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Acórdão do STJ (2008-2009) e do TRP sobre
autoria e participação no crime
Joana Margarido
N.º 000940
Direito Penal (3º Ciclo)
Supremo Tribunal de Justiça
- Processo n.º 07P4277
Descritores: detenção ilegal de arma; co-autoria; cumplicidade; medida da pena;
Crime: roubo e detenção ilegal de arma
Tomada de posição: não é necessário que cada um dos agentes, na co-autoria, cometa
integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito
incriminador.
Verifica-se a co-autoria quando cada comparticipante quer o resultado como próprio
com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas, bastando um acordo tácito
assente na existência da consciência e vontade de colaboração (o réu sustenta que sendo
a arma só uma, não se vê como possam ser os dois co-arguidos condenados pela sua
detenção).
É autor do crime aquele que toma parte directa na execução do crime não sendo
necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute
todos os factos correspondentes ao preceito incriminador.
Decisão: condenação de ambos no crime de roubo e detenção ilegal de arma.
- Processo n.º 09P0240
Descritores: homicídio; co-autoria; tentativa; actos de execução; desistência;
Crime: crime de homicídio simples
Tomada de posição: essencial à co-autoria é um acordo, expresso ou tácito, este assente
na existência da consciência e vontade de colaboração, bem como a intervenção, maior
ou menor, dos co-autores na fase executiva do facto, em realização de um plano
comum. Abrange sempre uma divisão de tarefas. Os co-autores são co-titulares do
domínio de todo o facto.
Não é da circunstância de não ter praticado actos materiais de agressão in persona que
se pode afastar a co-autoria, além de que todo o seu contributo não deixa de ser
essencial à produção do resultado, integrando-se já no conceito de actos de execução de
uma tentativa, nos termos dos artigos 22.º, al. b) e c) e 23.º do CP. Ou seja, se o
resultado já teve lugar no momento em que o autor queria desistir, o delito já está
consumado, não se suscitando a aplicação do art. 24.º.
- Processo n.º 09P0583
Descritores: co-autoria; cumplicidade; homicídio; roubo; concurso de infracções;
Crime: roubo e homicídio
Tomada de posição: Como refere Maia Gonçalves, CP, 2007, pág. 144 “Os casos de
comparticipação só são configuráveis mediante acordo prévio dos comparticipantes, o
que pode ser da maior importância para determinar a punição e a transmissibilidade
das circunstâncias.
A simples consciência de colaboração parece não ser suficiente para que haja
comparticipação, em face da exigência de acordo, que a lei faz”.
Porém, para Faria e Costa aquele acordo prévio parece não ser indispensável bastando a
simples consciência de colaboração para existir a comparticipação.
Na verdade, refere aquele professor in “Formas do crime, Jornadas de Direito Criminal,
O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, pág. 170:
“Desde que se verifique uma decisão conjunta (“por acordo ou juntamente com outro
ou outros”) e uma execução também conjunta estaremos caídos na figura jurídica da
co-autoria (“toma parte directa na sua execução”). Todavia, para definir uma decisão
conjunta parece bastar a existência da consciência e vontade de colaboração de várias
pessoas na realização de um tipo legal de crime juntamente com outro ou outros. É
evidente que na sua forma mais nítida tem de existir um verdadeiro acordo prévio –
podendo mesmo ser tácito – que tem igualmente que se traduzir numa contribuição
objectiva conjunta para a realização típica. Do mesmo modo que, em princípio, cada
co-autor é responsável como se fosse autor singular da respectiva realização típica
…”.
Decisão: Se o arguido conhecia a possibilidade de o processo em que estava inserido
poder conduzir à morte de outrem e, prefigurando tal resultado, não desenvolveu
qualquer mecanismo inibitório e, pelo contrário, envolveu-se no processo causal,
conformando-se com o resultado, actuou como co-autor na produção daquela morte.”
- Processo n.º 08P3547
Descritores: infanticídio; autoria; co-autoria; omissão; acordo tácito;
Crime: homicídio qualificado ou infanticídio
Tomada de posição: A recorrente não teve o domínio do facto, como alega, mas o
conceito de domínio do facto não pode ser arvorado em critério de autoria nem nos
delitos negligentes, nem nos de omissão, nem nos chamados “delitos de dever” (em que
o facto é caracterizado em primeira linha não por uma acção, mas pela violação de um
dever que recai unicamente sobre pessoas determinadas e de que constituem exemplo
paradigmático os crimes específicos, mas também os crimes de omissão), nem nos
crimes de mão própria (Figueiredo Dias).
Não podemos deixar de considerar que os factos provados demonstram que a recorrente,
através duma conduta omissiva, deu o seu acordo ainda que tácito, a que o seu
companheiro agisse duma forma tal que tivesse levado a que a recém-nascida DD viesse
a sufocar, querendo ambos tirar-lhe a vida.
- Processo n.º 07P3867
Descritores: homicídio qualificado, tentativa; tentativa impossível; actos de execução;
instigação; autoria mediata; co-autoria;
Crime: homicídio qualificado na forma tentada
Factos: A contra B e C para matar a sua mulher, D.
B e C simulam o concordar com “negócio” e vão entregando as provas à P.J.
A envia cartas e faz telefonemas a B e C explicando, pormenorizadamente, o que
pretende: matar, escolhe a arma, o local e o momento do crime, descreve a residência, a
rotina da mulher, descreve o seu carro, paga 5.000euros adiantado.
Decisões: 1ª e 2ª instância absolvem A por considerarem que ele seria punível por
instigação mas, neste caso, como o crime não é consumado nem tentado, a tentativa de
instigação não é punível logo não é punível a qualquer título.
MP recorre para o STJ e propõe a condenação por crime de homicídio qualificado na
forma tentada como autor mediato.
Alegações do MP:
- O arguido, que tinha plena intenção de causar a morte da sua mulher M, só não o
conseguiu por circunstâncias completamente alheias à sua própria vontade,
nomeadamente pelo facto da pessoa ou pessoas contratada(s) não ter(em) levado a efeito
tal plano, abortando desta forma o plano criminoso
- o regime resultante do art. 26.º do CP não exige para a responsabilidade do autor
mediato, o início da execução pelo autor imediato, não excluindo, assim, a possibilidade
de o “homem de trás” ser punido por tentativa a partir de um momento anterior àquele
em que o autor imediato começa a praticar actos de execução do tipo legal de crime –
cf. Maria da Conceição Valdágua in, Figura Central, Aliciamento e Autoria Mediata,
Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, I, págs. 932 a 934.
- Todo o comportamento do arguido funcionou de molde a conduzir ao efeito ilícito por
ele pretendido, integrando a previsão de um crime de homicídio qualificado, na
modalidade de autoria mediata, na vertente tentada prevista no art. 22.º, n.º 2, al. c), do
CP.
- Ao planear, delinear detalhes de execução e ao encomendar e pagar a execução, o
arguido assumiu a posição a que a doutrina, no domínio das teses de autoria, designa
como o “ homem – de- trás” que é um autor mediato, por não executar o facto
directamente, mas que o mantém sob seu domínio, na vertente do domínio da vontade,
controlando a execução e podendo dela desistir, querendo fazê-lo.
No caso em apreço, a execução do plano só não ocorreu por razões alheias à vontade do
autor, razões que o próprio desconhecia.
Conclusões do STJ:
- Esta transmissão telefónica de aceitação implícita da proposta, dá inequívoca
sequência aos actos de execução de que nos falam os tratadistas e que se encontra
reflectido no art.º 22.º n.º 1, desde logo, e, em qualquer caso, n.º 2, alínea c) do CP.
- A conexão temporal entre o começo da tentativa e a representada produção do
resultado era manifesta (cfr. facto 43) e, analisada (como deve ser) a situação sempre do
ponto de vista do arguido, restaria apenas, para que aquele objectivo fosse alcançado,
que se firmasse o “preço” e fosse transmitida a identificação precisa da pessoa visada,
actos estes que “…segundo a experiência comum e salvo circunstâncias
imprevisíveis…” se afiguram ___ tal como, de resto, o da própria formulação global da
proposta ___ “…de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies
indicadas nas alíneas anteriores…”, ou seja, os projectados actos finais de simulação de
roubo, com os planeados disparos
(Parece que o STJ aqui interpreta o art. 26.º, na parte em que exige início de execução,
como prevendo a necessidade de existir um início de execução por parte do próprio
instigador, pois, da parte dele, todos os actos foram praticados) – art. 22.º, al. C) sobre
actos de execução.
- Para a punição de um agente por autoria mediata a lei não exige o início de execução.
Parece-nos correcto afirmar que, também no direito penal português vigente, quando o
autor imediato não chega a praticar actos de execução do facto tipicamente ilícito, o
âmbito de punição do autor mediato pode ser mais amplo (pode começar mais cedo) do
que o da punição do instigador.
Decisão: condenação do arguido A por autoria mediata de um crime de homicídio
qualificado na forma tentada.
Voto de vencido (Santos carvalho e Souto Moura):
- O autor não executa por si o facto materialmente. Deixa que outrem, ou faz com que
outrem, o execute por si e para si, sendo certo que este outrem não tem nenhum domínio
do facto relevante. Acaba por surgir como instrumento (humano) nas mãos do autor. Tal
terá lugar quando esse executante material não tem vontade de agir, caso em que da
parte dele nem sequer se poderia falar de acção humana (coacção absoluta, hipnose
etc.), quando o executante actua em erro sobre a factualidade típica, erro sobre a
proibição, não exigibilidade relevante, ou com falta de consciência da ilicitude, não
censurável, em que foi induzido pelo autor mediato. Ainda quando o executante
material é inimputável, porque o domínio do facto não se reduz ao domínio naturalístico
do facto. O domínio ético-jurídico do facto supõe evidentemente que se esteja à altura
de o avaliar.
- sobre as alíneas do artigo 22.º: Fica-nos a hipótese de os procedimentos do arguido,
“segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza
a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores”
[al. c)].
Não é, também, claramente o caso. A doutrina tem explicitado que “se pode conferir
relevo como de execução apenas ao acto que (assumindo as exigências de “normalidade
social” requeridas pela alínea em exame) antecede imediatamente, sem solução de
continuidade substancial e temporal, o acto cabido nas als. a) ou b)” do nº 2 do artº 22º
do C.P. (cf. F. Dias in última ob. cit. pag. 706).
Ao contrário do que acontece na autoria mediata, em que o legislador começou logo por
se referir a “quem executar o facto” (não tendo que falar mais em execução ou actos de
execução), na instigação o legislador fez depender a sua relevância de haver “execução
ou começo de execução”. Do que resulta, em primeiro lugar, que a actividade dirigida a
determinar alguém ao cometimento do crime não é vista, sem mais, como execução ou
começo de execução do crime. Se a determinação por parte do instigador, fosse o
começo de execução do crime, não faria sentido dizer que tem que haver começo de
execução. Daí que o começo de execução só possa reportar-se à actuação do(s)
instigado(s).
- Não fica sem referência que o comportamento do recorrido revela perigosidade, pese
embora o bem jurídico protegido nunca ter estado ameaçado de modo penalmente
relevante. Mais, tendo em conta a chamada “teoria da impressão”, quanto ao
fundamento teórico da tentativa, estar-se-ia perante uma actuação que autorizava que o
legislador a tivesse previsto e punido, em face do “alarme social causado”. E a via a
seguir poderia ser, em termos de política criminal, que se tivesse enveredado (como
chegou a acontecer na fase de projecto do actual C.P.), no sentido de se responsabilizar
a “tentativa” de instigação (desde que não seja “manifesta a inaptidão do meio
empregado pelo agente”, à semelhança do que dispõe o artº 23º nº 3 do C.P.).
Ou então, seguindo o caminho que o do C.P. espanhol seguiu, onde os actos
preparatórios também não são punidos, salvo se assim estiverem especificamente
previstos. Por isso criou a figura da “conspiração”, da “proposta “, da “provocação” e
“apologia” públicas do crime, como forma de contornar as dificuldades sentidas,
exactamente ao nível da distinção entre actos preparatórios e de execução.
- Processo n.º 58/07.1PRLSB.S1
Descritores: autoria; instigação; cumplicidade; co-autoria; comparticipação; ilicitude
Crime: crime de homicídio qualificado
Tomada de posição: a violência e o sofrimento do crime para a vítima em nada tiveram
que ver com o pretenso envolvimento da arguida», que «em nada terá determinado o
modus operandi da execução do crime, pelo que em nada lhe poderá ser imputada uma
maior censurabilidade pela forma violenta com que o mesmo foi executado», havendo
que reduzir a pena para uma medida «que se mostre mais ajustada com a justiça que o
caso reclama». Aplicação do art. 70.º e 71.º
A co-autoria não tem de ser sempre inicial, mas pode ser sucessiva
A actuação da recorrente, definindo os locais e orientando os co-arguidos nos tempos de
execução, atraindo a vítima ao local para ser e onde foi surpreendida, e conduzindo por
comunicações a concretização da armadilha, constitui um meio insidioso que
possibilitou a surpresa da actuação dos co-arguidos, integrando a circunstância da alínea
h) (actual alínea i)).
- Processo n.º 18/07.2GAAMT.P1.S1
Crime: tráfico de estupefacientes
Questão: associação criminosa Vs. Co-autoria
Tomada de posição: Formalmente, o crime de associações criminosas “é um crime
autónomo, diferente e separado dos crimes que venham a ser deliberados, preparados ou
executados. (…) O crime consuma-se com a fundação da associação com a finalidade
de praticar crimes, ou – relativamente a associados não fundadores – com a adesão
ulterior. Haverá sempre que distinguir claramente o crime de associações criminosas
dos crimes que venham a ser cometidos por todos ou alguns dos associados; entre um e
outros haverá concurso de crimes. Caracteriza a associação o fim que se propõe: a
prática de crimes. Mas sendo de excluir os crimes que não possam por qualquer modo
considerar-se ofensivos da «paz pública», ou de ramos de Direito Penal especial, bem
como de contra-ordenações. Como associação, basta que tenha o mínimo de dois
associados, mas pressupõe uma chefia e uma disciplina ou norma de funcionamento da
organização.”
Tribunal da Relação do Porto
Processo n.º 0412956
Descritores: condução sem habilitação legal; autoria; instigação;
Crime: crime de condução sem habilitação legal
Tomada de posição: o crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal é um
crime de mão própria, uma vez que o ilícito típico apenas se verifica quando o autor o
realiza pessoalmente, o que afasta a possibilidade de condenação do arguido como co-
autor do seu filho. Questão: saber se o arguido pode ser cúmplice ou autor moral (autor
mediato) da prática do crime de condução sem título legal. A instigação consiste
essencialmente em determinar, directa e dolosamente, outrem à realização de um facto
ilícito. O instigador faz surgir noutra pessoa a ideia – anteriormente inexistente – da
prática de um crime, mas é esta pessoa quem decide cometê-lo e, em última instância, o
pratica. A punição do instigador depende claramente, no nosso ordenamento jurídico, da
prática (ou, ao menos, do início da execução) do facto por uma outra pessoa, pelo que,
embora formalmente o artigo 26.º do Código Penal a inclua entre as modalidades de
autoria, parece que a instigação não deixa de ser uma forma dependente, acessória de
um facto que é levado a cabo por outra pessoa – que é o seu verdadeiro autor imediato
ou mediato.
Nas hipóteses de autoria mediata verifica-se, como salienta sugestivamente
alguma doutrina, uma degradação de um ser humano à categoria de mero meio material
(e, por isso mesmo, não livre) para a realização de determinados fins delitivos (e por
isso se pode e deve afirmar que o autor mediato mantém, durante o decurso da execução
do facto, o domínio sobre o desenrolar dos acontecimentos através do senhorio que
exerce sobre a vontade do agente imediato), enquanto que nas hipóteses de instigação
do que se trata é da corrupção de um ser humano livre com vista à produção de um
resultado juridico-penalmente proscrito: o instigador consegue transferir, com sucesso,
as suas intenções delitivas para o autor do facto, que actua, porém, livremente, nunca
deixando de ter, consequentemente, o domínio deste.
Actividade do instigador – requisito objectivo: deve determinar ou causar a
formação da resolução criminosa no autor e a ulterior realização, por este, do facto.
Requisito subjectivo: a instigação há-de ser (duplamente)
dolosa, no sentido de que o instigador tem de ser consciente da circunstância de que está
a motivar outra pessoa a adoptar uma resolução criminosa e a realizar o correspondente
facto, e pretender esta mesma comissão
Processo n.º 0413489
Descritores: cumplicidade; autoria
Crime: crime de condução perigosa
Tomada de posição: A cumplicidade distingue-se da co-autoria pela ausência do
domínio do facto, limitando-se o cúmplice a promover o facto principal através de
auxílio físico ou psíquico, não sendo exigível em geral que a quota de auxílio seja
causal do resultado do facto principal, bastando que este tenha sido fomentado
(possibilitado, facilitado, acelerado ou intensificado) de qualquer forma através da
contribuição do cúmplice.
Decisão: também distingue cumplicidade da instigação através da teoria da causalidade
adequada.
- Processo n.º 0344781
Descritores: autoria moral
Crime: crime de coacção grave
Tomada de posição: Para a verificação da instigação não se exige qualquer relação
directa, nomeadamente por contacto, com os autores materiais, nem que seja o
instigador a escolher as circunstâncias de tempo, modo e lugar da execução do crime
(ao contrário do que se exige para a autoria mediata). Essencial é apenas que sem a
intervenção do instigador o crime não teria sido cometido.
- Processo n.º 0443152
Descritores: autoria; instigação
Crime: crime de condução sem habilitação legal
Tomada de posição: o tribunal de 1ªinstância condenou o arguido a título de co-autoria.
O Tribunal da Relação discorda porque o arguido é titular de habilitação legal e este é
um crime de mão própria. Mas considera aplicado o artigo 28.º, devendo estender-se a
ilicitude deste crime aos comparticipantes, não a título de autor imediato, mas a título de
autor moral – seja autor mediato ou instigador – ou a título de cúmplice.
Um autor mediato não responde por um ilícito alheio mas por um ilícito próprio, porque
detém, a todo o momento, o domínio do facto criminoso e instrumentaliza o autor
imediato. Constituindo a autoria mediata uma das modalidades de autoria em sentido
estrito, é imprescindível, para que a responsabilidade jurídico-penal do autor mediato
possa ser afirmada, que reúna ele todos os requisitos (isto é, que esteja ele plenamente
qualificado) para cometer o crime em causa. Ora, no caso vertente, o pai do menor não
poderia cometer o crime de condução sem habilitação p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2,
do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, pela comezinha circunstância de que, em
relação a ele, se não verificava o elemento típico da falta de habilitação para a condução
rodoviária de veículos com motor na via pública.
O que caracteriza um crime como de mão própria só permite afastar a possibilidade de
ser ele praticado em co-autoria ou em autoria mediata (precisamente porque, na visão
tradicional das coisas, só poderia ser cometido por quem realizasse corporal e
directamente a acção proibida), mas não impede que um terceiro possa ser
responsabilizado pela infracção verificada por nela ter participado como instigador ou
cúmplice.
- Processo n.º 0443166
Descritores: co-autoria
Crime: crime de roubo
Questão: cumplicidade Vs. Co-autoria
Tomada de posição: a co-autoria baseia-se, no nosso sistema no princípio do actuar em
divisão de trabalho e na distribuição funcional de papéis. Todo o colaborador é, aqui,
como um parceiro dos mesmos direitos, co-titular da resolução comum para o facto e da
realização comunitária do tipo, de modo a que as contribuições individuais se
completem num todo unitário e para que o resultado total deva ser imputado a todos os
participantes. Tem-se entendido, sobre esta matéria, que a prática de uma acção
meramente de auxílio ou preparatória, e alguns autores, chegam a considerar que a
prática de uma acção de cariz espiritual, bastam para que se verifique tal externalização
de actividade na comissão do resultado, por menor que esta seja deve ser investigada, de
modo especialmente cuidadoso, de modo a apurar se esse "minus" de colaboração na
execução real se compensa através de um correspondente "plus" no plano co-formador
do crime, e se relativamente d cota do domínio comum do/s facto/s, pelo menos ainda
seja alcançado o valor limiar mais baixo do domínio funcional do facto.
Como referem Leal-Henriques e Simas Santos, [Cf. Código Penal Anotado, 1.º
Vol. 3.ª ed., pág. 339] em anotação ao art.º 26.º do Código Penal, para haver co-autoria
são necessários dois requisitos:
- acordo com outro ou outros: esse acordo «tanto pode ser expresso como tácito;
mas sempre exigirá, como sempre parece ser de exigir, pelo menos, uma consciência da
colaboração (...), a qual, aliás, terá sempre de assumir carácter bilateral» (BMJ 444-43),
- participação directa na execução do facto juntamente com outro ou outros: um
exercício conjunto no domínio do facto, uma contribuição objectiva para a realização
(ex. motorista num assalto a um banco.) não significa que todos tenham que cometer
todos os actos para serem punidos pelo conjunto de factos ilícitos praticados
Decisão: punida a título de co-autora.
- Processo n.º 0445027
Descritores: cumplicidade
Questão principal: pode a esposa do arguido, que foi condenado pelo crime de
contrafacção de moeda, ser condenada por cumplicidade apenas por ter conhecimento
das condutas ilícitas do marido?
Crime: crime de contrafacção de moeda
Tomada de posição: A cumplicidade, única forma com interesse para a decisão,
pressupõe que alguém, dolosamente, preste um auxílio material ou moral, à prática por
outrem de facto doloso ilícito.
A cumplicidade diferencia-se da co-autoria por ausência do domínio do facto; o
cúmplice limita-se a promover o facto principal através do auxílio físico ou psíquico
(Cfr. Ac. do STJ de 6/12/01, in CJ, A IX, t III, pág. 227 e Ac. desta Sec. proferido no
recurso 3152/04).
Decisão: absolvição da arguida
- Processo n.º 0740044
Descritores: ilicitude na comparticipação
Questão principal: está o crime de peculato, enquanto crime específico próprio,
abrangido pela ressalva do artigo 28.º in fine?
Tomada de posição: O crime de peculato é um crime específico próprio porque só pode
ser cometidos por agentes com determinadas características neste caso, funcionários.
Art.º 28º n.º 1: a arguida, apesar de não ser funcionária, pode ser condenada pelo crime
de peculato, já que essa qualidade – funcionário – se verifica nos seus comparticipantes,
nos seus co-autores podendo ser-lhe estendida. Diz a arguida que não pode ser
condenada pelo peculato pois é outra a intenção da norma incriminadora. Importa
determinar o âmbito da excepção excepto se outra for a intenção da norma
incriminadora, para aquilatar da razão ou da falta dela da recorrente. O caso não cabe na
ressalva do art.º 28º n.º1 in fine do Código Penal. A qualidade funcionário exigida pelo
tipo do art.º 375º do Código Penal transmite-se a um co-autor não funcionário, pois a
ressalva do art.º 28º n.º1 do Código Penal, tem em vista e contempla os casos dos
chamados «delitos de mão própria». Que com essa ressalva se tem em vista os crimes de
mão própria, resulta claro das Actas, e o peculato não é um crime de mão própria.
Delitos de mão própria são os delitos que requerem a própria intervenção corporal do
autor no facto, por exemplo na embriaguês, no abandono de sinistrado, na condução sob
o efeito do álcool, o incesto, bigamia e injúria.
Decisão: punição a título de co-autora
- Processo n.º 0642892
Descritores: crime particular; comparticipação; acusação
Questão principal: havendo comparticipação, em caso de crime particular, se a acusação
particular é deduzida só contra alguns dos arguidos, deve entender-se que há falta de
acusação contra todos.
- Processo n.º 142/08.4PUPRT.P1
Descritores: co-autoria
Crime: homicídio, violação, roubo, coacção agravada, ofensas à integridade física
Tomada de posição: São elementos da comparticipação criminosa sob a forma de co-
autoria:
i - A intervenção directa na fase de execução do crime (execução conjunta do facto);
ii- O acordo para a realização conjunta do facto: acordo que não pressupõe a
participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto; que não tem
de ser expresso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento
concludente; e que não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do
respectivo co-autor;
iii - O domínio funcional do facto, no sentido de “deter e exercer o domínio positivo do
facto típico”, dizer o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de
tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão do seu contributo impediria a
realização do facto típico na forma planeada (o que não invalida a orientação de um
acórdão anterior que refere que não é necessária a participação concreta de cada um dos
elementos em cada um dos factos cometidos para que sejam incriminados por todos).
O crime de violação não foi acordado entre os dois arguidos mas durante a prática
sexual por parte de um dele o outro chegou e ajudou a manter a vítima imóvel. -----» co-
autoria também em relação a este crime.