos de
consumo” (Furtado, 1961, p. 226).
Segundo Celso Furtado e os estruturalistas de modo geral, a oferta das
economias subdesenvolvidas é muito rígida, gerando o processo inflacionário. Isso se
explica por não ser possível, no curto prazo, aumentar a oferta quando os preços
sobem, ou reduzi-la quando caem. Enquanto isso, a demanda diversifica-se de modo
acelerado, em função do efeito demonstração do consumo dos países desenvolvidos. O
único meio de eliminar essa tendência inflacionária é expandir a oferta. O problema
da inflação, portanto, reside na própria superação do subdesenvolvimento, o que se
obteria de modo mais rápido pelo planejamento global e setorial. Este aumentaria a
eficiência da industrialização, ao eliminar os estrangulamentos decorrentes da
heterogeneidade e rigidez estruturais.
Em suma, Furtado considerava fundamental a participação do Estado na
economia: (a) atuando diretamente no setor produtivo, por meio de empresas
estatais; (b) planejando a distribuição regional e setorial dos investimentos; (c)
subordinando a política monetária ao desenvolvimento; (d) promovendo uma distri-
buição de renda mais eqüitativa no sentido de dinamizar o setor de mercado interno;
e, (e) controlando o afluxo de capital estrangeiro, para que a dependência financeira
excessiva não retirasse do país sua autonomia na gestão de problemas econômicos
fundamentais. Celso Furtado mantinha, portanto, uma postura nacionalista e estati-
zante, conforme o pensamento predominante da corrente nacionalista ligada ao setor
público.
No início da década de 1960, ao esgotar-se o modelo de substituição de
importações, Celso Furtado defendia uma estratégia de desenvolvimento pelo
aumento da produtividade e distribuição de renda. A elevação da demanda de bens de
consumo dos trabalhadores induziria a adoção de inovações tecnológicas na produção
de bens de consumo e na agricultura. Preços mais baixos e salários mais altos
aumentariam a demanda de produtos industriais. A transformação da estrutura
agrária agiria no mesmo sentido, com o meio rural consumindo bens industriais
(Furtado, 1961, p. 266).
3.2 Roberto Campos e a corrente não nacionalista ligada ao setor público
Entre os economistas da corrente não nacionalista do setor público, destacaram-
se Roberto Campos, Lucas Lopes e Glycon de Paiva. Eles defendiam a industrialização
com ampla participação do capital estrangeiro e com planejamento parcial.
Caracterizavam-se também pela defesa de políticas de estabilização e achavam que o
Estado não devia ocupar os espaços onde a iniciativa privada podia atuar com maior
eficiência. Esses eram os pontos de contato com a corrente neoliberal. A diferença
residia na defesa da industrialização com planejamento estatal, porém parcial ou
setorial (Bielschowsky, 1988, p. 123).
Roberto de Oliveira Campos (1917-2001) foi membro da Comissão Mista
Brasil-Estados Unidos (1951-1953), que realizou amplo diagnóstico da economia
brasileira e que originou o BNDES e o Grupo Misto CEPAL/BNDES (1953/1955). Ele
preferia o capital estrangeiro ao estatal, mesmo em setores considerados de segurança
nacional, como mineração e energia. Defendia a industrialização com apoio estatal,
pois considerava necessário compensar a debilidade privada para investir. A
participação do Estado seria feita mediante planejamento parcial e coordenação
política. Segundo ela, a grande meta do planejamento é “contingenciar recursos
escassos entre objetivos concorrentes e escalonar sua utilização eficiente no tempo e
no espaço”. Com o planejamento, pode-se maximizar o crescimento econômico,
reduzir o consumo supérfluo e canalizar poupanças pelo aperfeiçoamento dos
mecanismos de captação. O governo tem “a faculdade telescópica” para visualizar
onde atuar com prioridade. “Através da tributação, pode o governo comprimir o
consumo presente em benefício da acumulação de capital para investimentos”
(Campos, 1952, p. 16).
O ponto de partida do planejamento é o recenseamento das necessidades de
investimento, nos diferentes setores, seguido do levantamento das fontes dos recursos
disponíveis. O critério preferencial do planejamento é a melhoria da produtividade;
para isso, escolhem-se primeiro os projetos de rentabilidade mais imediata,
principalmente aqueles suscetíveis de atrair a iniciativa privada. De outra parte, sendo
escassos os recursos, e tendo em vista o máximo retorno no menor tempo possível,
recomendava Campos a concentração dos investimentos em áreas já providas com
alguma infra-estrutura básica. Tornava-se necessário evitar a dispersão espacial e
setorial dos recursos, para evitar a diluição e o enfraquecimento dos efeitos de
encadeamento e de multiplicação dos investimentos. Assim, Campos recomendava a
alocação dos recursos em pontos de crescimento, formados por indústrias motrizes e
indústrias-chave,67 ou pontos de germinação, como transporte, energia e indústrias
básicas (Campos, 1952, p. 22).
A indústria automobilística foi um ponto de germinação importante, no fim dos
anos de 1950, pelo desenvolvimento da indústria de autopeças e atividades correlatas.
Os recursos foram alocados também em pontos de estrangulamento, como aqueles com
insuficiência de oferta de energia, transportes, portos, aço, fertilizantes etc. Essas
insuficiências de ofertas setoriais agravam-se na medida em que a industrialização
avança. No contexto do Plano de Metas (1956/1961), a idéia básica foi transformar
tais pontos de estrangulamento em pontos de germinação, por meio da melhoria da
produtividade agrícola e da implantação de algumas indústrias-chave, como
siderurgia e material de transporte.
Campos considerava como um vício do planejamento a superestimação do
capital físico em relação ao capital humano, como educação, pesquisa e formação
técnica. Em muitos casos, a “mecanização prematura” leva à subutilização pela
carência de desenvolvimento educacional e tecnológico. Para os países
subdesenvolvidos, portanto, “uma melhoria de produtividade através de
equipamentos relativamente baratos, ainda que de menor eficiência mecânica, é mais
importante do que o aumento de produtividade através de equipamentos de alta
densidade de capital e destinados à poupança de mão-de-obra” (Campos, 1952, p.
29).
Concordando com Wallich (1969) que o desenvolvimento pode ser derivado do
desenvolvimento de outros países, através da importação de tecnologia e de capitais,
ele apostava no crescimento desequilibrado: o surgimento e a correção de
desequilíbrios e a disseminação dos efeitos do crescimento nos demais setores e no
espaço são opções que levam ao aumento do tamanho da economia. Em relação à
inflação, ele preferia o gradualismo aos choques ortodoxos, para não causar recessão.
Sua estratégia consistia em limitar a expansão do crédito a um ritmo que permitisse à
economia desinflar paulatinamente. Para ele, a inflação resultava do estímulo ao
consumo, do efeito demonstração que reduzia a taxa de poupança e desequilibrava o
balanço de pagamentos. Em relação às visões extremas do monetarismo e do
estruturalismo, mantinha uma posição eclética (Bielschowsky, 1988, p. 140).
A poupança forçada gera crescimento no curto prazo, mas a concentração de
67 Estes conceitos serão tratados com detalhes no Capítulo 8, do livro do Autor (Souza, 2005).
renda resultante aumenta o consumo supérfluo e os investimentos improdutivos em
imóveis e em divisas estrangeiras; isso desestimula o aumento da produtividade e da
eficiência. A inflação persistente distorce os investimentos, afastando-os de áreas
básicas como energia e transportes, principalmente quando as tarifas não
acompanham os custos. Seu combate pelo controle de preços, porém, aumenta as
expectativas, elevando as tendências inflacionárias. Na agricultura, ele inibe o
aumento da oferta e pressiona os preços. “O ideal seria, então, um nível moderado de
inflação, uma alta gentil e suave dos níveis dos preços, de modo a lubrificar a
economia, premiar os ousados sem, entretanto, punir demasiadamente os prudentes”
(Campos, 1953, p. 33 e 38).
Roberto Campos considerava o pseudonacionalismo nocivo ao desenvolvimento,
ao provocar escassez de capital. Enquanto o capital estrangeiro era banido de setores
de baixa rentabilidade, permitia-se a atuação de empresas multinacionais na indústria
de transformação, o filé mignon da economia. O governo ficava “roendo o osso” em
setores ditos de “segurança nacional, como petróleo, energia elétrica e mineração”,
deixando de alocar recursos em áreas sociais (Campos apud Bielschowsky, 1988, p.
147).
Segundo ele, o capital estrangeiro deveria ser destinado, preferencialmente, a
setores de alta relação capital/trabalho, que exigem investimentos de longo período
de maturação, envolvendo altos riscos, como a prospecção de petróleo, e baixa
rentabilidade direta, como energia e transportes. Investindo em infra-estruturas, de
menor rentabilidade, o governo cria economias externas para empresas multinacionais,
que atuam livremente em setores de alta taxa de lucro, quando seria desejável que
ocorresse o contrário, isto é, que o capital estrangeiro gerasse externalidades para
empresas nacionais, de menor competitividade. Geralmente, porém, as empresas
estrangeiras não eram atraídas aos setores infra-estruturais pelo congelamento
tarifário, que comprimia a taxa de lucro. Roberto Campos criticava ainda os
nacionalistas ao afirmar que o argumento da sangria da remessa de lucros é
teoricamente equivocado, por não levar em conta seus efeitos sobre o crescimento do
produto: elevação da produtividade nacional, aumento das exportações, substituição
de importações e transformação tecnológica, além de maior capacidade interna de
poupança (Bielschowsky, 1988, p. 148).
4 Inácio Rangel e a corrente socialista
O pensamento econômico brasileiro ligado ao desenvolvimento completa-se
com a inclusão dos economistas socialistas e do pensamento independente de Inácio
Rangel. A corrente socialista ligava-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e ao
Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), tendo como principais representantes
Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré e Alberto Passos Guimarães. Esses autores,
baseando-se na doutrina marxista, buscavam viabilizar o desenvolvimento capitalista
no Brasil, a fim de facilitar sua passagem ao socialismo. A maioria deles defendia a
tese de que a agricultura brasileira permanecia feudal, sendo necessária a reforma
agrária para transformar as relações de trabalho do meio rural e promover o
desenvolvimento econômico. Argumentavam que duas contradições básicas estavam
presentes na sociedade brasileira: o monopólio da propriedade da terra e o
imperialismo internacional. O planejamento econômico, com ênfase na empresa
privada nacional e no Estado, apresentava-se como uma condição necessária para
evitar a dependência ao imperialismo externo (Bielschowsky, 1988, p. 284).
Inácio de Moura Rangel (1914-1994) foi assessor econômico do governo
Vargas, membro do Conselho Nacional do Petróleo e técnico do BNDES. Destacou-se
das demais correntes por ter efetuado uma adaptação própria de elementos teóricos
provenientes de Adam Smith, Keynes e Marx. Em relação à inflação, por exemplo, ao
contrário da idéia monetarista, ele partiu do pressuposto de que os preços apresentam
variações autônomas em relação ao estoque de moeda. A relação entre moeda e
preços pode ser vista pelo exame da equação de Fischer: Mv = pY, onde M são os
meios de pagamentos, v a velocidade de circulação da moeda, p o nível geral de
preços e Y o nível da atividade econômica. Pela teoria quantitativa da moeda, sendo v
constante, o aumento de M não causa elevação de Y, mas de p: a causalidade é da
moeda para os preços. Inversamente, uma redução autônoma dos meios de
pagamentos deprime os preços e causa recessão.
Segundo Rangel, em uma economia oligopolizada como a brasileira, isso não
acontece porque as empresas recorrem ao crédito bancário para financiar seus
estoques e mantêm ou mesmo elevam seus preços. Por outro lado, o produto não cai
quando há expansão autônoma dos preços, mas provoca aumento dos meios de
pagamentos ou da velocidade de circulação da moeda. Os problemas de caixa dos
bancos são resolvidos pelo Banco Central ou por emissão de moeda, implicando que a
causalidade ocorre dos preços para a moeda e não o contrário. O governo exerce, a
esse respeito, um papel passivo: a inflação teria origem no mercado e não no
Ministério da Fazenda (Rangel, 1986, p. 25).
Em outro extremo, os estruturalistas explicam a causalidade preços e moeda
pela existência de pontos de estrangulamentos, como oferta insuficiente de produtos
importados e inelasticidade da oferta agrícola. Contudo, as grandes transformações
estruturais da economia brasileira, nas décadas de 1950 e 1970, ampliaram as
pressões inflacionárias em vez de arrefecê-las. Desse modo, Rangel criticou a
insuficiente ênfase na demanda, tanto por monetaristas como por estruturalistas. Em
sua opinião, não é a inelasticidade da oferta de produtos agrícolas que explica a
elevação de preços, mas as imperfeições de mercado do lado da intermediação
comercial, entre produtores e consumidores. Ao mesmo tempo, a essencialidade dos
produtos agrícolas produz rigidez de demanda relativamente independente das
flutuações de preços. No entanto, a sociedade tolera a inflação pela funcionalidade
entre inflação e crescimento econômico. Corte no crédito, aumento da taxa de
redesconto do Banco Central e controle de preços inibem o crescimento da produção,
gerando desemprego e agravando as crises (Rangel, 1986, p. 28).
A tese estruturalista da rigidez da oferta agrícola vem ao encontro da idéia da
insuficiência do mercado interno para o crescimento econômico. A reforma agrária
aumenta a oferta de alimentos e a renda das populações agrícolas, assim como a
demanda dos trabalhadores. Para Rangel, no entanto, o aumento da oferta agrícola
não seria suficiente para reduzir a inflação. Seria preciso também aperfeiçoar os
canais de comercialização dos produtos agrícolas, tornando o setor agropecuário mais
concorrencial. Outro ponto que distingue seu pensamento é o fundamento teórico da
reforma agrária. Nos anos de 1960, os economistas de esquerda discutiam se o modo
de produção da agricultura era feudal ou capitalista; isso era importante para a
definição do tipo de reforma agrária a ser proposta.
Segundo Guimarães (1981), as relações de produção da agricultura brasileira
eram feudais, sendo necessária uma reforma agrária ampla para transformá-las e
permitir o desenvolvimento capitalista no país. Já para Caio da Silva Prado Júnior
(1907-1990) tais relações sempre foram capitalistas, como atestaria a existência de
uma agricultura exportadora (Prado Jr., 1981). Desse modo, o desenvolvimento não
precisaria passar, necessariamente, pela reforma agrária, mas pela extensão da
legislação trabalhista do meio urbano ao homem do campo; ao estimular o pagamento
de salários, ela ampliaria o mercado consumidor nas zonas rurais, estimulando a
industrialização e o desenvolvimento capitalista.
4.1 Relações de produção da agricultura
Rangel (1977) assume uma posição intermediária, conciliadora. Ele argumenta
que as relações de produção são feudais no interior das fazendas, explicando a
posição sociopolítica do “coronel” e sua dominação extra-econômica do camponês que
trabalha e habita em suas terras, e que tais relações se mostram capitalistas no
relacionamento da unidade produtiva rural com o mercado. Esses dois modos de
produção, simultâneos, constituem o fundamento da tese de Rangel sobre a dualidade
básica da economia brasileira. Sua proposta consistia em romper com a dominação do
proprietário em relação ao camponês, existente pelo fato de este habitar em suas
terras. A fim de desenvolver o mercado de trabalho no meio rural e incentivar o
desenvolvimento do capitalismo no campo, sugere uma “reforma agrária” diferente.
Ela consistiria na doação ou venda de uma pequena gleba de terra ao
trabalhador rural (1 a 2 hectares), para que ele pudesse aumentar seu poder de
barganha no mercado de trabalho. Desse modo, cultivando sua pequena lavoura de
subsistência, ele poderia recusar salários muito baixos, evitando, assim, a exploração
por parte dos fazendeiros. Ao mesmo tempo, poderia elevar sua renda e produzir
parte da subsistência, com produtos que retiraria de sua própria terra.
Esse dualismo explicaria a existência de um Brasil moderno, capitalista, ao lado
de um Brasil arcaico, feudal. Essa dualidade também se manifestaria historicamente
por: (a) fazenda escrava x fazenda mercantil-exportadora; (b) latifúndio feudal x
fazenda mercantil-exportadora; (c) latifúndio feudal x capitalismo industrial (a partir
dos anos de 1930). A tese central é a de que a estrutura sociopolítica nacional se torna
influenciada pela estrutura dual da economia, quando o poder político passa a ser
exercido por duas frentes aliadas, mas ao mesmo tempo em conflito (Rangel, apud
Bielschowsky, 1988, p. 254).
As crises cíclicas do capitalismo internacional influenciaram as alianças
internas, ao definirem a intensidade e a natureza das relações entre centro e periferia.
A tese da dualidade marcou o posicionamento político de Rangel e sua opção pela tese
da substituição de importações, como modo de transformar a estrutura econômica do
país. O protecionismo não apenas contém a tendência à expansão do consumo, acima
das possibilidades da oferta interna, como também equilibra o balanço de pagamentos
e promove o desenvolvimento industrial. A idéia subjacente é a de que apenas as
exportações de produtos agrícolas não seriam suficientes para elevar o nível de
emprego e transformar a economia nacional, além de manter a estrutura dual na
agricultura.
Era preciso o estímulo do Estado para industrializar o país, o que só poderia ser
efetuado, rapidamente, pela substituição de importações. Contudo, o modelo leva à
capacidade ociosa, porque a substituição de importações efetua-se gradativamente em
setores com menor demanda e com maior coeficiente de capital e sofisticação
tecnológica. A minimização dos desequilíbrios pode ser obtida pelo planejamento
governamental.
A partir dos anos de 1970, a penetração do capitalismo no campo transformou
o latifúndio feudal em propriedades capitalistas, aumentando a produtividade do
trabalho e desempregando milhões de trabalhadores. À medida que essas pessoas não
encontram trabalho, não cresce o mercado interno para bens de consumo popular. O
elevado contingente de desempregados, tanto no meio urbano, como nas zonas rurais,
está explicando as crescentes ocupações de terras por agricultores. A reforma agrária
torna-se imperiosa para expandir a oferta interna de alimentos e matérias-primas
agrícolas. De outra parte, a economia necessita crescer para expandir o emprego. Sem
reforma agrária e redistribuição de renda, o crescimento econômico efetua-se com
elevada taxa de exploração e baixa propensão a consumir por parte dos trabalhadores
(Rangel, 1986, p. 58).
Outra conclusão de Rangel foi que o desenvolvimento industrial produziu uma
nova classe de fazendeiros no “comando dos modernos meios de produção”,
diferenciando-se do latifúndio exportador paulista e do latifúndio gaúcho substitutivo
de importações. O velho pacto de 1930, firmado entre o latifúndio feudal e o
capitalismo industrial nacional, estaria para ser substituído por uma nova aliança, a
fim de viabilizar o desenvolvimento capitalista no Brasil (Rangel, 1986, p. 149).
5 Algumas teses em debate no Brasil após 1964
O esgotamento do modelo de substituição de importações, no início dos anos
de 1960, levou os formuladores da política econômica governamental a dar à
economia brasileira maior abertura ao comércio internacional. Durante os primeiros
anos do regime militar, entre 1964 e 1967, sob a direção de Roberto Campos
(Ministério do Planejamento) e de Octávio Gouvêa de Bulhões (Ministério da
Fazenda), efetuou-se, no Brasil, ampla reforma econômico-financeira, criando as bases
para o crescimento econômico posterior, que foi sustentado pela expansão das
exportações e por uma fase posterior de substituição de importações. A confiança
depositada pelo setor privado na política econômica, a reforma fiscal e a capacidade
ociosa existente no sistema produtivo contribuíram para acelerar o crescimento
econômico entre 1968 e 1973, ano em que ocorreu o primeiro choque do petróleo,
que desacelerou o crescimento da economia nacional nos anos seguintes.
As exportações de produtos manufaturados desempenharam importante papel
no crescimento após 1968, viabilizando importações de bens de capital e de insumos
industriais, o que gerou importantes impactos no setor de mercado interno. Elas
mudaram a pauta exportadora brasileira, passando de 17,9% das exportações totais,
em 1957/1961, para 29,7% em 1973 (Langoni, 1976, p. 61).
5.1 Exportar ou substituir importações
Em termos de ideologia desenvolvimentista, o grande debate do período iniciado
em 1964, até o início dos anos de 1980, centrou-se na dicotomia entre “orientar a
economia para as exportações” ou continuar com o “processo de substituição de
importações”. Os críticos do modelo econômico brasileiro afirmavam que o governo
concedia incentivos em demasia aos exportadores, enquanto aumentava a
concentração de renda no país. Como será visto adiante, no contexto do II PND
(1975/1979), o Brasil avançou intensamente na substituição de importações,
principalmente de insumos básicos.
Os críticos do “modelo exportador” não percebiam que o coeficiente de
emprego no setor exportador é muito maior do que no setor de substituição de
importações. Os produtos manufaturados exportados por um país como o Brasil, para
os quais possui vantagens comparativas, são os de tecnologia mais simples e que
incorporam maiores proporções de trabalho, o fator relativamente mais abundante.
Utilizando-se o raciocínio oposto, percebe-se que os produtos importados substituídos
são os de capital mais intensivo. A industrialização por substituição de importações
tende a economizar o fator abundante e empregar mais o fator escasso. Desse modo, o
crescimento do emprego no Brasil não acompanha o ritmo do crescimento econômico.
No longo prazo, aumenta a participação da renda do capital no produto, em
detrimento da renda do trabalho. Assim, a produção por substituição de importações
tende a elevar a concentração de renda no país.
Além disso, essas indústrias concentram-se nas regiões mais industrializadas do
país, como no sudeste, aumentando as desigualdades regionais; enquanto a produção
para exportação, incorporando tecnologias de trabalho mais intensivo, corresponde a
atividades que se concentram de preferência nas regiões periféricas. Essas indústrias,
crescendo rapidamente, aumentam a capacidade de importar do país e criam
empregos nas regiões mais pobres, reduzindo as desigualdades pessoais e regionais da
renda. Desse modo, o crescimento por substituição de importações tem aumentado a
concentração espacial e pessoal da renda. A população 10% mais pobre detinha 1,1%
da renda, em 1970, contra 1,2% em 1960; enquanto a população 10% mais rica
aumentou essa participação de 39,7% para 47,8% (Langoni, 1976, p. 127).
5.2 Bresser Pereira e o subdesenvolvimento industrializado
A economia brasileira cresceu 7% ao ano, em média, entre 1948/61, com
intensa industrialização. O PIB subiu de US$ 19,5 bilhões em 1965, para US$ 323,6
bilhões em 1988. A participação da indústria no produto variou de 33% para 43% no
mesmo período (Banco Mundial, 1990, p. 189). Contudo, o aumento do nível de vida
da maioria da população não foi tão rápido. Em 1965, o consumo diário de calorias
per capita era de 2.402 (EUA: 3.224; México: 2.644); em 1988, esse número subiu
para 2.656 (EUA: 3.645; México: 3.132) (Banco Mundial, 1990, p. 239). O lento
crescimento dos indicadores de desenvolvimento gerou a idéia de que o país continua
subdesenvolvido, apesar de industrializado. A concentração de renda gerou uma
classe média com nível de renda europeu (uma Bélgica), e uma população pobre e
subnutrida, nos moldes indianos.68 Em 1974/1975, 36% das pessoas viviam abaixo da
linha de pobreza (não possuíam renda suficiente para o atendimento das necessidades
básicas), sendo 38,6% nas áreas rurais e 34,4% nas áreas urbanas (Fava, 1984, p.
105).
Em 1989, a distribuição de renda no Brasil apresentava a seguinte estrutura: os
20% mais ricos detinham 67,5% da renda, enquanto para os 20% mais pobres esse
valor era de apenas 2,1%. Esse foi o mesmo percentual da Guatemala e Guiné-Bissau,
sendo inferior ao de países de renda média, como Venezuela (4,8%, 1989) e México
(4,1%, 1984) (Banco Mundial, 1995, p. 239). No Brasil, dos 168 milhões de
68 Essa dicotomia levou Edmar Bacha a cunhar o termo Belíndia para se referir ao Brasil, uma vez que, em termos
de contingentes populacionais e níveis de renda, o país seria formado por uma Bélgica (as classes média e alta) epor uma Índia (a maioria pobre).
habitantes em 1999, 53,1 milhões eram considerados pobres e 22,6 milhões eram
indigentes (ver Capítulo 1 de Souza, 2005, Tabela 1). Percebe-se, portanto, a
existência de 92 milhões de pessoas formando as classes média e alta, que constituem
a base do setor produtor de bens de consumo, principalmente os de natureza
supérflua, de tecnologia importada. O efeito-demonstração do consumo e a
importação de tecnologia constituem o elemento dinâmico do modelo. Portanto, o
subdesenvolvimento industrializado, segundo Bresser Pereira, “caracteriza-se pela
tentativa de reproduzir na periferia os padrões de consumo do centro, em benefício de
uma minoria capitalista e tecnoburocrática”69 (Pereira, 1981, p. 22).
O padrão de acumulação do subdesenvolvimento industrializado gera um
dualismo no interior do setor industrial, um segmento que produz bens de consumo
dos trabalhadores, com base em tecnologias mais tradicionais, e outro que elabora
produtos de consumo de luxo, reproduzido dos padrões de consumo dos países
desenvolvidos e com base em tecnologia importada. Ao se adotarem técnicas com alta
relação capital/trabalho, aumenta no longo prazo tanto a participação da renda do
capital na renda total, como a participação dos maiores salários e ordenados na massa
salarial da economia. Desse modo, o modelo concentra a renda, favorecendo a
demanda de bens de consumo duráveis e de luxo. Ao se produzirem esses bens com as
mesmas técnicas dos países desenvolvidos, substituindo importações, reproduz-se o
sistema voltado para a produção de bens de consumo das elites.
A limitação do crescimento desse modelo não se encontra na incapacidade de
absorção de mão-de-obra ociosa pela economia, porque não se apóia no consumo
popular, mas no consumo das elites. O modelo não depende da renda dos
trabalhadores, mas da renda das classes média e alta, que se resguardavam dos efeitos
nocivos da inflação, por meio de aplicações financeiras, ou por remarcações
constantes de preços. A reprodução do consumo de luxo dos países desenvolvidos
tende a pressionar o balanço de pagamentos e a dificultar o funcionamento do
modelo. Produzir para exportação torna-se uma necessidade tanto para importar bens
de capital e produzir internamente bens supérfluos, como para desafogar a oferta de
setores que dependem da renda das classes menos favorecidas. No entanto, a
reorientação da economia para a exportação encontra oposição na própria lógica do
modelo, que é copiar os padrões de consumo do centro, para atender ao mercado
69 O termo é empregado para expressar a expansão da nova classe média (técnicos, gerentes, funcionários públicos
graduados), que aumentou de importância no Brasil, nas últimas décadas, com a acumulação de capital e ocrescimento da classe empresarial.
interno, e não produzir para a exportação, ou para ampliar a oferta de bens de
consumo dos trabalhadores. De outra parte, as empresas multinacionais que se
instalam no país nem sempre estão interessadas em produzir para a exportação, mas
abastecer o mercado interno protegido, de difícil acesso a partir do exterior.
Segundo Bresser Pereira, o limite do modelo que leva ao subdesenvolvimento
industrializado não se encontra no estrangulamento externo ou na baixa taxa de
absorção da mão-de-obra desempregada, mas em mudanças políticas violentas,
suscetíveis de desorganizar a classe política estatal/liberal, simultaneamente com o
fortalecimento político dos partidos ligados às organizações sindicais. Nesse caso, “as
classes capitalista e tecnoburocrática seriam obrigadas a fazer constantes e crescentes
concessões à classe trabalhadora, até o ponto em que o padrão de acumulação
perdesse suas características concentradoras e excludentes. O problema, portanto,
resume-se em uma relação de forças políticas” (Pereira, 1981, p. 319).
A redemocratização do Brasil, principalmente após a promulgação da nova
Constituição, em 1988, implicou nova divisão do poder político entre as classes
dominantes e os representantes dos trabalhadores, poderia ter levado a variações do
modelo básico, em favor de um crescimento maior dos setores que produzem para a
exportação e para o consumo da população de menor renda.70 As elevadas taxas de
inflação e a conseqüente concentração de renda, em favor das classes mais ricas
tendiam, até início dos anos de 1990, a manter o dinamismo de crescimento dos
setores que produzem bens de consumo duráveis e bens de luxo. As políticas de
combate à inflação, a exemplo do Plano Real de 1994, por outro lado, gerando
desemprego e achatamento salarial, tendem a reduzir a demanda e a produção dos
bens de consumo dos trabalhadores, pouco afetando a produção dos bens de luxo
consumida pelas classes média e alta.
Diante da tendência à concentração de renda e à manutenção do modelo de
subdesenvolvimento industrializado, torna-se necessária a participação do Estado no
planejamento e coordenação geral da atividade econômica. Nesse sentido, Bresser
Pereira recomenda: (a) conceder menor prioridade ao setor produtor de bens de luxo
e incentivá-lo a exportar seus produtos e a reorientar os investimentos para setores
estratégicos; (b) dar prioridade aos setores produtores de bens de capital e de
insumos básicos; (c) promover a expansão do setor produtor de bens de consumo dos
70 O governo Lula, do Partido dos Trabalhadores, no poder desde 1-1-2003, continuou com a política macroeconômica do
governo Fernando Henrique Cardoso, de centro-direita, procurando a estabilização econômica e o crescimento dasexportações.
trabalhadores; (d) elevar a carga tributária sobre a renda, consumo de bens de luxo,
herança, lucros imobiliários e ganhos de capital; e (e) alocar recursos em obras sociais
básicas de atendimento da população e de alto coeficiente de trabalho.
A originalidade da sugestão está no aumento do nível de emprego via política
fiscal e na realocação do gasto, e não em políticas demagógicas de elevação dos
salários nominais, com reflexo negativo sobre a taxa de lucro e o nível do
investimento. Contudo, quanto à política salarial, a idéia de Bresser Pereira era
transferir aos trabalhadores os ganhos de produtividade, além de evitar perdas
salariais. Ainda no campo intervencionista, ele sugere o controle de preços, dados o
caráter oligopolista da indústria nacional e o controle dos investimentos estrangeiros
no país (Pereira, 1981, p. 323).
QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO
1. Explique a dualidade básica de Inácio Rangel.
2. Explique a idéia de subdesenvolvimento industrializado de Bresser Pereira.
3. Relacione as principais conclusões do Capítulo 7 (veja o livro).
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8GLOBALIZAÇÃO E LIBERALIZAÇÃO DA ECONOMIAMUNDIAL71
SOUZA, Nali de Jesus.
Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
As idéias da CEPAL e o debate travado entre os economistas liberais e
desenvolvimentistas, assim como a discussão entre produzir para a exportação ou
substituir importações, tornaram-se ultrapassadas com a globalização da economia
mundial a partir do fim dos anos de 1980. Com o aumento da concorrência mundial,
cada país passou a produzir e a exportar aqueles bens para os quais apresenta maiores
vantagens comparativas de custos, e a importar bens mais baratos, produzidos em
melhores condições em outros países. Essa idéia clássica completa-se com a tendência
contemporânea das empresas multinacionais de implantar filiais para produzir bens
nos países onde os custos de produção são mais baixos. As grandes firmas dos países
desenvolvidos mantêm no centro as atividades mais nobres de pesquisa e gestão,
deslocando para as periferias menos desenvolvidas a função produtiva, para abastecer
o mundo todo, incluindo o próprio mercado nacional.
A globalização derivou, inicialmente, da modificação do processo de produção
fordista, baseado nas economias de escala, verticalização da produção e produção em
série, para processos mais flexíveis, de menor dimensão. Tornou-se possível o
desmembramento do processo produtivo em partes independentes, que passaram a
ser terceirizadas ou produzidas em locais diferentes. O desenvolvimento da
informática e dos meios de comunicação permitiu às matrizes o controle das filiais a
distância, nas mais distantes regiões ou países. Desse modo, partes do processo
produtivo de grandes empresas foram deslocadas para outros locais, em função dos
menores custos salariais, da qualificação da mão-de-obra e da disponibilidade dos
recursos naturais.
Uma das características da industrialização atual é esse caráter regional, de
deslocamento de filiais de empresas no espaço, em função de vantagens locacionais. O
desenvolvimento industrial japonês espraiou-se em direção da Coréia do Sul, Taiwan,
Cingapura e Hong-Kong. Desses locais, o capital produtivo está se deslocando para a
China, Malásia, Indonésia e Tailândia. Filiais de empresas norte-americanas e
européias seguem a mesma rota, não apenas no sudeste asiático, como também na
71 Este texto integra, como anexo, o Capítulo 7 do livro Desenvolvimento econômico (Souza, 2005).
América Latina. Essa industrialização tardia tem sido explicada pela abordagem dos
“gansos voadores”, segundo a qual as transferências de tecnologia, os investimentos
estrangeiros e o comércio internacional geram nova divisão internacional do trabalho
e o desenvolvimento econômico de regiões e países mais pobres (Amsden, 1992, p.
134).
Porém, a globalização não resultou apenas da mobilidade internacional dos
capitais de risco e da conseqüente abertura das economias para bens e serviços. A
característica mais marcante foi a grande mobilidade de capitais especulativos,
resultante tanto da maior abertura das economias, principalmente a partir do fim dos
anos de 1980, como da desregulamentação dos mercados domésticos para transações
financeiras internacionais e do desenvolvimento das indústrias de informática e
comunicações; este avanço reduziu os custos das informações, permitindo aos
investidores em todo o mundo acompanhar os preços dos títulos durante os pregões
diários das bolsas de New York, Tóquio e Londres.
Em 1995, o total de capital existente no mundo atingia US$ 32 trilhões no
mercado de ações, US$ 35 trilhões no mercado de derivativos e US$ 800 bilhões
especulativos circulavam diariamente no mundo (Wall Street Journal, apud Alcântara,
1995, p. 101). Estes últimos são considerados voláteis (hot money), porque derivam de
negócios fechados em um país e abertos em um outro, instantaneamente, pela
Internet. Desse dinheiro, 80% pertencem a seguradoras, fundos de pensão e a fundos
mútuos de investimento localizados nos EUA, assim como a bancos norte-americanos
e europeus.
O caráter de volatilidade desses capitais e a impossibilidade de seu controle
constituem um grande problema para a política econômica dos países. A grande
evasão de capitais voláteis do México, em dezembro de 1994, provocou uma grave
crise econômica que se estendeu a outros países em desenvolvimento. O governo
mexicano havia fundamentado sua política de combate à inflação no volume de suas
reservas internacionais, composta basicamente por capitais voláteis. Ele liberou
importações de bens de consumo para estancar os preços internos, causando déficits
sucessivos na balança comercial (6% do PIB), cobertos pelo afluxo de capitais
externos especulativos.
Entre 1991/1993, o México havia atraído US$ 75 bilhões para financiar o
déficit de conta corrente de US$ 62 bilhões. Enquanto os investimentos atingiam 22%
do PIB, a taxa de poupança interna era de apenas 14% do PIB (20 a 25% do PIB nos
principais países industrializados e em desenvolvimento). O esgotamento das reservas
cambiais levou o governo a desvalorizar o peso. Essa desvalorização e a convulsão
política interna aumentaram os riscos, provocando a interrupção do afluxo anual de
US$ 25 bilhões; seguiram-se a evasão de capitais e o repatriamento de hot money.
Segundo Feldstein (1995, p. 2), “foi a falta de um fundo suficientemente grande de
capital de investimento de longo prazo, internacionalmente móvel, que tornou
impossível para o México continuar financiando um déficit em conta corrente de US$
30 bilhões”.
1 Capitais especulativos no Brasil
Grandes afluxos de capitais especulativos também causam problemas no curto
prazo, por aumentar a base monetária e provocar inflação. No Brasil, o Banco Central
permite a entrada e a saída desses capitais, mas impõe algumas restrições quando seu
volume atinge certo nível. Após a crise do México, até março de 1995, haviam saído
do Brasil mais de US$ 6 bilhões. Com as altas taxas internas de juros, no contexto do
Plano Real, em fins de julho desse mesmo ano, as reservas internacionais do país
voltaram ao nível de antes da crise mexicana (US$ 39 bilhões).
Em 2004, dez anos depois da crise mexicana, os capitais voláteis atingiram a
extraordinária cifra de US$ 2,6 trilhões, segundo a revista Carta Capital. Essa
mobilidade de capitais em direção dos países em desenvolvimento é explicada pela
busca de ganhos diante dos baixos juros e do baixo crescimento dos países ricos, além
da redução dos riscos em países como a China e Brasil. A elevação da taxa de juros de
longo prazo nos EUA, porém, pode reduzir esse movimento, revertendo o fluxo de
capitais para a economia norte-americana.
Constatou-se, em síntese, que os déficits da balança comercial não podem ser
cobertos durante muito tempo com capitais voláteis. As exportações precisam crescer
para financiar importações que se expandem com o crescimento da renda e a
globalização das economias. Além disso, torna-se necessário aumentar a poupança
interna (estímulos à formação de sistemas privados de pensões e aposentadorias
complementares agem nesse sentido) e atrair capitais externos de longo prazo, para
financiar os investimentos e aumentar a competitividade do sistema produtivo. Essas
mudanças da economia mundial afetaram o pensamento econômico brasileiro. Todos,
inclusive os partidos de esquerda, estão conscientes de que o afluxo de capitais
externos e de novas tecnologias é fundamental para elevar o nível de emprego e
promover o desenvolvimento econômico. Também há um relativo consenso de que é
necessário promover a estabilização da moeda e a inserção cada vez maior do Brasil
na economia internacional.
Desde 1990, nos governos Collor e Itamar Franco, procurou-se eliminar os
controles administrativos sobre as importações e exportações e reduzir
gradativamente as alíquotas de importações; tornou-se imperioso expandir cada vez
mais as exportações, para financiar os déficits do balanço de pagamentos. A estratégia
foi expandir a oferta nacional de bens e serviços, induzindo a indústria nacional a
aumentar sua competitividade.72 Com o aumento das importações, os preços dos
alimentos e produtos manufaturados têm-se reduzido, mas com elevação do
desemprego. Porém, mesmo os economistas liberais entendem que integrar a
economia não significa “entregar” o setor de mercado interno às multinacionais.
Conflitos ocorreram no final dos anos de 1990 entre interesses nacionais e
internacionais; este foi o caso dos setores têxtil e automobilístico, que, depois de uma
abertura precoce e exagerada, receberam maior fechamento, com elevação de
alíquotas. Houve reclamações dos EUA, do Japão e da Coréia do Sul junto à Organi-
zação Mundial do Comércio, que é o fórum internacional que regulamenta o comércio
entre os países.
Em 2004, o governo brasileiro continuou estimulando as exportações e o afluxo
de capitais internacionais de risco. A credibilidade do governo está sendo construída
através da preservação da estabilidade da moeda, da contenção dos gastos públicos e
das reformas econômicas. A idéia é a de que o crescimento econômico, com a
economia estável e mais produtiva, produzirá melhor distribuição de renda. Isso
deverá ocorrer com mais emprego e melhoria dos salários reais. O aumento do grau
de abertura do Brasil às importações, decorrente também da consolidação do
Mercosul, tem contribuído tanto para reduzir os preços internos de alimentos e bens
de consumo duráveis, como para induzir as empresas a aumentarem sua
produtividade, pela maior concorrência no mercado.73
O primeiro grande desafio da economia brasileira é gerar superávits na balança
comercial, para pagar a dívida externa e gerar crescimento econômico. Em 1995, as
importações brasileiras atingiram US$ 50 bilhões e as exportações US$ 46,5 bilhões,
com déficit de US$ 3,5 bilhões; após 1999, com a desvalorização cambial, as
exportações reagiram, mas o superávit só ocorreu em 2001 (US$ 2,64 bilhões); em
2004, as exportações deverão atingir US$ 90 bilhões, com um superávit de cerca de
US$ 31 bilhões.
A segunda dificuldade da economia é gerar superávit primário crescente para
sanear as contas públicas. O déficit público total do Brasil, em relação ao PIB, foi igual
a 5,9% em 1996, chegando a 8% em 1998 e a 5,2% em 2003. Esse aumento ocorreu
em função do crescimento das despesas com o funcionalismo e com os juros da dívida
72 O Programa Nacional de Produtividade e Competitividade, lançado pelo governo brasileiro em 1989, levou à abertura co-
mercial do Brasil. Redução de alíquotas e taxa de câmbio valorizada permitiram a importação de máquinas e equipamentosmais modernos e insumos básicos, tornando a indústria mais eficiente e competitiva; anos depois essa indústria habilitou-se a conquistar novos mercados externos em diferentes países; em 2004, o superávit da balança comercial deverá atingirUS$ 31 bilhões.
73 A taxa de crescimento da produtividade da indústria de transformação caiu 10,1% entre 1985/1990, aumentan-do 41,6% entre 1990/1995 e 16,7% entre 1995/2002 (<www.ipeadata.gov.br>).
pública. O governo vem adotando uma política de austeridade, procurando elevar as
receitas e reduzir despesas, resultando em cortes de investimentos. Desse modo, o
superávit primário do Governo Central cresceu de R$ 1,8 bilhão em 1997, para R$
21,1 bilhões em 2000 e a R$ 39,3 bilhões em 2003. Nos primeiros meses de 2004,
esse superávit já atingiu R$ 17,5 bilhões. Além da questão da estabilização, o grande
desafio do governo é levar a economia a uma nova fase de crescimento rápido, a fim
de reduzir o desemprego e melhorar os indicadores de desenvolvimento do país.
QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO
1. Explique o processo de globalização da economia mundial.
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9A TEORIA DOS PÓLOS DE CRESCIMENTO DEFRANÇOIS PERROUX74
SOUZA, Nali de Jesus.
Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
A teoria dos pólos de crescimento foi desenvolvida por François Perroux, em
1955, ao observar a concentração industrial na França, em torno de Paris, e na
Alemanha, ao longo do Vale da Ruhr. Os pólos industriais de crescimento surgem em
torno de uma aglomeração urbana importante (Paris), ao longo das grandes fontes de
matérias-primas (Vale da Ruhr), assim como nos locais de passagem de fluxos
comerciais significativos e em torno de uma grande área agrícola dependente (São
Paulo). O pólo de crescimento tem uma forte identificação geográfica, porque ele é
produto das economias de aglomeração geradas pelos complexos industriais, que são
liderados pelas indústrias motrizes. Um complexo industrial é um conjunto de
atividades ligadas por relações de insumo-produto. Ele se torna um pólo de
crescimento quando for liderado por uma ou mais indústrias motrizes; e ele se tornará
um pólo de desenvolvimento quando provocar transformações estruturais e expandir
o produto e o emprego no meio em que está inserido (Souza, 1993, p. 33).
1 Noção de indústria motriz
A indústria motriz, líder do complexo de atividades, formando o pólo
industrial, apresenta as seguintes características: (a) cresce a uma taxa superior à
média da indústria nacional; (b) possui inúmeras ligações de insumo-produto, através
das compras e vendas de insumos efetuadas em seu meio; (c) apresenta-se como uma
atividade inovadora, geralmente de grande dimensão e de estrutura oligopolista; (d)
possui grande poder de mercado, influenciando os preços dos produtos e dos insumos
e, portanto, a taxa de crescimento das atividades satélites a ela ligadas; (e) produz
geralmente para o mercado nacional e, mesmo, para o mercado externo. O conceito
de indústria motriz mostra-se, portanto, mais amplo do que o de indústria-chave.75
Toda indústria motriz é uma indústria-chave, mas nem sempre toda indústria-chave é
uma indústria motriz. A primeira, além de possuir efeitos de encadeamento superiores
74 Esta é uma versão ampliada da seção 8.2.1 do livro Desenvolvimento Econômico (Souza, 2005).75 Conforme a seção 8.3.3 de Souza (2005), indústria-chave é aquela com efeitos de encadeamento pela
compra e venda de insumos acima da média da economia.
à unidade, do ponto de vista da matriz de insumo-produto, caracteriza-se pela efetiva
dimensão de seus efeitos de encadeamento, exercendo, portanto, impulsos motores
significativos sobre o crescimento local e regional. Não ocorrendo indução
significativa do crescimento no interior do complexo, a atividade-chave não será
motora.
A noção de crescimento polarizado dominou o planejamento regional em vários
países; para não enfraquecer os efeitos de encadeamento, com a pulverização dos
investimentos em todo o território nacional, a estratégia consistia em concentrá-los
em pontos específicos estrategicamente distribuídos no espaço. Na França surgiu o
programa das oito metrópoles nacionais de equilíbrio (em relação à capital) e cinco
cidades novas foram implantadas em torno da região parisiense; da mesma forma, 14
cidades novas foram criadas na Inglaterra para contrabalançar a influência excessiva
de Londres. No Brasil, os investimentos do Plano de Metas foram concentrados em
torno das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, para o aproveitamento das
economias externas existentes nessas áreas metropolitanas (Campos, 1952).
Essas cidades-pólos da França e Inglaterra foram concebidas como lugar central
do desenvolvimento, tendo a indústria e os eixos de transporte como base. Elas foram
ligadas entre si e com a metrópole nacional por vias rápidas de transporte (ferrovias,
auto-estradas); a integração espacial resultaria da própria integração interna desses
pólos. A noção de pólo, no entanto, ultrapassa a análise weberiana da minimização
dos custos de transportes, englobando a análise das relações interindustriais, tendo o
modelo de Leontief como fundamento teórico. Assim, as empresas ligadas
tecnologicamente por relações de insumo-produto (polarização técnica) precisariam
ficar localizadas junto umas das outras. Elas economizariam com os custos de
transporte de insumos, gerando a polarização geográfica. A aglomeração de empresas
em uma dada localidade passa a produzir economias externas, que são ganhos
gerados externamente à firma, independentemente de sua ação. Segue-se também,
por fim, uma polarização humana pela concentração de trabalhadores, técnicos e
capacidade empresarial na mesma localidade (Boudeville, 1972).
As indústrias motrizes atraem as empresas satélites, fornecedoras de insumos
ou utilizadoras dos produtos das primeiras como insumos, desencadeando o
crescimento local e regional. Assim, os governos têm atraído empresas, como
montadoras de automóveis que formam complexos industriais aglomerando em um
mesmo local mais de 20 empresas prestadoras. Utilizam-se incentivos fiscais,
empréstimos subsidiados, treinamento de mão-de-obra e instalação de infra-estruturas
para motivar a vinda de grandes empresas para determinadas áreas. Em certos países
pode surgir uma verdadeira “guerra fiscal” entre regiões, o que prejudica as finanças
públicas pela renúncia fiscal. Em certas regiões, no entanto, os incentivos concedidos
às empresas motrizes nem sempre geram os resultados esperados. Citam-se casos na
França e Canadá (Polèse, 1994, p. 95) em que as novas empresas não provocaram o
desenvolvimento local, porque suas relações de insumo-produto se deram,
preferencialmente, com a economia nacional e com o exterior. Pior do que isso são os
enclaves, ou complexos industriais implantados em certas regiões, em que os efeitos
de encadeamento da produção e de multiplicação de renda ocorreram com o exterior
e não com as economias nacionais.76
2 Economias e deseconomias de aglomeração
O surgimento de deseconomias de aglomeração nos grandes centros urbanos
tem levado as empresas a se relocalizarem na periferia das regiões metropolitanas e
para outras regiões, em busca de mão-de-obra mais barata e de incentivos fiscais.
Essas deseconomias se manifestam pelo encarecimento do fator trabalho, elevação dos
preços dos terrenos e dos aluguéis, falta de espaço para expansão das empresas,
poluição e congestionamento urbano. Essas deseconomias externas atingem mais as
empresas industriais, particularmente aquelas que necessitam de muito espaço para
movimentar materiais e as que utilizam mão-de-obra menos qualificada e em maiores
quantidades. Pelo contrário, os serviços mais especializados e atividades
tecnologicamente avançadas continuam preferindo localizar-se nos centros nacionais
principais.
A idéia de um pólo central, motor do crescimento, e de uma periferia agrícola e
subdesenvolvida, a ser polarizada, corresponde a uma simplificação errônea da teoria
do crescimento polarizado de François Perroux. Na verdade, ele supôs a existência de
alguns pólos principais, com porte semelhante, e de vários pólos secundários, de
menor dimensão, hierarquizados, servindo de ponte e de filtragem aos efeitos de
encadeamento emanados dos pólos superiores. As noções de pólo e de região
polarizada estão intimamente associadas com as idéias de urbanização e de
industrialização. A região polarizada contém vários centros urbanos e industriais
secundários relacionando-se com o pólo central dinâmico. Estão presentes, portanto,
as noções de funcionalidade, hierarquia e heterogeneidade nas relações do pólo no
interior da região polarizada. “Existe uma hierarquia no poder de encadeamento dos
setores de atividades, como existe uma hierarquia na irradiação das cidades. Essas
76 Complexos de mineração no interior de regiões, ou mesmo, junto a portos de exportação, podem
constituir exemplos de enclaves industriais implantados em regiões subdesenvolvidas. Em muitoscasos, o enclave é inevitável pela ausência de mercados locais. A solução é diversificar paulati-namente a estrutura produtiva local, implantando-se atividades integradas ao pólo principal.
duas hierarquias, uma técnica, outra geográfica, são independentes e formam duas
dimensões distintas” (Boudeville, 1972, p. 32).
A visão da polarização, com um pólo urbano e industrial constituindo o centro
e uma área polarizada agrícola formando a periferia, não está, portanto, de acordo
com as idéias de Perroux e de Boudeville, seu principal discípulo. Pelo menos, a
polarização não constitui uma concepção estática, mas dinâmica. No início do
processo de industrialização e de urbanização de uma região o sistema é, de fato, mais
dual do que em fases mais evoluídas, quando a tendência é a de se formar regiões
menos polarizadas e, portanto, mais homogêneas. A concentração tende a aumentar
com o crescimento acelerado, porém chega um ponto em que ocorre um processo
natural de desconcentração ou de despolarização, pela ação do mercado, ou em
decorrência de políticas públicas.
Seguindo a concepção dinâmica da polarização, Richardson (1980, p. 77)
afirma que o modelo centro-periferia apresenta quatro estágios de evolução. No
primeiro, o padrão de localização mostra-se bastante disperso e pré-industrial, porque
a população encontra-se difusa no interior da região. No segundo, o crescimento
econômico concentra-se ligeiramente no centro principal, em detrimento da periferia
que continua predominantemente agrícola. No terceiro, passa a ocorrer certa
dispersão espacial do crescimento em alguns centros secundários, no interior da
região polarizada. Finalmente, no quarto estágio, intensifica-se a integração espacial
de subespaços interdependentes, englobando outras regiões no mesmo estágio de
desenvolvimento, como nos países europeus. Ocorre posteriormente a
descentralização do crescimento econômico, com o desenvolvimento dos diferentes
centros e a redução das desigualdades regionais.
Em termos de política regional de desenvolvimento, a idéia de considerar a
hierarquia dos pólos urbanos e industriais de crescimento, no interior das regiões, é
para evitar a concentração demográfica e econômica excessiva no pólo hegemônico,
em detrimento da periferia rural e subdesenvolvida. A hierarquia dos pólos segue a
idéia da hierarquia urbana da teoria do lugar central de Christaller (Souza, 1999,
cap. 2). A diferença fundamental dessa teoria, em relação à teoria dos pólos de
crescimento, está na ênfase à prestação de serviços, por parte dos centros urbanos, e
não na função indutora da indústria motriz do pólo de crescimento e nas
interdependências que ela gera entre firmas compradoras e vendedoras de insumos na
região polarizada ou no interior do próprio centro principal.
3 Formas do desenvolvimento polarizado
A relação entre a noção de pólo de crescimento e a teoria da localização
encontra-se nas economias de aglomeração geradas nos centros urbanos e industriais.
Elas resultam da interdependência entre as atividades, notadamente as indústrias
motrizes e as indústrias satélites, fornecedoras ou compradoras de insumos. Elas deri-
vam, também, das economias externas geradas pelas infra-estruturas existentes nos
centros urbanos, pela concentração dos consumidores e de mão-de-obra especializada,
bem como pela disponibilidade de serviços os mais variados.
Essas economias de aglomeração explicam, portanto, a concentração das
empresas, formando complexos industriais localizados. Do ponto de vista geográfico,
os pólos de crescimento podem ser locais, regionais, nacionais e internacionais. Os
pólos internacionais de crescimento podem ter sua área de influência bloqueada pelas
fronteiras político-administrativas, gerando “um conflito entre os espaços econômicos
das grandes unidades econômicas (firmas, indústrias ou pólos) e os espaços
politicamente organizados dos Estados nacionais” (Perroux, 1977, p. 155).
Esse entrave ao desenvolvimento está sendo abolido em algumas áreas
internacionais, pela integração comercial entre blocos de países. Pólos de integração
podem ser implantados junto às áreas fronteiriças. No Rio Grande do Sul constitui
exemplo, ainda que modesto, o projeto de instalação de uma laminadora e de uma
usina reconversora de energia na cidade de Uruguaiana, na fronteira com a Argentina.
A construção de outra ponte internacional, interligando São Borja com a cidade
argentina de San Tomé, formando um canal adicional de integração espacial do
Mercosul, constitui outro elemento de mudança estrutural.
A teoria do crescimento polarizado distingue, ainda, os eixos de
desenvolvimento, que são constituídos por uma via de transporte e por centros de
crescimento, com infra-estruturas para atividades industriais e de prestação de
serviços. Constitui um exemplo o eixo Porto Alegre-Novo Hamburgo, ao longo da BR-
116, com indústrias importantes localizadas em Porto Alegre, Canoas, São Leopoldo e
Novo Hamburgo. Outros exemplos podem ser citados ao longo das grandes rodovias
que passam por importantes pólos urbano-industriais, como São Paulo, Rio de Janeiro
e Belo Horizonte. Um pólo de crescimento pode constituir um pólo de
desenvolvimento apenas em relação à região onde está implantado. Em conseqüência,
ele poderá exercer efeitos nocivos ao desenvolvimento de outras regiões, através da
troca desigual e pela drenagem de capitais financeiros, mão-de-obra especializada e
atividades produtivas. Essas diversas formas de drenagem de valores e fatores podem
esgotar a vitalidade econômica das demais regiões e aumentar as disparidades
regionais do país.
A região central, onde se localiza o pólo, pode exercer, portanto, efeitos
propulsores e efeitos regressivos sobre outras regiões (Myrdal, 1968; Hirschman,
1974). Os efeitos propulsores são os efeitos de encadeamento da produção e do
emprego sobre atividades induzidas de regiões vizinhas. Quando as indústrias
motrizes do pólo urbano-industrial central realizam inovações tecnológicas e
expandem a sua produção, elas aumentam suas compras de outras regiões e ampliam
a oferta de produtos, em alguns casos com preços menores. Os efeitos regressivos
correspondem à drenagem referida. Adotando novas técnicas e produzindo novos
bens, as indústrias motrizes do pólo aumentam a demanda de fatores, elevando seus
preços, o que provoca destruição criadora nas regiões periféricas. Através do sistema
bancário, elas demandam crédito para inovações e drenam recursos financeiros de
outras áreas. O pólo urbano/industrial será de desenvolvimento quando os efeitos
propulsores excederem os efeitos regressivos. À medida que a região tiver sucesso na
neutralização de parte dos efeitos regressivos e internalizar de alguma forma os
efeitos propulsores provenientes de outras áreas, ela estará passando por um processo
acumulativo de desenvolvimento (Myrdal, 1968, p. 62).
4 Separatismo e renúncia de soberania
Para Hirschman, igualmente, a concentração dos investimentos no pólo de
crescimento poderá exercer efeitos favoráveis e desfavoráveis no resto do país. Mesmo
assim, ele mostrou-se contrário à dispersão dos recursos públicos em todas as regiões.
Seu argumento é o de que a dispersão dos recursos, para manter o crescimento
equilibrado, enfraquece os efeitos de encadeamento no interior do pólo, anulando
qualquer propagação espacial do crescimento econômico entre regiões. Sua estratégia
é a de escolher alguns projetos-chave para concentrar o esforço do crescimento. Ele
advertiu, no entanto, que a difusão sistemática de efeitos desfavoráveis ao
desenvolvimento sobre as regiões mais pobres pode reforçar os argumentos em favor
do separatismo. Regiões pobres poderiam ter vantagens de se separar de regiões-pólo,
formando um país independente. Permanecendo integradas, elas não teriam
autonomia para formular políticas econômicas. “A ausência de soberania econômica
para temas como emissão de moeda ou a determinação da taxa de câmbio pode
prejudicar consideravelmente o desenvolvimento de uma região” (Hirschman, 1974,
p. 219 e 223).
A idéia de separatismo é a antítese dos argumentos em favor do abandono da
soberania nacional, quando dois países se fundem, ou como ocorre de forma mais
amena no processo de integração de blocos econômicos. Neste caso, a suposição é a
de que os efeitos propulsores provenientes dos países-membros superem os efeitos
regressivos. No Brasil, acredita-se que o Centro-Sul exerceu efeitos regressivos
significativos sobre a Região Nordeste. Eles teriam sido mais importantes nos períodos
em que foram adotadas políticas restritivas às importações, para favorecer o
desenvolvimento da indústria nacional, que estava concentrada no eixo Rio-São
Paulo. As populações das regiões periféricas, sobretudo a nordestina, foram obrigadas
a pagar mais caro por produtos de pior qualidade oriundos da região central, antes
fornecidos pelo exterior.77
Constata-se, dessa forma, que nem todo pólo de crescimento constitui um pólo
de desenvolvimento. De outra parte, como salientou Aydalot (1985, p. 132), uma
grande empresa, um complexo siderúrgico, por exemplo, não constitui um pólo, a
menos que gere em sua volta um amplo conjunto de outras empresas. Um pólo
compreende um conjunto de atividades fortemente conectadas, lideradas por uma
indústria motriz, que gera efeitos adicionais na economia; a noção de pólo não se
confunde, portanto, com a idéia de ataque frontal (big push) de Rosenstein-Rodan
(1969), que diz respeito ao crescimento de inúmeras atividades ao mesmo tempo, sem
necessariamente formarem complexos industriais e muito menos pólos.
A difusão dos efeitos de encadeamento a partir do pólo de crescimento exige a
presença de canais de transmissão, compreendendo atividades ligadas, meios de
transporte e de comunicações desenvolvidos, bem como uma rede urbana fortemente
conectada. As novas atividades implantadas em determinada área, para difundirem o
crescimento no espaço, precisam mostrar-se adequadas ao seu meio, tanto em termos
da estrutura produtiva existente, como da tecnologia e dos recursos naturais e
humanos. Uma política de desenvolvimento com base em pólos de crescimento não
deve centrar-se apenas na implantação da indústria motriz em determinada região,
mas precisa incentivar também o surgimento de atividades satélites, fornecedoras de
insumos para a atividade principal. A possibilidade de absorver os produtos das
empresas motrizes é outro fator importante de integração e ampliação do pólo. Como
exemplos, podem ser citadas as empresas de segunda e terceira geração de um pólo
petroquímico; pequenas e médias empresas transformadoras de plásticos são
fundamentais para a geração de valor agregado e emprego no interior do pólo
principal.
A criação de infra-estruturas de apoio, como energia, estradas e portos,
constitui canais que favorecem a difusão espacial e intersetorial dos efeitos de
encadeamento entre o pólo de crescimento e as demais empresas da região. A
melhoria da navegação fluvial, reduzindo os custos de transportes, atrai novas
empresas para a área. A expansão da renda e do emprego constitui um novo fator de
dinamismo do comércio e dos serviços, ampliando o mercado local e capacitando-o a 77 Ver Capítulo 1, seção 1.4. Da mesma forma, o crescimento da região de Atenas, na Grécia, teria
exercido fortes efeitos regressivos sobre as áreas próximas, em um raio de 200 km,desindustrializando-as após o início dos anos de 1950 (Aydalot, 1985, p. 130).
atrair novas empresas produtoras de bens de consumo final, como bebidas e produtos
alimentícios. Constitui também instrumentos para o aumento da integração setorial e
espacial uma legislação favorável ao desenvolvimento, como a que permite a
concessão de serviços de utilidade pública pelo setor privado. Os investimentos em
infra-estrutura aumentam substancialmente, o que gera novos patamares de cresci-
mento econômico. A privatização de empresas públicas libera o governo para a reali-
zação de outras atividades, como o planejamento indicativo do desenvolvimento, o
que orienta a realização de investimentos estratégicos do ponto de vista do desen-
volvimento econômico, como aqueles que aumentam a integração entre os pólos,
indústrias e regiões.
5 Despolarização do crescimento econômico
No processo de crescimento da economia nacional, há uma fase de
concentração setorial e espacial da indústria (polarização), com o aumento das
desigualdades regionais até um ponto máximo; posteriormente, ocorre a reversão des-
sa tendência: as regiões periféricas crescem mais rápido, o que reduz as desigualdades
regionais (despolarização). François Perroux havia apontado em parte esse fenômeno,
ao salientar a concentração do crescimento em pólos de crescimento e a sua difusão
posterior no conjunto da economia (Perroux, 1977, p. 146). Nessa observação ficam
implícitas as idéias de polarização e de despolarização, ou seja, a noção da difusão
espacial do crescimento econômico.
Deixando-se o mercado agir livremente, alguns pontos do espaço tenderiam a
constituir pólos de crescimento, ocorrendo, enquanto isso, efeitos propulsores e efeitos
regressivos desses pólos principais em direção dos pólos secundários e de suas áreas
de influência. Tanto os efeitos propulsores, como os efeitos regressivos ficam
bloqueados pelo isolamento das diferentes áreas, em relação ao pólo principal. A
adoção de uma política de crescimento menos polarizado, ao favorecer a
descentralização das indústrias para as áreas periféricas, poderia acelerar a tendência
natural do mercado, promovendo a difusão dos efeitos propulsores a partir dos pólos.
Tal política implicaria o aumento da integração de espaços desconectados, acelerando
um processo que, ao contrário, levaria muito tempo para a sua efetivação.
A idéia básica do crescimento por pólos, a partir do centro principal,
envolvendo centros secundários, fundamenta-se na maximização dos efeitos de
indução dos investimentos, em contraposição a uma política de dispersão dos recursos
em todo o espaço: o volume dos investimentos em cada área e setor seria tão pequeno
que seus efeitos não possuiriam a força suficiente para desencadear um processo de
indução do crescimento entre setores e regiões. O grande problema das políticas de
crescimento desequilibrado e polarizado são os desvios políticos, que se traduzem na
excessiva concentração dos recursos em certos setores e regiões, em benefício de
determinados grupos, em detrimento do conjunto da população.78 Porém, a teoria da
polarização não postula, necessariamente, a concentração dos recursos em um ou dois
pólos principais, mas se traduz, de preferência, no incentivo ao desenvolvimento de
pólos secundários, com base em empresas suscetíveis de se tornarem polarizadas, na
criação de canais de difusão dos efeitos de encadeamento em toda a rede urbana e nas
áreas rurais. A indústria motriz e o próprio pólo não se desenvolvem se não houver
atividades polarizadas nos centros inferiores da hierarquia urbana e nas áreas
periféricas, a menos que tais atividades motrizes possam produzir exclusivamente
para a exportação. Seus efeitos sobre o desenvolvimento de atividades de mercado
interno serão fracos ou nulos na ausência de atividades induzidas e de canais de
integração apropriados.
A obtenção de crescimento menos polarizado passa pelo desenvolvimento da
rede urbana, articulada aos centros principais por canais de transporte e de
comunicação. Isso favorece os contatos entre as empresas polarizadas, situadas nos
centros menores, com as empresas motrizes dos centros de maior porte. As atividades
motrizes existentes nos centros médios exercem, igualmente, seus efeitos sobre as
firmas polarizadas localizadas em seu próprio meio, bem como sobre aquelas
atividades situadas em centros urbanos menores em todos os pontos da periferia. Os
estímulos à agricultura e à criação de atividades agroindustriais promovem o
desenvolvimento das áreas agrícolas e de pequenas cidades na sua proximidade (ver
Capítulo 9), o que induz ao crescimento inclusive das atividades motrizes localizadas
nos pólos industriais mais importantes.
Com o objetivo de se obter resultados imediatos, a atenção tem-se voltado para
a expansão das exportações e da agricultura como um todo, pelos efeitos significativos
que esses setores exercem sobre o nível de emprego e de renda. Os benefícios sociais
do desenvolvimento agrícola se elevam ainda mais se houver investimentos no
desenvolvimento dos serviços rurais, como eletrificação, oferta de água, silos,
armazéns, transporte, saúde, educação, assistência técnica e extensão rural, além de
crédito e preços mínimos, o que repercute no desenvolvimento de pequenas cidades
do interior. Investimentos em comunidades agrícolas podem ser mais eficientes no
desenvolvimento regional, do que a sustentação de um crescimento baseado somente
em um pequeno número de centros urbanos (Richardson and Townroe, 1986, p. 672).
Há experiências pouco satisfatórias resultantes da transferência integral de
políticas de crescimento por pólos de países desenvolvidos para países
subdesenvolvidos. Complexos industriais pesados têm constituído enclaves em regiões
78 Ver no Capítulo 10 a noção de rent-seeking.
subdesenvolvidas ao gerar fracos encadeamentos sobre a produção e o emprego. Uma
estratégia alternativa pode ser a localização de complexos agroindustriais em regiões
rurais. Tais pólos interligam as pequenas localidades ao campo e a cidades maiores,
onde se localizam as demais indústrias. A expansão da produtividade e da renda
dinamizaria as indústrias dos centros urbanos principais, induzindo a implantação
posterior, via mercado, de indústrias pesadas e atividades de tecnologia mais
sofisticada.
Em resumo, a indústria motriz não constitui o único elemento do
desenvolvimento regional. Cada região precisa basear o seu crescimento econômico
tanto na agricultura, como em atividades industriais mais tradicionais, produtoras de
bens de consumo final, como as vinculadas ao vestuário, alimentação e bebidas. As
indústrias induzidas são tão indispensáveis ao pólo como as indústrias motrizes. Além
disso, nenhuma indústria sobrevive sem infra-estruturas, mão-de-obra com bons níveis
de instrução e serviços básicos para o atendimento da população, como saneamento
básico, habitação, segurança e saúde.
QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO
1. Defina indústria motriz e estabeleça sua diferença da indústria-chave.2. O que são economias e deseconomias de aglomeração?3. Quais são as formas do desenvolvimento polarizado?4. Explique as vantagens e desvantagens do separatismo e da renúncia da soberania.5. Explique os princípios da despolarização do crescimento econômico.
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10SETORES-CHAVE DA ECONOMIA BRASILEIRA79
SOUZA, Nali de Jesus.
Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
As noções de polarização, efeitos de encadeamento e indústrias-chave foram
amplamente utilizadas a partir de meados dos anos de 1950. Contudo, os estudos
empíricos realizados para diferentes países não chegaram à conclusão se as economias
com as mais altas taxas de crescimento foram as que seguiram uma estratégia de
crescimento desequilibrado, em favor de setores com elevados índices de
encadeamento. Alguns trabalhos indicaram associação positiva entre grau de
diversificação e taxa de crescimento: os países que mais cresceram nem sempre foram
aqueles que concentraram os investimentos em setores-chave (Yotopoulos e Lau,
1970).
No caso do Brasil, a industrialização realizou-se desde os anos de 1930 por
substituição de importações. Em meados dos anos de 1950, durante o Plano de Metas,
os investimentos concentraram-se preferencialmente em indústrias consideradas
chave, como automóveis, química e construção naval, sobretudo na região Sudeste.
Considerando-se o longo prazo, no entanto, os setores implantados nem sempre são
os de mais altos índices de encadeamento, não coincidindo necessariamente com os
setores-chave.
Testes efetuados por Locatelli (1983, p. 425) indicaram que o crescimento da
economia brasileira, entre 1949/1967, não foi desequilibrado em favor de setores-
chave, exceto quando sua análise realizou-se no nível de agregação de 22 setores.
Porém, mesmo que os investimentos se concentrem no curto prazo em atividades-
chave, no longo prazo o crescimento tende a se diversificar pela ação do mercado, que
busca corrigir os equilíbrios. No curto prazo, a estratégia de crescimento
desequilibrado maximiza os efeitos de encadeamento totais, gerando necessidades a
serem satisfeitas, que se traduzem em crescimento mais equilibrado ao longo do
tempo. A questão da diversificação, no longo prazo, parece ser resolvida pelos
próprios mecanismos de mercado.
79 Esta é uma versão ampliada da seção 8.4 do livro Desenvolvimento econômico (Souza, 2005).
1 Conflito entre maximizar o produto ou o emprego
Um dos grandes problemas da industrialização continua sendo o conflito entre
maximizar o produto ou o emprego. No Brasil, a industrialização não tem gerado
muito emprego. Entre 1949/1979, os setores de mais rápido crescimento da produção
não foram os intensivos em trabalho (Locatelli, 1983, p. 430). A industrialização
brasileira tende a se efetuar com elevada relação capital/trabalho, em virtude de as
técnicas serem importadas dos países desenvolvidos, onde o trabalho é o fator escasso.
Hazari e Krishnamurty (1970, p. 184), estudando a economia indiana com dados dos
censos de 1960 e 1970 e com coeficientes de insumo-produto do biênio 1964/1965,
concluíram que os setores-chave do ponto de vista do produto não geram muito
emprego. Ponderando os índices de encadeamento pelos coeficientes de trabalho, eles
constataram ser os setores agroindustriais os que mais criam emprego no processo de
crescimento econômico.
No caso brasileiro, entre os 35 setores mais importantes do ponto de vista da
geração direta e indireta do emprego, em 1975, 31 eram vinculados à agricultura. A
maioria dos setores metalúrgicos, elétrico, químico e petroquímico, com alta relação
K/L, não cria muito emprego por unidade de variação da demanda final (Souza, 1988,
p. 123). A industrialização por substituição de importações gera relativamente pouco
emprego, ao passo que a exportação de produtos com vantagens comparativas centra-
se justamente naqueles setores intensivos em trabalho. Em 1970, o emprego de 256,6
homens/ano exportava um milhão de cruzeiros e apenas 116,4 homens/ano bastavam
para produzir a mesma quantia de substituição de importações (Locatelli, 1985, p.
143).
Entre os 121 setores de 1975, apenas 15 foram chave no encadeamento da
produção, destacando-se Abate e preparação de aves, Embalagens metálicas,
Destilação de álcool, Couros e peles e Beneficiamento de fibras naturais. Entre esses
15 setores, sete são vinculados à agricultura e quatro pertencem ao grupo metal-
mecânico. Do total de setores, 61 apresentaram fortes encadeamentos verticais da
produção e apenas 39 possuíam fortes encadeamentos horizontais. Isso indica os
fortes efeitos industrializantes da substituição de importações (Souza, 1988, p. 152 e
270-272).
Entre os 12 setores-chave na geração do emprego, excetuando-se Distribuição,
Transporte ferroviário e Outros serviços de reparação, os demais se vinculavam ao
setor primário (Quadro 1). Nenhum dos setores-chave do ponto de vista do produto
foi chave segundo a geração de emprego. Tanto o setor primário como os serviços de
reparação e o setor de distribuição empregam muita mão-de-obra. Em 1975, o setor
ferroviário brasileiro encontrava-se sucateado e a redução de sua atividade não vinha
sendo acompanhada por demissões.80
Tendo em vista a tendência ao estrangulamento externo da economia
brasileira, torna-se importante incentivar a expansão dos setores exportadores. Nesse
sentido, o conhecimento dos setores-chave na promoção de exportações líquidas
(exportações menos importações) torna-se relevante. Em 1975, no conjunto dos 121
setores, o Brasil apresentava 33 setores-chave desse ponto de vista, sendo três
simultaneamente chave na geração de emprego e outros dois também chave na
geração da produção. Entre os 15 principais setores-chave das exportações líquidas,
12 vinculavam-se à agroindústria, com destaque para o complexo cafeeiro, óleos
vegetais em bruto e lavoura de trigo e soja (Quadro 1).
Quadro 1 Os principais setores-chave da economia brasileira segundo aprodução, o emprego, as exportações líquidas e a formação decapital, em 1975, ordenados pela dimensão dos índices deencadeamento.
Produçãoa Emprego Exportações líquidasb Formação de capitalc
Abate e preparação deaves
Agropecuária Extração de mineraismetálicos
Caminhões e ônibus
Embalagens metálicas Lavoura de arroz Beneficiamento de café Construção civilDestilação de álcool Outras lavouras Óleos vegetais em bruto Tratores/máq. rodoviáriasCouros e peles Criação de bovinos Lavoura de trigo e soja Cimento e clínquerBeneficiamento de fibras
naturaisCaça e pesca Moagem de café e café
solúvelBombas hidráulicas
motoresPapel e papelão Extrat. vegetal e silvicultura Extração petróleo/gás
naturalIndústria naval
Bombashidráulicas/motores
Lavoura de cana-de-açúcar Transporte ferroviário Turbinas e caldeiras
Indústria naval Lavoura de café Usinas de açúcar Peças de cimentoLaminados plásticos Distribuição Lavoura de café Máquinas e equip.
agrícolasPetroquímica Lavoura de trigo e soja Beneficiamento de
produtos vegetaisEstruturas metal e
serralheriaMóveis de metal Transporte ferroviário Refino de açúcar Máquinas não agrícolasOutros prod.
metalúrgicosOutr. serviços reparação Benefic. de fibras naturais Laminados de aço
Motores, aparelhoselétricos
− Couros e peles Condutores elétricos
Móveis de madeira − Fiação de tecidos naturais Veículos ferroviáriosCelulose e pasta − Conservas de frutas e
legumesArames trefilados
Fonte: Souza (1988, Tabelas 9, 10, 13 e 16)
Notas: a Inclui todos os setores-chave; b Inclui 15 dos 33 setores-chave; c Entre os 35 setores-chave, incluem–se os 15 maisimportantes.
Em 1975, cinco ou seis indústrias consideradas “modernas”, de capital mais 80 Visando a privatização, o número de funcionários da Rede Ferroviária Federal reduziu-se de 44.646
em 1995, para 19.550 em 1996, eliminando o déficit da empresa de R$ 30 milhões ao mês. Entre1996 e 1999, ano que ela foi liquidada, foram cedidos em leilão 25.895 km de ferrovias, medianteconcessão dos serviços por 30 anos.
intensivo, eram chave do ponto de vista da produção, mas não geravam muito
emprego ou não apresentavam exportações líquidas significativas. Com altos
coeficientes de importações e maiores níveis de produtividade do trabalho, essas
indústrias vão aparecer na lista de setores-chave quando os índices de encadeamento
forem ponderados pelo coeficiente de capital. Assim, 35 setores mostravam-se chave
na formação de capital, sendo apenas cinco vinculados ao complexo agropecuário.81
Entre os 15 principais setores-chave segundo este critério, 12 pertenciam à Metal-
mecânica, demonstrando a grande relevância das indústrias metalúrgicas e mecânicas
na formação de capital. Cabe salientar, a esse respeito, a importância dos setores
Caminhões/ônibus, Construção civil, Tratores/máquinas rodoviárias,
Cimento/clínquer e Bombas hidráulicas/motores (Quadro 1).
Observa-se que as atividades com os maiores efeitos de encadeamento do
crescimento pertencem ao segmento moderno da indústria, com mais alta relação
capital/trabalho e tecnologia mais sofisticada, enquanto um maior número de
atividades agroindustriais são atividades-chave no encadeamento da produção e as
atividades agropecuárias exercem os mais altos efeitos sobre o emprego. Percebe-se,
desse modo, que um setor pode ser chave segundo um critério e pouco relevante do
ponto de vista de outros objetivos de política. Geralmente, as atividades mais
importantes na formação de capital ou no encadeamento da produção não geram
muito emprego e conflitam quanto aos demais objetivos de política.
2 Setores conciliadores de objetivos de política
Os setores-chave segundo os diferentes critérios de política foram obtidos pela
média dos índices de encadeamento das diferentes variáveis. No estudo referido
(Souza, 1988), essas variáveis foram: produção, emprego, salários, renda,
exportações líquidas, demanda final, variação da demanda final (crescimento no curto
prazo) e formação de capital (crescimento a longo prazo).
Os principais setores conciliadores dos diferentes objetivos de política
econômica foram Óleos vegetais em bruto, Moagem de café/café solúvel, Transportes
ferroviários, Extração de minerais metálicos e Usinas de açúcar (Tabela 1). Do
conjunto dos 121 setores da matriz brasileira de 1975, 23 foram chave em relação aos
diferentes objetivos de política, sendo 13 pertencentes ao complexo agroindustrial,
processando matérias-primas ou fornecendo insumos industriais. Isso demonstra a
grande importância dos setores vinculados ao complexo agrícola no processo de
81 Além de Tratores/máquinas rodoviárias e Máquinas/equipamentos agrícolas, também eram chave ossetores Serrarias/ madeira compensada, Artigos de madeira e Extrativa vegetal/silvicultura.
industrialização da economia brasileira naquele ano (Souza, 1988, p. 191). O Brasil
apresentava, em 1975, uma indústria relativamente diversificada e com fortes índices
de encadeamento vertical e horizontal da produção. Os encadeamentos
permaneceram significativos quando os elementos da matriz de Leontief foram
ponderados pelos coeficientes de emprego e outros indicadores, relativos a diversos
objetivos de política. No entanto, ainda se encontrava a presença significativa de
setores tradicionais na criação de emprego e na geração de exportações líquidas.
Tabela 1 Setores-chave segundo os diferentes critérios de política econômica, Brasil,
1975 (Ui.j
> 1 e Uxi. > 1).
Ordem Setores de atividade U.j U*i.
010203040506070809101112131415
Óleos vegetais em brutoMoagem de café e café solúvelTransporte ferroviárioExtração de minerais metálicosUsinas de açúcarAgropecuáriaBeneficiamento de tecidos de fibras naturaisConservas de frutas e legumesDestilação de álcoolPeças para máquinas e ferramentasOutras lavourasCouros e pelesTurbinas e caldeirasBombas hidráulicas e motoresIndústria naval
1,861,791,701,621,541,541,451,231,221,181,181,171,171,151,14
1,171,254,291,521,321,131,191,162,461,661,582,141,361,801,04
Fonte: Souza (1988, p. 191).
3 Mudança da estrutura econômica brasileira, 1980/2002
A Tabela 2 mostra a mudança da estrutura econômica brasileira entre
1980/1991, através dos produtos-chave no encadeamento da produção. Em 1991,
havia 19 produtos-chave, contra 17 em 1980. Entre os produtos-chave deste último
ano, 11 encontravam-se também na relação de 1991; os produtos ausentes foram
Outros produtos têxteis, Seguros, Produtos do café, Leite beneficiado, Serviços
industriais de utilidade pública e Bebidas.
Os produtos-chave no encadeamento da produção, presentes em 1991 e
ausentes em 1980, foram Tecidos artificiais, Fios têxteis artificiais, Produtos de
minerais não metálicos, Artigos de plástico, Produtos químicos não petroquímicos,
Tintas, Outros produtos químicos e Adubos. Constata-se uma troca de Outros
produtos têxteis, por Tecidos e Fios têxteis artificiais e, ainda, três produtos ligados à
agroindústria e dois de serviços, por produtos ligados à indústria mais moderna, de
capital mais intensivo, como os produtos vinculados à química. Essas mudanças
estruturais refletem o avanço da industrialização brasileira, teriam sido mais intensas
se o crescimento econômico continuasse ocorrendo nos anos de 1980. Produtos
siderúrgicos básicos e Laminados de aço se mantiveram nas duas primeiras posições
em 1991. Nas posições seguintes, encontram-se produtos da indústria têxtil, que
passou por intensa reestruturação em decorrência da abertura da economia nos anos
de 1990 e a forte concorrência de importações da Coréia do Sul e da China.
A exclusão de produtos da agroindústria pode ser explicada pela política
discriminatória contra a agricultura praticada nos dois primeiros anos do governo
Collor. Outra observação digna de nota foi a redução dos encadeamentos médios,
para frente e para trás, de Produtos siderúrgicos básicos e de Laminados de aço. Isso
pode ser explicado pela redução do ritmo de crescimento da economia e pela
mudança dos preços relativos, que leva os diferentes setores a substituir insumos mais
caros por insumos mais baratos, desde que a tecnologia permita. De outra parte, a
importância da siderurgia como indústria motora da industrialização tem se reduzido
à medida que surgem novas indústrias básicas, como a indústria petroquímica.
Tabela 2 Produtos-chave do Brasil no encadeamento da produção, 1980 e 1991(U.j > 1 e U*i. > 1).
Ordem Produtos-chave em 1980 Produtos-chave em 1991Produtos (U.j +U*i.)/2 Produtos (U.j+U*i.)/2
1 Produtos siderúrgicos básicos 2,11 Produtos siderúrgicos básicos 1,612 Laminados de aço 1,61 Laminados de aço 1,383 Produtos metalúrgicos não ferrosos 1,47 Fios têxteis artificiais 1,354 Produtos derivados da borracha 1,28 Fios têxteis naturais 1,335 Farinha de trigo 1,25 Produtos químicos não petroquímicos 1,296 Outros veículos e peças 1,23 Produtos metalúrgicos não ferrosos 1,267 Fabr. e manut. de máquinas e
equipamentos1,22 Adubos 1,26
8 Tecidos naturais 1,21 Produtos derivados da borracha 1,249 Seguros 1,19 Outros produtos metalúrgicos 1,23
10 Outros produtos têxteis 1,17 Tintas 1,2311 Papel, celulose, papelão, artefatos
derivados1,16 Tecidos artificiais 1,18
12 Fios têxteis naturais 1,14 Tecidos naturais 1,1613 Serviços industriais de utilidade
pública1,14 Papel, celulose, papelão, artefatos
derivados1,16
14 Leite beneficiado 1,12 Outros produtos químicos 1,1515 Outros produtos metalúrgicos 1,10 Farinha de trigo 1,1416 Produtos do café 1,08 Produtos de minerais não metálicos 1,1317 Bebidas 1,05 Artigos de plástico 1,1218 − − Outros veículos e peças 1,0919 − − Fabr. e manut. de máquinas e
equipamentos1,07
Fonte: Souza (1996a).
Nos anos de 1990, a abertura da economia às importações e a valorização
cambial implicaram a reestruturação da economia brasileira. A análise da mudança
estrutural da economia no período 1990/1998 está indicada na Tabela 3. Foram
calculados os índices de encadeamentos verticais e horizontais para cada ano do
período e identificados os setores-chave. Na tabela, colocou-se a soma de cada um dos
índices, bem como a soma dos encadeamentos totais dos setores-chave, a fim de
analisar sua evolução no período.
Como se observa na Tabela 3, a soma dos índices de encadeamentos verticais
caiu 15% em 1998, em comparação a 1990. Isto significa que o impacto de variações
da demanda final de cada setor sobre o conjunto da economia ficou menor pela maior
abertura da economia nacional ao exterior e pela valorização cambial do período, que
barateou as importações de insumos e de bens de capital. Com isso, a indústria
nacional conseguiu modernizar-se; porém, as relações internas de insumos ficaram
mais fracas. Isso explica o crescimento dos encadeamentos horizontais de apenas
3,8%, no período, bem como a redução dos encadeamentos totais dos setores-chave
de 16,8 em 1990, para 16 em 1997 e 9,8 em 1998 (−41,7%).
Tabela 3 Evolução dos índices de encadeamentos totais da economia brasileira,1990/1998.
Encadeamentos
Totais
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 Variação
entre
1990/1998
(%)
• Para trás 28,6 27,6 25,6 25,6 24,5 25,5 26,6 26,6 24,3 −15.0
• Para frente 26,2 26,1 27,0 27,0 27,2 26,3 27,3 27,3 27,2 3,8
Setores-chave 16,8 15,3 16,6 12,7 12,5 14,2 17,2 16,0 9,8 −41.7Fontes: Souza (2001) e IBGE. Matrizes de insumo-produto, 1990 a 1998.
Fonte: Souza (2001)
4 Mudança de estrutura do emprego, 1990/2002
A redução da integração intersetorial interna retratada na Tabela 3 e na Figura
1, fruto da abertura da economia brasileira às importações nos anos de 1990,
traduziu-se em forte mudança estrutural nesse período. Entre 1990 e 1995, o pessoal
ocupado na economia brasileira cresceu 2.645 mil (+4,5%); a indústria, porém,
desempregou 873 mil (−9,3%), passando de 9.427 mil pessoas ocupadas em 1990,
para 8.554 mil em 1995. Os setores industriais que mais desempregaram no período
foram: minerais não metálicos (−102 mil); têxtil (−100 mil), máquinas e tratores (−98
mil); outros produtos metalúrgicos (−96 mil) e calçados (−73 mil). Na construção
civil, o nível de emprego também se reduziu substancialmente (−507 mil, −12,9%),
mas cresceu na agricultura (252 mil, +1,7%), provavelmente devido ao retorno de
desempregados urbanos. O pessoal ocupado também cresceu no setor terciário (3.775,
+12,5%), com destaque para os serviços (+3.032 mil), comércio (1.252 mil) e
transportes (178 mil). O emprego também caiu na administração pública (−394 mil) e
nas instituições financeiras (−207 mil), fruto do necessário ajuste (Souza, 2001, p.
629).
Como se observava na Tabela 4, em 2002, a indústria ainda não havia
recuperado o número de pessoas ocupadas de 1990 (9.034 mil, contra 9.427 mil). O
nível de emprego na indústria continuou em declínio até 1998, recuperando-se após
com a desvalorização cambial de 1999; houve um aumento de 932 mil pessoas
ocupadas entre 1998/2002 (+ 11,5%), ou 226 mil entre 1995/2002 (+ 2,6%). Neste
último período, a recuperação foi mais intensa nos setores de madeira/mobiliário
(119 mil, + 14,1%), máquinas/tratores (118 mil + 28%), outros produtos
metalúrgicos (99 mil, + 16,2%) e artigos do vestuário (93 mil + 5,6%). Continuaram
desempregando as indústrias têxteis (– 65 mil), material elétrico (– 40 mil), alimentar
(– 33 mil) e eletrônica (– 31 mil). Na agricultura o número de pessoas ocupadas
reduziu-se em 2.655 mil pessoas (–17,5%), enquanto o setor terciário continuou
apresentando o maior crescimento (6.941 mil, ou 20,5%), seguido da construção civil
(635 mil + 18,5%). Mesmo com a ocupação da fronteira agrícola, a agricultura
brasileira ainda continua liberando mão-de-obra para o meio urbano-industrial. O
setor terciário, sobretudo o comércio e os serviços, vêm crescendo rapidamente, acom-
panhando o ritmo da urbanização do país.
Tabela 4 Pessoas ocupadas na economia brasileira, por setor de atividade, 1995/2002(1.000 pessoas).
Variação1995/2002Setores de
atividade1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Pessoasocupadas
%
Agricultura 15.163 13.906 13.679 13.293 14.363 13.496 12.166 12.508 –2.655 –17,5Total da indústria 8.808 8.459 8.269 8.102 8.148 8.837 8.932 9.034 226 2,6– Extrativa mineral 230 207 205 208 190 203 196 206 –25 –10,7– Petróleo e gás 31 26 25 27 37 47 59 62 31 100,7– Mineral não
metálico444 436 453 414 430 469 453 444 0 0,1
– Siderurgia 96 84 79 74 70 80 80 81 –15 –15,6– Metalurgia não
ferrosos56 55 52 55 55 63 63 63 6 11,4
– Outros produt.metalúrgicos
612 628 640 663 643 712 712 711 99 16,2
– Máquinas etratores
422 418 413 388 381 469 509 540 118 28,0
– Material elétrico 153 141 136 132 121 131 132 114 –40 –25,9– Material eletrônico 123 113 109 98 90 97 98 92 –31 –25,3– Autom., caminh.
ônibus88 79 82 68 73 80 78 75 –13 –14,4
– Peças e outrosveículos
236 213 207 193 207 229 224 222 –15 –6,2
– Madeira emobiliário
843 856 835 789 812 926 921 962 119 14,1
– Papel e gráfica 434 423 411 410 424 429 422 423 –11 –2,5– Indústria da
borracha67 55 53 48 48 56 55 53 –14 –20,3
– Elementosquímicos
78 76 79 60 57 55 55 57 –21 –26,8
– Refino do petróleo 68 62 60 49 45 45 45 46 –21 –31,7– Químicos diversos 159 155 161 161 157 151 150 155 –4 –2,5– Farmacêut. e
perfumaria129 126 126 128 119 125 123 120 –9 –6,7
– Artigos de plástico 165 180 183 185 200 216 214 208 43 26,3– Indústria têxtil 308 247 237 231 238 253 247 244 –65 –20,9– Artigos do
vestuário1.644 1.589 1.448 1.410 1.432 1.660 1.697 1.737 93 5,6
– Fabricação decalçados
361 344 321 335 334 412 397 398 37 10,4
– IndústriaAlimentar
1.536 1.486 1.480 1.468 1.470 1.402 1.480 1.503 –33 –2,1
– Indústrias diversas 527 463 474 509 514 528 523 520 –7 –1,3Construção civil 3.429 3.523 3.701 4.036 3.909 4.012 3.924 4.064 635 18,5Setor terciário 33.826 33.877 34.474 35.335 36.118 38.716 39.399 40.767 6.941 20,5Total da economia 61.226 59.765 60.123 60.767 62.578 65.151 64.421 66.373 5.147 8,4Fontes: IBGE. Tabela de recursos e usos, 1995/99. Rio de Janeiro, 2000 e Sistema de contas nacionais, Brasil, 2000/02. Rio deJaneiro,2003.Obs.: Pessoas ocupadas compreendem: empregadores, empregados, trabalhadores por conta própria e trabalhadores nãoremunerados.
QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO
1. Explique os conflitos entre maximizar o produto e o emprego no caso da economia
brasileira.
2. Com base no Quadro 1 e nas Tabelas 1 a 4, comente acerca das mudanças
estruturais da economia brasileira entre 1975/1991 e 1990/2002.
3. Comente acerca dos setores conciliadores de política econômica.
4. Comente acerca da mudança da estrutura do emprego da economia brasileira
entre 1990/2002.
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YOTOPOULOS, Pan A.; LAU, Lawrence J. A test for balanced and unbalanced growth. The
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11INTEGRAÇÃO REGIONAL E MERCOSUL82
SOUZA, Nali de Jesus.
Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
No passado, a eliminação de barreiras à livre circulação de bens e serviços
entre regiões e Estados representou um passo decisivo no desenvolvimento do setor
de mercado interno. Como foi visto no Capítulo 2, este foi o caso da unificação dos
diferentes Estados na Alemanha e Itália, no final do século 19, e das regiões francesas
um século antes. No Brasil, a eliminação dos impostos de exportação entre os Estados
e a construção de rodovias interestaduais agiu no mesmo sentido e consolidou a
hegemonia da economia paulista. Nos Estados Unidos e Canadá, a construção de
grandes ferrovias auxiliou na conquista de extensas regiões no Oeste e no escoamento
da produção das novas áreas para os mercados mundiais. A partir de 1958, a
unificação européia agiu no mesmo sentido, ao ampliar o mercado para cada país-
membro. As economias de escala no interior de cada nação reduziram os custos
médios e incrementaram os lucros e os investimentos. Com o aumento da
concorrência das importações, no entanto, muitas empresas perderam mercado e
outras desapareceram. Surgiu a necessidade de reconversão industrial e de se
aumentar gradativamente a produtividade dos fatores e melhorar a qualidade dos
produtos.
A integração regional na América do Sul aumentou com a implantação do
Mercosul.83 Ele originou-se do Acordo Tripartite Corpus-Itaipu de 1979; os passos
seguintes foram a Ata de Integração e Cooperação de 1986 entre Brasil e Argentina e
o Tratado de Integração e Cooperação de 1989, com a inclusão do Uruguai. O
Mercosul foi finalmente estabelecido com a admissão do Paraguai, pelo Tratado de
Assunção de 26/3/1991. Neste tratado estava prevista a seguinte estratégia: (a) livre
movimentação de bens, serviços e fatores entre os países-membros, com a eliminação
gradual das barreiras alfandegárias; (b) políticas e tarifas externas comuns, bem como
adoção das mesmas estratégias em fóruns comerciais internacionais; (c) coordenação
de políticas cambiais, monetárias e fiscais, bem como adoção de políticas setoriais
para a indústria, mercados de capitais, serviços aduaneiros, transportes e
comunicações; e (d) harmonização das legislações internas que fossem importantes
82 Este material é um anexo à seção 8.4 do livro Desenvolvimento Econômico (Souza, 2005).83 A experiência anterior de integração regional foi a ALALC (Associação Latino-Americana de Livre Comércio),
criada em 1960, e que incluía o México, além dos países da América do Sul. Em 1980, ela transformou-se naALADI (Associação Latino-Americana de Integração). Essa experiência fracassou pela extrema heterogeneidadedos países-membros.
para agilizar a integração regional (Jaguaribe, 1992, p. 32).
Em 1996 foi assinado o Acordo de Complementação Econômica com o Chile
(junho) e a Bolívia (dezembro), que os tornou membros associados do Mercosul,
podendo participar das reuniões de cúpula. Esse acordo previa o estabelecimento de
área de livre comércio entre o Mercosul e os dois países para a maior parte do
comércio bilateral até 2004, quando as tarifas de importação entre os países
signatários estariam uniformizadas. Além das disciplinas comerciais, o acordo tratava
da integração física, da complementação e da cooperação econômica, científica e
tecnológica. Em 1999, foram aprovados os regimes de salvaguardas e de solução de
controvérsias. Em 2002, foram renegociados os programas de redução de tarifas, com
vistas a acelerar os prazos originalmente previstos para a liberalização do comércio.
Nesse ano, o Brasil obteve importantes concessões para a exportação de automóveis
para o Chile.
Tabela 1 Exportações, importações e saldo comercial do Brasil em relação aos demaispaíses do Mercosul, Chile e Bolívia, 1980/2004 (US$ milhões).
Brasil e Argentina Brasil e Uruguai Brasil e Paraguai Brasil e Chile Brasil e Bolívia
Anos Exp. Imp. Saldo Exp. Imp. Sald
o
Exp. Imp. Sald
o
Exp. Imp. Saldo Exp. Imp. Sald
o
1980 1.092 757 335 311 196 115 409 91 318 ... ... ... ... ... ...
1984 853 511 342 136 123 13 333 40 293 281 225 56 141 15 125
1990 645 1.400 −755 295 581 −286 380 332 49 484 485 −1 182 35 147
1991 1.476 1.609 −133 337 413 −76 496 221 276 677 491 186 256 25 231
1992 3.040 1.732 1.308 514 302 212 543 195 348 924 478 446 333 16 317
1993 3.659 2.717 942 776 385 390 952 276 677 1.110 436 675 431 19 411
1994 4.136 3.662 474 732 569 163 1.054 352 701 999 592 407 470 23 447
1995 4.041 5.591 −1.550 812 738 74 1.301 515 786 1.210 1.094 117 530 28 502
1996 5.170 6.805 −1.635 811 944 −133 1.325 552 772 1.055 920 135 532 62 469
1997 6.769 7.941 −1.172 869 967 −98 1.406 518 889 1.196 974 223 720 26 694
1998 6.748 8.023 −1.275 881 1.042 −162 1.249 351 899 1.024 817 208 676 22 653
1999 5.364 5.812 −448 670 647 23 744 260 484 896 719 177 443 23 420
2000 6.233 6.842 −610 669 602 67 832 351 480 1.246 969 278 364 140 224
2001 5.002 6.206 −1.204 641 503 138 720 300 420 1.352 845 506 333 256 77
2002 2.342 4.743 −2.401 410 485 −74 558 383 175 1.461 649 812 421 396 25
2003 4.561 4.673 −112 404 538 −134 707 475 232 1.880 821 1.059 360 520 −160
2004a 4.004 3.021 983 356 281 75 476 173 303 1.346 734 612 284 352 −68Fonte: MDIC. Secretaria do Comércio Exterior (SECEX). Disponível em <www.desenvolvimento.gov.br>.Nota: a Os valores referem-se aos meses de janeiro a julho de 2004.Obs.: As exportações e as importações são as do Brasil em relação ao país respectivo.
Analisando-se a Tabela 1, constata-se que a recessão econômica do início dos
anos de 1980 reduziu o intercâmbio comercial entre os países do Mercosul. Em 1990,
as exportações brasileiras para a Argentina ainda não haviam recuperado o nível de
1980, embora as importações daquele país houvessem quase duplicado. Após a
implementação do Mercosul, entre 1991 e 1992, as exportações do Brasil para a
Argentina duplicaram e as importações continuaram crescendo rapidamente. Com os
demais países do bloco houve igual intensificação do comércio, sobretudo das
exportações brasileiras. Até o início do Plano Real, em 1994, o saldo da balança
comercial do Brasil manteve-se superavitário em relação aos demais parceiros do
Mercosul, incluindo-se o Chile e a Bolívia.
Após 1995, no entanto, com a valorização do real, os saldos comerciais foram
deficitários, principalmente com a Argentina. O déficit manteve-se acima de US$ 1
bilhão entre 1995 e 1998; com a desvalorização cambial no Brasil, esse déficit caiu
para menos da metade em 1999 e 2000; em virtude da reação da Argentina, que
adotou medidas restritivas às exportações brasileiras, esse déficit aumentou em 2001
e chegou a US$ 2,4 bilhões em 2002, em função da adoção pelo Brasil de medidas
igualmente restritivas. Em 2003, o déficit se reduziu para US$ 112 milhões, porém o
intercâmbio comercial entre os dois países caiu para menos de US$ 5 bilhões. Com a
recuperação da economia, o Brasil já acumulou um superávit de quase US$ 1 bilhão
no primeiro semestre de 2004, o que está provocando reclamações da indústria
argentina, sobretudo em relação a produtos como calçados, carne de frango, têxteis e
eletrodomésticos.84 Essas restrições de ambas as partes acabam prejudicando a
integração e as economias respectivas; elas decorrem de vantagens comparativas
momentâneas, em virtude de desvalorizações cambiais mais acentuadas em um dos
países.
Em relação ao Uruguai, intercala-se superávit com déficit após 1995; com o
Paraguai, Chile e Bolívia a situação é de superávit ao longo do tempo. As importações
provenientes da Bolívia eram extremamente baixas até 1999 (US$ 23 milhões); após a
implantação do gasoduto Bolívia/Brasil, em 1999, com 3.150 km de extensão, elas se
elevaram substancialmente; com a importação de gás, elas chegaram a US$ 140
milhões em 2000 e a US$ 520 milhões em 2003. Uma subsidiária da Petrobrás
Internacional explora gás na Bolívia desde 2001, em sociedade com a estatal Petrolera
Andina e a Total francesa.
Em 2004, os principais produtos exportados e importados pelo Brasil de seus
parceiros do Mercosul foram: (a) exportados para a Argentina: automóveis e peças
para veículos, tratores e máquinas agrícolas, outros veículos, equipamentos de
telecomunicação, minério de ferro, motores, máquinas e equipamentos; (b)
importados da Argentina: trigo, naftas e outras matérias-primas para a petroquímica,
petróleo, automóveis e gás natural; (c) exportados para o Uruguai: petróleo, tratores,
84 Em 14-7-2004, Brasil e Argentina estabeleceram cotas de exportação de 90 mil fogões em 2004 e 47.500 até
julho de 2005. Também foram negociadas quotas para a exportação de produtos têxteis, calçados, geladeiras emáquinas de lavar.
veículos e peças para veículos, açúcar, carnes de suíno e açúcar; (d) importados doUruguai: malte, embalagens de vidro e plástico, naftas, arroz, produtos de borracha,
leite, carnes e cimento; (e) exportados para o Paraguai: fertilizantes, tratores e
máquinas agrícolas, pneus, embalagens, sementes, tecidos, produtos alimentares e
produtos químicos; (f) importados do Paraguai: soja e derivados, algodão, carnes,
milho, trigo, couros e madeiras; (g) exportados para o Chile: petróleo, carnes,
automóveis, tratores, chassis com motor, carroçarias para veículos, produtos químicos
e siderúrgicos, carnes e calçados; (h) importados do Chile: minério de cobre, álcool
metílico, produtos químicos, pasta de madeira, salmão, peças para aviões e
helicópteros, vinhos, caixa de marcha para veículos e filé de peixe; (i) exportados paraa Bolívia: soja, produtos siderúrgicos, tratores e máquinas agrícolas, papel e cartão,
óleo diesel, calçados, produtos químicos, pneus, tecidos e eletrodomésticos; (j)
importados da Bolívia: gás natural (85%), petróleo, couros, minérios de zinco e ligas
de estanho.
QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO
1. Pelo fato de o Brasil estar apresentando constantes superávits comerciais com o
Paraguai, Uruguai, Chile e Bolívia, você acredita que a integração está sendo
pouco favorável para esses países? Fundamente sua resposta.
2. No contexto da globalização das economias, consolidação do Mercosul e luta para
a estabilização econômica, entre as abordagens examinadas neste capítulo, qual a
estratégia de desenvolvimento que você recomendaria para o Brasil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JAGUARIBE, Hélio. Significação do Mercosul. In: IBGE. Mercosul Sinopse Estatística.
Rio de Janeiro, v. 1, 1992.
SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
12INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS NA AGRICULTURA85
SOUZA, Nali de Jesus.
Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
Como foi visto nas seções anteriores do livro de Souza (2005), à medida que a
economia passa a ser cada vez mais industrializada, as interdependências entre as
atividades rurais e a indústria reforçam as funções da agricultura no desenvolvimento
econômico. Os vínculos de interdependência ampliam-se na proporção em que a
agricultura se torna absorvedora do progresso técnico e em que a indústria se adapta
às necessidades da agricultura, fornecendo-lhe insumos e adquirindo seus produtos. O
resultado dessa interação beneficia toda a economia, via geração de emprego e renda.
O aumento da arrecadação pública dinamiza os diferentes setores do sistema, por
meio dos gastos governamentais. A interação entre os setores é função da
agroindustrialização e da adoção de inovações na agricultura, bem como da
diversificação da produção agrícola.
O Estado pode acelerar essa integração por intermédio do incentivo à criação
de agroindústrias e cooperativas de produção e à adoção de técnicas agrícolas mais
modernas, por meio de políticas de crédito e preço que levem ao aumento da
produção das várias culturas. As cooperativas, conjugando esforços de um conjunto de
agricultores, interligando-os com o mercado, têm a virtude de incentivar a produção,
aumentar a renda dos agricultores e estimular as inovações tecnológicas.86
A difusão de técnicas existentes tem sido a principal fonte de crescimento da
produtividade agrícola nos países subdesenvolvidos. A abordagem da difusão considera
que as diferenças da produtividade do trabalho e da terra, entre agricultores e regiões,
podem ser reduzidas pela maior difusão do conhecimento tecnológico entre os
agricultores tradicionais. Para o caso do algodão em São Paulo, Pastore et al (1982, p.
78) salientaram que, quanto mais concentrada espacialmente for a produção, tanto
maiores serão os contatos entre os agricultores e pesquisadores, intensificando a
demanda e a adoção de inovações tecnológicas.
1 Tipos de inovações tecnológicas
A dificuldade da adoção de técnicas disponíveis, geralmente criadas em países 85 Este texto constitui um anexo ao Capítulo 9 do livro Desenvolvimento Econômico (Souza, 2005).86 Na análise fica implícita a suposição da existência de demanda para a produção adicional da economia, em vir-
tude das possibilidades de exportação e da geração de renda no próprio processo.
desenvolvidos, diz respeito a sua adequação às características dos países
subdesenvolvidos e à criação de conhecimentos adicionais, adaptativos, mediante
estações experimentais pelo sistema industrial. Em segundo lugar, a adoção dessas
técnicas dependerá da disponibilidade de crédito a ser alocado à pesquisa tecnológica,
à educação e ao financiamento dos agricultores. Tanto as inovações mecânicas(poupadoras de mão-de-obra), como as inovações bioquímicas (poupadoras de terra),
são importantes para o desenvolvimento industrial, mas elas precisam ser adaptadas
às características das regiões e dos produtos (tais como clima, tipo de solo,
disponibilidade de água, elasticidade-preço da demanda), para não causarem
distorções na alocação de recursos.
Determinados insumos modernos exigem abundância de água e topografia
regular. Em muitos casos, técnicas baratas, como novos métodos de cultivo,
espaçamento correto, sementes selecionadas, adequação da cultura ao tipo de solo,
adubação orgânica, podem ser suficientes para aumentar a produtividade e a renda
dos agricultores. A conjugação coletiva de esforços (cooperativas, sindicatos, grupos
de vizinhos) para a aquisição de máquinas agrícolas pode constituir uma solução
relativamente barata para a mecanização de pequenas propriedades, gerando
resultados compensadores. O aumento da produtividade agrícola, em decorrência da
adoção de inovações, expande a oferta dos produtos. Se a curva de demanda
permanecer inalterada, o novo equilíbrio do mercado ocorrerá com redução de preços
e aumento das quantidades demandadas. Essa redução de preços será tanto maior
quanto mais inelástica for a demanda do produto, em relação aos preços. Quanto mais
ela for elástica, tanto menos estes se reduzem com o deslocamento da oferta.
Se a demanda do produto for horizontal (perfeitamente elástica), somente as
quantidades demandadas aumentarão, com o deslocamento da oferta, ficando os
preços constantes. Em outro extremo, se a demanda for vertical (perfeitamente
inelástica), o deslocamento da oferta provocará apenas redução de preços, ficando
inalteradas as quantidades demandadas. A inelasticidade da demanda de um produto
pode provocar a redução da receita total do agricultor, pela queda de preços não
compensada pela elevação das quantidades. Quanto mais elástica for a demanda, um
deslocamento da curva de oferta para a direita, em decorrência de inovações
tecnológicas, provocará um aumento maior das quantidades demandadas, em relação
à queda dos preços, o que eleva a renda dos produtores. Se a demanda for inelástica,
o aumento das quantidades demandadas não será maior do que a redução do preço e
a receita do agricultor irá se reduzir em decorrência da adoção de inovações
tecnológicas.
2 Efeitos das inovações tecnológicas
No caso dos produtos de exportação, em que o preço é dado pelas condições do
mercado internacional, com demanda infinitamente elástica (pequena participação do
país no mercado externo), toda inovação tecnológica aumenta as quantidades
ofertadas sem reduzir o preço. Neste caso, o efeito sobre o aumento da receita do
produtor será máximo. Este tem sido o caso da soja, uma vez que a colheita brasileira
ocorre na entressafra dos EUA, o maior produtor mundial. Isso explica a tendência
para se utilizarem insumos modernos na produção de soja. Dependendo da
elasticidade da curva de oferta, a receita pode, portanto, reduzir-se no setor agrícola
em função do aumento da produção total. Este é o caso da maioria dos demais
produtos, em que os produtores são numerosos e o mercado aproximadamente
concorrencial.
No caso de produtos industriais, as inovações tecnológicas, em geral, implicam
certo grau de monopólio (registro de patentes, por exemplo) e os preços não se
reduzem com as inovações, ou caem menos do que proporcionalmente aos custos
médios. O produtor tende a obter lucro puro até que outros produtores entrem no
mercado, produzindo bens semelhantes ou adotando tecnologias similares. Se o
produto agrícola for industrializado em grande escala e se a demanda, por
conseguinte, for mais estável, a flutuação dos preços agrícolas será menor,
favorecendo a adoção de inovações tecnológicas. Esse fato explica por que as
inovações tecnológicas tendem a concentrar-se nos produtos agrícolas de exportação,
como soja, laranja para suco, entre outros.
No caso de produtos agrícolas industrializáveis, as imperfeições de mercado do
lado da agroindústria podem levar à queda de preços das matérias-primas, objeto de
transformação, a menos que sua escassez induza a agroindústria a pagar preços
maiores, com o objetivo de assegurar maior regularidade em seu fornecimento.
Quando as flutuações das quantidades demandadas e dos preços são muito grandes,
há um componente de risco muito elevado nas decisões do agricultor, em relação à
adoção de inovações. Este é o caso dos produtos alimentares de consumo doméstico,
que são, em grande parte, cultivados em pequenas propriedades: os agricultores têm
dificuldades para adotar inovações, em primeiro lugar, pelo tipo de produto que
cultivam; em segundo lugar, pela escassez de recursos terra e capital; finalmente, pela
dificuldade de acesso ao crédito.
As inovações tecnológicas exercem um efeito alocativo ao deslocar os recursos
da produção de culturas com demanda menos elástica, principalmente alimentos, para
produtos com demanda mais elástica. Com a substituição de culturas em terras mais
férteis e mais bem situadas em relação ao mercado, a produção de bens com demanda
menos elástica, como alimentos, tende a reduzir-se ou a deslocar-se para terras menos
férteis, ou para áreas mais distantes do mercado, em direção da fronteira agrícola. Há,
portanto, visível prejuízo para a política de combate à inflação. As inovações
tecnológicas exercem, também, efeito distributivo, porque o excedente do produtor
aumenta mais no caso dos produtos com demanda mais elástica, como os produtos de
exportação.
3 Modelo da inovação induzida
Observa-se que a introdução de inovações tecnológicas na produção de bens
com demanda de baixa elasticidade implica na necessidade de adoção simultânea de
políticas de preços mínimos, para estimular o produtor. Contudo, a ocorrência de
preços de garantia acima dos preços de mercado resulta no aumento dos estoques
reguladores do governo e de seus gastos. Assim, a possibilidade de exportação e de
industrialização desses produtos passa a ser uma grande alternativa para a ampliação
do mercado. Constata-se, portanto, que o livre funcionamento do mercado pode
provocar uma mudança significativa na estrutura produtiva agrícola, com a produção
de determinados bens crescendo mais do que a de outros. Neste caso, as inovações
tecnológicas são induzidas pela mudança dos preços relativos e pela resposta
institucional às mudanças do mercado (Hayami e Ruttan, 1971).
No modelo da inovação induzida, os preços são os sinalizadores do mercado dos
produtos agrícolas e dos fatores de produção. Os agricultores procuram adotar
inovações tecnológicas para poupar os insumos cujo preço aumentou em relação aos
demais. As instituições públicas são induzidas a desenvolver a tecnologia mais
rentável. Essa resposta institucional depende dos preços do mercado e da existência de
grupos de pressão na sociedade, suscetíveis de induzir a realização da pesquisa
pública, bem como de outros objetivos macroeconômicos e políticos. O aspecto
político-social torna-se muito importante na materialização de uma oferta real de
inovações e esse aspecto foi salientado por Janvry (1978).
A estrutura socioeconômica (posse da terra, nível tecnológico, preço dos
produtos e dos insumos, acesso ao crédito, informação e educação) e a estruturapolítico-burocrática (sistema de pressão social, sistema de compensação eleitoral,
burocrática e legislativa) interagem no sistema de demanda e de oferta de inovações,
exercendo uma filtragem a ponto de modificar o equilíbrio que existiria como
resultado das forças naturais de mercado. Assim, torna-se necessário minimizar as
distorções que produzem vieses na geração e na adoção de inovações tecnológicas,
por meio de políticas agrícolas adequadas.
O aumento da produtividade agrícola nas regiões de minifúndio torna-se
indispensável para melhorar o nível de vida das populações envolvidas e aumentar a
oferta de alimentos. A política brasileira de estímulo às exportações (principalmente
as minidesvalorizações cambiais, a partir de 1968, até os anos de 1980), o aumento
do preço internacional dos produtos agrícolas no fim dos anos de 1960, bem como as
inovações tecnológicas adotadas, beneficiaram a expansão das exportações agrícolas,
especialmente da soja. Para Melo (1982, p. 434), este último fator foi o mais relevante
para explicar as alterações na composição da pauta exportadora em relação à
produção para o mercado interno, devido às diferenças no valor absoluto das
elasticidades-preço da demanda entre os produtos exportáveis e domésticos. O efeitoalocativo provocou elevação do preço dos bens alimentares, entre 1967/1979,
prejudicando especialmente as famílias de menor renda, principalmente nas regiões
mais pobres do Brasil.
Políticas favoráveis à adoção de inovações tecnológicas no setor agrícola são
indispensáveis para aumentar o consumo de bens industriais por parte dos
agricultores, elevar a produção agropecuária e evitar o crescimento dos preços dos
alimentos. Nesse contexto, torna-se muito importante salientar a relevância das
políticas de preços mínimos e de crédito rural, principalmente aquelas orientadas para
o agricultor de baixa renda e para o conjunto dos trabalhadores do meio rural.
QUESTÕES PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO
1. Quais são as principais dificuldades de aplicação de técnicas agrícolas desenvol-
vidas em outros países?
2. Explique os diferentes impactos das inovações tecnológicas sobre preços agrícolas,
nível da produção e renda dos agricultores.
3. Explique o mecanismo de autocontrole de Paiva.
4. A agricultura teria a função de transferir poupanças para a indústria; por outro
lado, os agricultores reclamam que é impossível produzir sem crédito abundante e
subsidiado. Em sua opinião, como a agricultura poderia desenvolver-se e, ao
mesmo tempo, contribuir para o crescimento dos demais setores?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HAYAMI, Yujiro; RUTTAN, V. W. Agricultural development: an international
perspective. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1971.
JANVRY, Alain de. Social structure and biased technical change in Argentine
agriculture. In: BISWANGER, H. P.; RUTTAN, V. W. Induced innovation. Baltimore:
The Johns Hopkins University Press, 1978.
MELO, Fernando B. H. Inovações tecnológicas e efeitos distributivos: o caso de uma
economia semi-aberta. Revista Brasileira de Economia, v. 36, no 4, out./dez. 1982.
PASTORE, José et al. Condicionantes da produtividade da pesquisa agrícola no Brasil.
In: SAYAD, João (Org.). Economia Agrícola: ensaios. São Paulo: IPE/USP, 1982. (Série
Relatórios de Pesquisa, no 11.)
SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento econômico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.